Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123893/18.4YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: INJUNÇÃO
CAUSA DE PEDIR
FACTO INSTRUMENTAL
ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CONDEIXA-A-NOVA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5.º, N.º 2, ALÍNEA C) E 581.º, N.º 4, AMBOS DO CPC
Sumário: I - Num procedimento de injunção para pagamento do preço devido pela realização de uma obra o local onde a obra foi realizada não integra a causa de pedir da acção.

II – Assim, embora se tenha provado que a obra foi realizada em local diferente do indicado no requerimento de injunção, tal situação não configura alteração da causa de pedir nem viola o princípio da estabilidade da instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - “ A. , Lda”, instaurou contra B. , residente em x..., acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, mediante requerimento de injunção, tendente a obter o pagamento pelo Requerido do montante de € 5.719,50 a título de capital e de € 48,26, a título de juros de mora.

Alegou que no decurso da sua actividade, há mais de 5 anos, por solicitação do Requerido, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água na propriedade do mesmo sita em x..., sendo que o mesmo não procedeu à obrigação de pagamento a que se vinculou.

O então Requerido opôs-se, invocando a ineptidão da petição inicial, por entender que a Requerente não concretizou os factos que fundamentam a sua pretensão, mais referindo não ter celebrado qualquer contrato ou adjudicação, nem ter sido efectivamente prestado qualquer trabalho e qualquer contacto que tenha havido não ter passado de pedido de informação perfunctório, não tendo recebido orçamento, tendo-lhe apenas sido prestadas informações verbais. Por isso, não reconhece a factura a que a Requerente alude. Entende, em consequência, que nada deve, terminando por requerer a condenação da Requerente como litigante de má fé.

A A. respondeu à matéria de exceção, concluindo que o R. compreendeu a motivação de facto e a respectiva causa de pedir, pelo que o requerimento de injunção não é inepto, e que deve ser absolvida do pedido de litigância de má-fé.

Procedeu então à junção da factura a que aludiu no Requerimento de injunção - nº 2018/118.

Distribuída a  acção,  o R. suscitou a incompetência do tribunal, em razão do território,[1] visto que a injunção havia sido intentada na Comarca de Lisboa, requerimento que foi julgado procedente, ordenando-se a remessa dos autos para o Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova, tendo em consideração ser aí o domicilio do R. e o disposto o art 71º/1 CPC.

Foi proferido  despacho, que julgou  improcedente a ineptidão do requerimento de injunção, e, realizado julgamento, tendo sido fixada à causa o valor de € 5.767,76 , foi  proferida sentença  que julgou a ação procedente, condenando  o R. a pagar à A. o montante de € 5.719,50 (cinco mil setecentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos), a título de capital, e o montante relativo aos juros de mora, à taxa legal aplicável às operações comerciais, desde 24-09-2018 a 06-11-2018, no valor de € 48,26 (quarenta e oito euros e vinte e seis cêntimos).

II – Do assim decidido, apelou a R., que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:

 I - Da alegação havida, designadamente na Petição Inicial, e que baliza o quanto em apreço no pleito, no âmbito do principio da regularidade, unidade e preservação da instância, é expressamente alegado, sob égide de ónus da prova da A, vide requerimento de injunção - “No decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, a Requerente, por solicitação do ora Requerido, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118” – negrito e sublinhado nosso.

II - Ora, da prova testemunhal produzida quanto a tal alegação terá sido desconsiderada e omissa matéria de facto a atender como não provada, pertinente para a justa composição da causa e regularidade com as exigências legais e processuais, e designadamente a justa apreciação no caso concreto. Revela-se a matéria de facto não provada elencada insuficiente, o que implica erróneo juízo de facto e de direito subsumível.

