Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3933/19.7T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: JUNÇÃO TARDIA DE DOCUMENTOS
INCIDENTE
CUSTAS
INQUISITÓRIO
DOCUMENTOS
DIFICULDADE
IMPOSSIBILIDADE
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 423.º, 527.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
ARTIGOS 7.º, N.º 8, 27.º, N.º 1 DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: I) Em momento posterior ao prazo de 20 dias antes da data em que se realize a audiência, apenas se admite a junção de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
II) Indeferida a junção de documentos requerida com o fundamento aludido em I) não há lugar a condenação em custas.

III) O tribunal só deve intervir na obtenção de documentos se a parte nisso interessada alegar que não tem facilidade em os obter ou que os não pode obter, devendo tal dificuldade ou impossibilidade ser justificada.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A. , veio propor contra B. e mulher C. , já todos identificados nos autos, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação dos réus a entregar-lhe o prédio urbano identificado na p.i,. de que é dona e proprietária, que os mesmos veem ocupando, sem título para tal e se recusam a entregar-lho.

Contestando, os réus, impugnam os factos alegados pela autora, designadamente que o prédio é pertença, em partes iguais, da autora e da ré mulher, por, assim e por acordo, lhes ter sido adjudicado em partilhas, em face do que nele passaram a residir.

Para a hipótese de procedência da acção, subsidiariamente, formularam pedido reconvencional, no valor de 51.900,00 €, com o fundamento em terem, também, efectuado/participado em obras levadas a cabo no referido imóvel, que custearam, em tal valor.

Replicando, a autora, impugna a veracidade dos factos em que os réus fundamentam a deduzida reconvenção, alegando ter sido ela e apenas ela, a custear as obras levadas a cabo no imóvel em causa.

Foi proferido despacho saneador, em que se admitiu a reconvenção deduzida pelos réus; e, no aqui interessa, se fixaram o objecto do litígio e os temas da prova, de acordo com ao articulado por cada uma das partes.

A que se seguiu a fase da instrução, tendo as partes formulado inúmeros requerimentos de alteração/substituição/aditamento de testemunhas e ofereceram vários documentos, o que, tudo, foi sendo apreciado/decidido.

Dadas as conhecidas contingências decorrentes da pandemia da Covid-19, a realização da audiência de discussão e julgamento esteve agendada várias vezes e, várias vezes, foi dada sem efeito.

Até que, cf. acta de fl.s 314/316, a audiência de discussão e julgamento da presente acção teve início no dia 27 de Setembro de 2021 (1.ª sessão), no decurso da qual, foi ouvida a autora em depoimento de parte; a ré em declarações de parte e foram inquiridas seis testemunhas.

Finda esta sessão da mesma, cf. requerimento de fl.s 318 a 319 v.º, entrado em juízo no dia 29 de Setembro de 2021, a autora, veio requerer a junção dos documentos, juntos, por cópia, de fl.s 320 a 345 v.º, alegando para tal serem os mesmos importantes para saber quem suportou o custo das obras levadas a cabo no identificado imóvel e apresentando como justificação para só nessa data os apresentar, o facto de o filho dos réus, de nome Paulo, “ter saído de casa e levado consigo várias pastas e dossiers que continham documentos, entre os quais, diga-se faturas, recibos, como comprovativos de pagamentos efetuados pela A. e, só por ela” – artigo 6.º.

“… esta (autora) procurou junto do empreiteiro – face não terem sido juntos pelos RR – se, o mesmo lhe facultava – dado não ter sido permitida a sua substituição como testemunha – documentos que, pudesse ter em sua posse, ou seja, desde logo, o alvará de licença de demolição, como cópia de orçamento, de faturas, de recibos, conforme documentação em anexo” – cf. artigo 7.º.

“Ao que o mesmo tendo regressado de França no passado Domingo, acedeu e, apenas no final da semana lhos facultou” – cf. artigo 8.º.

Concluindo (artigo 13.º) “Pelo exposto se justifica no entender da A. e, salvo melhor opinião, não tendo podido apresentar antes, a documentação, só agora facultada, porquanto, como se afirmou, o empreiteiro lha facultou, para poder juntá-la”.

Indicou, para tanto e se necessário, duas testemunhas e que lhe fossem tomadas declarações, com vista à prova do alegado.

