Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
825/15.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RISCO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DA SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
CONTRADITÓRIO
ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL
FACTO CONCLUSIVO
CONFISSÃO
DEPOIMENTO DE PARTE
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.5, 542 Nº1 D), 607, 608 Nº2, 615 Nº1 D) CPC, 334, 342 CC, 93, 94 DO DL Nº72/2008 DE 16/4
Sumário: 1. O excesso de pronúncia, gerador de nulidade da sentença, dá-se quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (arts. 615º, nº 1, d), 2ª parte, e 608º, nº 2, 2ª parte, do NCPC).

2. Quando a lei, nos mencionados normativos processuais, se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a indicada nulidade de excesso de pronúncia se conhecer de causa de pedir não invocada.

3. Torna-se desnecessária a apreciação da prova apresentada, para comprovação de um facto instrumental (art. 5º, nº 2, a), do NCPC), se o facto essencial, de que aquele é instrumental, foi dado por provado;

4. Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem a natureza de concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório.

5. Se a parte tiver alegado um facto que veio a provar não pode, depois, em recurso, dando o dito por não dito, tentar suprimir o mesmo, em impugnação da matéria de facto, por tal conduta representar uma intolerável manipulação das regras processuais, a bel contento de interesses egoístas da parte, no seu afã de alcançar os seus propósitos substantivos de procedência do peticionado, sem respeito da boa fé processual; tal seria um abuso de direito processual, na modalidade de venire contra factum proprium, o que lhe está vedado, nos termos resultantes dos princípios gerais estabelecidos nos arts. 334º do CC e 542º, nº 1, d), do NCPC, a propósito da litigância de má fé.

6. O juízo de facto conclusivo, está por natureza afastado da selecção de factos materiais e objectivos, pois só estes podem ser considerados, como resulta do disposto no art. 607º, nº 3 e 4, do NCPC.

7. Se o R., em depoimento de parte, com redução a escrito reconhecer um facto desfavorável que favorece a parte contrária, tal confissão tem força probatória plena contra o confitente;

8. No contrato de seguro, o risco constituiu um elemento essencial, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, nos termos configurados no contrato e que deve existir ainda durante a vigência do mesmo.

9. O risco relevante para efeitos do contrato, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato de seguro através da delimitação dos riscos cobertos, que tecnicamente é feita através de dois vectores: primeiramente por meio das cláusulas definidoras da “cobertura-base” e subsequentemente pela descrição das cláusulas de delimitação negativa dessa base ou de exclusão da cobertura.

10. O sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto, devendo reunir os elementos com que é ali configurado.

11. A definição genérica de sinistro como evento futuro, súbito e imprevisto, dada numa cláusula contratual geral, não se traduz em qualquer característica qualificativa adicional dos factos enunciados na cláusula de base de cobertura do risco.

12. Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (art. 342º, nº 1, do CC), enquanto a seguradora deve provar os factos ou circunstâncias que sejam susceptíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos (art. 342º, nº 2, do CC).

13 Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.

14. Defendendo-se a R./seguradora, por excepção, com invocação das situações previstas nos arts. 93º, nº 1 e 2, e 94º, nº 2, do RJCS, com vista a recusar a cobertura do risco e eximir-se de qualquer responsabilidade civil indemnizatória contratual, é de afastar desde logo a aplicação do art. 93º, com a epígrafe “Comunicação do agravamento do risco”, pois tal normativo só funciona antes da ocorrência do sinistro e não depois do mesmo ocorrido.

15. Ocorrido o sinistro o art. 94º, com a epígrafe “Sinistro e agravamento do risco” é susceptível de aplicação; se a R. só invocou na sua defesa por excepção a situação de facto prevista no nº 2 do apontado art. 94º, mas não se apurou que tivessem sido as AA as criadoras do facto agravador do risco, fica arredada a possibilidade da sua aplicação.

16 Se a aludida situação de excepção foi a única invocada pela R. na sua defesa por contestação, e não se provou é de concluir que a R. não se pode eximir à sua responsabilidade perante as AA;

17. Embora em abstracto pudesse ser aplicável a situação enunciada no dito art. 94º, seu nº 1, b), que implicaria hipoteticamente uma redução proporcional da responsabilidade da R./seguradora, a mesma não pode ser hipotizada visto a mesma neste conspecto nada ter invocado em concreto na sua referida defesa por excepção, não se tendo predisposto à sua aplicação, tendo ao invés pugnado pela sua absolvição total (o mesmo fazendo ora em recurso).

Decisão Texto Integral:



I – Relatório

1. A (…), S.A., com sede em (...) e S (…), Lda., com sede em (...) , intentaram acção declarativa de condenação contra F (…) – Companhia de Seguros, S.A., com sede em , e L (…)  residente em (...) , pedindo que se condene a R. a pagar à 1ª A. a quantia de 119.815,09 €, e a pagar à 2ª A. a quantia de 129.031,24 €, acrescidas de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação e até integral pagamento; subsidiariamente, nos termos do art. 554º, nº 1, do NCPC, que se condene o R. a pagar a cada uma das AA as referidas quantias, acrescidas dos apontados juros.

Alegaram, em suma, que através de contrato de locação financeira, são, respectivamente, locatária e subarrendatária (sendo a 2ª A. uma empresa que faz parte do grupo detido pela 1ª A.), do imóvel sito na Rua (...) ; no dia 6.4.2012, em tal imóvel, deu-se um desmoronamento parcial de um dos pavilhões, no alçado sul, consequência de aluimento de terras, sendo que tal pavilhão confinava com um terreno do R. L (…) e o alçado sul assentava num muro de suporte de terras que servia de base de apoio da parede; esse aluimento de terras deu-se na sequência da forte pluviosidade ocorrida durante o inverno e a primavera de 2012, mormente das fortes chuvadas ocorridas na madrugada de 5 para 6 de Abril de 2012, que causaram infiltração de águas no terreno contíguo; em Fevereiro de 2012, foram feitas operações de movimentação de terras no dito terreno contíguo, do R. L (..), na parte em que confrontava com o imóvel explorado pelas AA, tendo a 1ª Autora informado a Divisão de Protecção Civil e Bombeiros de (...) , em 16.2.2012, e a Câmara Municipal de (...) , em 26.3.2012, sendo que ambas as entidades constataram o ocorrido e a última, por despacho de 3.4.2012, notificou o R. para edificar um muro de suporte com pelo menos dois metros de altura, na parte confinante com as AA, o que não foi feito; atenta a movimentação de terras e a forte pluviosidade, deu-se o desmoronamento atrás referido; na sequência do contrato de locação financeira e por sua imposição, cada uma das AA celebrou com a R. F (…) um seguro do ramo multirriscos, o qual, além do mais, incluía o aluimento de terras; o contrato da 1ª A. tinha por objecto o referido imóvel e o celebrado pela 2ª abrangia os seus bens móveis ou que estivessem à sua responsabilidade, existentes e/ou instalados no referido imóvel; a R. após receber a participação, recusou a sua responsabilidade por entender que o sinistro foi causado pela queda de um muro de terceiros; uma vez que, no imóvel, funcionam as instalações das AA, abertas ao público e necessárias à prossecução da sua actividade, a 1ª A. reparou os danos, com o que despendeu 119.815,09 € e 19.763,99 €, esta última quantia em benefício da 2ª A. e que deve ser coberta pelo contrato de seguro que a 2ª A. celebrou; a 2ª A. sofreu ainda danos no valor de 109.267,25 €, referentes a peças e acessórios para automóveis que se encontravam armazenadas no imóvel e que ficaram inutilizadas; caso se conclua que o sinistro não está coberto pelas apólices de seguro, deve ser responsável pelos danos o R., proprietário do prédio contíguo.

O R. L (…) contestou, por impugnação e excepcionando a prescrição do direito que as AA pretendem fazer valer e articulou factos tendentes a concluir pela improcedência da acção, designadamente que não procedeu ao desaterro ou remoção de terras, nem a mandou fazer ou sequer autorizou, tendo tais trabalhos sido feitos à sua revelia pelo seu pai, (…)

. Alegou ainda que a remoção de terras foi feita em terreno do seu pai, sendo a sua hipotética responsabilidade de apenas ¼ dos prejuízos, pois é essa a parte da confinância do seu prédio com o pavilhão desmoronado.

A R. F (…) contestou, concluindo pela improcedência da acção, pois que a queda do muro de sustentação de terras se deu na decorrência do desaterro levado a cabo no prédio contíguo e que as AA já tinham conhecimento da possibilidade dessa ocorrência desde o ano anterior, não tendo desocupado o pavilhão em causa, não se tratando de um facto fortuito e incerto e, assim, de um sinistro, nem de um fenómeno geológico, de causa natural. Mais alegou que as AA desde Janeiro de 2012 tinham consciência do agravamento do risco coberto e não lhe comunicaram essas circunstâncias, sendo certo que a R. nunca celebraria um contrato que cobrisse riscos com as características resultantes do agravamento.

As AA responderam, mantendo a sua posição.

Proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção de prescrição e se relegou para final o conhecimento da questão da não cobertura contratual. 

*

A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, consequentemente:

1. Condenou o R. L (…) a pagar à A. A (…), a quantia de 119.815,09 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento;

2. Condenou o R. L (…) a pagar à A. S (…) a quantia que vier a ser liquidada quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos no ponto 39. dos factos provados, até ao limite de 109.267,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento;

3. Absolveu a R. R (…), e absolveu o R. L (…) do demais contra si peticionado.

*

2. As AA interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. O R. L... também recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

4. As AA contra-alegaram, concluindo que:

(…)

5. Por sua vez a R. F... também contra-alegou, concluindo que:

(…)

II – Factos Provados

 

1. Por contrato de locação financeira imobiliária, celebrado em 12 de março de 2004, com a sociedade I (…), S.A., ao presente denominada C (...), S.A., o imóvel sito na Rua (...) , descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º xxx(...) da freguesia de (...) , e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o n.º yyy(...) foi entregue à A. A (…), S.A. em regime de locação financeira imobiliária por um período de 144 meses, contrato que ainda se mantém em vigor e que tem sido pontualmente cumprido.

