Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3784/19.9T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA PARTILHADA
ALTERNÂNCIA ANUAL
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5.º, 1 E 6 E 37.º, DO RGPTC
ARTIGOS 1901.º E 1906.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I.  Tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial que a guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a  solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
II. Porém, um regime de ALTERNÂNCIA ANUAL DE HABITAÇÃO entre a residência do progenitor em Lisboa e a residência da progenitora em Leiria, com a consequente ALTERNÂNCIA ANUAL DE ESCOLAS, quer enquanto frequenta o infantário, quer quando o menor ingressar no 1º ano do 1º ciclo do Ensino Escolar Obrigatório, mesmo que consensual entre os progenitores, é, para uma criança que completou 6 anos de idade em Setembro de 2023, algo atentatório da segurança que na fase da socialização e escolaridade o menor deve ter, por obrigar a um desnecessário calendário da vida escolar e académica pré-estabelecido, sem levar em conta a preferência do menor (que não foi ouvido) e a bipolaridade adveniente de mundos: família / amigos / escola / aprendizagens / circunstâncias -, causadora de inevitáveis perturbações.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:    -//- 
Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:
 
I - RELATÓRIO 
 
i)- O processo principal, de que este apenso A é apenso de alteração -, trata de um processo especial tutelar cível com vista à regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor AA, nascido a .../.../2017, hoje com 6 anos e dois meses de idade, em que Requerente foi BB e Requerido CC, progenitores do mesmo.
Nesses autos foi por sentença judicial homologado o acordo de regulação datado de 28 de Novembro de 2019, cujo clausulado tem o seguinte teor: 
  
  
 
  
  
 
 
  
 

 ii)-
A 15 de Novembro de 2022 veio a Progenitora requerer a alteração deste regime, ao abrigo do disposto no artigo 42º do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, alegando sucintamente:
 
- Ficou acordado entre as partes que o menor residirá alternada e semanalmente junto de cada um dos progenitores, sendo que reside com a mãe em Leiria e com o pai em Lisboa, o que vem sucedendo até à data. 
- Tal acordo e conforme resulta da cláusula 6ª, vigorará até Janeiro de 2023, data a partir do qual os progenitores terão de definir qual o local onde o menor iniciará a frequência do ensino obrigatório, sem prejuízo de se manterem as condições e efeitos do acordo até essa data, tal como consta melhor reproduzido do acordo. - Ora, apesar de tentado obter algum entendimento, não se logrou acordo nesta matéria, ambos os progenitores pretendem que o menor fique a residir com aquele, não sendo possível obter qualquer entendimento.
- A requerente, cumpre e sempre cumpriu com todas as obrigações que estão inerentes à sua qualidade de mãe, auxiliando e, apoiando na educação e saúde do menor, providenciando sempre para que nada lhe falte.
- A requerente é, e sempre foi, uma mãe diligente, cuidadosa, prudente, e carinhosa com o seu filho, em todos os momentos da sua vida, dando-lhe todo o apoio necessário.
- A requerente, por razões pessoais e profissionais, passou a residir e trabalhar em Leiria, onde se encontra apoiada pela sua família, mãe, pai e irmão, e amigos. 
  
- Evidente se torna que a requerente entende que o que melhor salvaguarda o interesse do menor AA é que ele fique a residir onde se encontra completamente integrado, com amigos, o apoio da família materna alargada, e um primo da sua idade com quem está frequentemente, e a frequentar a escola e ensino obrigatório em Leiria.
- A pretensão da requerente, é mais do que justificada, o menor demonstra fortes laços afetivos á mãe, e á família materna, criou facilmente amigos e desenvolveu fácil capacidade de adaptação na escola/creche onde está inserido, integrando-se facilmente na rotina diária da instituição, onde demonstra forte ligação. - A requerente pretende alteração da regulação, de modo a que seja alterado no sentido de passar a residir com a mãe e a frequentar ensino obrigatório em Leiria. 
 iii)-
O Progenitor discordou, alegando nomeadamente:
 
- Não conseguiu chegar a acordo quanto à alteração da regulação relativa às responsabilidades parentais do AA porque a Requerente reside demasiado longe do Requerido para ser possível uma solução em que o menor frequente um único estabelecimento de ensino.
- Ambos os progenitores pretendem ter a residência do menor, já que a residência alternada, neste caso concreto em apreço, com o menor prestes a frequentar o primeiro ano do primeiro ciclo do ensino básico, é impossível.
- O Requerido é um pai extremoso, diligente, cuidadoso, prudente e carinhoso, tendo estado sempre presente na vida do AA desde o seu nascimento, o que não é posto em causa pela Requerente.
- Não querendo agora, porque não é disso que se trata, fazer juízos quanto às circunstâncias em que a Requerente foi residir para Leiria, quando tinha vaga para trabalhar no Centro de Saúde ... (sendo do conhecimento geral a grande falta de Médicos de Família na região de Lisboa).
- Foi a Requerente que decidiu, de repente, mudar-se para uma cidade a 130 km de distância da residência do filho e Requerido e pretendeu, na altura, desenraizar o filho de toda a realidade que o mesmo conhecia e lhe era familiar, levando-o para longe do pai e dos amiguinhos, das educadoras, todo o mundo que o menor conhecia, promovendo ainda a alienação do outro progenitor, não só ao solicitar a residência e guarda do filho, alegando que a residência do seu filho em Lisboa estava a dificultar a adaptação à creche de Leiria, (…)
- Tal como a Requerente, também o Requerido tem apoio familiar dos pais, irmã, primos e amigos, e o menor, além dos coleguinhas da escola, quando está com o pai
  