Ouvidos os réus, estes, através da sua Mandatária, no decurso da segunda sessão da audiência de discussão e julgamento (cf. acta de fl.s 346 a 348, designadamente, fl.s 347), ocorrida em 30 de Setembro de 2021, pugnaram pelo indeferimento da requerida junção de documentos, com fundamento na sua irrelevância para a decisão a proferir.

De seguida, a M.ma Juiz, indeferiu a junção de documentos requerida pela autora, não os admitindo, ordenando o respectivo desentranhamento e condenando-a na multa de uma UC e meia, pelo incidente deduzido, nos termos que se passam a reproduzir:

“De harmonia com o disposto no art.º 423 do Código Processo Civil, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o seu articulado, e finalmente após o limite temporal previsto no número anterior no n.º 2, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, isto refere-nos o n.º 3 do citado artigo.

No caso dos autos, a Autora veio, em pleno decurso de audiência de julgamento pretender juntar novos documentos, alegando, para justificar a oportunidade dessa mesma junção, que só agora foram facultados, nomeadamente, pelo empreiteiro a que se referiu no seu antecedente requerimento. Ora, conforme melhor decorre dos autos, a ação encontra-se pendente desde o ano de 2019; a contestação-reconvenção foi apresentada a 13/01/2020 e a Autora apresentou, subsequentemente, a sua réplica. Assim, os factos que estão em litígio há muito tempo que são conhecidos da Autora. O respetivo saneamento foi efetuado por despacho de 05/06/2020, o qual elencou o que era objeto de litígio e os temas de prova, do que resulta que a Autora também há muito tempo, mais precisamente desde meados de 2020, que sabe quais os factos relevantes e controvertidos que, sem a sua reclamação, foram elencados como sendo objeto da introdução. Conhecendo ou não havendo alegado que ignorava a existência dos documentos que agora pretende juntar, há muito que, tendo-os por relevantes, os devia, então, ter obtido, nomeadamente junto da pessoa em cuja posse alegadamente estavam. Isto para dizer que a obrigação, no fundo aquilo se entende, a obrigação da parte juntar tempestivamente os documentos refere-se não apenas aqueles documentos que a parte tenha na sua posse, mas também, obviamente, em relação a todos os documentos que existam e que a parte possa obter junto de terceiros, quer pessoas, quer entidades, que os detenham. Portanto, desde logo, por aí entende-se que a justificação apresentada pela Autora para juntar apenas nesta fase os documentos em apreço não é uma justificação válida. Percorrendo sumariamente os documentos que pretende agora juntar, resulta que estamos perante um alvará de autorização e da licença da demolição que, portanto, serão documentos que existem junto do Município e que estão na titularidade exatamente da Autora Dona A. , portanto a qualquer momento podê-los-ia ter obtido. Relativamente ao mais, verifica-se que são tudo documentos entre orçamentos, faturas, guias de transporte, tudo documentos que estão endereçados à mesma Autora e, portanto, é suposto que ela há muito tempo, mesmo que não tivesse exemplares ou duplicados na sua posse (alguns deles são repetidos, portanto certamente que devia ter consigo), mas mesmo que não tivesse na sua posse até atendendo ao decurso do tempo que já decorreu, há muito que sabia da sua existência, poderia ter diligenciado junto do terceiro que os tinha na sua posse, pela sua obtenção.

Do que sumariamente, se referiu, resulta que, ressalvado todo o respeito por entendimento contrário, se entende que a justificação apresentada para a Autora só agora ter junto os documentos não é válida e séria, no sentido de permitir a sua junção à luz do citado n.º 3 do art.º 423 do CPC. Mais se entende que o Tribunal deve observância à opção que o legislador fez sob o art.º 423, n.º2 no mesmo Código, no sentido de, e em grande medida com o fim de obstar a que seja prejudicado a normal realização de julgamento, e ainda também a responsabilizar a parte pela atempada junção da prova que tenha por pertinente, dizia que, se entende que se deve respeitar a opção que o legislador teve no sentido de estabelecer o prazo de 20 dias antes da data que se realize a audiência final, como prazo limite para a junção nos casos habituais e fora das exceções previstas no seu n.º 3, para a junção de documentos, sob pena de admitindo-se documentos juntos no decurso da audiência, num caso tão obviamente intempestivo como no caso dos autos, se estar claramente a fazer letra morta da referida opção do legislador que incerta naquele n.º 2.