2. A referida locação financeira imobiliária está registada na 2.ª Conservatória do Registo Predial de (...) .

3. Por contrato titulado por escrito particular datado de 13 de março de 2004, a A. A (…), S.A., na qualidade de locatária do imóvel referido, e com conhecimento da referida I (…), S.A. deu o mesmo de subarrendamento à ora A. S (…), LDA., por períodos sucessivos de 1 ano, com início em 12 de março de 2004, com destino ao exercício da indústria e comércio de compra e venda, exposição, recolha, assistência e oficina de veículos automóveis ligeiros e pesados, tratores, motociclos, barcos e motores, ferramentas e equipamentos, seus pertences, acessórios e derivados, aluguer de veículos automóveis, com ou sem condutor, bem como à indústria, oficina e comercialização de quaisquer outros equipamentos, artigos ou produtos e cujo comércio a que dita A. S (…), LDA. se dedicasse e/ou se viesse a dedicar.

4. O contrato referido no artigo anterior tem sido, como continua a ser, pontualmente cumprido.

5. A A (…), LDA. tem por objeto o comércio de automóveis, suas peças e acessórios e respetiva indústria de reparação, bem como a prática de todos os atos comerciais, industriais e financeiros que, direta ou indiretamente, possam estar ligados com a referida atividade, e exerce as suas atividades também no imóvel referido.

6. A ora A. S (…), LDA. Exerce, desde 12 de março de 2004, tal descrita atividade no referido imóvel.

7. O referido imóvel é composto, conforme consta da respetiva certidão do registo predial, por três pavilhões, sendo o primeiro composto por dois escritórios e um armazém, o segundo por um armazém de apoio, portaria e anexo, o terceiro por uma oficina de manutenção e logradouros.

8. No dia 6 de abril de 2012, no imóvel referido em 1., ocorreu o desmoronamento1 parcial de um dos pavilhões que o compõem, mais exatamente, ocorreu o desmoronamento da sua parede - na parte que é contígua ao terreno com que tal imóvel confina - e de parte da respetiva cobertura, o que sucedeu no alçado sul – oeste do pavilhão, o que sucedeu na sequência de um aluimento de terras.

1Esclarece-se que as expressões desmoronamento, aluimento e derrocada são aqui utilizadas, nas partes em que não se reproduzam o teor dos contratos de seguro, enquanto ocorrências ou eventos, independentemente das razões que estejam na sua origem (naturais ou resultantes de ato humano).

9. O pavilhão onde ocorreu o facto referido no número anterior confinava e confina, no local atingido, com um terreno propriedade do ora R. L (…)descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº www(...) e inscrito na matriz predial sob o artigo zzz(...) , da freguesia de (...) .

10. O referido alçado sul – oeste assentava num muro de suporte de terras que servia de base de apoio da parede o que constituía o mencionado alçado sul – oeste do dito pavilhão.

11. A ocorrida derrocada de terras deu-se após fortes chuvadas ocorridas na madrugada do dia 5 para o dia 6 de abril de 2012 na região, que determinaram infiltração de águas na zona onde o pavilhão confronta com o prédio do Réu L... .

12. A queda do muro de suporte determinou a queda da parede do pavilhão.

13. O referido desmoronamento causou danos no pavilhão e nas redes de comunicação e energia existentes no mesmo, bem como nas estantes para armazenagem de peças e acessórios para veículos automóveis e nas peças e acessórios para veículos automóveis que se encontravam armazenadas no seu interior.

14. Em fevereiro de 2012, foram efetuadas operações de movimentação de terras no dito terreno contíguo, propriedade do R. L (…), na parte em que o mesmo confrontava com o imóvel referido em 1.

15. Ao aperceber-se do facto descrito no número anterior, a A. A (…), S.A., através do seu empregado Sr. (…), comunicou-o, em 16 de fevereiro de 2012, à Divisão de Proteção Civil e Bombeiros de (...) , que se deslocou ao local, constatando que «(…) a base de sustentação do armazém ficou a descoberto, (…) já existem grandes fissuras no seu interior e exterior (…) esta situação pode por em riscos pessoas e bem».

16. Em 23 de março de 2012 os Bombeiros Municipais de (...) deslocaram-se ao imóvel e elaboraram um relatório de ocorrência onde descrevem “reconhecimento a ocorrência de terras junto a um armazém. O deslizamento de terras expôs as fundações do edifício e já provocou o surgimento de fendas na parede do armazém”.

17. Tais factos foram ainda participados em março de 2012 à Câmara Municipal de (...) .

18. Em 26.03.2012, a Câmara Municipal de (...) , através dos seus serviços de fiscalização, lavrou informação em que refere «(…) nos deslocámos ao local acima indicado, onde foi constatado que existiu uma intervenção numa propriedade, alterando a topografia local sem a respetiva licença Camarária, pelo que foi levantada a participação nº 11269, nesta data. Mais informamos que a movimentação de terras colocou a descoberto as fundações de um pavilhão confinante e fez ruir um muro de vedação também confinante. Julgamos no entanto que, para evitar qualquer dano acrescido nos bens das propriedades vizinhas, este munícipe deverá tomar as medidas adequadas, com a execução de um muro de suporte até à altura de 2 metros, junto aos seus confinantes. Esta informação já foi transmitida pessoalmente ao Sr. L (…) e ao seu pai, ((…), que se assume como autor das obras efetuadas) para proceder de imediato à execução desse muro (…)».

19. A Câmara Municipal de (...) proferiu despacho datado de 03.04.2012, determinando que o Réu L (…) fosse notificado, «(…) na qualidade de proprietário do prédio sito na Rua (...) , freguesia de (...) , para no prazo de (5) cinco dias a contar da receção do presente ofício, proceder à execução de um muro de suporte, com altura até 2m em redor de toda a sua propriedade, repondo e mantendo, deste modo, as condições de segurança requeridas».

20. O Réu L (…) não edificou qualquer muro de suporte.

21. Atenta a descrita movimentação de terras e a forte pluviosidade acima mencionada na madrugada de 5 para 6 de Abril, deu-se a derrocada de terras e o desmoronamento acima descritos.

22. O Réu L (…) tinha consciência da informação que lhe fora transmitida, supra mencionada em 18.

23. O seu pai, (…), dirigiu à A. A (…), S.A., carta em que lamentava o desmoronamento e os prejuízos daí emergentes.

24. Nos termos do contrato de locação financeira imobiliária, a A. A (…)S.A. estava e está obrigada a:

“Condições Particulares

(...)

9. Seguros (Coberturas

9.1. O Locatário deverá contratar os seguros indispensáveis à cobertura dos riscos do imóvel locado, estabelecendo-se como coberturas mínimas:

Cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, pelo valor de 3.350.000,00Eur (Três milhões trezentos e cinquenta mil euros) que garanta o ressarcimento dos prejuízos em consequência directa de:

- Incêndio, queda de raio e explosão

- Tempestades

- Inundações

- Danos por água

- Pesquisa de Avarias

- Furto ou roubo

- Demolição e remoção de escombros

- Aluimento de terras

- Queda de aeronaves

- Choque ou impacto de veículos terrestres

- Choque ou impacto de objectos sólidos

- Greves, tumultos e alterações da ordem pública

- Actos de vandalismo, maliciosos ou sabotagem

- Quebra de vidros

- Responsabilidade civil extracontratual

- Fenómenos Sísmicos

9.2. A Cobertura de responsabilidade civil referida em 9.1. deverá incluir a emergente da propriedade do imóvel por danos causados a terceiros, no montante mínimo de € 250.000 (Duzentos e cinquenta mil euros)”

Aliás, assim,

25. A A. A (…), S.A. contratou com a ora R. F (…)S.A., à data denominada I (…), S.A., seguro coberto pela apólice n.º (...) – Ramo Riscos Múltiplos – Empresas (com o “Valor máximo garantido pela apólice” de € 4.853,548,85), válida de 1 de janeiro de 2012 a 1 de janeiro de 2013, respeitante ao imóvel referido em 1., seguro cujo âmbito de cobertura, nos termos do número 4 das respetivas Condições Particulares era e é o seguinte:

“4 – Âmbito de Cobertura

Ressarcimento dos danos directamente causados aos bens seguros pela ocorrência dos riscos definidos nas Coberturas contratadas conforme adiante se indica, de acordo com o clausulado das Condições Gerais e Especiais aplicáveis da Apólice de Multi-riscos Industrial.

Cobertura Base

Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio e Explosão

Tempestades

Inundações

Danos por Água

Furto ou Roubo

Queda de Aeronaves e Travessia da Barreira do Som

Choque ou Impacto de Veículos Terrestres ou Animais

Choque ou Impacto de Objectos Sólidos

Derrame de Óleo de Sistemas de Aquecimento

Quebra de Vidros, Espelhos Fixos e/ou Anúncios Luminosos (1% do capital seguro no máximo de € 12.500,00 por sinistro/anuidade)

Quebra ou Queda de Antenas (1% do capital seguro no máximo de € 5.000,00 por sinistro/anuidade)

Quebra ou Queda de Painéis Solares (1% do capital seguro no máximo de € 5.000,00 por sinistro/anuidade)

Derrame de Sistemas Hidráulicos de Protecção contra Incêndio

Demolição e Remoção de Escombros

Desenhos e Documentos (1% do capital seguro para o conteúdo, no máximo de € 2.500,00 por sinistro/anuidade)

Coberturas Facultativas

Greves, Tumultos e Alterações da Ordem Pública (C.E. 091)

Responsabilidade Civil Extracontratual e Despesas Judiciais (C.E. 096 – 25% capital seguro para o imóvel ou conteúdo, no máximo de € 50.000,00 por sinistro/anuidade; Custas: € 2.500,00 por sinistro/anuidade; Honorários: € 1.500,00 por sinistro/anuidade)

Fenómenos Sísmicos (C.E. 105)

Aluimento de Terras (C.E. 106)”.