convive com os primos e outras crianças que residem próximo do pai, vizinhos, com quem criou amizades, estando perfeitamente integrado na escola, em casa e com a família em Lisboa.
- Ficando a residir com o pai, o menor poderá continuar a sua formação prosseguindo o ensino obrigatório no mesmo estabelecimento de ensino que frequenta desde os 6 (seis) meses de idade, mantendo, assim, o convívio e amizades com os colegas e amigos que mantém há anos, tendo o conforto acrescido de saber que em qualquer situação terá o pessoal docente e auxiliar com quem sempre tem convivido no mesmo local.
- Além disso, o progenitor tem um horário de trabalho que lhe permite estar mais horas presente, pois realiza períodos de trabalho em regime de prevenção, em vez de presença física no Hospital onde trabalha.
 
iv)- 
Gorado o entendimento dos Progenitores na conferência de pais, estes foram remetidos para audição técnica especializada. 
 
v)- 
Solicitou-se informação escolar do menor AA às escolas frequentadas.
 
vi)- 
A 11 de Maio de 2023 o Progenitor veio requerer DECISÃO PROVISÓRIA URGENTE quanto à regulação das responsabilidades parentais, o que fez nos termos e com os seguintes fundamentos, em síntese:
1. V. Exa. decidiu, nos termos da alínea b) do Artº. 38º. do RGPTC, suspender a conferência e remeter os progenitores para audição técnica especializada, nos termos do Artº. 23º. do mesmo diploma legal, decisão com que o Requerido concordou inteiramente.
2. No entanto e sem prejuízo da realização da audição, entende o Requerido, uma vez que o seu filho irá frequentar o primeiro ano de escolaridade no próximo ano lectivo, que deverá ser proferida decisão provisória com carácter de urgência, pelos motivos que a seguir se indicam.
3. O prazo para a matrícula do AA termina no próximo dia 14 de Maio, conforme Doc. 01 que ora se junta, correndo-se o risco, depois dessa data, do menor perder a colocação que tem garantida no estabelecimento de ensino que frequenta ou qualquer outro.
  
4. Estando ambos os progenitores habilitados a tomar conta do filho, a prover ao seu bom desenvolvimento e bem estar, e tendo ambos condições económicas e de habitação condignas ao bom desenvolvimento do menor,
5. deverá ser decidida a residência, pois que nas circunstâncias actuais a residência partilhada se torna impraticável aquando do início do ano lectivo, por critérios objectivos do que será o melhor interesse do menor,
6. que o progenitor entende será passar a residir consigo, porquanto:
7. O AA tem otite serosa, que está associada à sua inflamação continuada do nariz e seios peri-nasais.
8. A otite serosa do AA está, neste momento, a ser tratada com antihistamínico em xarope e corticóide em inalador, e, se não melhor durante este Verão, terá de ser operado pela ORL para colocar uns tubos de ventilação nos tímpanos.
9. O ar de Leiria, muito mais frio do que o ar de Lisboa no Inverno, tem-se revelado mau para a saúde do menor,
10. que tem tido infecções sucessivas e já duas pneumonias,
11. havendo estudos científicos que comprovam a redução da imunidade nos seres humanos nas vias respiratórias superiores decorrente do frio, conforme Docs. 02 e respectiva tradução como Doc. 03 que ora se juntam, bem como o artigo da CNN que ora se junta como Doc. 04, contendo ma explicação mais acessível da questão.
12. Acresce que, se ficar a residir com o com o pai, o menor irá frequentar o mesmo estabelecimento de ensino que já frequenta, mantendo as amizades e a maior parte dos colegas com quem convive e que conhece, estando perfeitamente integrado e feliz no Externato ... que frequenta, conforme declaração da gerência que ora se junta como Doc. 05, declaração da educadora que ora se junta como Doc. 06 e avaliação do segundo período que ora se junta como Doc. 07,
13. estabelecimento de ensino que fica a cerca de 15 minutos a pé da residência do progenitor, muito menos se for de carro. (…).
 
Com relevo a FICHA DE INFORMAÇÃO do AA já relativa ao Ano letivo 2022/2023 emitida pelo Externato ....
 
vii)- 
Em 6-6-2023 foi junta informação sobre a audição técnica especializada, emitida pela Equipa SATT do Centro Distrital de Leiria, numa altura em que se confirma o Progenitor residir em Lisboa e a Progenitora em Leiria. 
  