Portanto, resumidamente e por aquilo que sumariamente se deixou dito, entende-se que a junção ora pretendida é claramente intempestiva, motivo pela qual não se devem admitir na causa os documentos ora juntos e se determina o seu oportuno desentranhamento, quer obviamente, do processo eletrónico, quer do suporte físico que o acompanha.

Custas do incidente do desentranhamento pela Autora, nos termos do artigo 27º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se a taxa de justiça devida em uma UC e meia.”.

Inconformada com tal decisão, interpôs recurso, a autora A. , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 375 e v.º), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se são de admitir os documentos apresentados pela recorrente, no decurso da audiência de julgamento.

A matéria de facto a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.

 

Se são de admitir os documentos apresentados pela recorrente, no decurso da audiência de julgamento.

Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se são ou não, de admitir os documentos cuja junção foi requerida pela autora, já no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Como resulta dos autos e do relatório que antecede, pretendeu a ora juntar aos autos, uma cópia do alvará de licença de demolição, emitida pela Câmara Municipal de ... , em 4 de Outubro de 2001; alvará de autorização de utilização, emitida pela mesma Câmara, em 28 de Maio de 2009 e guia de receita devida pela emissão de alvará de licença de construção, emitida pelo mesmo Organismo, em 4 de Outubro de 2001; um orçamento, referente a armação de ferro, datado de 25 de Outubro de 2001 e um outro de armação de sapatas, pilares e vigas, com  a mesma data  e diversas facturas e guias de transporte, emitidas nos anos de 2001 e 2002.

Como acima referido, a autora justifica a entrega tardia, com o facto de o filho dos réus ter levado consigo as pastas onde estavam estes documentos, só agora os tendo obtido do empreiteiro, regressado de França.

Trata-se, pois, da questão de averiguar das condições de admissibilidade de documentos no decurso da marcha processual, designadamente, já no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Rege quanto ao momento da apresentação dos documentos, o disposto no artigo 423.º do CPC, nos termos do qual, em caso de junção de documento em momento posterior ao de 20 dias antes da data em que se realize a audiência, apenas se admite a junção daqueles cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – cf. seu n.º 3.

In casu, nada resulta da acta de julgamento, que “legitime” que só nessa fase tenha sido requerida a junção da ora referida certidão.

Ora, nesta fase, tais documentos apenas seriam admissíveis no caso de a respectiva apresentação não ter sido possível até aquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – cf. n.º 3 do citado artigo 423.º.

Trata-se de documentos que a autora já anteriormente podia ter obtido, como agora o fez, bastando, para tal, realizar as diligências que agora encetou, reiterando-se que nada se alegou no sentido de que a sua obtenção não foi possível anteriormente.

A actuação que a autora agora terá feito no sentido de vir a obter tais documentos, poderia e deveria ter sido feita em data anterior, se tivesse agido com normal diligência, que mais não exigia do que dirigir-se à Câmara Municipal de ... e requerer a passagem de cópias dos documentos por esta emitidos, de que tinha conhecimento, uma vez que tinham sido emitidos em seu nome e alega ter pago os respectivos custos.

De igual modo, quanto aos demais, o contacto que agora fez junto do empreiteiro, podia e devia tê-lo feito antes,

Efectivamente, a autora não alega que desconhecia o paradeiro do empreiteiro, nem que não o pode contactar antes e, alegando, como alega, que pagou os respectivos custos, sabia da sua existência.

Nem sequer alegou, que a pessoa em cuja posse, alegadamente, se encontravam tais documentos, se recusou a entregar-lhos ou que o tenha contactado para tal.

Não o tendo feito atempadamente, a recorrente apenas de si própria se poderá queixar.

O que não se pode é ter como preenchido o requisito a que se alude no artigo 423.º, n.º 3 do CPC, para que fosse admitida a junção dos referidos documentos.

De resto, saliente-se e reitere-se, que a recorrente não alega que não tinha conhecimento dos referidos documentos ou que tenha existido recusa em os disponibilizar por parte de quem os detinha (caso em que poderia ser deferida a junção – cf. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, a pág. 250 (corpo do texto e nota 66) e CPC, Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Edição, Almedina, Julho de 2017, a pág.s 240 e 241).

