Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
820/12.3TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
CONCESSIONÁRIO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILISÃO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 12.º, N.º 1, DA LEI 24/2007, DE 18-07
Sumário: 1. O art. 12.º, n.º 1, da Lei 24/2007, de 18-07 estabelece a inversão do ónus da prova no âmbito da responsabilidade civil das concessionárias, consagrando uma presunção legal de culpa da gestora/concessionária.

2. Tal presunção legal não se ilide, via de regra, com a genérica demonstração de deveres de manutenção, conservação, vigilância e fiscalização. Em certos casos, a ilisão terá mesmo que ser lograda mediante a prova histórica, positiva, a respeito do modo de ocorrência da “anormalidade/anomalia”.

3. O que significa que, com graus de exigência e de geometria variáveis em função das circunstâncias do caso, é em sede de alegação e depois em sede de apreciação da prova que a “prova liberatória” do gestor/concessionário pode e deve ser feita.

4. Tendo a ré efectuado a vigilância e manutenção adequadas e exigíveis para evitar a produção de acidentes, designadamente provocados pelo aparecimento de um objecto, no caso, a roda de um pesado, na via, logrou ilidir a presunção de ilicitude e culpa que ab initio a onerava.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

“Companhia de Seguros A... , SA”, intentou a presente acção declarativa de condenação, então, sob a forma de processo ordinário, contra “B... , SA”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 100.354,00 €, acrescida de juros de mora, calculados à taxa prevista no artigo 102.º, n.º 3 do Código Comercial, vencidos desde 29 de Setembro de 2012 e vincendos até efectivo e integral pagamento, contabilizando os vencidos na quantia de 24.084,96 €.

Com o fundamento em exercer a actividade da indústria de seguros do ramo automóvel e no âmbito da qual celebrou, 28 de Julho de 2008, por um ano e seguintes, com “C...., L.da”, um contrato de seguro obrigatório automóvel, titulado pela apólice (...) relativo aos veículos de matrículas (...) ZA (tractor pesado de mercadorias de marca Volvo) e L-17 (...) (semi-reboque cisterna, marca Hermanns), com a inclusão da cobertura facultativa dos danos causados por choque, colisão ou capotamento, vulgarmente designados por “danos próprios”.

Em 23 de Julho de 2009, cerca das 04 h e 45 m, D... conduzia o conjunto constituído pelos dois veículos acima identificados, na AE n.º 17, no sentido sul – norte, pela via direita da hemi-faixa respectiva, a uma velocidade inferior a 90 kms/h e cumprindo as demais regras estradais.

Quando circulava ao km 79 dessa AE, o referido condutor foi surpreendido pela presença no piso da hemi-faixa por onde seguia de uma roda completa, “jante e pneu”, de grandes dimensões e pertencente a um veículo pesado, cortando a sua linha de marcha e sem que tivesse tempo ou espaço para efectuar qualquer manobra de recurso, que não uma travagem e tentar guinar para a sua esquerda, mas sem que tivesse conseguido evitar embater com a frente do seu veículo nessa roda, atento a que só a viu quando já se encontrava a 20/30 metros dela, dado circular em médios e ali não existir iluminação, nem a sua presença na via se encontrava assinalada por qualquer meio.

Em consequência de tal embate, o condutor do supra identificado conjunto de tractor e semi-reboque, perdeu o controle do veiculo, não conseguindo evitar que este se tivesse despistado e capotasse, ficando imobilizado na via esquerda e no separador central, sofrendo danos de tal forma grandes que determinaram a perda total de ambos os seus componentes, por a respectiva reparação ser demasiado onerosa, em consequência do que pagou à sua segurada a quantia global de 100.354,00 €.

Mais alega que a GNR-Destacamento de Coimbra, tomou conta da ocorrência, tendo confirmado a presença na via da mencionada roda e a existência de danos nos veículos.

Assaca a responsabilidade pela produção do acidente à ré, na qualidade de concessionária da AE em causa e a quem, por isso, incumbia a responsabilidade de manter a segurança aos utentes de tal via e, assim, exercer uma vigilância adequada de molde a evitar que os utentes da mesma pudessem ser surpreendidos com a presença da referida roda na faixa de rodagem, o que não fez conveniente e adequadamente, o que a faz incorrer na obrigação de indemnizar a autora pelos danos ocasionados pelo acidente que está na génese dos presentes autos.

Contestando, a ré invocou a prescrição do direito a que se arroga a autora, por a acção ter dado entrada em juízo quando já eram decorridos mais de 3 anos, contados desde a ocorrência do acidente.