 
Nesse relatório reconhece-se que os Progenitores não alcançam consenso quer no que respeita à fixação da residência do menor, quer no quês respeita à escolha do estabelecimento de ensino a frequentar por este
 
E que no momento presente e considerando que o menor estará a iniciar a escolaridade obrigatória, volta a pôr-se a questão da residência, uma vez que os pais vivem a uma distância grande e a realidade escolar ainda não contempla a possibilidade de os alunos nesta situação, frequentarem dois estabelecimentos de ensino.
Em face desta questão e considerando que nenhum dos progenitores se revela disponível para deixar de ter a residência do menor junto de si, foram explorados vários cenários, desde o alargamento de convívios, até a opção por uma alternância anual.
A progenitora, que pretendia, ab initio, a fixação da residência junto de si e o progenitor mostraram-se disponíveis para equacionarem uma residência alternada, com transição anual, no entanto, ambos pretendem, sem cedência, que o regime seja iniciado junto de si.
Reconhece-se indispensável que pai e mãe trabalhem e melhorem o exercício da coparentalidade.
Conclui-se: 
Face a tudo quanto ficou dito e considerando as características de educação e urbanidade destes pais, ainda que se nos afigure serem ainda bastante presentes eventuais mágoas decorrentes do divórcio, é nossa convicção que uma intervenção familiar poderia resultar bastante benéfica para os intervenientes e potenciar a residência alternada que, alegadamente, parece ser a situação que melhor se adapta à criança.
 viii)- 
Foi junto o relatório de avaliação do menor emitido em .../.../2023 pela direcção pedagógica do Infantário ..., que o menor frequenta, sito em Leiria.
 
Desse relatório consta: 
 
Ao longo do presente ano letivo, o AA tem demonstrado saber lidar com o fato de ter dois estabelecimentos de ensino, duas educadoras, duas auxiliares e vários grupos de amigos distintos. No entanto, é de salientar, que no momento de
  
desapego à figura materna, é sempre algo difícil, tem sempre necessidade de trazer um objeto de casa, principalmente algo que tenha sido ou seja da mãe.
O AA demonstra por vezes comportamentos menos comuns nesta faixa etária, na hora do desapego à figura materna, como agarra-se às pernas da mãe, necessitar de colo associado a coreografias para ficar, mas depois, ao longo do dia, tudo corre dentro da normalidade e não volta a referenciar a mesma.
O AA é uma criança que coopera no processo de aprendizagem e sentiu-se uma grande evolução ao nível do desenvolvimento das atividades, não sendo, portanto notório nenhum “atraso” em relação aos demais que frequentam semanalmente as atividades.
É de salientar, que emocionalmente o AA é uma criança que revela alguma insegurança, acha sempre que não gostam dele, que não sabe fazer as coisas, necessita sempre de reforço positivo para ultrapassar este tipo de situações, mas muitas vezes é algo um pouco vitimizado, como forma de chamada de atenção, mais do que a realidade em si.
Podemos, no entanto, concluir, que o AA apresenta um desenvolvimento global harmonioso em todas as áreas de desenvolvimento, sendo a área do domínio social a que mais requer atenção para que se apure a realidade dos acontecimentos a fim de se verificar a fidedignidade dos mesmo e se poder agir no imediato.
 
ix)-
Em 11 de Julho de 2023 teve lugar uma conferência de pais e nela os Progenitores acordaram alterar as cláusulas 2ª.1., 3ª e 5ª.2. do acordo celebrado em 28-11-2019, no processo principal, as quais passaram a ter a seguinte redação:
Cláusula 2.ª
(Residência e Regime de Exercício das Responsabilidades Parentais)
2.1. A criança residirá alternadamente com cada progenitor, por períodos de 1 ano, com início em 01 de Setembro, iniciando este ano com o pai.
2.2. (…)
2.3. (…)
Cláusula 3.ª
(Convívios)
3.1. A criança conviverá com o progenitor não residente dois fins de semana seguidos a que se seguirá um fim de semana com o progenitor residente e assim sucessivamente, com início ao final das atividades letivas de sexta-feira e até às 18:30 horas de domingo.
3.2. Nos períodos de férias, a criança conviverá 1/3 do tempo com o progenitor residente e 2/3 com o progenitor não residente, em períodos concretos a acordar
  
entre ambos os progenitores até 30 de abril de cada ano, sendo que, no verão, passará pelo menos um período de 15 dias seguidos com cada progenitor. Em caso de desacordo prevalecerá a vontade do progenitor não residente.
3.3. No carnaval, a criança passará a segunda-feira e a terça-feira com o progenitor não residente.
3.4. Nos feriados que antecedem ou que sucedem o fim de semana, a criança estará com o progenitor com quem se encontre nesse fim de semana.
3.5. Os restantes feriados serão passados com o progenitor não residente, que na véspera recolherá a criança no estabelecimento de ensino e entregá-la-á em casa do progenitor residente no feriado até às 18:30 horas.
3.6. A criança realizará videochamadas com o progenitor com quem não se encontrar às segundas-feiras, quintas-feiras e sábados, entre as 19:00 horas e as 20:00 horas.
3.7. As ocasiões festivas de Natal, Ano Novo e Páscoa serão passadas alternadamente junto de cada progenitor, da seguinte forma: nos anos ímpares o Natal e a Páscoa serão passados com a mãe e a véspera e dia de ano novo com o pai e assim sucessiva e alternadamente.
Em cada dia festivo o progenitor com quem o menor não se encontrar poderá falar com o mesmo por videochamada, entre às 18:30 horas e às 19:30horas.
3.8. No dia de aniversário do menor este tomará uma das principais refeições do dia com cada um dos progenitores, devendo o jantar ser com o progenitor com quem o menor se encontrar a residir naquela semana, sem prejuízo de o progenitor com quem o menor não se encontrar a conviver, poder relegar o convívio para o domingo imediatamente subsequente, devendo, nesse caso, a transferência do menor de agregado ocorrer entre às 09:00 horas e as 10:30 horas.
3.9. Nos dias de aniversário do pai, dia do pai, dia de aniversário da mãe e dia da mãe o menor passará o dia junto do festejado, sem prejuízo das respetivas atividades letivas.
Cláusula 5.ª (Alimentos) 5.1. (…)
5.2. As despesas de saúde (incluindo consultas/exames/medicamentos, na parte não comparticipada por SNS, ADSE, ou seguro ou sistema de saúde) e escolares (incluindo livros e material escolar, centro de estudos, ATL e explicações, farda e mensalidade do Jardim Escola...) e as despesas com as atividades extracurriculares (estas últimas desde que previamente acordadas entre os progenitores) serão pagas por ambos os progenitores na proporção de metade cada um, no prazo de 30 dias após a apresentação dos respetivos comprovativos.
  