26. Por seu turno, a A. S (…), LDA. Contratou também com a referida R. F (…), S.A., à data denominada I (…), S.A., seguro coberto pela apólice n.º (...) – Ramo Riscos Múltiplos – Empresas (com o “Valor máximo garantido pela Apólice de € 4.141.500,00), válido de 1 de janeiro de 2012 a 1 de janeiro de 2013, cujo âmbito de cobertura nos termos do número 4 das respetivas Condições Particulares era o seguinte:

“4 – Âmbito de Cobertura

Ressarcimento dos danos directamente causados aos bens seguros pela ocorrência dos riscos definidos nas Coberturas contratadas conforme adiante se indica, de acordo com o clausulado das Condições Gerais e Especiais aplicáveis da Apólice de Multi-riscos Industrial.

Cobertura Base

Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio e Explosão

Tempestades

Inundações

Danos por Água

Furto ou Roubo

Queda de Aeronaves e Travessia da Barreira do Som

Choque ou Impacto de Veículos Terrestres ou Animais

Choque ou Impacto de Objectos Sólidos

Derrame de Óleo de Sistemas de Aquecimento

Quebra de Vidros, Espelhos Fixos e/ou Anúncios Luminosos (1% do capital seguro no máximo de € 12.500,00 por sinistro/anuidade)

Quebra ou Queda de Antenas (1% do capital seguro no máximo de € 5.000,00 por sinistro/anuidade)

Quebra ou Queda de Painéis Solares (1% do capital seguro no máximo de € 5.000,00 por sinistro/anuidade)

Derrame de Sistemas Hidráulicos de Protecção contra Incêndio

Demolição e Remoção de Escombros

Desenhos e Documentos (1% do capital seguro para o conteúdo, no máximo de € 2.500,00 por sinistro/anuidade)

Coberturas Facultativas

Greves, Tumultos e Alterações da Ordem Pública (C.E. 091)

Responsabilidade Civil Extracontratual e Despesas Judiciais (C.E. 096 – 25% capital seguro para o imóvel ou conteúdo, no máximo de € 50.000,00 por sinistro/anuidade; Custas: € 2.500,00 por sinistro/anuidade; Honorários: € 1.500,00 por sinistro/anuidade) Fenómenos Sísmicos (C.E. 105)

Aluimento de Terras (C.E. 106)”.

27. O ressarcimento dos danos a que respeita o seguro referido no artigo anterior tinha por objeto os bens móveis propriedade da ora A. S (…)LDA. ou que estivessem à sua responsabilidade, existentes e/ou instalados no imóvel referido em 1.

28. As apólices de seguro acima referidas nos artigos 27.º e 28.º preveem, nas Condições Particulares, a cobertura de danos sofridos por aluimento de terras.

29. Em consequência do desmoronamento da parede e da cobertura, o imóvel ficou com livre acesso pelo exterior, pelo que a A. A (…), S.A., recrutou agentes da PSP para vigiarem o local a fim de que ninguém acedesse às instalações e de lá furtasse peças e acessórios.

30. Foi feita pela A. A (…), S.A., por ela e também em nome da A. S (…), LDA., em 9 de abril de 2012, ou seja, no primeiro dia útil depois de 6 de abril de 2012 – o dia 6 de abril de 2012 era feriado (Sexta-Feira Santa), o dia 7 de abril de 2012, Sábado, e o dia 8 de abril de 2012, Domingo, Domingo de Páscoa – a competente participação do sinistro à corretora de seguros (…) Lda., para esta a comunicar à ora R. F (…), S.A., tendo sido sumariamente descrita a ocorrência, e identificadas as apólices de seguro que, no entender das AA., deveriam ser acionadas para a cobertura dos danos.

31. Em 19 de abril de 2012, foi feita peritagem ao local da ocorrência, por pessoal de empresa indicada pela Ré seguradora, a empresa G (…) S.A., que concluiu que o sinistro em causa não se encontraria coberto pelas apólices de seguro contratadas entre as AA. e a Ré seguradora.

32. Tal entendimento foi posteriormente confirmado pela R. F (…), S.A., conforme cartas por esta enviadas à corretora de seguros (…) Lda., datadas de 7 de setembro de 2012 – no que respeita à A. A(…)S.A. – e de 15 de março de 2013 – no que respeita à A. S (…) LDA.

33. A posição da Ré F (…), S.A., baseia-se na circunstância de a mesma considerar que a ocorrência foi causada pela queda de um muro de terceiros, no caso, o muro de suporte referido, sito no terreno contíguo ao imóvel.

34. Do número 106 das ditas Condições Gerais e Especiais – idênticas para as duas apólices – consta o seguinte:

“106

Aplicável a este contrato se o correspondente número for especialmente indicado nas Condições Particulares da Apólice

Aluimento de Terras

1. Âmbito da Cobertura

Nos termos desta cláusula, este contrato garante o pagamento dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terras.”

35. Atenta a posição manifestada pela R. F (…) S.A., e tendo em consideração que no dito imóvel funcionavam – e ainda funcionam – instalações das AA. abertas ao público e destinadas ao exercício da sua atividade comercial, as AA. tiveram de levar de imediato a efeito as obras necessárias para a reposição da situação anterior ao sinistro, e a suportar o pagamento dos respetivos custos.

36. No que respeita aos danos sofridos no imóvel, a A. A (…), S.A., despendeu um total de € 119.815,09, para a reparação desses mesmos danos.

37. A A. A (…), S.A. despendeu ainda, enquanto “Empresa-Mãe” do Grupo a que pertence a A. S (…), LDA., a importância de € 19.763,99 para pagamento de uma nova instalação elétrica e de comunicações, e ainda para a desmontagem das estantes afetadas pelo desmoronamento e posterior montagem das mesma, sendo que tal quantia foi paga em benefício e interesse da A. S (…), LDA..

38. O desmoronamento referido supra inutilizou também peças e acessórios para veículos automóveis que se encontravam armazenadas no dito pavilhão e colocadas nas respetivas estantes sob a responsabilidade da referida A. S (…).

39. O valor de tais peças e acessórios totaliza € 109.267,25, tenho a Autora, que as vendeu para a sucata por valor não apurado, suportado um dano de montante não exatamente determinado mas inferior a € 109.267,25.

40. O desaterro e a movimentação de terras foram mandadas executar pelo pai do Réu L (…), que, por carta de 12.04.2012, assumiu perante a primeira A. a autoria das mesmas.

41. O Réu esteve no estrangeiro desde 04.04.2012 até 24.04.2012.

42. A área desaterrada compreende 3 lotes, sendo um deles do Réu L (…) e dois do seu pai, (…)

43. Não obstante um dos lotes esteja registado em nome do Réu, foi o seu pai que negociou a compra daquele lote, que o pagou e que pediu ao Réu para que figurasse na escritura como comprador.

44. Sempre tem sido o seu pai que o tem administrado como se fosse seu.

45. Foi o seu pai que contratou a máquina que procedeu ao desaterro e ao camião para transportar as terras removidas e pagou os respetivos serviços à empresa que contratou para tal.

46. O Réu não tinha qualquer intenção de proceder a qualquer construção no seu lote naquele ano de 2012, nem nos posteriores, como atualmente não tem.

47. O seu pai, (…), não pediu autorização ao Réu para efetuar tal desaterro.

48. O seu pai nunca se interessou por informar a família sobre a da administração dos bens.

49. O pai do Réu recebeu a carta que dava conhecimento do despacho da Câmara Municipal datado de 03.04.2012 e devolveu-a ao Município, informando que o seu filho estava no estrangeiro até por volta do dia 27 desse mês.

50. As fundações do muro de suporte do pavilhão assentavam sobre terra.

51. O desaterro levado a cabo no terreno contíguo ao pavilhão provocou o deslizamento gradual das fundações do muro.

52. As AA não comunicaram à Ré seguradora, antes de 09.04.2012, a existência do desaterro no terreno contíguo nem o resultado das diligências feitas junto dos Bombeiros e da Câmara Municipal.

53. A Ré seguradora, caso tivesse conhecimento de que existia um muro de sustentação de terras no estado em que se encontrava na sequência do desaterro, não daria cobertura ao edifício.

54. A Ré seguradora renovou as descritas apólices de seguro para os anos de 2013, 2014 e 2015.

*

Factos Não Provados:

- 14º da douta petição (na parte em que refere que ocorreu uma forte pluviosidade durante todo o inverno e primavera de 2012);

- 53º da douta petição (na parte em que significa que o dano, i.e, o prejuízo tido pela Autora em virtude da inutilização das peças) ascende a € 109.267,25, i.e., equivale ao valor dessas peças);

- 21º e 22 da douta contestação do Réu L (…);

- a parte final do artº 30º da contestação do Réu L (…), i.e, que, se o seu pai tivesse pedido, o Réu não o autorizaria a fazer o desaterro no seu terreno;

- os artigos 38º, 42º (quando refere a rudimentar fundação), 44, 45º e 46º da contestação do Réu L (…);

- os artigos 71º, 73º, 74º, 76º e 77º da douta contestação da Ré F (…);

- que os custos reais dos trabalhos necessários para repor a situação anterior e o valor dos equipamentos sejam os descritos pela Ré F (…)e nos artigos 108º a 110º;

- que o valor real da reconstrução do imóvel seguro à data da ocorrência seja o mencionado no artigo 115 da douta contestação da Ré F (…)

*

IV - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade e condenação da R. F... .

- Não responsabilidade e absolvição do R. L... , ou redução da indemnização.

- Ampliação do objecto do recurso.