Impugnou a veracidade do alegado na p.i. quanto ao modo como ocorreu o acidente e alegou ter cumprido todas as obrigações que sobre si impendiam na qualidade de concessionária da AE, designadamente patrulhando por si e através da GNR, em toda a extensão da concessão, tendo sido feito o último patrulhamento, no local onde ocorreu o acidente, cerca das 02h e 55m, sem que qualquer anomalia tivesse sido detectada e sem que lhe tivesse sido comunicada a presença de qualquer obstáculo na via, em função do que pugna pela improcedência da acção.

Deduziu pedido de intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros F... , SA”, com o fundamento em ter celebrado com a mesma um contrato de seguro que cobre o risco em causa nos autos.

Conforme despacho de fl.s 58 e 59, foi admitida a intervenção da F... , SA.

A qual, depois de citada, veio apresentar contestação, em que impugna toda a factualidade alegada pela autora e no mais, adere à apresentada pela ré.

Respondendo, a autora pugna pela improcedência da excepção da prescrição, com o fundamento em que o prazo para a propositura da acção só se inicia na data em que pagou à sua segurada.

Com dispensa da audiência prévia, foi elaborado despacho saneador tabelar e se fixou o objecto do litígio e se enumeraram os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 116 a 174, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se julgou improcedente a invocada excepção de prescrição e se julgou improcedente, por não provada, a presente acção, com a consequente absolvição da ré do pedido, ficando as custas a cargo de autora e ré, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora, A... , SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 212), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Dos factos dados como provados no presente processo – que aqui se dão como integralmente reproduzidos, para evitar alongar desnecessariamente estas conclusões – resulta que o acidente em causa nos autos ocorreu, cerca das 04h45m do dia 23/07/2009, sem qualquer culpa do condutor do veículo seguro na apelada,

2. E foi devido, exclusivamente, à existência de um obstáculo não sinalizado na faixa de rodagem da A17, não se tendo verificado nenhuma circunstância que permitisse concluir que quer a velocidade que imprimia ao veículo, quer o modo de condução tivessem alguma conexão com o acidente,

3. Não se tendo provado também culpa de terceira a verificação de caso fortuito ou de força maior.

4. Resultou também provado que a Ré é concessionária da Auto-estrada 17, designadamente do lanço a que pertence o Km 79,250 dessa auto-estrada, conforme instituído pelo contrato de concessão na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 215-B/2004 de 16 de Setembro,

5. Auto-estrada essa que é patrulhada pela Operadora “G... , S.A.”, 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano e no dia do sinistro, e os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados, tendo sido realizado um patrulhamento na zona do embate cerca das 02h50, no sentido contrário, cerca da 01h00m, sendo ainda patrulhada pela GNR,

6. Sendo que durante os patrulhamentos efectuados e até ao momento da comunicação à Ré do sinistro (às 4h51m), não foi detectado nem comunicada a existência de qualquer obstáculo à circulação rodoviária naquele troço da autoestrada.

7. Admitindo a testemunha da ré que efectuou essas patrulhas que no decorrer delas poderia não ver o obstáculo, uma roda completa de um veículo pesado, na faixa de rodagem (ao referir que dificilmente não a veria).

8. O patrulhamento efectuado pela ré no local em que veio a ocorrer o acidente – cerca de duas horas antes deste ocorrer, na semi-faixa onde este ocorreu, e cerca de quatro horas antes na semi-faixa contrária), não cumpre o dever de zelar pelas boas condições de segurança e comodidade de circulação na autoestrada,

9. Pelo que esta não conseguiu elidir a presunção de culpa que decorre do art. 12º- 1 da Lei 24/2007, de 18 de Julho,

10. Sendo assim esta responsável pela eclosão do acidente em causa nos autos, ao não detectar, sinalizar ou remover o obstáculo que, em plena faixa de rodagem, se deparou ao condutor do veículo na ora apelante,

11. Devendo, em consequência ser revogada a sentença recorrida, por ter violado, por erro de aplicação e interpretação, o disposto no art. 12º-1 da Lei 24/2007, de 18 de Julho, 493º-1 e 592º do C. Civil, e substituída por outra que, julgando a ré responsável pelo não cumprimento das obrigações de segurança a que se encontrava obrigada, a condene no pagamento à apelante da totalidade da indemnização peticionada.

Como é de J U S T I Ç A

Contra-alegando, a ré, pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta invocados.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se a ré não conseguiu ilidir a presunção de culpa que decorre do artigo 12.º, n.º 1 da Lei 24/2007, de 18 de Julho e;

B. Se, consequentemente, deve indemnizar a autora pelos prejuízos que esta sofreu em consequência do acidente.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A. No dia 23 de Julho de 2009, cerca das 04h45m, E.... conduzia o conjunto formado pelo trator com matrícula (...) ZA e semi-reboque com matrícula L-17 (...) (doravante conjunto trator/semirreboque) pela Autoestrada n.º 17 no sentido sul> norte, pela via da direita da hemi-faixa destinada ao sentido sul> norte, a uma velocidade não superior a 90 Km/h.