*
Mais acordam que a criança frequentará o Jardim Escola... em Leiria e em Lisboa consoante se encontre a residir com a progenitora ou com o progenitor respetivamente
 
O Senhor Juiz homologou por sentença este acordo. 
 
x)- 
Inconformado, recorre do acordo saído da conferência de pais de ix) o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, recurso de apelação admitido a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.  
 
xi)- 
 
Alega e, em conclusão, diz:
 
I - A representação, defesa e promoção dos direitos e interesses das crianças e dos jovens constitui uma área de intervenção do Ministério Público, concretizada nos artigos 4.º n.º1, alíneas b) e i) e 9.º n.º1 alíneas b) e d) do Estatuto aprovado pela Lei n.º68/2019 de 27.08 e em diversos diplomas, no Código Civil, no artigo 17.º do RGPTC e na Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), por referência ao artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa.
II - Compete ao Ministério Público intervir como garante dos Direitos das Crianças, assumindo um papel de destaque na regulação e cumprimento das responsabilidades parentais pelos progenitores, promovendo o crescimento e desenvolvimento harmonioso das crianças, indo ao encontro da realização do superior interesse de cada uma.
III - A criança AA nasceu em .../.../2017, completará os 6 anos em .../.../2023 ( irá iniciar o ensino obrigatório brevemente) e é filho de BB, residente em ..., Leiria e de CC, residente em Rua ..., em Lisboa, a cerca de 130km de distância entre si.
IV - Os progenitores separaram-se em Julho de 2019.
V - A progenitora deslocou-se com a criança para Leiria, após ter colocação no Centro de Saúde ..., onde exerce medicina, onde recebe apoio dos avós maternos e tio materno da criança, convivendo a criança com estes familiares.
  
VI - A criança passou a estar inscrito em dois estabelecimentos escolares, distintos, um em Leiria e outro em Lisboa, frequentando-os de acordo com o tempo que passa com a mãe e com o pai.
VII - Existe dificuldades de comunicação entre os progenitores, não havendo troca suficiente de informações entre o casal e a criança demonstrou vários problemas com a prática do regime de guarda partilhada, nas trocas entre os progenitores e dificuldades na mudança dos estabelecimentos de ensino, com abordagens de ensino diferentes, causando confusão na aprendizagem e na gestão das rotinas da criança e com impacto negativo no seu crescimento.
VIII - Em 28.11.2019, na conferência de pais, os progenitores acordaram que as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, devendo todas as decisões relevantes para a sua vida e bem estar, correntes ou de particular importância para o menor ser tomadas pelos dois progenitores, em conjunto, salvo em casos de urgência manifesta, em que o progenitor que estiver com o menor no momento poderá agir sozinho, devendo informar o outro logo que possível, ficando consagrado que a criança residirá alternada e semanalmente, junto de cada um dos progenitores, transitando de agregado ao domingo, entre as 17h00m e as 18h00m.
IX - Ficou previsto no artigo 6.º que o referido acordo até janeiro de 2023, data a partir da qual terão os progenitores de definir qual o local onde o filho irá iniciar a frequência do ensino obrigatório, a fim de regular a residência da criança tendo em conta essa decisão, sem prejuízo de manterem as condições e os efeitos do presente acordo até início do ano letivo do menor ou de ser promovida uma alteração por acordo ou judicial anteriormente.
X - Não tendo chegado a um entendimento, a progenitora deu início ao processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, pedindo que seja decidido que a criança resida com a progenitora de forma permanente e que frequente o ensino obrigatório em Leiria.
XII - Os progenitores não chegaram a acordo na conferência de pais e foram remetidos para Audição Técnica Especializada.
XIII - Conforme resulta da informação elaborada pelos técnicos responsáveis “ficou-nos a convicção de que os progenitores e consequentemente o menor, beneficiariam de uma intervenção familiar, no sentido de melhorarem a comunicação e porem em prática uma verdadeira coparentalidade, por forma a obstar a que o AA viva duas vidas distintas, quando com o pai e quando com a mãe” e “alguma dificuldade de comunicação, cremos que se mostra indispensável que pai e mãe trabalhem e melhorem o exercício da coparentalidade”.
  