2. O R./recorrente veio arguir a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do NCPC, pois segundo ele, ao ser condenado por violação do dever de vigilância e por omissão, por não ter efectuado o muro de suporte só pelo facto de ser proprietário do terreno escavado, a sentença cometeu excesso de pronúncia, tendo o Tribunal condenado por causa de pedir ou por questão diversa da constante da petição inicial.

Não tem razão.

O excesso de pronúncia dá-se quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (aludida d), 2ª parte, e art. 608º, nº 2, 2ª parte, do NCPC).

Como decorre do relatório supra, na sua petição as AA alicerçaram o seu pedido contra o R. embora subsidiariamente, com fundamento - causa de pedir - na derrocada, que ocorreu no pavilhão onde as recorridas exercem a sua actividade e os prejuízos que as mesmas sofreram em consequência da dita derrocada, ter sido devida a movimentações de terra, de forma pouco diligente, que ocorreram no terreno confinante ao seu imóvel, propriedade do R./recorrente, o que fez com que as recorridas participassem tais movimentações de terra às autoridades competentes, que por sua vez instaram o mesmo recorrente a edificar um muro de suporte na parte em que o seu terreno confinava com o das AA, não tendo o R./recorrente edificado o dito muro e, como tal, e em consequência das fortes chuvas ocorridas na madrugada do dia 5 para o dia 6 de Abril de 2012, ter vindo a ocorrer a dita derrocada (vide também a p.i.).

A sentença proferida nos autos, na sua fundamentação jurídica, teve em consideração, no que respeita ao R./recorrente, esses elementos factuais constitutivos da causa de pedir.

Quando a lei, nos mencionados normativos processuais, se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções suscitadas. Se o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas então cometerá a indicada nulidade de excesso de pronúncia (vide sobre este aspecto L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao artigo 668º do anterior CPC = ao actual artigo 615º, págs. 704/705).    

Ora, a decisão recorrida conheceu justamente dessa causa de pedir e não de outra qualquer, não invocada pelas AA, pelo que se torna patente que a apontada nulidade não existe. Assim, não procedendo o recurso do R./apelante nesta parte. 

3.1. Pretendem as AA que se dê por provado, sob um novo número 15-A., o facto que indicam, de que o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a fls. 345 e 346, certifica os valores da precipitação no local onde se situa o prédio dos autos – na Rua (...) – nos meses de Setembro de 2011 a Abril de 2012, designadamente nos dias 5 e 6 de Abril de 2012, certificando ainda que a precipitação em Abril de 2012 foi superior em 150% ao normal para tal mês. Não pode ser por vários motivos.

Desde logo, um de carácter formal. Na verdade, as AA no art. 14º da p.i. tinham alegado que o aluimento de terras ocorreu na sequência de forte pluviosidade durante o Inverno e Primavera de 2012, designadamente das fortes chuvadas ocorridas na madrugada do dia 5 para o dia 6 de Abril de 2012 no local/região onde se situa o imóvel referido, que levou ao aluimento do dito muro de suporte, aluimento causado pela infiltração das águas da chuva no terreno contíguo. Ora, se é certo que a segunda parte dessa alegação foi dada por provada (no facto 11.), já a primeira parte, referente ao período temporal do Inverno e Primavera, foi considerada não provada (é o primeiro parágrafo dos factos não provados), e as AA não impugnaram esse facto não provado. O que deviam ter feito.
Por outro lado, as AA não alegaram que a precipitação em Abril de 2012 foi superior em 150% ao normal para tal mês, pelo que considerar tal facto agora importaria violação do princípio do dispositivo, previsto no art. 5º, nº 1, do NCPC, o que não pode ser atendido.
É claro que não pode esquecer-se o que determina o nº 2 de tal normativo.
Ora tal facto é meramente instrumental, pois visava contribuir para demonstrar que ocorreram fortes chuvadas no local na noite de 5 para 6 de Abril. Facto instrumental este que até podia eventualmente ser dado como provado (nos termos da a), do referido nº 2) o que implicaria a apreciação da prova apresentada, situação que é contudo inútil, pois o facto essencial, de que aquele é instrumental, foi dado por provado em 11. Sendo, ademais, igualmente inútil face ao que vai acabar por se fundamentar (infra sob 4.1.) e decidir.
Por seu turno, considerando-se porventura que as recorrentes podem objectar que tal facto é concretizador da prévia alegação das AA da forte pluviosidade durante a Primavera de 2012, facto esse que resultou da instrução da causa e que as partes conheceram, pelo que pode ser considerado nos termos do mesmo artigo, seu nº 2, b), dir-se-á o seguinte. Mesmo que pudesse ser visto como um facto concretizador e que resultou da instrução da causa, a verdade é que nem o juiz avisou as partes que estava disponível para o considerar factualmente nem as partes, designadamente as AA, requereram que tal acontecesse (veja-se as duas actas de julgamento onde, sobre este aspecto, nada é dito pela sra. Juíza ou pelas partes). E só neste circunstancialismo se poderia equacionar a aplicação de tal preceito, como defende o importante Ac. do STJ, de 7.2.2017, Proc.1758/10.4TBPRD, cujo excerto respigamos e que merece a nossa anuência “De todo o modo, tomando posição, parece-nos que, pela solução do acórdão recorrido, passaria a não existir diferença relevante entre o aproveitamento pelo juiz de factos instrumentais e de factos essenciais (complementares ou concretizadores).
Repare-se que essa solução apenas exige que seja observado o princípio da audiência contraditória na produção do meio de prova de que emerge o facto novo a considerar. Mas essa exigência é feita, em geral, em relação à produção de qualquer meio de prova e, portanto, é pressuposto que se coloca a montante do aproveitamento do facto – de qualquer facto, seja ele instrumental ou essencial – que resulte desse meio de prova.
Questão diferente pode pôr-se depois, a respeito do aproveitamento de um facto novo que surja com a produção do meio de prova.
Admitir-se que o juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado.
Crê-se que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos referidos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido).
Só assim é conferida à parte "a possibilidade de se pronunciar" sobre o facto que o tribunal se propõe aditar. E só assim se assegurará um processo equitativo (art. 547º do CPC), facultando-se às partes o exercício pleno do contraditório, requerendo – como é admitido por qualquer das teses –, se for caso disso, novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam.
Em decorrência lógica do que acaba de dizer-se, não parece possível que, sem o acordo das partes, a Relação possa aditar à matéria de facto um facto novo, nos termos do art. 5º, nº 2, al. b), no âmbito da reapreciação da prova, efectuada nos termos do art. 662º do CPC (sem prejuízo de poder anular a decisão, considerando a relevância do facto na apreciação do mérito).". Neste sentido vai também L. Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 308/309.

Não procede, pois, a impugnação da matéria de facto nesta parte.    

3.2. Pretendem as AA que se considere provado, sob novos números, os seguintes factos:

15-B. O representante da Divisão de Protecção Civil e Bombeiros de (...) que se deslocou ao local não considerou que existisse um risco iminente de derrocada ou de queda do pavilhão, pois caso assim o entendesse teria mandado de imediato evacuar e selar o dito pavilhão.

16-A. Os Bombeiros Municipais de (...) , aquando da deslocação ao local em 23 de Março de 2012, também não detectaram risco iminente de derrocada ou de queda do pavilhão, pelo que não determinaram o encerramento do mesmo.

Aplica-se mutatis mutandis a apreciação de direito que fizemos na segunda parte do ponto anterior.

Efectivamente as AA não alegaram tal factualidade, pelo que considerar a mesma agora importaria violação do princípio do dispositivo, previsto no art. 5º, nº 1, do NCPC, o que não pode ser atendido.

Também aqui os ditos factos são instrumentais, pois relacionam-se com os factos alegados pela R. na sua contestação (arts. 73º, 74º e 76º) de que o aluimento de terras se trataria de um facto previsível face às obras de remoção efectuadas, pretendendo as AA fazer a contraprova de que a derrocada não era assim tão previsível. Ora, na medida que aquela matéria alegada pela R. foi dada por não provada (cfr. o elenco dos factos não provados) tais factos deixam de ter relevo e interesse.

E, mais uma vez aqui, ainda que as AA porventura objectassem que tais factos são complementares da prévia alegação das AA que resultou provada nos factos 15. e 16., e que tais factos terão resultado da instrução da causa e que as partes os conheceram, pelo que podem ser considerado nos termos do mesmo artigo, seu nº 2, b), a nossa resposta seria idêntica. Mesmo que pudessem ser configurados como factos complementares e que terão resultado da instrução da causa, a verdade é que nem o juiz avisou as partes que estava disponível para os considerar factualmente nem as partes, designadamente as AA, requereram que tal acontecesse (veja-se as duas actas de julgamento onde, sobre este aspecto, nada é dito pela sra. Juíza ou pelas partes). E só neste circunstancialismo se poderia equacionar a aplicação de tal preceito, como atrás justificámos.

Não procede, assim, a impugnação da matéria de facto nesta parte.

3.3. As AA igualmente aspiram a que se modifique o facto provado 21. e se considere provado, sob um novo número, um novo facto, nos seguintes termos:

21. Atenta a forte pluviosidade ocorrida no local onde se situa o imóvel dos autos na madrugada de 5 para 6 de Abril, deu-se a derrocada de terras e o desmoronamento acima descritos;

21-A. A derrocada de terras e o desmoronamento acima descritos constituíram acontecimentos de carácter imprevisível e súbito.

Se atentarmos na actual redacção do facto provado 21., e na que as AA/recorrentes propõem, vê-se que a diferença reside apenas na supressão da parte inicial de tal facto reportado à descrita movimentação de terras. É muito estranha esta pretensão !