B. A preceder o conjunto trator/semirreboque circulava, pela Autoestrada n.º 17 no sentido sul> norte, pela via da direita da hemi-faixa destinada ao sentido sul> norte o veículo ligeiro com a matrícula (...) GC.

C. Aproximadamente ao Km 79,250 da referida A17 a hemi-faixa de rodagem comporta duas vias de trânsito no sentido sul> norte, com uma largura total de 7,60 metros e apresenta traçado reto e plano, com o piso em asfalto e em bom estado de conservação, sendo ladeada, à direita, por uma berma com 2,80 metros de largura e delimitada por um separador metálico lateral e à esquerda por um separador central com a configuração de uma vala, limitada por um separa-dor metálico que a separa da semi-faixa contrária.

D. No circunstancialismo de tempo e lugar referidos em A) e C), respetivamente, fazia bom tempo, era noite escura e não existia qualquer iluminação da auto-estrada.

E. Quando circulava junto ao Km 79,250 dessa A17 o condutor do conjunto trator/semirreboque foi surpreendido pela presença de uma roda completa – jante e pneu – pertencente a um veículo pesado no piso da via da direita e que cortava a sua linha de marcha.

F. Atenta a pouca distância a que esta roda se tornou visível na sua via de trânsito e à imprevisibilidade do seu aparecimento, tanto o veículo ligeiro (...) GC como o conjunto trator/semirreboque não tiveram tempo nem espaço para efetuar qualquer manobra de recurso e embateram na roda.

G. A presença da roda na faixa de rodagem foi totalmente imprevista e era imprevisível para os condutores, nomeadamente, para o condutor do conjunto trator/semirreboque, não só porque não existia qualquer sinalização a alertar os utentes da A17 para a existência de um obstáculo na faixa de rodagem, como porque esta não era visível para o condutor do conjunto trator/semirreboque, quer pelas condições de visibilidade da via.

H. Na sequência do embate nessa roda, o condutor do conjunto trator/semirreboque perdeu o controlo do veículo e não conseguiu evitar que este se despistasse e capotasse, ficando imobilizado na via esquerda e no separador central.

I. Em consequência desse embate e despiste, o conjunto trator/semirreboque sofreu danos em toda a sua estrutura, na frente, nas laterais e na traseira e o seu condutor sofreu ferimentos.

J. O Destacamento de Trânsito de Coimbra da GNR compareceu no local e confirmou a existência do objeto na faixa de rodagem, a forma como ocorreu o acidente e os danos sofridos pelos veículos.

K. Entre a Autora e “ C... , Lda.” foi celebrado em 28 de Julho de 2008, pelo período de um ano e seguintes, um contrato de seguro obrigatório do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º 5010/483117/50, relativamente, para além do mais, aos veículos com as matrículas (...) ZA (Volvo/FH12) e L-17 (...) (Hermanns), com inclusão da cobertura facultativa dos danos causados por choque, colisão ou capotamento dos veículos seguros e capital seguro de € 59.000,00 para o veículo (...) ZA e de € 50.300,00 para o veículo L-17 (...) - cfr. documento de fls. 10vº e 11 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.

L. Foi ainda contratado uma franquia, por cada sinistro, de valor correspondente a 2% do capital seguro - cfr. documento de fls. 10vº e 11 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.

M. A Autora solicitou a realização de uma peritagem aos veículos referidos em A), a fim de determinar os danos sofridos e ser orçamentado o valor das respetivas reparações.

N. Essas peritagens concluíram que o veículo (...) ZA apresentava danos cuja reparação foi orçamentada em € 126.677,46, valendo € 5.100,00 o respetivo salvado e que o veículo L-17 (...) apresentava danos cuja reparação foi orçamentada em € 77.577,30, valendo € 1.660,00 o respetivo salvados

O. Tendo em conta que o veículo (...) ZA estava seguro pelo capital máximo de € 59.000,00 – valor venal na altura da celebração do seguro e superior ao valor venal deste por ocasião do acidente – a sua reparação era manifestamente inviável, por excessivamente onerosa, pelo que a Autora propôs à sua segurada o pagamento da indemnização, por este veículo, de € 52.720,00 (montante obtido depois de deduzidos os valores dos salvados e da franquia contratual, no montante de € 1.180,00), o que esta aceitou.

P. Por outro lado, tendo em conta que o veículo L-17 (...) estava seguro pelo capital máximo de € 50.300,00 – valor venal na altura da celebração do seguro e superior ao valor venal deste por ocasião do acidente – a sua reparação era manifestamente inviável, por excessivamente onerosa, pelo que a Autora propôs à sua segurada o pagamento da indemnização, por este veículo, de € 47.634,00 (montante obtido depois de deduzidos os valores dos salvados e da franquia contratual, no montante de €1.006,00), o que esta aceitou.

