Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
676/08.0TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO
RELAÇÃO DE BENS
FALTA DE RESPOSTA
EFEITOS
Data do Acordão: 11/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1348º E 1349º, Nº1 DO CPC.
Sumário: 1. O incidente da reclamação contra a relação de bens, deduzido em processo de inventário, comporta dois articulados - o requerimento inicial e a resposta - nos quais devem ser indicadas as provas.

2. No incidente de reclamação a falta de resposta do cabeça-de-casal tem efeito cominatório.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1. – M… requereu ( 2/5/2008 ) na Comarca de Ourém, em processo especial, inventário para partilha dos bens comuns, contra C...

            Alegando, em resumo, que requerente e requerido contraíram entre si casamento em 23/8/1981, sob o regime da comunhão geral, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 18/10/2005, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal de Grande Instância de Bobigny, França e não tendo sido possível a partilha amigável dos bens comuns pediu a partilha judicial dos mesmos.

            A requerente, nomeada cabeça de casal, juntou (fls.219 e 220) a relação dos bens – dinheiro (verbas nºs 1 e 2), bens móveis (verbas nºs 3 a 8) e bens imóveis (verbas nºs 9 e 10).

            1.2. - O requerido C… reclamou da relação de bens, nos termos do requerimento de fls.223/225, alegando, em síntese:

            Quanto à verba nº1, o valor das unidades de participação não é de 919,7604 (€ 4.857,39), mas de 961,24998, no valor de € 5.074,75, conforme doc. de fls.149.

            Não foi relacionado o direito à herança, por óbito de A… (pai da cabeça-de -casal), sobre três bens imóveis (identificados).

            1.3. - Por despacho de 13/12/2010, determinou-se a notificação da cabeça-de-casal, nos termos e para os efeitos do art.1349 nº1 do CPC.

            A cabeça de casal foi notificada da reclamação em 15/12/2010 ( cf. fls.263 ) e nada disse.

            1.4. - Em 5/1/2011 as partes requereram conjuntamente a suspensão da instância, o que foi deferida por despacho de 1/2/2001 e pelo prazo de 30 dias (fls.271 e 277)

            Por despacho de 4/4/2011 declarou-se cessada a suspensão da instância e a notificação das partes para dizerem o que tiverem por conveniente ( fls.281 )

            1.5. – Por despacho de 23/5/2011 (fls.284/285) decidiu-se julgar improcedente o incidente da reclamação de bens.

            Argumentou-se que:

            (…)

            “No caso dos autos, o reclamante não juntou qualquer prova para sustentar a reclamação apresentada.

            Assim, competindo ao reclamante o ónus da prova, resta concluir que a reclamação apresentada improcede por não se considerar provada a sua matéria”.

            1.6. – Inconformado, o requerido/reclamante recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

...

            Não houve resposta.


II - FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto do recurso:

O despacho recorrido julgou improcedente o incidente da reclamação com fundamento na ausência de prova, por o requerente a não haver indicado no requerimento inicial.

            Em contrapartida, sustenta o Apelante que a falta de resposta da cabeça de casal importa a confissão dos factos.

            A questão submetida a recurso (delimitado objectivamente pelas respectivas conclusões) consiste em saber se, no incidente de reclamação contra a relação de bens, deduzido em processo de inventário, a falta de resposta do cabeça de casal tem ou não efeito cominatório.

            Para a decisão do recurso, porque documentados, relevam os elementos processuais descritos.

2.2. – O mérito do recurso:

O processo de inventário para partilha de bens comuns, subsequente ao divórcio, está previsto no art.1404 do CPC, sendo um processo especialíssimo em relação ao processo especial de inventário, para o qual remete.

Por força do art.463 nº1 CPC, o processo especial regula-se, em primeiro lugar, pelas disposições que lhe são próprias, em segundo lugar, pelas disposições gerais e comuns e, em tudo o que não estiver previsto numas e outras, pelas disposições do processo ordinário.

No processo de inventário, apresentada a relação de bens pelo cabeça de casal (arts.1345, 1346 e 1347 do CPC), os interessados são notificados para dela reclamar, no prazo de dez dias, podendo acusar a falta de bens que devam ser relacionados (art.1348 nº1 do CPC).

Deduzida a reclamação da relação de bens por omissão de relacionação, não confessando o cabeça de casal o seu dever de os relacionar, produzida a prova, segue-se a decisão do juiz sobre a pertinência ou não da relacionação dos bens cuja falta foi acusada (art.1349 nº 2 e 3 do CPC).

Porém, quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente a decisão incidental da reclamação, deve o juiz, por um lado, abster-se de decidir e, por outro, remeter os interessados para os meios comuns (art.1350 nº1 do CPC), não sendo incluídos no inventário os bens cuja falta foi acusada (art.1350 nº2 do CPC).

Pode também o juiz, com base na apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente a reclamação, com ressalva do direito às acções competentes (art.1350 nº3 do CPC). Ambas as soluções (decisão provisória ou remessa para os meios comuns) pressupõem que a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes ( art.1336 nº2, 1350 nº1 e 3 do CPC ).