Na verdade as AA tinham alegado exactamente esse facto na p.i., no art. 24º, que lograram provar, e agora querem dar o dito por não dito suprimindo essa parte !?? Não pode ser, porque representa uma intolerável manipulação das regras processuais, apenas a bel contento de interesses egoístas da parte, no seu afã de alcançar os seus propósitos substantivos de procedência do peticionado, a todo o custo, sem respeito da boa fé processual. Seria um abuso de direito processual, na modalidade de venire contra factum proprium, o que lhes está vedado, como resulta dos princípios gerais estabelecidos nos arts. 334º do CC e 542º, nº 1, d), do NCPC, a propósito da litigância de má fé (vide neste sentido M. Cordeiro, em Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 1ª Ed., 2006, págs. 83/93).

Quanto ao constante de 21-A, é evidente que se trata de um juízo de facto conclusivo, por natureza afastado da selecção de factos materiais e objectivos, pois só estes podem ser considerados, como resulta do disposto no art. 607º, nº 3 e 4, do NCPC (vide sobre este aspecto A. Geraldes, Recursos em Proc. Civil, 2ª Ed., 2008, nota 10. ao artigo 712º do anterior CPC, pág. 293).

Não procede, por isso, a impugnação da matéria de facto nesta parte.     

3.4. Propugnam também as AA que se elimine da matéria provada o facto 53., acrescentando-o aos factos não provados.

Trata-se de matéria não relevante para a solução do pleito, como infra será explicado em 6.

3.5. O R./recorrente impugna os factos provados 9., 11. e 14., propondo uma ligeira alteração, no sentido que neles passe a figurar que o pavilhão derribado confrontava apenas em parte com o seu terreno.

Comece por relembrar-se que tal R. afirmara na sua contestação (art. 38º) que cerca de ¾ do desmoronamento do pavilhão ocorreu numa zona de terreno que não confina com o do R. Ora, tal facto foi dado por não provado (vide o 5º parágrafo dos factos não provados). E o R. não o impugnou, devendo tê-lo feito, pois era quanto a esse ponto em concreto que se impunha que impugnasse o que agora pretende. Não o tendo feito, sibi imputet, terá de improcer a mesma impugnação por razões formais, tal como anteriormente verificado relativamente às AA.

De qualquer maneira, a impugnação sempre improcederia por razão substantiva. Na verdade, o R. produziu depoimento de parte, tendo o tribunal a quo reduzido o seu depoimento a assentada (cfr. a acta de julgamento de fls. 400), e nesta parte exarou-se que “Declarou ser proprietário de um prédio nos (...) que se encontra a sul do prédio das autoras e ter conhecimento que ruíu uma parede no prédio que é contíguo à sua propriedade“. Por causa desta parte do seu depoimento a julgadora de facto considerou haver confissão. E decidiu bem, porque se trata de uma verdadeira confissão judicial provocada, reduzida a escrito, em que o R. reconhece um facto desfavorável que favorece a parte contrária, e como tal com força probatória plena (cfr. os arts. 352º, 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 2, 358º, nº 1, do CC, 463º, nº 1, e 465º, nº 1, do NCPC).

Como assim, improcede a impugnação de facto nesta parte.

3.6. Finalmente defende o R./recorrente que se deve dar por provado o seguinte facto: A área desaterrada compreende 3 lotes, sendo o primeiro do Réu L (…) e os restantes de seu pai (…).

É incompreensível esta impugnação, porque tal facto já vem dado como provado em 42. Pelo que se indefere, obviamente, tal impugnação.

4.1. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“O objeto do litígio é aferir se a Autora A (…), S.A., deve ser paga da quantia de € 119.815,09 e a Autora S (…), Lda., ser paga da quantia de € 129.031,24, em ambos os casos acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até pagamento, a título de responsabilidade contratual ou por facto ilícito.

Em primeiro lugar, demanda-se para suportar a responsabilidade por tais pagamentos a Ré seguradora e, subsidiariamente, o Réu L (…)

Provou-se que a Autora A (…) celebrou com uma seguradora, a que sucedeu a ora Ré, um contrato de seguro multirriscos tendo por objeto o imóvel locado e que a Autora S (…)celebrou com a mesma entidade um contrato de seguros multirriscos que cobria os objetos que estivessem no referido imóvel. Tais contratos de seguro foram celebrados na sequência e por imposição do contrato de locação financeira que havia sido celebrado no ano de 2004.

Provou-se que os referidos contratos de seguro previam o ressarcimento dos danos diretamente causados por diversos riscos, entre os quais consta o risco por aluimentos de terras.

Provou-se que ocorreu um aluimento de terras após fortes chuvadas que se fizeram sentir na madrugada de 5 para 6 de abril de 2012.

De todo o modo, ainda que porventura celebrados anteriormente a 01.01.2009 (data em que entrou em vigor o DL n.º 72/2008, de 16.04, que instituiu o regime jurídico do contrato de seguro, doravante RJCS, cfr. artº 7º), sempre o RJCS é aplicável ao conteúdo dos contratos celebrados até então (vide artsº 2º e 3º, sendo que este manda aplicar o novo regime aos contratos com renovação periódica após a primeira renovação posterior à entrada em vigor do novo DL).

De acordo com o princípio da liberdade contratual, expressamente reafirmado no art. 11º do RJCS, o contrato de seguro é regulado pelas estipulações da respetiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, subsidiariamente, pelas disposições do RJCS aprovado pelo citado DL n.º 72/2008 e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (vide o art. 4º do RJCS).

O artº 4º do DL n.º72/2008, revogou os artigos 425º a 462º do Código Comercial, justamente o seu título XV, que regulamentava os contratos de seguro.

O contrato em apreço insere-se no grupo do seguro de danos, regulado no título II, do RJCS, mais exatamente nos arts. 123º a 174º.

Debruçando-se sobre o objeto deste tipo de seguro, dispõe o artº 123º que o seguro de danos pode respeitar a coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais.

Na secção III (com o título Principio Indemnizatório), reza o artº 128º que a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.

De acordo com o artº 130º:

«1. No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o valor do interesse seguro ao tempo do sinistro.

2. No seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado.

3. O disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem».

Ainda com interesse, dispõe o art. 131º, nº 1, que, sem prejuízo do disposto no artigo 128º e no nº1 do artigo anterior, podem as partes acordar no valor do interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, não devendo esse valor ser manifestamente infundado.

Descendo ao caso dos autos, provou-se, muito sumariamente, que, na descrita madrugada, marcada por fortes chuvadas que determinaram a infiltração de águas na zona onde o pavilhão das AA confronta com o prédio do Réu L... , se deu um aluimento de terras, com o desmoronamento da parede e de parte da cobertura do pavilhão, que assentavam sobre um muro de suporte de terras, também ele caído.

Como sustentado pela jurisprudência que seguimos, «incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações hipotéticas configuradas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos que são do direito de indemnização, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC. Por sua vez, à seguradora cabe provar os factos ou circunstâncias excludentes do risco ou aqueles que sejam suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos revelem na sua aparência factual, a título de factos impeditivos nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC» 2Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2016, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt/jstj.

Como se lê no acórdão ora citado, «(…)é pois reconhecido que o risco constitui um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, que deve existir quer aquando a celebração do contrato quer durante a sua vigência, o que, de resto, parece decorrer, nomeadamente do disposto nos artigos 1.º, 24.º, 37.º, n.º 2, alínea d), 44.º, n.º 1 e 3 e 110.º do atual regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04 (LCS).

Relativamente à noção de risco, para tais efeitos, é também correntemente admitido de que o mesmo se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato.

Nas palavras de Cunha Gonçalves:«O risco tem um carácter eminentemente potencial e aleatório: é um facto incerto para ambas as partes e futuro, que pode causar um dano ao património ao segurado, ou modificar o evento da vida em que ele tem qualquer interesse.»

E segundo Moitinho de Almeida, o risco “é a possibilidade de um evento futuro e incerto (pelo menos incertus quando) susceptível de determinar a atribuição patrimonial do segurado (excluída a teoria indemnizatória, não se qualifica o evento de danoso).

Por seu lado, Menezes Cordeiro refere que:

«Há risco quando, em termos humanos, a eventualidade (tomada como) desfavorável seja possível e caso, como tal, ela seja levada a um contrato válido. Digamos que há uma dificuldade de princípio, dada a irracionalidade do elemento humano, a qual é ultrapassada pelo juízo de validade que recaia sobre o contrato de seguro.»

De forma mais analítica, Margarida Lima Rego caracteriza a incerteza do risco na base de três variáveis:

i) – a incerteza quanto à ocorrência do resultado contemplado (incertus an);

ii) – a incerteza quanto ao momento da ocorrência desse resultado (incertus quando);

iii) – a incerteza quanto ao valor de tal resultado, ou seja, “a variabilidade da magnitude das consequências do sinistro.”

(…) Segundo o ensinamento de Cunha Gonçalves, em termos jurídicos:

«Sinistro é um caso fortuito ou de força maior de que resultou a parcial ou total realização do risco garantido pelo segurador ou do dano previsto por ambas as partes no respectivo contrato.»

E «[…] caso fortuito ou de força maior é qualquer facto superior às forças humanas e imprevisto, ou previsto, mas inevitável.

Em consequência, é lógica a conclusão de que o segurador não é obrigado a indemnizar ou a considerar como sinistro os danos provenientes de factos que não teem aquela natureza, ou, embora a tenham, não foram dos previstos na apólice ou no contrato de seguro.»

Por seu lado, Margarida Lima Rego escreve que:

«Chamamos “sinistro”, precisamente, à verificação de um desses factos previstos no contrato de seguro, que compõem a chamada cobertura-objeto, e cuja verificação determina a obrigação de prestar por parte do segurador.»

Também Menezes Cordeiro, a este propósito, considera que:

“O sinistro equivale à verificação, total ou parcial, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador (99.º)”».

Nas condições gerais do contrato de seguros multirriscos em apreço, consta, no artigo 1º, a definição de sinistro, como «qualquer acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisível, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato» (vide fls. 54-vº).