 III - Atenta a gravação da diligência de julgamento: Audição da testemunha C. , em audiência de 21-01-2020, com inicio às 14:37.26 a 15:16:46, trechos infra transcritos dos minutos: - 4:10 a 4:20– “só fiz um furo que foi o ultimo que ele não me pagou, um furo para o filho do Sr B. , que só mandou fazer um e não pagou” - 4:48 a 4:51 – “só lhe fiz um furo” - 5:25 a 5:27 – “lá na quinta dele” - 5:35 a 5:38 – “ z..., uma quinta lá em z...” - 5:42 a 5:51 – “ao pé de uma rotunda em z..., onde tem umas vacas” - 6:23 a 6.25 - “tem lá uma propriedade, o B. ” - 6.35 a 6.37 – “foi na quinta lá” - 7.25 a 7.32 - “estrada vai para k..., perto da rotunda” - 7.38 a 7.41 - “junto a z..., é isso? sim é perto” - 11h15 a 11.22 “é assim, esse furo, eu fui lá fazer o furo, mandei fazer” - 11.44 a 12.05 - “eu não sei quem são as pessoas que podem andar a debitar uma coisas dessas, o furo só foi feito lá” - 12.09 a 12.23 - “disseram que a propriedade era sita em x..., não não, não senhor, o furo é aquele a que me estou a referir” - 12.25 a 12.25 - “o que está aqui em causa é um furo em x..., não fez nada? Não, aqui para ele não” - 12.48 a 13.00 - “eu não fiz nenhum para ele aqui, atenção. Eu não fiz nenhum furo para esse senhor aqui - 13.22 a 13.31 - “só esse, mais nenhum, ou outros o pai pagou-os todos” 15.28 15.33 – “não foi, ele não tem cá nenhuma propriedade sequer”

 V - Portanto não só a testemunha manifesta efectivo conhecimento do concreto local onde terá sido prestado serviço, como taxativamente indica não ter sido prestado furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118.

 VI - Ou seja, o serviço alegado e exposto e fundamento à emissão da dita factura devolvida não existiu, sendo errónea quer a factura, que naturalmente de tal modo não é aceitável, não tendo sido viável prova da respectiva causa de pedir alegada e imutável.

VII - Aliás, em reforço a tal atente-se à própria gravação da diligência de julgamento: Audição dos dizeres do Meritíssimo Juiz a Quo, em audiência de 21-01-2020, trechos infra transcritos dos minutos: “pois mas aqui não nenhuma quinta em z... senão não estávamos aqui estávamos em z...” 6.07 a 6,08 “mas aqui não há z... nenhum” 6.11 a 6,23 “sra dra não, temos de saber o que a testemunha sabe ou não sabe agora não vamos induzila, sra testemunha aqui não há nenhuma quinta em z...” 6.25 a 6.35 “pois, a questão é que o alegado furo não terá sido feito em z... mas noutro sitio” 6.37 a 6.40 “pois então não estamos a falar da mesma coisa” 6.54 a 7.04 “em z... não é decididamente, porque está assente, a A. não coloca z..., se fosse em z... não era o tribunal competente, era em z... o velho que estavam a discutir a causa” 7.42 a 7.44 “estamos a falar então de coisas diferentes” 7.51 – “a culpa não é do réu, a A. é que oferece as testemunhas” 11.22. a 11.24 “mas não é em x...” 12.25 a 12.25 “o que está aqui em causa é um furo em x...” 13.10 a 13.15 “eu só estou a ler o que a A. disse.” 13.49 a 14.00 - “diz que foi feita em propriedade sita em x..., não estamos aqui a desmistificar, isto é o principio da alegação” 14.33 a 14.35 - “mas as coisas não funcionam assim” 15.02 a 15.28 “de forma impressiva, taxativa diz que foi realizado entre w... e z... numa quinta em z...” “o que está em causa na PI e corroborado na factura, é que terá sido feito numa propriedade em x...” - 15.02 a 15.28 “de forma impressiva, taxativa diz que foi realizado entre w... e z... numa quinta em z...” “o que está em causa na PI e corroborado na factura, é que terá sido feito numa propriedade em x...” - “isto não pode ser assim, não é ao sabor do cata vento, agora vem outro dizer que foi em Lisboa ou no Porto” “a A. tem de provar isto”

VIII - E da própria Mandatária da A, que também ali confessadamente profere e confessa em nome da sua representada, confissão a não retirar: 14.06 a 14.13 - Colega – “não haja duvidas que o Sr diz que foi em z... e para a A. também reconhece que foi em z...”