XIV - Consta na informação prestada pelo estabelecimento de ensino Dominó, situo em Leiria “no momento de desapego à figura materna, é sempre algo difícil, tem sempre necessidade de trazer um objeto de casa, principalmente algo que tenha sido ou seja da mãe”, “o AA demonstra por vezes comportamentos menos comuns nesta faixa etária, na hora do desapego à figura materna, como agarra-se às pernas da mãe, necessitar de colo associado a coreografias para ficar, mas depois, ao longo do dia, tudo corre dentro da normalidade e não volta a referenciar a mesma.”, emocionalmente o AA é uma criança que revela alguma insegurança, acha sempre que não gostam dele, que não sabe fazer as coisas, necessita sempre de reforço positivo para ultrapassar este tipo de situações, mas muitas vezes é algo um pouco vitimizado, como forma de chamada de atenção, mais do que a realidade em si”.
XV - Na conferência de pais, estes acordaram que o filho residirá alternadamente com cada progenitor, por períodos de 1 ano, com início em 01 de Setembro, iniciando este ano com o pai (resultado do sorteio realizado através de papelinho com o nome de cada um).
XVI - Mais acordaram que a criança frequentará o Jardim Escola... em Leiria e em Lisboa, consoante se encontre a residir com a progenitora ou com o progenitor, respetivamente.
XVII - O Ministério Público manifestou muitas dúvidas quanto à solução apresentada pelos progenitores, um regime de ALTERNÂNCIA ANUAL DE HABITAÇÃO entre a residência do progenitor em Lisboa e a residência da progenitora em Leiria, com necessária ALTERNÂNCIA ANUAL DE ESCOLAS, designadamente entre a Escola ..., em Lisboa e a Escola ..., em Leiria e não ficar previsto o pagamento da pensão de alimentos a cargo do progenitor não residente com vista a contribuir em cada mês com o sustento para a alimentação, produtos de higiene, vestuário e calçado, sendo tal essencial para a vida da criança.
XVIII - Não obstante a posição assumida pelo Ministério Público de que tal regime era contrário ao superior interesse da criança, o Tribunal homologou o acordo. XIX - Do artigo 1878.º do Código Civil resulta que o poder paternal é um complexo de poderes-deveres funcionais que abrange os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração, cujo exercício está vinculado à salvaguarda, promoção, e realização do interesse do menor, pois são atribuídos para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que aquele titular.
  
XX - O conteúdo do poder paternal é um poder-dever dos pais, funcionalizado pelo interesse dos filhos, e que aqueles terão de submeter, altruisticamente, ao seu interesse.
XXI - A criança é titular de direitos reconhecidos juridicamente – artigos 64.º n.º2, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa.
XXII - As crianças têm o direito fundamental à proteção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral – artigo 69.º da CRP e Convenção dos Direitos da Criança (adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989, assinada por Portugal em 26.01.90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º20/90 de 12.09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º49/90, ambos publicados no DR I Série n.º211/90 de 12.10.90. XXIII - Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 18º, n.º 1 prevê a responsabilidade comum dos pais na educação e desenvolvimento da criança.
XXIV - As crianças têm direito à escolaridade, educação e formação, devendo serlhe assegurado pelo Estado os diversos graus de ensino, em função das suas capacidades e em igualdade de oportunidades.
XXV - Nos termos do artigo 73.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa
“Todos têm direito à educação e à cultura.”
XXVI - O critério legal de atribuição das responsabilidades parentais é o “superior interesse da criança” – artigos 1905.º do Código Civil, artigo 40.º da Lei n.º141/2015 de 8.09 RGPTC, 3.º n.º1 da Convenção sobre os Direitos da Criança. XXVII - O artigo 1906.º do Código Civil, nos seus números 5 e 7, em consonância com os artigos 37.º n.º1 e 40.º, ambos do RGPTC, prescreve que no caso de divorcio, (..) a determinação da residência da criança e os direitos de visita devem ser decididos pelo tribunal, de acordo com o interesse da criança.
XXVIII - Em processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais, o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, e não o interesse dos pais, que apenas terá de ser considerado na justa medida em que se mostre conforme ao interesse superior da criança.
XXIX- O processo de decisão deve ser centralizado na criança, como pessoa titular de direitos fundamentais e não nos direitos dos pais.
XXX - O interesse da criança é um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais: a) a segurança e saúde da criança, o seu sustento, educação e autonomia – artigo 1878.º b) o desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança – artigo 1885.º n.º1 e c) a opinião da criança – artigos 1878.º n.º2 e
  
artigos 1901.º n.º1, in Sottoomayor, Maria Clara, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de divórcio, 8.º Ed. pág, 63.
XXXI- O exercício das responsabilidades parentais deve ter presente ainda o principio da dignidade da pessoa humana, legitimador do menor enquanto sujeito de direitos e não como mero objeto.
XXXII - A criança tem direito à educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade.
XXXIII - O interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais – Princípio 7.º, da Declaração dos Direitos da Criança.
XXXIV - As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bemestar.
XXXV - Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade – artigo 24.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
XXXVI - A criança AA não teve oportunidade de manifestar nos presentes autos a sua opinião sobre o regime de residência e sobre a frequência escolar. XXXVII - O exercício conjunto com alternância de residência, exige, por parte dos pais, uma cooperação constante, sendo todas as decisões relativas à educação da criança tomadas conjuntamente.
XXXVIII - Uma tal medida não pode ser aprovada pelo juiz, sem que este tenha em conta, através da observação da criança por peritos, a personalidade, a idade e o temperamento de cada criança concreta, pois bem pode acontecer que apesar de os pais estarem de acordo, tal solução não seja no interesse da criança.
XXXIX - A mudança de residência, mesmo num contexto de exercício conjunto do poder paternal, é prejudicial para algumas categorias de crianças, em função da sua idade e variáveis da sua personalidade.
XL - No caso dos acordos de alternância da residência deve ser rigorosamente controlada a sua conformidade aos interesses da criança, sobretudo tratando-se de crianças em idade pré-escolar.
XLI - Quando existe uma mudança de residência para outra cidade ou outro país, por razões profissionais ou por razões pessoais, deve ser tido em consideração vários fatores sob a perspetiva do interesse da criança, designadamente a relação afetiva da criança com cada um dos pais, o impacto da mudança geográfica sobre a
  