Nas condições especiais encontra-se, sob o ponto 106, no âmbito da cobertura, que «este contrato garante o pagamento dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: aluimentos de terras, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos» (cfr. fls. 67).

Estaremos perante um sinistro, entendido como caso fortuito ou de força maior, i.e., facto superior às forças humanas e imprevisto, ou previsto, mas inevitável?

Entendo que não, justamente porque, na génese da ocorrência em apreço, não esteve um fenómeno geológico mas sim um factor humano: o desaterro feito no terreno do Réu L (…) que, desprotegendo o muro de suporte de terras, fez com que este e parte do edifício derrocassem. Ou seja, o aluimento de terras não se dá por meras causas geológicas, tendo outrossim na sua génese um comportamento humano que desencadeou todo o nexo causal.

Era, assim, previsível que, em face do desaterro feito pelo pai do Réu, ocorressem danos. Havia já risco para as pessoas e os bens, como informaram os bombeiros logo em 16 de fevereiro. Daí que, em 26 de março, a Câmara Municipal tenha informado que «a movimentação de terras colocou a descoberto as fundações de um pavilhão confinante e fez ruir um muro de vedação também confinante. Julgamos no entanto que, para evitar qualquer dano acrescido nos bens das propriedades vizinhas, este munícipe deverá tomar as medidas adequadas, com a execução de um muro de suporte até à altura de 2 metros, junto aos seus confinantes».

Ou seja, não estamos perante um fenómeno natural, súbito e imprevisto, estando já em curso, pelo menos desde fevereiro, toda uma sequência de atos humanos (o desaterro) tendentes a causar danos no prédio das AA. As chuvas apenas conduziram ao deslizamento de terras porque o desaterro tinha tornado o local desprotegido e vulnerável.

Por isso, não consubstanciando o ocorrido um sinistro, entendo estar excluída a responsabilidade da Ré, o que implica a sua absolvição do pedido …”.

Quanto a esta fundamentação, concorda-se com a teoria geral exposta sobre o regime jurídico do contrato de seguro, sobre o conceito de direito de risco e sobre a noção de sinistro, mas não se pode acompanhar a análise do caso concreto que se elaborou e a conclusão a que se chegou. Vejamos então.

Continuando a seguir de perto o que no referido acórdão do STJ se expôs, podemos afirmar que assim, o risco será delimitado em função do tipo de evento como tal contemplado, bem como relativamente à localização e ao tempo em que possa ocorrer.

Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vectores complementares: primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base”; subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base (vide Margarida Lima Rego, em Contrato de Seguro e Terceiros – Estudo de Direito Civil, 2010, págs. 96/97).

Em suma, a delimitação do risco no contrato consubstancia-se na configuração de uma factispecies contratual, ou seja, num tipo abstracto de sinistro coberto pelo seguro.

Por sua vez, o sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto no contrato, devendo, pois, reunir as mesmas características com que é ali configurado. Em regra, pois, o sinistro equivalerá precisamente à descrição configurativa que conste do contrato (noutros casos, haverá que fazer uma justaposição valorativa, de tal modo que o contrato cumpra a função que todos esperavam dele, aquando da celebração).

Assim, a qualificação de um evento ou facto como sinistro terá de ser feita em função dos contornos tipológicos do risco tal como foram desenhados no clausulado contratual.

É pois nessa conformidade que o art. 100º, nº 2, do RJCS, determina que, na participação do sinistro, o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário devem explicitar as circunstâncias da verificação do sinistro e as eventuais causas da sua ocorrência, além das respectivas consequências.

Ora, como se viu, nas condições gerais do contrato de seguro em apreço consta, no art. 1º, a definição de sinistro acima transcrita:

Qualquer acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato.

Esta definição genérica pouco mais não é do que a noção abstracta de sinistro, correspondente ao conceito de risco, com a particularidade de compreender não só um evento isolado mas uma série de eventos, remetendo depois para as cláusulas de cobertura.

E, no que aqui releva, é o clausulado constante do facto provado 34., em que se prevê o Aluimento de Terras, nos seguintes termos:

1. Nos termos desta cláusula, este contrato garante o pagamento dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terras.

(O nº 2 prevê exclusões da cobertura, que aqui e agora não interessam, pois embora a R. as tivesse invocado nos arts. 97º a 101º da sua contestação, como defesa por excepção, acabou por não as chamar a conhecimento na ampliação do seu recurso, que infra será apreciado em 6.).

Estamos, pois, em presença de uma definição do risco dada, no nº 1, mediante uma cláusula de cobertura de base.

Desse modo, a referida cláusula de cobertura contempla tipos de ocorrência futura e incerta, em que está ínsita a natureza fortuita, súbita ou imprevista, do risco garantido pelo contrato. Tal natureza terá de defluir da especificidade factual do evento, sendo que os qualificativos expressos nos vocábulos “súbito” e “imprevisto”, traduzem-se, no contexto em foco, em termos meramente valorativos ou conclusivos do conceito de fortuitidade, não podendo, por isso, servir como enunciado de teor factual.

Nessa medida, a definição de sinistro dada não se reconduz a qualquer característica qualificativa adicional dos factos configurados na cláusula de base de cobertura do risco, significando simplesmente que tais factos, na configuração que ali lhes é dada, são assumidos como eventos ou série de eventos súbitos e imprevistos garantidos pelo contrato.

Nessa conformidade recai sobre o segurado o ónus de provar tais ocorrências como factos constitutivos que são do direito de indemnização invocado, nos termos do nº 1 do art. 342º do CC. Por sua vez, à seguradora cabe provar os factos ou circunstâncias excludentes do risco ou aqueles que sejam susceptíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos revelem na sua aparência factual, a título de factos impeditivos nos termos do nº 2 do mesmo artigo.

Nem sequer se afigura que recaia sobre o segurado o ónus de provar a causa específica que teve na origem das ocorrências configuradas no contrato como integradoras do risco, o que constituiria, de resto, uma tarefa quantas vezes impossível para o próprio segurado. O que se lhe impõe, no referido nº 2, do art. 100º, do RJCS, é que explicite as circunstâncias do sinistro e as eventuais causas da sua ocorrência com vista a permitir à seguradora, precisamente, fazer tal indagação por via pericial.

E mesmo em caso de eventualidade de fraude - com o que, aliás, fica prejudicada a natureza fortuita do próprio evento -, é sobre a seguradora que impende o ónus de provar que a ocorrência de facto integrador de qualquer das situações contratualmente previstas em sede de delimitação do risco foi causado dolosamente pelo tomador do seguro ou do segurado, o que se traduz num facto impeditivo do efeito jurídico potenciado por aquele ocorrência, nos termos conjugados do art. 46º do RJCS e indicado nº 2 do art. 342º.

Sucede que, no caso dos autos, a R. construiu, parte da sua tese de defesa, na circunstância tendente à descaracterização da fortuitidade do sinistro participado, mormente em sede da causa que lhe deu origem.

Sustentou que o desmoronamento do pavilhão não ocorreu por causa das chuvas durante a madrugada do dia 5 para 6 de Abril de 2012, mas sim pela ocorrência prévia de movimentações de terra no terreno contíguo ao local do desmoronamento, sendo pois o factor humano a causa do mencionado desmoronamento e não um fenómeno natural.

O certo é que a prova produzida não vai apenas nesse sentido. Efectivamente resulta provado que no imóvel referido ocorreu o desmoronamento parcial de um dos pavilhões que o compõem, mais exactamente, ocorreu o desmoronamento da sua parede, na parte que é contígua ao terreno com que tal imóvel confina, e de parte da respectiva cobertura, o que sucedeu no alçado sul – oeste do pavilhão, o que aconteceu na sequência de um aluimento de terras (facto provado 8.). O referido alçado sul – oeste assentava num muro de suporte de terras que servia de base de apoio da parede o que constituía o mencionado alçado sul – oeste do dito pavilhão (facto 10.). A ocorrida derrocada de terras deu-se após fortes chuvadas ocorridas na madrugada do dia 5 para o dia 6 de Abril de 2012 na região, que determinaram infiltração de águas na zona onde o pavilhão confronta com o prédio do Réu L (…) (facto 11.). A queda do muro de suporte determinou a queda da parede do pavilhão (facto 12.). Em Fevereiro de 2012, foram efectuadas operações de movimentação de terras no dito terreno contíguo, propriedade do R. L (…), na parte em que o mesmo confrontava com o imóvel referido (facto 14.). Em 16 de Fevereiro de 2012, a Divisão de Proteção Civil e Bombeiros de (...) , que se deslocou ao local, constatou que «(…) a base de sustentação do armazém ficou a descoberto, (…) já existem grandes fissuras no seu interior e exterior (…) esta situação pode por em riscos pessoas e bem» (facto 15.). Em 23 de Março de 2012 os Bombeiros Municipais de (...) deslocaram-se ao imóvel e elaboraram um relatório de ocorrência onde descrevem “reconhecimento a ocorrência de terras junto a um armazém. O deslizamento de terras expôs as fundações do edifício e já provocou o surgimento de fendas na parede do armazém” (facto 16.). Em 26.03.2012, a Câmara Municipal de (...) , através dos seus serviços de fiscalização, lavrou informação em que refere «(…) nos deslocámos ao local acima indicado, onde foi constatado que existiu uma intervenção numa propriedade, alterando a topografia local … Mais informamos que a movimentação de terras colocou a descoberto as fundações de um pavilhão confinante e fez ruir um muro de vedação também confinante. Julgamos no entanto que, para evitar qualquer dano acrescido nos bens das propriedades vizinhas, este munícipe deverá tomar as medidas adequadas, com a execução de um muro de suporte até à altura de 2 metros, junto aos seus confinantes …» (facto 18.) A Câmara Municipal de (...) proferiu despacho datado de 3.4.2012, determinando que o Réu L (…) fosse notificado, «(…) na qualidade de proprietário do prédio sito na Rua (...) , freguesia de (...) , para no prazo de (5) cinco dias a contar da recepção do presente ofício, proceder à execução de um muro de suporte, com altura até 2m em redor de toda a sua propriedade, repondo e mantendo, deste modo, as condições de segurança requeridas» (facto 19.). Atenta a descrita movimentação de terras e a forte pluviosidade acima mencionada na madrugada de 5 para 6 de Abril, deu-se a derrocada de terras e o desmoronamento acima descritos (facto 21.). O desaterro levado a cabo no terreno contíguo ao pavilhão provocou o deslizamento gradual das fundações do muro (facto 51.).