IX - Deste modo o rol vertido em factos não provados olvida que a A alegou específica e exclusivamente o aduzido “execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118”.

X - Sendo que o respectivo depoimento, nomeadamente os identificados dizeres, e consequentes explicações e alegações das partes, sempre implicaria que fossem, em nosso entendimento, dados como não provados novos factos a aditar e acrescentado com a seguinte redacção: 1- Não provado que no decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, a Requerente, por solicitação do ora Requerido, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118

 XI - Tal resulta da conjugação da prova documental com a prova testemunhal, e ademais como facto assente por confissão da própria A., o que não pode ser sem mais descurado pelo Tribunal a quo, facto que ademais deverá ser avaliado de acordo com a demais prova testemunhal produzida e documentação junta, e bem assim com a pertinência dos factos provados como 2, 4 e 5.

XII - Quando é proferida uma sentença omissa quanto à valoração de dados de um determinado testemunho e demais elementos com relevância à matéria de facto provada e não provada, o qual relevaria, impõe-se que a mesma seja declarada alvo de alteração e correcção sob pena de nulidade.

XIII - De facto a sentença a quo é totalmente omissa quanto a tal questão essencial, nada a ela se referindo, não sendo efectuado qualquer exame crítico com relevância e pertinência, designadamente às questões prévias e advenientes do julgamento, conforme exposto em requerimento do Réu de 21-02-2020 e que não mereceu despacho ou posição na sentença a quo.

XIV - Nomeadamente quanto ao ónus da prova, o erro de julgamento por alteração legalmente não admissível de causa de pedir e incompetência territorial, nada sendo na sentença a quo vertido sequer superficialmente quanto a tal questão essencial, que reconduz à nulidade prevista no art. 668º/1 alínea d) do Código de Processo Civil, que se argui com todos os efeitos legais.

XV - Na sentença a quo, e bem, é entendido que qualquer alegado serviço terá sido prestado em moldes díspares do peticionado e das exigências de licenciamento.

XVI - Vai olvidado que a A não logrou fazer prova da sua causa de pedir e moldes peticionados. Daqui resulta, com o devido respeito, não só um erro manifesto, como uma total falta de lógica, na medida em que se a factura e prova testemunhal serve para prova de determinados factos, “benéficos” à A., necessariamente com a mesma linha de raciocínio servirá para provar outros, designadamente os quantos em “benefício” do Réu.

XVII - A factura descreve um serviço díspar do havido como realizado. O quanto alegado é díspar do havido como supostamente fornecido e base da lide.

 XVIII - Competia à A. provar de acordo com as regras do ónus da prova que “No decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, a Requerente, por solicitação do ora Requerido, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118”. A A. não o provou.

 XIX - Para tanto não há assim necessidade de demonstrar qualquer outro facto ou nexo causal para a respectiva conclusão, antes competiria à A. de acordo com as regras do ónus da prova demonstrar o que alegou e o quanto em sustento do que peticionou (não coisa diferente e que nunca foi objecto de discussão no pleito).

XX - Outra interpretação díspar do ónus da prova seria manifestamente irrazoável, ademais porque sempre competiria à A. evidenciar que a realidade não seria a que afinal unilateralmente e de vontade própria enunciou.

XXI - Vai o Réu condenado a pagar algo que portanto, a bem dizer, não lhe foi entregue, nem providenciado, nem colocado à disposição, nem tem viabilidade de o ser. O que desde já manifesta a falta de lógica do escorreito em crise, na medida em que, no mínimo, deveria figurar assegurada a colocação à disposição, que fosse viável a exigibilidade de contraprestação condenada ao Réu. Exemplificativamente ser-lhe-ia eventualmente lícito, como em limite o é, poder o Réu usar de excepção de não cumprimento legalmente consagrada, e/ou (face a potencial prova do ponto 5 em sede legitima e própria) a redução e adequação do preço.

XXII - Ora, não houve acordo a alteração à causa de pedir nem confissão que a pudesse determinar. Não se verificam factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial.

XXIII - Resulta ainda já perfunctória e assaz suficiente, por confissão da A. em sede de audiência de discussão e julgamento que, ao contrário da causa por si invocada, a A. não prestou “a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x...”.