Q. Em cumprimento das obrigações assumidas no contrato de seguro (designadamente, na cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento), a Autora procedeu ao pagamento à sua segurada “ C... , Lda.” da quantia total de € 100.354,00 (cem mil trezentos e cinquenta e quatro euros), correspondente às indemnizações devidas pela perda total dos veículos (...) ZA e L-17 (...) .

R. Tal pagamento foi efetuado por meio de cheque emitido em 28 de Setembro de 2009, data em que foram assinados e entregues os respetivos recibos e apresentado a pagamento pela sua segurada em 29 de Setembro de 2009, por meio de depósito em conta bancária.

S. A Ré é concessionária da Auto-estrada 17, designadamente do lanço a que pertence o Km 79,250 dessa auto-estrada, conforme instituído pelo contrato de concessão na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 215-B/2004 de 16 de Setembro.

T. Nos termos desse contrato de concessão impende sobre a Ré o dever de zelar por boas condições de segurança na circulação rodoviária da referida auto-estrada.

U. A Auto-estrada 17 é patrulhada pela Operadora “ G... , S.A.”, 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano e no dia do sinistro, e os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados, tendo sido realizado um patrulhamento na zona do embate cerca das 02h50, no sentido contrário, cerca da 01h00m, sendo ainda patrulhada pela GNR.

V. A Ré tomou conhecimento às 04h51m, via posto SOS, da informação de um pesado tombado no separador central a ocupar a via esquerda da A17, ao Km 79,250, sentido Marinha-Grande-Mira, tendo enviado de imediato para o local um Oficial de Mecânica para verificar a situação.

W. Durante os patrulhamentos efetuados e até ao momento da comunicação à Ré do sinistro, não foi detetado nem comunicada a existência de qualquer obstáculo à circulação rodoviária naquele troço da auto-estrada.

X. À data do acidente encontrava-se transferida para a interveniente a responsabilidade civil da Ré B... por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais resultantes de lesões materiais e/ou corporais causadas acidentalmente a terceiros no decurso da atividade desenvolvida pela Ré pela exploração e conservação da Auto-Estrada do Litoral e conjuntos viários associa dos integrados, incluindo o troço onde ocorreu o acidente ajuizado.

Y. O contrato de seguro referido em X) era titulado pela a apólice 32-8320977/6, com início em 14 de Maio de 2009 e termo em 13 de Maio de 2010, com o capital de 30.000.000,00€ por anuidade, sub-limitada a 7.500.000,00€ por sinistro, deduzida a franquia de 25.000,00€.

Z. A presente ação deu entrada em juízo em 20 de Setembro de 2012, com citação da Ré a 24 de Setembro de 2012 e citação da interveniente acessória em 23 de Dezembro de 2009.

Factos não provados:

1. No dia 23 de Julho de 2009, cerca das 04h45m, D... conduzia o conjunto formado pelo trator/semirreboque a cerca de 50 metros atrás de um veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (...) GC, que circulava pela mesma via da direita e no mesmo sentido.

2. No circunstancialismo de tempo e lugar referidos a visibilidade estava reduzida a cerca de 30 metros (distância atingida pelas luzes de cruzamento: faróis na posição de médios).

3. O condutor do conjunto trator/reboque não pôde guinar o veículo para a berma direita por esta estar ocupada pelo veículo ligeiro que o precedia e que acabara de embater na mesma roda e de se despistar para a berma direita.

4. A existência da roda na via não era visível para o condutor do conjunto tra-tor/semi-reboque por estar encoberto pelo veículo ligeiro que o precedia.

5. D... sofreu ferimentos ligeiros, designadamente, escoriações na face e braço direito.

6. A Ré é a única e exclusiva responsável pela eclosão do referido acidente, na medida em que não procedeu à vigilância, nem à manutenção e conservação das boas condições de utilização da A17, permitindo, com a sua omissão, a presença de um objeto de grandes dimensões não sinalizado, e potenciador de acidentes, em plena faixa de rodagem da Auto-Estrada A17.

7. Ao não remover, nem sinalizar, aquela roda da faixa de rodagem, a Ré incumpriu o contrato de concessão, infringindo o dever de cuidado e vigilância e de manutenção de condições de segurança, previstos, tendo consciência de que com a sua omissão, poderia vir a provocar danos a terceiros, mais concretamente aos utentes das vias, como veio a suceder.

8. A Ré não tomou as medidas necessárias e suficientes para impedir que estivesse um objeto de grandes dimensões em plena faixa de rodagem.