Em resumo, perante o incidente de reclamação de bens, a lei prevê que o tribunal possa tomar uma das seguintes soluções: decisão incidental definitiva, decisão incidental provisória ou remessa dos interessados para os meios comuns.

O incidente da reclamação comporta dois articulados, o requerimento inicial e a resposta, nos quais devem ser indicadas as provas, por se tratar de um incidente (art.303 nº1) e por remissão do art. 1349 nº3 e para o 1344 nº2 CPC ( cf., por ex., Ac STJ de 9/2/1998, C.J. ano VI, tomo I, pág.54 ).

            Nos termos do art.1349 nº1 do CPC, deduzida reclamação, é notificado o cabeça-de-casal para relacionar os bens em falta ou para se pronunciar sobre a matéria da reclamação, no prazo de dez dias.

            O DL nº 227/94 de 8/9, por razões de simplificação processual (conforme se afirma no preâmbulo) reuniu no art.1349 o regime, anteriormente disperso, nos arts.1342, 1343 e 1344 CPC.

            Assim, o art.1342 nº1 CPC estabelecia a cominação para a falta de resposta do cabeça-de-casal (“A falta de resposta dentro do prazo, tendo a notificação sido feita a mandatário ou na própria pessoa do cabeça de casal, equivale para todos os efeitos à confissão da existência dos bens e da obrigação de os relacionar”).

            Uma vez que a actual redacção do art.1349 CPC não contém semelhante cominação, questiona-se da sua pertinência actual.

            Segundo determinado entendimento, a falta de resposta não tem efeito cominatório, devendo observar-se a tramitação prevista no nº3 do art.1349 CPC ( cf., por ex, Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, pág.714 ).

            No entanto, a orientação predominante é no sentido de que a falta de resposta importa efeito cominatório, por aplicação subsidiária dos arts.303 nº3, 463 e 490 CPC ( cf., por ex., França Pitão, Processo de Inventário ( Nova Tramitação), 3ª ed., pág.137; Ac RC 19/6/2001, C.J. ano XXVI, tomo III, pág.30, Ac RC de 3/11/2009, proc. nº 443/2003, Ac RL de 22/9/2009, proc. nº 443/2002, Ac RG de 13/1/2011, proc. nº 401/2005, disponíveis em www dgsi.pt ).

            Deve acolher-se esta orientação, pelas seguintes razões:

            Tratando-se de um incidente do processo de inventário, a norma própria deste (art.1349 CPC) não proíbe ou posterga a cominação derivada da falta de resposta;

            Sendo assim, é aplicável o disposto no art. 303 nº3 do CPC, por aplicação subsidiária do art. 463 nº1 CPC, pelo que “ a falta de oposição no prazo legal, determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere”;

            Não prevendo nas normas próprias do inventário em que se insere o incidente, qualquer efeito cominatório, impõe-se aplicar as regras próprias do processo ordinário, ou seja, os arts.484 nº1 e 490 nº2 CPC, por aplicação do artr.463 nº1 ( in fine ) CPC, a que acresce ainda estarmos no âmbito dos direitos disponíveis.

            Note-se, porém, que o efeito cominatório abrange os factos referentes à correcção da verba nº1 e a identificação dos bens omitidos, como pertencentes a A...

            Já quanto à prova da filiação da cabeça-de-casal e óbito de A…, porque sujeitos a registo, e atenta a natureza e finalidade do inventário, ela terá que ser feita por documento escrito, nos termos do art.4º do CRC, porque “não pode ser ilidida por qualquer outra” (art. 3 nº1 CRC), sendo prova tarifada, face à ressalva do nº 2 (in fine) do art.490 CPC.

            Não estando certificada a sua junção, deverão os interessados ser notificados para o efeito, a coberto do art.265 nº3 CPC.

            Afirmada a confissão dos factos, devido ao efeito cominatório, não podia o tribunal a quo rejeitar liminarmente o incidente com fundamento na ausência de prova, como objectou o Apelante.

            Aliás, quanto à reclamação do valor das unidades de participação, o reclamante até chegou a indicar prova documental, ao remeter para o doc. de fls. 149.

            Procede a apelação, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro a julgar provados os factos alegados com base na confissão e, após providenciar pela junção da prova documental referida, decida em conformidade.

            Porque à responsabilidade pelas custas dos incidentes e recursos em processo de inventário se aplica o regime geral dos arts.486 e segs. ( cf. art.1383 nº2 CPC ), as custas do recurso serão suportadas pela parte vencida a final no incidente da reclamação.

            2.3. - Síntese conclusiva:

1. O incidente da reclamação contra a relação de bens, deduzido em processo de inventário, comporta dois articulados - o requerimento inicial e a resposta - nos quais devem ser indicadas as provas.

            2. No incidente de reclamação, a falta de resposta do cabeça-de-casal tem efeito cominatório.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1) Julgar procedente a Apelação e revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro a julgar provados os factos alegados, com base na confissão, e, após providenciar pela junção da prova documental (filiação e óbito), decida em conformidade o incidente da reclamação de bens.

2) Custas pela parte vencida a final

          


Jorge Arcanjo (Relator)

Isaías Pádua

Teles Pereira