Reiterando, nesta obra, pág. 239 que “Após os referidos 20 dias (anteriores à data da audiência final), a parte pode ainda apresentar o documento na 1.ª instância, mas só em caso de superveniência (objectiva ou subjectiva) do documento (que foi impossível apresentar antes) ou em caso de ocorrência posterior que tenha tornado necessária a apresentação do documento.”.

Assim, não se pode concluir que a recorrente os não tenha podido apresentar anteriormente, pelo que não poderiam os mesmos ser admitidos, nos termos legais, como o não foram.

A autora intentou a presente acção no dia 21 de Novembro de 2019 e logo nessa data ou até anteriormente (com vista à sua propositura) podia e devia encetar todas as diligências com vista a demonstrar os factos em que assenta a sua pretensão, em que se inclui a recolha dos referidos documentos.

Os actos e factos retratados nos referidos documentos são todos anteriores à propositura da acção e, como é óbvio, bastante anteriores à data em que se realizou a audiência de julgamento, pelo que, atempadamente, podia a autora ter obtido os documentos que ora pretende sejam juntos aos autos.

Assim, repete-se, não fica justificada a junção dos documentos ora em causa, não sendo, pois, os mesmos de admitir.

Apesar de a recorrente, nas suas alegações, pretender justificar a junção dos documentos, ao abrigo de uma hipotética aplicação do disposto no artigo 411.º do CPC, o certo é que os documentos não foram admitidos apenas com base no disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC e não por razões que decorrem do princípio do inquisitório que subjaz a tais preceitos.

Ainda assim, não deixaremos de referir que igualmente não teria viabilidade a pretensão da recorrente, para que os mesmos sejam admitidos ao abrigo do disposto nos artigos 411.º e 436.º do CPC (só a esta luz se entendendo a referência à “justa decisão da causa”, como preceitua o artigo 602.º, n.º 1, in fine, do CPC).

O inquisitório que subjaz a tais preceitos não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando, em nosso entender, o recurso a estes preceitos quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de, ela própria obter o documento, como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, 2004, Almedina, a pág. 474, em anotação ao disposto no artigo 535.º do CPC (a que corresponde o actual 436.º).

Ora, nada é alegado no sentido de justificar a substituição do tribunal à parte na apresentação dos documentos, pelo que, igualmente, por este prisma, não pode proceder o recurso.

Em suma e em conclusão, não se nos afiguram preenchidos os requisitos legalmente previstos, para que os documentos em apreço pudessem ser recebidos, pelo que o recurso em apreço não pode ter sucesso, em função do que é de manter a decisão recorrida.

Em função do que se ordena, que, após trânsito em julgado deste Acórdão, se desentranhem e remetam à autora os documentos aqui juntos de fl.s 320 a 345 v.º.

E, contrariamente ao alegado pela recorrente, nem a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 20.º, 202.º, 2 e 205.º, n.º 1, da CRP e 154.º do CPC.

Como resulta da transcrição que da mesma acima se efectuou, a decisão recorrida justifica e fundamenta o porquê da decisão de não admissão dos documentos.

Se o fez bem ou mal, em termos substantivos, é coisa de que neste âmbito não importa averiguar, uma vez que nos movemos no domínio da simples fundamentação ou não fundamentação de tal decisão, ou seja, a nível formal.

E quanto à análise substantiva de tais questões, já acima nos pronunciámos.

De acordo com o artigo 13.º da CRP, consagra-se o direito de igualdade de todos perante a lei e no seu 20.º, n.º 1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, princípio que vem igualmente, plasmado no n.º 2 do seu artigo 202.º, de acordo com o qual, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

O artigo 205.º estabelece a obrigação de fundamentação legal das decisões proferidas pelos tribunais, o que se acha transposto, igualmente, no artigo 154.º do CPC e o 204.º, da CRP, a obrigação de, nas suas decisões, os tribunais respeitarem os comandos ínsitos na Constituição da República.

Ora, no caso em apreço, todas as partes processuais tiveram ao seu dispor os articulados respectivos, nos quais alegaram, em pé de igualdade e em obediência às leis processuais civis, as respectivas pretensões e fundamentos e arrolaram os meios de prova respectivos.

A tramitação do processo seguiu os trâmites legalmente estabelecidos, designadamente em obediência ao princípio do contraditório e “da igualdade de armas” concedidos a ambas as partes.