9. O acidente ficou a dever-se a eventual falta de perícia do condutor do conjunto trator/semirreboque e, eventualmente, velocidade excessiva, pois que se o condutor seguisse atento e à velocidade adequada, teria podido evitar o alegado acidente, desviando a marcha, travando e mesmo imobilizado o seu veículo, se necessário fosse no espaço livre e visível à sua frente, o que não fez.

10. À data dos factos encontra-se em vigor entre a Ré e a interveniente a apólice n.º (...) .

A. Se a ré não conseguiu ilidir a presunção de culpa que decorre do artigo 12.º, n.º 1, da Lei 24/2007, de 18/7.

Como resulta do relatório que antecede, na sentença recorrida considerou-se que a ré não poderia ser responsabilizada pelo evento danoso ocorrido, por esta ter cumprido os padrões de segurança exigíveis, a que se encontra adstrita em virtude do contrato de concessão que lhe permite explorar o troço da auto-estrada onde se deu o acidente que está na génese dos presentes autos e por força do qual está obrigada a propiciar aos respectivos utentes uma circulação segura e conforme ao trânsito com as especiais características do que se desenrola numa auto-estrada, esta, própria, uma via com características especiais e diferentes das demais vias trânsito.

A problemática subjacente aos presentes autos já se encontra analisada em várias decisões dos Tribunais das Relações e do STJ, pelo que se passa a reproduzir o que consta do Acórdão desta Relação, de 15 de Março de 2011, Processo n.º 19/09.6TBCDN.C1, em que o ora Relator e 1.º Adjunto figuram, respectivamente, como 1.º e 2.º Adjuntos, disponível in Colectânea de Jurisprudência on line, Referência 6594/2011.

O acidente dos autos ocorreu em 23/07/2009, sendo-lhe pois indiscutivelmente aplicável a Lei 24/2007, de 18-07.

Lei 24/2007 que diz dela própria que “define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionárias, itinerários principais e itinerários complementares”; e que, no seu art. 12º, n.º 1, dispõe que “nas auto -estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) atravessamento de animais; c) líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.

Lei 24/07 que é a resposta/solução legal às várias posições que, a propósito do ónus da prova da culpa (do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança), se haviam desenhado em termos jurisprudenciais[1].

E que eram:

Uma 1.ª que via a actividade da entidade gestora/concessionária como um negócio – tese contratual – explorado com fins lucrativos; e que, nesta linha, caracterizava a responsabilidade das concessionárias como contratual, fazendo recair sobre estas a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC.

Uma 2.ª – ainda de índole contratual – que considerava que, havendo ou não um pagamento de portagem, havia como que um “contrato com eficácia de protecção para terceiros”[2], continuando a fazer recair sobre as concessionárias a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC.

Uma 3.ª que, caracterizando a responsabilidade das concessionárias como extra-contratual, fazia impender sobre os lesados (cfr. 483.º e 487.º do C. Civil) o ónus da prova da culpa das concessionárias.

Uma 4.ª que, arrancando ainda da responsabilidade extra-contratual, fazia impender sobre as concessionárias a presunção de culpa do art. 493.º, n.º 1, do CC; entendendo a auto-estrada (por um prisma funcional e como uma globalidade) como uma coisa imóvel, cabendo à entidade gestora/concessionária garantir a segurança da utilização – em resultado do contrato de concessão; razão pela qual o aparecimento ou ocorrência duma qualquer “anormalidade” fazia presumir a omissão culposa do “dever de prevenção de perigos”, isto é, fazia dizer que o acidente foi causado pela coisa auto-estrada.

Foi a esta controvérsia jurisprudencial (e também doutrinal) que o art. 12.º da Lei 24/2007, de 18-07, procurou pôr termo, dizendo, repete-se, que “nas auto-estradas (…) em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a (…) objectos existentes na faixa de rodagem (…)”.

A ponto de, dirão alguns, ter remetido para o baú das polémicas obsoletas e mais ou menos estéreis a discussão sobre a natureza – contratual ou extra-contratual – da responsabilidade das concessionárias das auto-estradas, em caso de acidente rodoviário originado por objectos existentes na faixa de rodagem.

Uma vez que, dirão, toda a questão passa a traduzir-se – em face da inversão do ónus da prova que o art. 12.º, n.º 1, da Lei 24/2007, de 18-07, consagra – em saber, caso a caso, se a concessionária ilidiu, com a prova produzida, a presunção que a onera.

É justamente aqui – na questão da ilisão da presunção de culpa – que se situa o “nó górdio” dos autos e do recurso.

E começaremos por dizer, tendo em vista procurar perceber/desfazer tal “nó”, que a resposta/solução da Lei 24/07 veio, a nosso ver, ao encontro da posição mencionada em último lugar, isto é, da que caracteriza a responsabilidade civil das concessionárias como uma responsabilidade extra-contratual em que, porém, ocorre uma presunção legal de culpa da gestora/concessionária – uma situação subsumível ou equiparável ao disposto no art. 493.º, n.º 1, do CC..