XXIV - Da petição inicial e respectiva causa de pedir consta tal indicação de trabalhos prestados em propriedade sita em x..., tal como da própria factura que fundamenta a lide, o que confessadamente não corresponde à realidade.

XXV - A causa de pedir não pode ser modificada após a estabilização da lide já ocorrida, nem o Réu aceita tal modificação. Sendo certo que nem a factura em cobrança (documento suporte de tudo quanto possa estar em apreço) pode ter a virtualidade de sustentar tal alteração.

XXVI - Alteração que ademais a ser aceite implicaria a incompetência territorial do Tribunal a quo e impossibilidade de julgamento/e aproveitamento de julgamento.

XXVII - Não pode o Réu ser condenado por factos diferentes dos alegados pela parte e em discussão na lide. Sob pena de se dar legitimidade e cobertura encapotada ao desvirtuar das regras processuais, ainda que tal possa advir de potencial erro/lapso seja de parte ou mandatário.

XXVIII - Certo é que tal é insuprível, promovendo uma lógica de “se não pagas de uma maneira, pagas de outra”. Isto implicando de forma ilegal e inadmissível a convolação para relação jurídica diversa da controvertida. É manifesta a incongruência que tal solução implica na realização formal e material da justiça.

XXIX – A sentença a quo viola o princípio do ónus da prova - Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

XXX – A sentença a quo viola o princípio da estabilidade da instância, arts. 260º, e as regras atinentes à alteração da causa de pedir, 264ºe 265º do CPC, e em limite competência territorial.

XXXI - Devendo concluir-se pela absolvição do Réu.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

 1. A autora é uma sociedade por quotas que exerce a actividade de Sondagens e Captações de Água.

 2. No decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, concretamente entre Maio e Junho de 2012, a autora, por solicitação do réu, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água numa propriedade do réu situada em z..., tendo sido emitida a factura nº 2018/118.

3. O pagamento dos serviços prestados pela autora, indicados em 2., no montante de € 5.719,50 (cinco mil setecentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos) continua por liquidar por parte do réu.

4. O réu devolveu a factura supra referida em 2., com fundamento de que não reconhece a dívida como legítima.

5. O furo de captação de água referido em 2. não se encontra licenciado.

Referiu o Tribunal da 1ª instância a respeito dos fados não provados:

«Factos não provados, com interesse para a decisão da causa: Não existem, sendo que o restante alegado pelas partes nos articulados constitui matéria irrelevante, conclusiva ou de direito» .

IV – Do confronto das conclusões da apelação com a sentença recorrida, resultam para apreciação no presente recurso, as seguintes questões:

- se a sentença se mostra nula, nos termos do a art 615/ 1 al al d) CPC [2] por nada  ter referido relativamente à circunstância de o furo de captação de água que é referido    no requerimento de injunção como tendo sido realizado numa propriedade do R. em x..., não ter sido realizada nesse local, mas antes  numa propriedade do R. em z...;

- se, de todo o modo, devia ter integrado na matéria de facto não provada essa circunstância, dando como não provado, que, «no decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, a Requerente, por solicitação do ora Requerido, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118»;

- se a sentença, decidindo como decidiu, violou o princípio da estabilidade da instância, admitindo alteração ilegal da causa de pedir;

- e se violou as regras da competência territorial.

Dispõe a al d) do nº 1 do art 615º CPC que a sentença é nula «quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Por seu turno, o art 608º, no seu nº 2, preceitua que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

O conteúdo da nulidade acima referida advém, pois, do conteúdo desta última norm, falando-se em função do mesmo e na sua articulação com a referida al d) do nº 1 do art 615º, respectivamente, em omissão e excesso de pronúncia.

O conceito chave para a densificação de uma e outra dessas nulidades resulta do termo “questão”.

Doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar que “questões” para o efeito em referência são «todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer  (608º/2 )».[3]

Refere o R./recorrente na conclusão XIII não ter merecido despacho ou posição na sentença a quo o que no seu requerimento de 21/2/2021  requereu a respeito da questão em análise.