personalidade da criança e estabilidade da vida da criança (importância da relação com vizinhos, amigos, escola e atividades extracurriculares desportivas, ex. a manutenção de relações de camaradagem com colegas) e consequências negativas para a sua saúde psíquica.
XLII – Os tribunais devem ponderar a idade da criança e o perigo potencialmente criado pela constante mudança de residência e de estabelecimento de ensino. XLIII - Embora caiba aos progenitores o juízo sobre o interesse dos filhos, os tribunais devem fiscalizar rigorosamente estes acordos, exigindo o acompanhamento da criança por um especialista, determinar a realização de avaliação psicológica para apurar se possuem capacidade para suportar o modelo e as constantes separações.
XLIV - A criança é um ser autónomo que precisa do amor, respeito, carinho e consideração de ambos os progenitores e o regime a aplicar deve assegurar o bemestar emocional e afetivo da criança.
XLV - Consideramos que o acordo alcançado entre os progenitores de alteração anual de residência e de escola gera sentimentos de incerteza, de stress e de insegurança na criança.
XLVI - No presente caso, as moradas dos progenitores distam 130 km entre si.
XLVII - Os progenitores decidiram alterar o regime em vigor de residência alternada, semanalmente, entre Leiria e Lisboa (em nossa opinião, também desaconselhável devido à necessidade de frequência de dois estabelecimentos de ensino e demais consequências) para o de residência alternada, pelo período de um ano, com frequência alternada de estabelecimentos de ensino.
XLVIII - O regime que foi homologado pelo tribunal não respeita o superior interesse da criança AA.
XLIX – Ocorrendo mudança anual de residência e de escolas, uma mudança anual de turmas, de professores e colegas e amigos e uma mudança anual de atividades extracurriculares, colegas e amigos não existem condições para manter vínculos de amizade sólidos, de afeto, de pertença, de companheirismo e de proximidade. L - Importa analisar as necessidades da criança no plano da educação, saúde, desenvolvimento e equilíbrio emocional.
LI - As crianças têm o direito de serem ouvidas e a participar nas decisões que lhe digam respeito.
LII - Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade – artigo 24.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
LIII - A criança AA não teve oportunidade de manifestar nos presentes autos a sua opinião sobre o regime de residência e sobre a frequência escolar.
  
LIV - O tribunal terá, portanto, que proceder à audição da criança, no processo ou até à auscultação dos seus sentimentos através de profissionais de psicologia, conforme previsto nos artigos 4.º e 5.º do RGPTC.
LV - A criança é um ser autónomo com necessidades pessoais, com sentimentos, com vontade e sonhos que precisa de respeito, de amor, de carinho e consideração dos próprios pais e não deve ser tratada como um objeto que deverá ser repartido entre os mesmos.
LVI - Impõe-se ao julgador minimizar as consequências que advém para as crianças da falta dos entendimentos dos pais e ausência de bom senso.
LVII - O princípio da razoabilidade, o bom senso e a prudência não presidiram à decisão proferida nos presentes autos.
LVII - O regime em causa impede que a criança frequente de forma assídua e regular um único estabelecimento de ensino, o que prejudica o seu desenvolvimento e afeta o estabelecimento de amizades sólidas.
LVIII - A circunstância consubstancia a violação do direito à educação do AA, porquanto, independentemente da fase escolar em que se encontrar, a criança tem direito a que lhe seja assegurado o seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, espiritual e social, que se concretiza, designadamente, pela possibilidade de frequentar de forma assídua e regular um único estabelecimento de ensino, permitindo-lhe desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade.
LIX - É uma decisão que compromete o desenvolvimento integral da criança, e, consequentemente, sacrifica o seu superior interesse.
Termos em que, nos melhores de direito, e com o mui douto suprimento de V.Exas Venerandos Juízes Desembargadores, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar-se/anular-se a douta decisão proferida recorrida, substituindo-a por outra decisão que respeite o superior interessa da criança, com as legais consequências Assim, se fazendo, costumada Justiça
NORMAS E PRINCÍPIOS VIOLADOS
Princípio do superior interesse da criança, proteção e promoção do bem-estar da criança e o direito à educação, o princípio da dignidade da pessoa humana, indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento salutar e harmonioso. Os artigos 69.º n.º1 e 73.º, da CRP, os artigos 9.º n.º1, 18.º, 28.º e 29.º, da Convenção sobre os Direitos da Criança, bem como os Princípios 2.º, 6.º e 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, os artigos 4.º n.º1 alínea c) e n.º2 e 5.º 37º n.º1 e 40.º n.º1 do RGPTC, o artigo 1906.º n.º5 e 7.º do Código Civil e os artigos 8.º e 14.º da Convenção dos Direitos da Criança.
  
 
xi)-
Não se responde.
 