Efectivamente, uma auto-estrada, não apenas como estrutura física – não apenas como a coisa principal e as coisas acessórias, consideradas quer na sua singularidade quer como integradas no todo – mas em todo o seu contexto envolvente e atento o seu fim, é uma coisa imóvel, que reveste perigosidade.

E a respectiva concessionária – sendo a detentora de toda essa estrutura física, dos separadores, das placas de sinalização, etc. – tem o poder de facto sobre essa coisa imóvel, devendo responder por culpa presumida quando o incorrecto funcionamento de tal coisa imóvel estiver na origem dum acidente.

Ora, numa via, como é o caso duma auto-estrada, em que há uma grande densidade de trânsito e em que a circulação é rápida, as exigências quanto aos deveres de cuidado e à rapidez na correcção de anomalias têm que ser superiores às normais; pelo que, além do referido poder de facto, existe também o dever de vigiar tal coisa imóvel por parte de quem tem o seu poder de facto.

Tanto é assim, quanto ao dever de vigiar, que o DL n.º 294/97,de 24 de Outubro, sobre a concessão (da construção, conservação e exploração de auto-estradas) outorgada à G... , obriga a concessionária, no n.º 2 da Base XXXVI, “salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem”; e é também por causa de tal dever que o n.º 1 da base XXXVII obriga a “a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem o objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação.”.

Efectivamente, não está apenas em causa, observa-se, um mero dever genérico de assegurar níveis razoáveis de segurança; está em causa um especial “dever de prevenção do perigo” ou um “dever de segurança no tráfego”; razão pela qual a gestora/concessionária deve responder por não ter tomado as precauções adequadas para evitar que da coisa sob o seu domínio resultem danos (danos causados pela coisa e não com a coisa).

E, sendo a auto-estrada uma coisa inerte, a regra é a de que a causação de um dano juridicamente atribuível a tal coisa, pressupõe a verificação duma “anormalidade”, duma “anomalia”, dum “defeito”.

Daí que, em conclusão, ao lesado caiba provar, num plano puramente objectivo, a existência de tal “anomalia” e o nexo de causalidade entre este e o dano; uma vez que, constatada objectivamente a presença do “defeito”, se presume a violação culposa dum dever de segurança no tráfego, isto é, a omissão do cuidado necessário para evitar que a coisa de que se tem o controlo cause danos a terceiros.

O dever de assegurar a circulação “em boas condições de segurança e comodidade” (referida Base XXXVI, n.º 2), com a única ressalva da força maior (assim como no n.º 3 do art. 12.º do DL 24/07), implica pois o afastamento de obstáculos ou a eliminação das fontes de perigo, provenham de acontecimentos naturais (neve, gelo) ou mesmo do facto de terceiros (manchas de óleo).

Se um acidente se verifica devido à presença de um desses obstáculos ou a outra fonte de perigo, estamos perante uma “anormalidade” objectiva susceptível de servir de base à presunção.

Em síntese, a presença dum animal, duma mancha de óleo, de areia, de pedras, duma “roda completa – jante e pneu – de um veículo pesado” no leito duma auto-estrada são, do mesmo modo que a deformação do pavimento, “anormalidades/anomalias”, que justificam a presunção, imputada à concessionária, de não ter observado o cuidado devido na sua conservação/manutenção/segurança/vigilância.

E – é este o ponto – tal presunção legal não se ilide, via de regra, com a genérica demonstração de deveres de manutenção, conservação, vigilância e fiscalização.

Não basta, para ilidir a presunção, a genérica e vaga alegação e prova de uma actuação diligente.

Em certos casos, a ilisão terá mesmo que ser lograda mediante a prova histórica, positiva, a respeito do modo de ocorrência da “anormalidade/anomalia”.

A intenção da lei, ao impor “boas condições de segurança e comodidade” – ressalvando apenas, insiste-se, “a força maior” – foi a de eliminar focos de perigo.

Sem prejuízo dos termos em que o gestor/concessionário prove que nenhuma culpa houve da sua parte possa variar de acordo com o tipo de dever cuja violação culposa se presume e as circunstâncias; sem prejuízo de “umas vezes estarmos mais próximos do que no direito contratual se designa por obrigações de meios, outras vezes de obrigações de resultado. No limite, é legítimo exigir do guarda a prova positiva (“histórica”) das circunstâncias que geraram a “anormalidade”[3].

Seja como for – e a questão do modo de ilisão, em certos casos, sempre suscitará dúvidas – uma coisa é segura, a “causa ignorada” sobre a génese da “anormalidade” não pode exonerar, só por si, aquele a quem incumbe o dever de vigilância; o não se conhecerem as concretas circunstâncias que levaram/colocaram a roda completa de um veículo pesado na faixa de rodagem da auto-estrada e o não ter sido feita a prova de quaisquer actos ou omissões culposas por parte da concessionária, não ilide a presunção.