O que quer dizer, tudo analisado e conjugado, que foram dois os factores que contribuíram para o desmoronamento do pavilhão. Primeiro a movimentação de terras, que levou ao deslizamento gradual das fundações do muro de suporte, que depois veio a cair e determinou a queda da parede do pavilhão. Mas, depois, cronologicamente falando, deu-se o factor decisivo e determinante para a ocorrência do sinistro: a forte pluviosidade da madrugada de 5 para 6 de Abril. São estes dois factores conjugados, e encadeados no tempo, que determinaram a ocorrência do sinistro, como decorre nexo-factualmente do facto provado 21. É esta a causalidade concorrente que produz o sinistro. 

Por outro lado, apesar de a R., na sua contestação, ter alegado factualidade atributiva de responsabilidade das AA por conduta omissiva, não a logrou demonstrar (são os factos não provados enumerados no parágrafo sexto).

Significa isto, perante os factos provados atrás salientados, que as AA provaram a ocorrência de uma situação de risco, como tal prevista na cláusula de cobertura, que, embora com causalidade não exclusiva, consistiu no aluimento de terras, por causa natural, devido, em última instância, às fortes chuvadas que caíram na madrugada em que se deu o desmoronamento do pavilhão. Enquanto que a R., por seu turno, não provou, como lhe competia, circunstância ou facto exclusivo descaracterizador da fortuitidade daquele evento.

Nesta linha de entendimento é forçoso concluir pela verificação do sinistro, sem que tenha havido violação da regra do ónus da prova estabelecida no nº 1, do art. 342º, do CC nem de qualquer das normas invocadas pela R./recorrente.

O que não quer dizer que a R. não possa vir eventualmente a responsabilizar o co-réu L (…) por conduta conducente à produção do facto concorrencial da produção do sinistro.

Termos em que, pelo exposto, procede a apelação, neste particular.

4.2. Na mesma decisão recorrida exarou-se que:

“Prosseguindo, da análise conjugada dos art. 562º e 564º do CC extrai-se que a obrigação de indemnização visa a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, e, bem assim, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

A este propósito, provou-se que:

- A A. A (…) S.A., despendeu um total de € 119.815,09, para a reparação dos danos ocorridos no imóvel;

- A A. A (…), S.A. despendeu ainda, enquanto “Empresa-Mãe” do Grupo a que pertence a A. S (…), LDA., a importância de € 19.763,99, para pagamento de uma nova instalação elétrica e de comunicações, e ainda para a desmontagem das estantes afetadas pelo desmoronamento e posterior montagem das mesma, sendo que tal quantia foi paga em benefício e interesse da A. S (…), LDA.;

- O desmoronamento referido supra inutilizou também peças e acessórios para veículos automóveis que se encontravam armazenadas no dito pavilhão e colocadas nas respetivas estantes sob a responsabilidade da referida A. S (…);

- O valor de tais peças e acessórios totaliza € 109.267,25, tenho a Autora, que as vendeu para a sucata por valor não apurado, suportado um dano de montante não exatamente determinado mas inferior a € 109.267,25.

As AA pretendiam que a quantia de € 19.763,99 fosse paga à Autora S (…) em função essencialmente do teor do contrato de seguro que esta celebrou tendo por objeto os bens que se encontrassem dentro do imóvel. Todavia, já se referiu que a pretensão das AA não tem acolhimento ao abrigo do contrato de seguro celebrado com a Ré, sendo antes responsabilizado o Réu L (…), demandado subsidiariamente.

De todo o modo, a referida quantia de € 19.763,99 é devida à Autora A (…), que suportou o custo respetivo, ainda que em benefício da outra Autora, a S (…), sob pena de aquela não ser ressarcida e de esta ser indemnizada duas vezes (uma primeira, com a reconstrução da situação anterior, resultante da aquisição da nova instalação elétrica e da montagem de novas estantes; uma segunda, através da indemnização em dinheiro que aqui é peticionada).

O caso dos autos, neste ponto particular, reconduz-se à existência de sub-rogação, uma vez que o credor (a Autora S (…)) recebeu a prestação de um terceiro (a Autora A (…)) que não o devedor – artsº 589 e ss do CC.

Só que o pedido da Autora A (…) é no sentido de ser paga apenas pela quantia de € 119.815,09, a qual lhe é devida pela reparação dos danos ocorridos no imóvel, pedido em que terá inteira procedência. Não pede que lhe seja paga – a ela, Autora A (…) – a quantia de € 19.763,99.

Porque se trata de uma coligação de AA, cada uma com o seu pedido e com a faculdade de litigar separadamente, crê-se que não se pode condenar o Réu L (…) a pagar à Autora A (…)a quantia de € 139.579,08, já com a inclusão da parcela de € 19.763,99. Tal violaria o artigo 609º, nº 1, do CPC, pelo que à Autora A (…) é devido o limite máximo do seu pedido, ou seja, € 119.815,09.

Já que no que respeita à Autora S (…) o valor das peças e acessórios que foram afetadas pelo evento totaliza € 109.267,25, tenho a Autora, que as vendeu para a sucata por valor não apurado, suportado um dano de montante não exatamente determinado mas inferior a € 109.267,25.

Deste modo, e neste particular, não se tendo apurado o valor exato, há que fazer uso da faculdade processual plasmada no artº 609º, nº 2, do CPC, e condenar o Réu a pagar à Autora S (…) o montante que vier a ser liquidado, até ao limite de € 109.267,25. Os montantes vencem juros a partir da citação, por aplicação dos artsº 806º, nº 1, e 805, nº 1, do CC.”.

Com a diferença de se reportar ao R. L(…) esta fundamentação é de manter, já que se mostra acertada, não pondo as AA nem a R. a mesma em crise. Aliás as AA que triunfam na sua pretensão defendem expressamente que a condenação na sua vertente quantitativa se mantenha.

5. Face ao que consta do ponto anterior e ao que vai ser decidido sobre o mesmo, torna-se inútil conhecer a penúltima questão acima elencada da desresponsabilidade e absolvição do R./apelante L (…), ou redução da indemnização, face à condenação da R./seguradora que vai ser proferida.

Verifica-se que este R. foi demandado em via subsidiária, pelo que procedendo o primeiro pedido formulado contra a R., já não se torna necessário conhecer o pedido subsidiário formulado contra o R., como resulta do art. 554º, nº 1, do NCPC. O que as próprias AA/apelantes reconhecem nas suas contra-alegações ao recurso desse R. (cfr. a conclusão 1., das ditas contra-alegações de recurso). O que implicará, por isso, a revogação da sentença recorrida, na parte em que o mencionado R. foi condenado a indemnizar as AA.  

6. Em ampliação de recurso, defende a R./seguradora que a factualidade inserida no facto provado 53. releva para o estatuído nos arts. 93º e 94º do RJCS e arts. 251º e 247º do CC. E que as AA deviam ter-lhe comunicado a fragilização do pavilhão assim que em Janeiro de 2012 tiveram conhecimento da mesma, o que lhe facultaria a anulação/resolução do contrato, no todo ou em parte e no limite a exclusão das atrás referidas coberturas, constatando-se que afinal a Ré manteve o contrato com a sua vontade contratual afectada por erro – vicio sobre o objecto do negócio, na medida em que a manutenção do contrato da sua parte se alicerçou em desconhecimento das circunstâncias agravantes do risco e jamais comunicadas como era dever contratual das AA seguradas. Assim, em ampliação de recurso invoca a faculdade de anulação/resolução do contrato, indutora da exclusão de obrigação ressarcitória.

Na contestação a R. tinha invocado a matéria que veio a lograr provar sob 53.

Principie-se por referir que só agora em recurso a R. chama à colação, a seu favor, o erro sobre o objecto do negócio, previsto nos arts. 251º e 247º do CC, pois no seu articulado de contestação apenas invocou os arts. 93º, nº 1 e 2, e 94º, nº 2, do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

Aqueles artigos do CC implicam que em caso de verificação do aludido erro-vício o negócio é anulável. Ora, o certo é que a R., na sua contestação, não arguiu ou peticionou qualquer anulabilidade do contrato de seguro, nos termos do art. 287º do CC (muito menos no período temporal fixado no nº 1 do preceito). Não pode, por conseguinte, vir agora em recurso defender o exercício dessa faculdade de anulação/resolução do contrato, indutora da exclusão de obrigação ressarcitória, como presentemente pretende. Tratar-se-ia, na realidade, de matéria nova não susceptível de conhecimento em recurso.

Na verdade, este fundamento fáctico-substantivo, agora apresentado pela R./apelante, não foi invocado no seu articulado de contestação, e como tal não foi objecto de contraditório pelas AA/recorridas, e, por conseguinte, também não podia ser objecto de conhecimento e apreciação por parte do tribunal a quo.

Trata-se, por isso, de questão nova posta em recurso que nunca poderia ser conhecida neste tribunal de apelação. Como é de todos sabido, e já foi dito e redito, infindavelmente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Não cabe, pois, aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 5. ao art. 676º, pág. 7/8, e jurisprudência aí mencionada). Tratando-se, portanto, de uma questão fáctico-substantiva nova, não pode, agora, ser conhecida em fase de recurso.