Os Progenitores vieram então dar conhecimento que acordam se assim se conseguir a posição contrária do MP, no pagamento de uma pensão de alimentos pelo progenitor com quem o menor não esteja a residir em cada ano.
- Assim, as partes lograram obter acordo quanto ao pagamento de uma pensão de alimentos com vista a contribuir para o sustento do menor e a pagar ao progenitor não residente no valor de 100 €, a efetuar atá ao dia 8 de cada mês e a iniciar em setembro, sendo no corrente ano letivo a pagar ao pai para o IBAN  ...94.
 
Nada se decidiu quanto a tal na 1ª instância.
 
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Dispensados os vistos. cumpre apreciar e decidir. 
 
II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
 
Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. Questões não são os argumentos nem as motivações; são as concretas controvérsias centrais a dirimir.   
III - OBJECTO DO RECURSO 
 
A questão que se coloca ao julgador é saber se a alteração de ix) supra ao regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa ao menor AA, nascido a .../.../2017, hoje com 6 anos e dois meses de idade, sendo consensual entre os Progenitores, está ou não de acordo com os interesses da criança.
 
Fundamentalmente em causa a fixação da residência do menor e os direitos de visita – artigo 1906º, 5 do Código Civil – ao menor.   
 
IV- mérito  
 
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Com relevo o conjunto factico-processual do relatório supra. 
 
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Analisando.
 
Vem vigorando para o AA o exercício conjunto pelos Progenitores das responsabilidades parentais.
 
Com a ida da Progenitora para Leiria, e residindo o Progenitor em Lisboa, aproximando-se o momento do menor ingressar no 1º ano do 1º ciclo do ensino escolar obrigatório, foi homologado acordo dos pais para um regime de residência alternada do menor com os progenitores, ano lectivo, a ano lectivo, a começar com a residência com o Progenitor, ao abrigo do estatuído no artigo 37º do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro. 
 
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Dos dois aos seis anos, a criança tem uma fase importante do seu desenvolvimento – começa a ter o domínio da linguagem falada e adquire autonomia à mesa.
 
Aos dois anos a figura paterna começa a ter importância. 
 
Começa a ter ciúmes.
 
Está na idade do espelho. 
 
Aos quatro anos descobre o sexo.
 
Vai fixar as figuras parentais.
 
A criança tem de estabelecer a relação com os outros no estádio familiar.
 
A relação com o pai vai marcar a criança para toda a vida e condicionar o seu desenvolvimento psicológico que se quer harmonioso, feliz e a fazer-se em segurança.
  
 
O papel desempenhado pela mãe, muda.
 
Até agora a mãe ajudou a criança na fase “do não dos onze meses”, no desmame, na educação dos esfíncteres.
Vai entrar agora numa nova fase a relação mãe-filho, necessária aos progressos da criança para a constituição de um universo exterior, mantendo porém, como base principal a segurança da primeira idade.   
 
É preciso evitar o “desertismo familiar” ou que se desenvolva “a psicose do abando”.
 
Aos cinco anos começa normalmente “o estádio edipiano”.
Entre a mãe e o pai, sob o papel de figuras materna e paterna, estabelece-se para a criança um conflito entre dois mundos: por um lado o mundo infantil, mundo do refúgio e da segurança – normalmente para os dois sexos, o mundo da mãe -, por outro o mundo exterior, ao mesmo tempo sedutor e inquietante - normalmente para os dois sexos, o mundo do paí -. A criança vacila entre a conquista do mundo exterior e o regresso à segurança da mãe.
É preciso ajudar a criança a ultrapassar este estádio, esta “crise de relação do Eu com o Universo”-, sem que o mesmo se transforme em “complexo”.
 
Aos cinco anos o menino, normalmente quer tornar-se semelhante, incorporar-se na figura do pai. Para o rapaz, o pai é ao mesmo tempo o ser prestigioso, objecto do impulso de identificação, e aquele que ele pretende eliminar. Trata-se de “um momento indispensável para a formação do eu”. Para a menina, normalmente quer incorporar-se na figura da mãe.
 
Aos cinco anos a criança conhece um novo conjunto de sentimentos.  Entre os cinco e os seis anos a criança “fixa um modelo para o eu”.
 
Aos seis anos a criança conhece o processo da primeira socialização – caracterizada pela escolaridade. 
 
Entre os 6 e os 12 anos a criança vai ter uma visão progressivamente modificada da sua família, integrando a realidade familiar no vasto conjunto universal que se constitui.
  
A família passa a ser para a criança o fundamento do real. Quer conhecer a sua família e integrar-se nela. 
A criança precisa do refúgio familiar, para descansar da dura aprendizagem, para cimentar a disciplina e o dever. 
Os pais devem ajudar nos trabalhos de casa. 
Sem reactivar a atmosfera da aula nem a autoridade do professor. 
A criança luta pela vida. 
A criança aos 9 anos entra igualmente num estádio de angústia, para o qual os progenitores devem estar preparados. Culpabilidade, frustração.
A criança chega à idade da razão e apercebe-se da tensão familiar e conjugal. Vai passar a julgar os pais. 
 