A “causa ignorada” será por certo a conclusão mais banal e usual neste tipo de acidentes; por regra, não se consegue esclarecer o modo como os objectos – susceptíveis de perturbar a circulação densa e rápida da via – vão parar à faixa de rodagem da auto-estrada.

O que, porém, também não permite que se afirme que as concessionárias, então, são chamadas a responder por tudo o que, indiscriminadamente, possa perturbar a segurança dos utentes; que passam a responder objectivamente por quaisquer danos resultantes de acidentes ocorridos em auto-estradas[4].

“Quando a lei estabelece uma presunção de culpa, há sempre o risco, num plano de facto, de o devedor ou agente não conseguir ilidir a presunção e vir a ser responsável sem ter tido culpa e não pode falar-se aí de responsabilidade objectiva”

“ (…) ao nível dos princípios, não se antolha existirem razões para compelir o devedor ou agente a fazer a prova de uma “causa estranha”, devendo ser admitida a prova directa da ausência de culpa, nomeadamente demonstrando a realização das condutas impostas pela diligência normativa”[5].

O que significa que, com graus de exigência e de geometria variáveis em função das circunstâncias do caso, é em sede de alegação e depois em sede de apreciação da prova que a “prova liberatória” do gestor/concessionário pode e deve ser feita.

Não sendo suficiente, insiste-se, alegar/provar que se foi diligente e/ou que não se foi negligente; havendo que procurar estabelecer, positivamente, qual o evento concreto que gerou a “anormalidade”.

A mera alegação/prova duma conduta diligente não tem pois, em si mesma, efeito liberatório, sendo tão só o ponto de partida que pode ou não conduzir à formação duma convicção a respeito da interferência duma causa estranha[6].

“ (…) o rigor da prova liberatória deve ser correlacionado com a verosimilhança da causa provir ou não da esfera de responsabilidade da entidade concessionária.

Se o que está em causa é uma mancha de óleo no pavimento, o ónus deve restringir-se à prova duma adequada vigilância, pois não há em princípio razão para admitir que aquela fonte de perigo provenha da actuação da entidade exploradora.

Se há pedras na pista, já não parece que o ónus se deva limitar à vigilância para detectar a sua presença e, com isso, garantir as condições de segurança da circulação; na medida em que possa subsistir dúvida, deverá provar que aquela situação é de atribuir a facto de terceiro, não tendo nomeadamente as pedras caído duma barreira, pois, nessa medida, já o facto entrará na sua esfera de responsabilidade.”[7]

Na esteira deste Aresto, que vimos seguindo, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/11/2012, Processo n.º 89/11TBVPA.P1, disponível no respectivo sítio da dgsi que “se a fonte de perigo tem alguma conexão com a actuação da entidade exploradora, esse ónus implicará a prova de que a fonte de perigo é devida a terceiro e que a mesma foi provocada em termos tais que mesmo com uma adequada vigilância não poderia ter sido detectada pela entidade exploradora. Pelo contrário, se a fonte de perigo é estranha à entidade exploradora, bastará a prova de uma adequada vigilância da via.”.

E em idêntico sentido se decidiu, no Acórdão de 05/05/2015, deste Tribunal da Relação, Processo n.º 27/13.2TBALD.C1, disponível no respectivo sítio da dgsi, onde se refere que o padrão de exigência na vigilância exigida à concessionária de uma auto-estrada “é sempre um padrão médio, embora definido por médias qualitativamente distintas, no sentido de adaptadas às características específicas do padrão de desempenho fixado como adequado.”.

E onde se acrescenta que, contrariamente aos casos de acidentes causados com a entrada de animais na via, no caso de acidentes originados por objectos na faixa de rodagem, se exigem níveis de vigilância e de segurança menos abrangentes “às quais não é indiferente a ponderação de factores como sejam o momento do conhecimento da existência do obstáculo na via e o lapso de tempo de reacção em função desse conhecimento. Referimo-nos aqui ao tempo que a concessionária demora a ter conhecimento e a reagir, sendo que para ter conhecimento exige-se que tenha implantado e que execute um sistema de patrulhamento da via ao longo do dia que, a espaços de tempo aceitáveis, lhe permita verificar as condições de circulação ao longo de todo o troço concessionado. Mais do que isto, só se pode exigir que sejam colocados ao longo da via pontos de contacto com a concessionária (SOS) que possibilitem aos utentes adverti-la das situações ocorridas.”.

Também o STJ, conforme Aresto de 21/03/2012, Processo n.º 6123/03.7TBVFR.P1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi, se pronunciou pela irresponsabilidade da concessionária de auto-estrada, apreciando, como no caso dos autos, o aparecimento de uma roda de um veículo pesado na via, com idêntica fundamentação.