Efectivamente, nesse requerimento – feito em vésperas da continuação do  julgamento que estava aprazada para 24/2 - referiu, entre o mais, que, «…decorre da prova produzida e confissão da A.,… em sede de audiência de discussão e julgamento que, ao contrário da causa por si invocada, a A. não prestou “a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x...”. Da petição inicial e respectiva causa de pedir consta tal indicação de trabalhos prestados em propriedade sita em x..., tal como da própria factura que fundamenta a lide, o que confessadamente não corresponde à realidade. A causa de pedir não pode ser modificada após a estabilização da lide já ocorrida, nem o Réu aceita tal modificação. Sendo certo que nem a factura em cobrança (documento suporte de tudo quanto possa estar em apreço) pode ter a virtualidade de sustentar tal alteração. Alteração que ademais a ser aceite implicaria a incompetência territorial deste Tribunal e impossibilidade de julgamento/e aproveitamento de julgamento».

 Sobre esse requerimento pronunciou-se a A. nestes termos:

 «Nos termos do artigo 574.º do CPC, ao contestar, deve o R. tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir da A. Depois da audiência e da prova produzida, não pode vir agora o R., aliás, repetir o que está enunciado na fatura, e que podia ter excecionado em sede de contestação, artigo 574.ª nº 1 do CPC. Tudo isto quer quanto à prescrição quer quanto ao local do furo (água que o R. admitiu utilizar, bem sabendo desde quando). Contudo sem sequer nos pronunciarmos quanto á prova produzida. Não se admite a alegação de exceções por não serem legalmente exigíveis pelo R., após a produção da prova e tendo o mesmo, em seu tempo oportuno para as qualificar (oposição/contestação)».

De facto, o Exmo Juiz não se pronunciou sobre o referido requerimento, no qual se colocam questões de conhecimento oficioso e, por isso, subtraídas ao principio da concentração na defesa. Questões essas, que, são, afinal, as mesmas – alteração da causa  de pedir e incompetência em razão do território -  que constituem objecto deste recurso, sobre as quais o Tribunal se deveria ter pronunciado, senão antes da realização do julgamento, pelo menos na sentença.

Ocorre, por isso, omissão de pronúncia.

Cabe a este tribunal suprir a nulidade em causa, nos termos do art  665º CC, visto que dispõe de elementos para tanto, o que se fará no conhecimento subsequente das questões acima evidenciadas.

Na sequência do que acabou de se ponderar, só pode dar-se resposta positiva à 2ª questão.

 O Exmo Juiz a quo devia ter integrado  na matéria de facto não provada – ao invés de ter referido que «não existem factos não provados  com interesse para a decisão da causa, sendo que o restante alegado pelas partes nos articulados constitui matéria irrelevante, conclusiva ou de direito» -  que, « no decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, a Requerente, por solicitação do ora Requerido, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água na propriedade deste sita em x..., cfr. fatura nº 2018/118».

Com efeito, se, ao contrário do que vinha alegado no requerimento de injunção, deu como provado no facto 2 que,  «no decurso da sua actividade, e há mais de 5 anos, concretamente entre Maio e Junho de 2012, a autora, por solicitação do réu, forneceu-lhe e prestou-lhe determinados bens e serviços, entre os quais, a execução de um furo de captação de água numa propriedade do réu situada em z..., tendo sido emitida a factura nº 2018/118», cabia-lhe, correspectivamente, ter julgado não provada a matéria de facto atrás referida, de modo a vir a ponderar  na sentença se essa alteração no  local de execução da obra, de x... para z..., implicava alteração da causa de pedir  ou bolia com a incompetência territorial.

Importa pois saber se a sentença, decidindo, como decidiu, violou o princípio da estabilidade da instância, admitindo  alteração ilegal da causa de pedir.

Por outras palavras, importa saber, se o especifico local geográfico em que a obra foi realizada integra a causa de pedir de tal modo que se deva concluir, como o pretende o apelante, que,  tendo-se julgado procedente a acção, pese embora se tenha provado  que aquela foi realizada em local diverso do referido no requerimento da injunção, se admitiu indevidamente alteração da causa de pedir violando-se o principio da estabilidade da instância.

A causa de pedir é, na definição que para ela advém do nº 4 do art 581º CPC, o  facto jurídico de que decorre a pretensão deduzida em juízo.