O que a R./recorrente invocou em concreto na sua defesa (vide os arts. 83º a 90º da sua contestação, encimada pela epígrafe “EXCEPÇÔES”), como factos impeditivos, foi a ocorrência das situações previstas nos mencionados arts. 93º, nº 1 e 2, e 94º, nº 2, com vista a recusar a cobertura do risco, e, por isso, para se eximir de qualquer responsabilidade civil indemnizatória contratual. Importa, por isso, compulsá-los.

O art. 93º com a epígrafe “Comunicação do agravamento do risco”, reporta-se, no seu nº 1, às situações em que o tomador do seguro ou segurado não comunica ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas se conhecidas no momento da celebração do contrato pudessem influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato, assim permitindo ao segurador após o conhecimento desse agravamento do risco tomar opcionalmente uma das decisões previstas em alternativa nas a) e b) do nº 2 do preceito (modificação ou resolução do contrato).

Todavia tal normativo só funciona antes da ocorrência do sinistro. E no nosso caso o sinistro ocorreu antes de qualquer comunicação comunicada, e que fosse eventualmente devida, pelas AA. Pelo que queda inaplicável tal comando legal. 

Já o art. 94º, com a epígrafe “Sinistro e agravamento do risco” é susceptível de aplicação ao caso dos autos. Determina o nº 1, que se antes da cessação ou alteração do contrato, nos termos do art. 93º, ocorrer o sinistro cuja verificação ou consequência tenha sido influenciada pelo agravamento do risco, o segurador ou cobre o risco, efectuando a prestação convencionada, se o agravamento tiver sido correcta e tempestivamente comunicado antes do sinistro ou antes de decorridos 14 dias sobre o conhecimento do facto agravador do risco – a); ou cobre parcialmente o risco, reduzindo-se a sua prestação na proporção entre o prémio efectivamente cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco, se o agravamento não tiver sido correcta e tempestivamente comunicado antes do sinistro – b); ou pode recusar a cobertura em caso de incumprimento doloso do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, mantendo direito aos prémios vencidos – c).

Por sua vez, no nº 2, estabelece-se que na situação prevista nas a) e b) do número anterior, sendo o agravamento do risco resultante de facto do tomador do seguro ou do segurado, o segurador não está obrigado ao pagamento da prestação se demonstrar que, em caso algum, celebra contratos que cubram os riscos com as características resultantes desse agravamento do risco.

Como se disse, e se repete, a R. só invocou na contestação a seu favor o que decorre do nº 2 do apontado art. 94º. Todavia, como não se apurou que tivessem sido as AA as criadoras do facto agravador do risco, fica arredada a hipótese prevista nesse número, única trazida pela R. na sua contestação como defesa.

Desta sorte, é inevitável concluir que a R. não se pode eximir à sua responsabilidade perante as AA. Daí perceber-se nesta altura que a impugnação do facto provado 53. era inócua por acabar por não interferir com a decisão do recurso a tomar.

Abra-se neste momento um parêntesis para dizer que mesmo que assim não fosse a pretensão da R./recorrente teria de ser indeferida.

Realmente, em reforço do que se expôs e se vai decidir, inexiste qualquer facto provado indicativo de dolo das AA, pelo que ficaria afastada a aplicação da aludida c), do nº 1, do citado art. 94º.

Restaria tão-só a hipótese de aplicação da enunciada b), do mesmo número e normativo, que em abstracto era convocável, uma vez que está provado que as AA não comunicaram à R. antes do sinistro a existência do desaterro no terreno contíguo nem o resultado das diligências feitas junto dos Bombeiros e da Câmara Municipal (facto 52.). Contudo, a R./recorrente neste conspecto nada invocou em concreto na sua defesa por excepção (nos falados arts. 83º a 90º da sua contestação, correspondentes à sua defesa por excepção), não se predispôs à sua aplicação, não pugnando pela aplicação da mesma na parte final de tal articulado, ao invés pugnando pela sua absolvição total (o mesmo fazendo ora em recurso). Hipótese esta que a lei, porém, não contempla, nem dá cobertura. E que portanto obvia ao pretendido pela R. na sua contestação e agora em recurso.

Em nota final importa apenas acrescentar, embora necessariamente de modo muito sintético, que mesmo que tivéssemos de eventualmente ponderar esta última configuração jurídica, não poderíamos olvidar uma possível situação de abuso de direito, previsto no art. 334º do CC, na modalidade de venire contra factum proprium, por parte da R., atento o que resulta do facto provado 54. (é que a mesma não se coibiu de, em conduta contraditória com a posição assumida nos autos, continuar a aceitar segurar riscos idênticos aos do sinistro que teve lugar e a cobrar os respectivos prémios. Assim revelando genericamente uma posição cómoda, que em abstracto é a de continuar a receber os prémios pagos anualmente pelos tomadores do seguro/segurados e, quando se verifica um sinistro coberto por tais seguros, alegar sumariamente que existem factos que fariam cessar a cobertura contratada através dos ditos seguros, assim assegurando, em qualquer caso que seja, um meio expedito de dizer, depois de os danos se produzirem, que nunca aceitaria segurar o risco que motivou o sinistro).

Portanto, pelo explicitado, não procede a ampliação do recurso deduzida pela R./recorrente.      

7. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) O excesso de pronúncia, gerador de nulidade da sentença, dá-se quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (arts. 615º, nº 1, d), 2ª parte, e 608º, nº 2, 2ª parte, do NCPC);

ii) Quando a lei, nos mencionados normativos processuais, se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a indicada nulidade de excesso de pronúncia se conhecer de causa de pedir não invocada;   

iii) Torna-se desnecessária a apreciação da prova apresentada, para comprovação de um facto instrumental (art. 5º, nº 2, a), do NCPC), se o facto essencial, de que aquele é instrumental, foi dado por provado;

iv) Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem a natureza de concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório;

v) Se a parte tiver alegado um facto que veio a provar não pode, depois, em recurso, dando o dito por não dito, tentar suprimir o mesmo, em impugnação da matéria de facto, por tal conduta representar uma intolerável manipulação das regras processuais, a bel contento de interesses egoístas da parte, no seu afã de alcançar os seus propósitos substantivos de procedência do peticionado, sem respeito da boa fé processual; tal seria um abuso de direito processual, na modalidade de venire contra factum proprium, o que lhe está vedado, nos termos resultantes dos princípios gerais estabelecidos nos arts. 334º do CC e 542º, nº 1, d), do NCPC, a propósito da litigância de má fé;

vi) O juízo de facto conclusivo, está por natureza afastado da selecção de factos materiais e objectivos, pois só estes podem ser considerados, como resulta do disposto no art. 607º, nº 3 e 4, do NCPC;

vii) Se o R., em depoimento de parte, com redução a escrito reconhecer um facto desfavorável que favorece a parte contrária, tal confissão tem força probatória plena contra o confitente;

viii) No contrato de seguro, o risco constituiu um elemento essencial, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, nos termos configurados no contrato e que deve existir ainda durante a vigência do mesmo;

ix) O risco relevante para efeitos do contrato, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato de seguro através da delimitação dos riscos cobertos, que tecnicamente é feita através de dois vectores: primeiramente por meio das cláusulas definidoras da “cobertura-base” e subsequentemente pela descrição das cláusulas de delimitação negativa dessa base ou de exclusão da cobertura;

x) O sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto, devendo reunir os elementos com que é ali configurado;

xi) A definição genérica de sinistro como evento futuro, súbito e imprevisto, dada numa cláusula contratual geral, não se traduz em qualquer característica qualificativa adicional dos factos enunciados na cláusula de base de cobertura do risco; 

xii) Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (art. 342º, nº 1, do CC), enquanto a seguradora deve provar os factos ou circunstâncias que sejam susceptíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos (art. 342º, nº 2, do CC); 

xiii) Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la;

xiv) Defendendo-se a R./seguradora, por excepção, com invocação das situações previstas nos arts. 93º, nº 1 e 2, e 94º, nº 2, do RJCS, com vista a recusar a cobertura do risco e eximir-se de qualquer responsabilidade civil indemnizatória contratual, é de afastar desde logo a aplicação do art. 93º, com a epígrafe “Comunicação do agravamento do risco”, pois tal normativo só funciona antes da ocorrência do sinistro e não depois do mesmo ocorrido; 

xv) Ocorrido o sinistro o art. 94º, com a epígrafe “Sinistro e agravamento do risco” é susceptível de aplicação; se a R. só invocou na sua defesa por excepção a situação de facto prevista no nº 2 do apontado art. 94º, mas não se apurou que tivessem sido as AA as criadoras do facto agravador do risco, fica arredada a possibilidade da sua aplicação;

xvi) Se a aludida situação de excepção foi a única invocada pela R. na sua defesa por contestação, e não se provou é de concluir que a R. não se pode eximir à sua responsabilidade perante as AA;  

xvii) Embora em abstracto pudesse ser aplicável a situação enunciada no dito art. 94º, seu nº 1, b), que implicaria hipoteticamente uma redução proporcional da responsabilidade da R./seguradora, a mesma não pode ser hipotizada visto a mesma neste conspecto nada ter invocado em concreto na sua referida defesa por excepção, não se tendo predisposto à sua aplicação, tendo ao invés pugnado pela sua absolvição total (o mesmo fazendo ora em recurso).

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julgando-se procedente o recurso das AA, revoga-se a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se a R. F (…) a:

- pagar à A. A (…), a quantia de 119.815,09 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento;

- a pagar à A. S (…), a quantia que vier a ser liquidada quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos no ponto 39. dos factos provados, até ao limite de 109.267,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento;

*

Custas pela R./seguradora/recorrente, no respeitante ao pedido da 1ª A., e na proporção pela 2ª A. e R./seguradora, no respeitante ao pedido daquela 2ª A., fixando-se provisoriamente a responsabilidade dessa A. em 1/5 e da R. em 4/5.  

                                                                              Coimbra, 9.1.2018

                                                                              Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                              Fonte Ramos

                                                                              Maria João Areias