Ora, voltando ao caso dos autos e do recurso, tem de se concluir, a nosso ver, que a ré G... , na qualidade de concessionária do troço da auto-estrada onde se deu o acidente, logrou ilidir a presunção de ilicitude e culpa que ab initio a onerava.

Efectivamente, no caso em apreço, a ré provou o facto positivo que, não sendo da sua responsabilidade (mas de terceiro), gerou tal “anormalidade”, pelo que não pode persistir a presunção no incumprimento das obrigações de segurança.

Presunção que, sendo da violação dum dever, fazia presumir não apenas a culpa, como também a ilicitude (no caso, a violação dum dever).

Como resulta da factualidade assente (e nem sequer posta em crise no presente recurso), o acidente ocorreu pelas 4 h e 45 m, pelo facto de o condutor do veículo seguro na ré ter sido surpreendido com a presença de uma roda completa de um veículo pesado, no piso da via por onde seguia e que lhe cortou a sua linha de marcha e atenta a pouca distância que o mesmo se lhe tornou visível e à imprevisibilidade do seu aparecimento, não pode evitar que o veículo que conduzia se despistasse e viesse a capotar – cf. itens A) a I), dos factos provados.

Por outro lado, cf. itens U) a W) da mesma factualidade, a ré procede ao patrulhamento da AE 17, 24 sobre 24 horas do dia, todos os dias do ano e, no dia em que ocorreu o sinistro, os mesmos estavam a ter lugar, tendo sido realizado o último, antes do acidente e no local onde o mesmo ocorreu, pelas 02 h e 50 m, sendo, também, patrulhada pela GNR.

A ré teve conhecimento do sinistro pelas 04 h e 51 m, via posto SOS, tendo enviado de imediato para o local um Oficial de Mecânica, sendo que durante os patrulhamentos efectuados, não foi detectada a existência de qualquer obstáculo na via, naquele local.

Assim, decorre do exposto, ser de considerar que a ré efectuou a vigilância adequada e exigível para evitar a produção de acidentes, designadamente provocados pelo aparecimento de um objecto, no caso, a roda de um pesado, na via.

Efectivamente, procede a vários patrulhamentos no troço concessionado, tendo o último tido lugar, no local do acidente, menos de duas horas antes, sem que nada houvesse sido detectado e não podendo prever que um veículo pesado iria “perder” uma roda.

Por outro lado, logo que o acidente lhe foi comunicado via posto SOS (6 minutos depois de este ter ocorrido), logo enviou para o local um Oficial de Mecânica, pelo que, face ao exposto, nada há a censurar na sua conduta, o que acarreta a manutenção da decisão recorrida, improcedendo esta questão do recurso.

B. Se a ré deve indemnizar a autora pelos prejuízos que esta sofreu em consequência do acidente.

Também esta questão do recurso tem de improceder, uma vez que, conforme explicitado na anterior questão, não se pode imputar à ré qualquer responsabilidade na produção do evento danoso, tendo esta, nos termos aí expostos, ilidido a presunção de culpa que sobre si recaía.

            Improcede, pois, igualmente, esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

            Coimbra, 30 de Junho de 2015.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves

[1] Refere-se – “desvalorizando” a relevância da data do acidente – que começa a ser dominante a corrente que considera tal lei (sobre o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança em caso de acidente rodoviário) como uma “Lei Interpretativa”, não obstante o legislador não a haja classificado como tal.

Para o que – sobre a distinção entre Leis Interpretativas e Leis Inovadoras – parece elucidativa a lição do Prof. J. Baptista Machado (In Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, pág. 246 e 247) segundo o qual “ (…) a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. (…) Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei: se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora. (…) ”
[2] Posição estribada em parte na expressão “eficácia externa” contida na parte final do preâmbulo do DL Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, sobre a concessão (da construção, conservação e exploração de auto-estradas) outorgada à G...

[3] Sinde Monteiro, in RLJ, ano 131.º, pág. 379

[4] Aliás, sobre a interpretação que vimos fazendo do modo de “funcionamento” da presunção de culpa/ilicitude a cargo da concessionária já o TC se pronunciou; considerando que a mesma não viola o texto constitucional – cfr. Ac. 596/09, 597/09, 629/09, 98/10 e 395/10.

[5] Sinde Monteiro, in RLJ, ano 132.º, pág. 92
[6] Isto é, o tribunal, em sede de apreciação de prova, em face das circunstâncias do caso e da concreta “diligência” demonstrada, dará ou não como provado o “evento concreto” – isto é, a interferência duma “causa estranha”.

[7] Sinde Monteiro, in RLJ, ano 132.º, pág. 94