Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
690/05.8GAACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
MANDADOS DE DETENÇÃO
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
TEP
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 09/29/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 17.º, 97.º, N.º 2, 138.º, N.º 4, ALS. T) E X), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL), E ART. 337.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: Pertence ao Tribunal de Execução das Penas a emissão dos mandados de detenção, previstos nos artigos 97.º, n.º 2, do CEPMPL, e 337.º, n.º 1, do CPP, efeito da declaração de contumácia quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido à execução de pena de prisão ou de medida de internamento.
Decisão Texto Integral:

I. Relatório:

O Sr. Juiz do Juízo Central Criminal de Leiria – J1, suscitou, no âmbito do processo n.º 690/05.8GAACB, a resolução de conflito negativo de competência (material) existente entre o próprio e o Sr. Juiz do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, porquanto ambos se atribuem reciprocamente competência, negando a própria, para a emissão de mandados de detenção decorrente da declaração de contumácia do condenado A... .

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, no sentido de a competência para o fim acima indicado pertencer ao segundo dos tribunais referidos.

Por sua vez, O Sr. Juiz do TEP de Coimbra apresentou resposta, pugnando pela incompetência (material) daquele tribunal.


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II. Fundamentação:

1. Elementos relevantes:

A) Através de sentença condenatória já transitada em julgado, o arguido A... foi condenado na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja suspensão na executoriedade veio a ser definitivamente revogada;

B) Em 17-02-2017, no TEP de Coimbra, foi proferido despacho que, ao abrigo das disposições legais previstas nos artigos 335.º, n.ºs 3 e 4, 336.º e 337.º, todos do Código de Processo Penal, concatenadas com as normas dos artigos 18.º da lei adjectiva penal, 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, alínea x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante apenas designado CEPMPL), declarou o condenado contumaz.

C) Naquele despacho, a final, ficou exarado:

«Ao tribunal da condenação, por ser o para tal competente, caberá extrair os legais efeitos da supra declaração de contumácia, designadamente, a emissão dos competentes mandados de detenção (arts. 337.º, n.º 1 do CPP, 17.º a) do CEP e 3.º do RGEP).»

E) Por seu turno, O Sr. Juiz do Juízo Criminal de Leiria, dada a posição veiculada no despacho a fls. 20 dos presentes autos, declarou-se, embora de forma implícita, também incompetente para a prática daquele acto.


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2. Apreciação:

O cerne do dissídio existente entre os dois Juízes conflitantes consiste em determinar quem detém competência material para a emissão de mandados de detenção sobrevindos à contumácia declarada no âmbito de previsão da alínea x) do n.º 4 do artigo 138.º do CEPMPL: se o tribunal da condenação, ou, ao invés, o tribunal de execução das penas.
Dispõe aquele artigo (Lei n.º 115/2009, de 12-10, na versão conferida pela Lei n.º 40/2010, de 03-09):
«1 - (…).
2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
3 - (…).
4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
(…);
t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;
x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;
(…)».
Por seu turno, prescrevem os artigos 97.º, n.º 2, e 17.º do mesmo compêndio legislativo:
O primeiro:
«2 – Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335.º, 336.º e 337.º do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes:
a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indiciação da sentença condenatória e da pena ou medida da pena de segurança a executar;
b) O despacho de declaração de contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal de execução das penas.»
O segundo:
«O ingresso de recluso em estabelecimento prisional só pode ter lugar nos seguintes casos:
a) Mandado do tribunal que determine a execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) Mandado de detenção;
c) Captura, em caso de evasão ou ausência não autorizada;
d) (…);
e) Decisão da autoridade competente no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal;
f) Transferência;
g) Em trânsito entre estabelecimentos prisionais».

Com o advento da nova legislação reguladora da execução das penas e medidas privativas da liberdade (Lei n.º 115/2009, de 12-10), o legislador reconheceu em letra de lei uma competência concorrente do presidente do tribunal de primeira instância em que o processo tiver corrido termos e o TEP.
Verificado o circunstancialismo enunciado no n.º 1 do artigo 335.º do CPP, em conformidade com o disposto no n.º 3 do mesmo artigo, a declaração de contumácia é da competência do juiz presidente do tribunal de julgamento. Diversamente, com a revogação do artigo 476.º do CPP pela Lei 115/2009 e a consagração, no CEPMPL, dos citados artigos 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, al. x), quando o condenado se tiver eximido, dolosamente, total ou parcialmente, à execução da pena de prisão ou de medida de internamente, tal declaração cai na alçada de competência do TEP.

A análise integrada das normas acima individualizadas, com particular destaque para a estatuição dos artigos 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, al. x), do CEPMPL, e também do artigo 337.º do CPP – para o qual o artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL remete - não permite, afigura-se-me, outro entendimento senão o de a competência para a prática do acto em causa, ou seja, a emissão de mandados de detenção, pertencer ao TEP.

Como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 337.º do CPP, conjugado com os artigos 94.º, n.º 2 (corpo da norma) e 138.º, n.º 4, al. x), do CEPMPL, a passagem imediata de mandados de detenção relativamente a condenado em pena de prisão é um efeito necessário da declaração de contumácia.

Por imperativo de coerência sistemática e teleológica, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, expressamente previstos nos artigos 17.º, als. a), b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CEPMPL, são decorrência lógica e funcional dos actos cuja prática – cfr. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2, 3 e 4 - está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir e ordenar ainda a passagem de mandados de detenção quando, como na situação dos autos, estes confiram completude normativamente prevista a acto – declaração de contumácia – também contido no seu círculo de competência material.

Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projectam a teleologia das normas consideradas no sentido de a prática de actos necessários à exequibilidade da decisão condenatória, onde se inclui a declaração de contumácia e, como efeito desta, a emissão de mandados de detenção contra o condenado, caberem ao TEP.


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III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo ao Tribunal de Execução das Penas de Coimbra competência material para a emissão de mandados de detenção do condenado A... .

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.


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Coimbra, 29 de Setembro de 2017

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra)

(Alberto Mira)