No seguimento do normal iter processual foi proferida a decisão recorrida que apreciou e decidiu, de acordo com a lei, o conflito de interesses que lhe subjaz.

Por último, de acordo com o artigo 205.º, n.º 1, da mesma CRP e 154.º do CPC, exige-se que os tribunais fundamentem as suas decisões.

Como já concluímos, a decisão recorrida encontra-se fundamentada, nos termos legais, pelo que, igualmente, não se mostra violado este preceito da nossa Lei fundamental, nem o ora citado artigo 154.º.

Por último e no que a tal concerne, alega a recorrente que ao longo do processo “considera não ter por parte do Tribunal a quo um estatuto de igualdade substancial, seja no uso dos meios de defesa como na aplicação de cominações processuais”, exemplificando, nas conclusões 2.ª a 5.ª, as decisões proferidas em 1.ª instância, em que baseia tal conclusão.

Não cabe no âmbito deste recurso, apreciar outras questões que não as balizadas pelo respectivo objecto e que in casu se prendem com a tempestividade da junção dos documentos acima referidos, como acima já mencionado.

Se, anteriormente, a autora e aqui recorrente, se sentiu prejudicada com alguma das decisões proferidas, por contrárias à lei, deveria das mesmas, em tempo útil, ter interposto o competente recurso, pelo que, quanto a tal, nada mais há a determinar.

Insurge-se, ainda, a recorrente quanto à condenação em custas a que foi sujeita.

Aqui, pensamos ter razão.

Eectivamente a condenação em custas encontra-se fundamentada na decisão recorrida no disposto no artigo 27.º, n.º 1, do RCP, de acordo com o qual “Sempre que na lei processual for prevista a condenação m multa ou penalidade de alguma das partes (…) sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia ente 0,5 UC e 5 UC”.

Por outro lado, dispõe o artigo 527.º, n.º 1, do CPC, que “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa …”.

Referindo-se no artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais, que se consideram “procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.

A condenação em custas pela junção tardia e não justificada de documentos está apenas directamente prevista para a hipótese do n.º 2 do artigo 423.º do CPC e não já para a do seu n.º 3.

Pelo que, são de ter em conta o que dispõem os restantes artigos acima citados, designadamente o 527.º, n.º 1, do CPC e 7.º, n.º 8, do RCP.

Como referem Lebre de Freitas, CPC, Anotado, Vol. 2.º, 4.ª Edição, pág.s 421/2 e se escreve no Código GPS, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 601, importa ver se estamos perante acto ou processado “que se integra na tramitação normal do processo ou se, ao invés, introduz uma questão lateral de maior ou menor complexidade. Para além dos casos que sejam como tal tipificados, deve ser tratado como incidente aquilo que não se integre na tramitação normal, apresentando autonomia relativamente ao objecto do processo e que mereça ser tributado tendo em conta os princípios da causalidade e da proporcionalidade, nos termos do art.7.º, n.º 8, do RCP”.

Ou, como refere Salvador da Costa, in As Custas Processuais, 8.ª Edição, Almedina, Setembro de 2021, a pág. 110 “Propendemos a considerar ser pressuposto da anomalia dos incidentes e dos procedimentos o seu radical alheamento face ao desenvolvimento normal da lide, ou seja, deve tratar-se de questões processualmente descabidas face à sua dinâmica normal”.

Ora, salvo o devido respeito por contrário entendimento, não nos parece que o pedido de junção de documentos, não se integre na tramitação normal do processo e que se revista de autonomia tal que mereça ser tributado autonomamente (com a ressalva assinalada no que respeita à hipótese prevista no artigo 423.º, n.º 2, do CPC).

A falta de justificação e desconformidade legal para a dedução de tal pedido, acarreta, como acarretou, o indeferimento de tal pretensão, mas sem que se justifique uma tributação autónoma em custas. A sanção para a dedução de um pedido injustificado é a pretensão não ser atendida, dada a falta de razão, de fundamento, para tal e nada mais.

Assim, dá-se sem efeito a referida condenação em custas, mantendo-se o mais decidido.

Consequentemente, procede, parcialmente, o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, no que se refere à condenação em custas, mantendo-a quanto ao mais nela decidido;

Custas, pela apelante, na proporção de 80% (oitenta por cento).

Coimbra, 25 de Janeiro de 2022.