E um facto jurídico é um acontecimento ou evento da vida real que tem relevância jurídica, isto é, que é juridicamente relevante.

A relevância jurídica desse acontecimento resulta da norma ou complexo de normas implicada(s)na pretensão deduzida em juízo com suporte nesse acontecimento.

De tal modo que a causa de pedir «corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido», nas palavras de Lebre de Freitas[4].

 Por assim ser, se numa acção real a causa de pedir abrange o especifico prédio relativamente ao qual incide o direito real invocado pelo autor,  tendo o autor de fazer referência não apenas à sua localização mas por vezes à sua configuração ou delimitação,  numa acção destinada a exigir a indemnização pelo não cumprimento de uma obrigação, como é o caso da presente, à respectiva  causa de pedir é indiferente o local onde a obrigação deveria ser cumprida ou o lugar onde ocorreu o facto cujo incumprimento está em causa.

Nas acções para cumprimento da obrigação, para indemnização pelo não cumprimento, pelo cumprimento defeituoso e para resolução do contrato por falta de cumprimento, bem como nas acções para efectivação da responsabilidade civil fundada em facto ilícito ou no risco, apenas importa à causa de pedir os factos de que o autor afirma derivar o seu direito indemnizatório sobre o R.

Assim, porque na presente acção o local em que foi executada a obra cujo pagamento está em causa  não integra a causa de pedir,  a circunstância de se ter vindo a constatar, apenas na audiência de julgamento – e, note-se, que, ao contrário do que é referido pelo apelante, na factura não se faz menção ao local no qual foi executado um furo de captação de água referindo-se apenas «v/propriedade» - que essa obra não foi realizada na propriedade do R. em x... – onde o mesmo reside - mas antes na propriedade do mesmo em z... o Velho, não é tal que implique qualquer alteração na causa de pedir.

Trata-se de um facto como mero carácter instrumental e que o juiz pode considerar na decisão quando resultante da instrução, como foi o caso – cfr art 5º/2 al a) CPC.

A questão do local da execução da obra irreleva igualmente no que respeita à já definida competência interna em razão do território.

Por um lado, porque o factor que releva no presente caso de acção destinada a exigir a indemnização pelo cumprimento para determinar a competência territorial é o domicilio do réu e este se situa em   x...  (na Rua da y... )- cfr 1ª parte do nº 1 do art 71º CPC.  

Por outro lado, e como acima já deixou implícito, porque o limite processual para a decisão da incompetência relativa – como o é a que decorre de incompetência em razão  do território, cfr art 102ºCPC - é o despacho saneador ou em todo o caso o primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados, como resulta do nº 3 do art 104º

E note-se que este limite foi querido pelo legislador para toda a incompetência relativa, seja a que advém da arguição do réu, incompetência relativa inoficiosa, seja a que se impõe por conhecimento ex officio, incompetência relativa oficiosa, a  que se reporta o nº 1 do art 104º CPC.

A circunstância de se estar na presença de situação susceptível de gerar incompetência relativa oficiosa – porque integrada na 1ª parte do nº 1 do art 71º - é pois irrelevante.

Tem, pois, de se concluir pela improcedência da apelação.

 

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

                                                                       Coimbra, 18 de janeiro de 2022
Maria Teresa Albuquerque                                                                                                                                               Falcão de Magalhães

                                                           Pires Robalo

(….)

                [1] - Limitando-se a ter referido para o efeito em causa: «Em função da distribuição em juízo ora efectivada verifica ainda, assim o invocando, a incompetência territorial do presente Tribunal nos termos e para efeitos do art. 71º/1 do CPC».

                [2]  - Por lapso, a recorrente refere-se ao art 668º que correspondia no CPC anterior ao actual art 615º.

[3]- Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado»,  vol 2, 4ª ed, p 737.

 Deve salientar-se, porém, que Anselmo de Castro tem uma visão mais abrangente de “questões”, referindo, em «Direito Processual Civil Declaratório», vol III ,142, que «a palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem».

[4]  - «Acção Declarativa Comum, à luz do CPC de 2013» , 3ª ed , p 41