Trata-se de uma idade muito exigente para a criança, de formação do “eu”, de alterações, de desenvolvimento intelectual e integração social, a qual vai até à prépuberdade, o que nas raparigas tem lugar entre os 11 e os 14 anos. 
 
Para os pais trata-se de uma idade em que devem mostrar sincronismo, apoio, amizade, igualmente muito exigente. 
 
Cfr. Roger Mucchielli, in A Personalidade da Criança, Clássica Editora, 5ª ed., pág. 56 a 163.  
 
Com a adolescência – 12 a 16 anos -, vem a puberdade. Esta desencadeia quase inevitavelmente uma crise de oposição, mais ou menos violenta, ou menos aberta, contra o meio adulto. O adolescente procura a originalidade, exterioriza a afirmação do eu. O adolescente é fisiologicamente um adulto e também o é intelectualmente. Nesta altura a inteligência atinge a sua forma final de equilíbrio com o pensamento formal. Nasce o amor, a amizade juvenil e o grupo. 
 
Cfr. Berthe Reymond Rivier, in O Desenvolvimento Social da Criança e do Adolescente, Aster, 1983, pág. 131 e ss.  
 
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O artigo 1901.º do Código Civil diz-nos que o exercício das responsabilidades parentais, na constância do casamento, pertence a ambos os pais.
Em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens “As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são
  
exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio (…) ”, por força do n.º 1 do artigo 1906.º do mesmo diploma legal.
 
A opção do legislador, ao introduzir a regra de exercício conjunto das responsabilidades parentais, está claramente a impôr a igualdade entre pai e mãe no que respeita à sua responsabilidade ante o(s) filho(s).
 
Em termos práticos, o legislador autonomiza duas realidades: a residência do(s) filho(s) (no fundo, a guarda) e a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais, sendo certo que se optou, como já referimos, pelo regime regra do exercício em comum de tais responsabilidades.
Podemos elencar alguns critérios legais e jurisprudenciais/ doutrinais no âmbito da determinação da residência do(s) filho(s):
• Critérios legais (artigo 1906.º, n.º 5 do Código Civil):
• O acordo dos pais;
• A disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do(s) filho(s) com o outro. • Critérios jurisprudenciais/doutrinais:
• A idade do(s) filho(s);
• A preferência do(s) filho(s);
• A não separação dos irmãos; • A capacidade educativa dos pais.
 
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Daí que os tribunais, mesmo com crianças de muito pouca idade, conscientes de que a criança precisa do pai e da mãe, sabedores de que o que releva para a decisão é o superior interesse da criança, à luz dos ensinamentos da ciência e da psicologia da criança em particular, estabeleçam unanimemente um regime que permita e favoreça a quantidade e a qualidade dos convívios entre criança e progenitores. 
 
Quando ambos os progenitores possuem semelhante capacitação para o exercício da parentalidade, se dão bem um com o outro, e residem perto, os tribunais apostam na solução do - o exercício conjunto das responsabilidades parentais e um regime de residência alternada do menor com os progenitores
 
  
Ambos os progenitores têm capacitação para a parentalidade. Ambos têm vida profissional estável. Relacionam-se no que toca aos assuntos do filho, com alguma dificuldade.
Mas vivem longe um do outro.
E alternar a residência do menor com cada progenitor, ano lectivo a ano lectivo, obrigando o menino a mudar de amigos, de escola, de aprendizagem, de ambiente e circunstâncias, de Lisboa para Leiria, depois de Leiria para Lisboa, é impor ao menino um calendário de vida escolar duro, difícil, que não sabemos se suportará, mas antevemos que causará distúrbios, mudança a mudança, e diminuição de apego.
 
O menor vai atravessar fases de desenvolvimento psicológico bastante precisas, exigentes, requerendo para as ultrapassar segurança de um lar que lhe sirva de conforto, de um pai e de uma mãe que, mesmo separados, estejam presentes, prestando-lhe ajuda, carinho e amor.  
 
Este caminho parece-nos muito mais dificultado com a residência alternada, com periodicidade anual, obrigando à mudança de escola, amigos, etc..
 
Assim o acordo alcançado não responde aos interesses da criança – artigos 37º, 1 e 4º, 1, do RGPTC.
 
Não se respeitou o direito da criança a ser ouvida, para que o seu depoimento possa ser considerado, quando nos parece que o AA pode ter capacidade para entender e querer sobre esta matéria em particular. -  artigo 5º, 1 e 6, do RGPTC.
 
A ausência da fixação de prestação de alimentos está prejudicada pela colaboração dos Progenitores manifestada depois de conhecidas as alegações recursórias. 
 
A solução plasmada na alteração ao acordo de que se recorre peca por desconsiderar as exigências de segurança e desenvolvimento psicológico harmonioso de que o menor carece, impondo-lhe uma programação da vida escolar que não ponderou os irremediáveis distúrbios com cada mudança   anual de centro da vida, de escola e amigos. 
 
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A alteração de que se recorre vai contra o superior interesse da criança.
Não pode subsistir.
  
Procede a apelação.
 
V–DECISÃO  
 
Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida.
 
Sem custas.
 
Valor da causa - € 30.000,01.
 
Coimbra, 13 de Dezembro de 2023.
 
(Rui António Correia Moura)
 
(Alberto Ruço)
 
(Vítor Amaral)