Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
508/07.7GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO
AMEAÇA
DOLO DE PERIGO
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 153º CP, 412º, NºS 3 E 4 CPP
Sumário: 1. As menções exigidas pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
2. Estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.
3. A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação expressa do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente, tanto a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.
4. Tratando-se de um crime de perigo, o respectivo dolo de perigo pressupõe uma vontade conscientemente dirigida à ameaça concreta do respectivo bem jurídico, que “é a liberdade de decisão e de acção.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 2.º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido D..., casado, residente no Lugar …, Viseu, acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do Código penal, e de um crime de ameaça, p. e p. no artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
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2. L… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 1,250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca ter sofrido, decorrentes das condutas ilícitas factualmente descritas na acusação pública, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação ao demandado do referido pedido até efectivo pagamento.
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Também os Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, solicitando a condenação deste no pagamento à demandante da quantia de € 3.851,17 (três mil oitocentos e cinquenta e um euros e dezassete cêntimos), correspondente à assistência médica prestada a L…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados a partir da notificação do pedido, ao demandado, até efectivo e integral pagamento.
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3. Por sentença de 1 de Fevereiro de 2010, o tribunal proferiu decisão do seguinte teor:
A) Condenou o arguido D..., como autor material de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;
B) Condenou o mesmo arguido, como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
C) Efectuado o cumulo jurídico das penas parcelares referidas em A) e B), condenou o arguido na pena única 6 (seis) meses de prisão que, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, substituiu por idêntico número de dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros);
D) Julgou totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condenou o arguido/demandado D... a pagar ao demandante L… a quantia global de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da sentença e até integral pagamento;
E) Julgou ainda totalmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE e, consequentemente, condenou o arguido a pagar àqueles a quantia de € 3.851,17 (três mil oitocentos e cinquenta e um euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;
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4. Inconformado, o arguido/demandado interpôs recurso da sentença, rematando a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª – Nunca o M.º Juiz a quo poderia ter condenado o arguido, ora recorrente, pela prática de crime de ofensa à integridade física, de ameaças, tão-somente com base no depoimento do ofendido/queixoso e da sua companheira (que nada viu), que trataram-se de depoimentos condicionados, e de ambos terem interesse no desfecho da causa.
2.ª – Apesar de no nosso sistema penal vigorar o princípio ínsito no artigo 127.º do C.P.P., que a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente, entendemos, todavia, que tal regra não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa de prova, de todo em todo imutável.
3.ª – Julgamos que a apreciação que fez de prova produzida em audiência de julgamento o foi manifestamente de forma arbitrária e discricionária, em violação do disposto no artigo 121.º do C.P.P..
4.ª – E, em caso de condenação, sabendo que os danos causados no arguido o foram por causa da conduta do arguido Daniel, e do seu filho Daniel, e não se apurando em tribunal a medida em que cada uma dessas condutas contribuiu para a extensão daqueles danos, deve entender-se que ambas contribuíram em igual medida e, por conseguinte, também cada uma deve ser responsável por metade dos prejuízos causados e, em consequência, o arguido D...ser tão-somente condenado a pagar metade dos danos peticionados pelos hospitais e pelo demandante.
5.ª – Pela prova produzida em audiência de julgamento, atentos os depoimentos do arguido D…, de M..., das demais testemunhas, jamais o arguido devia ser condenado pelos crimes de que vem acusado, pelo menos;
6.ª – A prova produzida é quanto a nós susceptível de criar no espírito do julgador um estado de espírito de dúvida razoável, conducente à absolvição do arguido com base no princípio in dubio pro reo.
7.ª – A condenação do arguido D...assenta, por conseguinte, única e simplesmente nas declarações do queixoso, que apresenta uma justificação desconexa e descontinuada de nulidade e das regras de experiência como para as lesões deste. Apresenta um depoimento falsíssimo que não vence o descrédito formal que o seu estatuto de ofendido, não vinculado à verdade, implica.
8.ª – Não se verificam ainda os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime de que vem acusado.
9.ª – Deve, por isso, o arguido ser absolvido dos crimes de que vem acusado, com o que se fará
Violaram-se assim os artigos 127.º, 340.º, n.º 2, 375.º, do C. P. Penal, artigo 47.º e 71.º, do CP.
Pelas razões atrás expostas deve dar-se provimento ao presente recurso, com o que se fará justiça!
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5. Apenas o Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, que finalizou conclusivamente nos seguintes termos:
1. Tendo o arguido impugnado a sentença recorrida quanto à matéria de facto mas não obedecendo a sua motivação aos requisitos previstos no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, deve o recurso, nessa parte, ser rejeitado.
2. Uma leitura atenta da motivação de recurso apresentada pelo arguido, em particular das conclusões que delimitam o objecto/âmbito do recurso, não pode deixar de nos levar a concluir que não vem invocado qualquer um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
3. Salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida não padece de qualquer um desses vícios, nem os mesmos ressumam do texto da decisão recorrida.
4 – O Tribunal ad quo fez correcta aplicação do princípio da livre apreciação da prova, não merecendo a decisão alcançada qualquer reparo quanto à apreciação da prova.
5 – Não existe, in casu, lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo, sendo certo que, face à factualidade dada como provada, estão preenchidos todos os elementos típicos dos crimes de ofensa à integridade física e ameaça que vinham imputados ao arguido.
Termos em que, e nos demais que (…) se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, por tal corresponder in casu a um acto conforme à justiça.
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6. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta ao recurso apresentada pelo M.º P.º no tribunal de 1.ª instância, elaborou parecer, a fls. 464/465, com o conteúdo infra transcrito (na parte que temos como relevante):

«Com efeito, também, em nossa opinião, o recurso deve ser rejeitado, na parte em que impugna a matéria de facto, em virtude do recorrente não ter dado cabal cumprimento ao estatuído no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP..

Quanto à impugnação da matéria de direito, os argumentos do recorrente são tão frágeis e imprecisos que nos dispensamos de dizer algo mais, para além do que consta da resposta, para a qual tomamos a liberdade de remeter.

Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, somos de opinião que o presente recurso interposto não merece provimento».


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7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º, do Código de Processo Penal, quer o arguido quer os demandantes não exerceram o seu direito de resposta.

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8. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, resumem-se ao seguinte quadro as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:

A) Alterabilidade da matéria de facto provada;

B) Violação do princípio in dubio pro reo;

C) Se se verificou violação do preceitos legal contido no artigo 127.º, do CPP;

D) Se o arguido deve ser absolvido dos crimes que lhe estão imputados, por a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida não preencher os tipos objectivos e subjectivos dos crimes de ofensa à integridade física e ameaça;

E) Se, a manter-se a condenação do arguido na vertente estritamente penal, a condenação relativa aos pedidos de indemnização civil deve reduzir-se para metade.


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2. Na sentença, foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 7 de Julho de 2007, cerca das 22 horas, na localidade de …, em Viseu, o arguido após uma troca de palavras com o L..., surpreendeu o mesmo pelas costas e desferiu-lhe um murro na face;
2. Após, o arguido proferiu ameaças dirigidas ao L... dizendo-lhe que o havia de matar e que lhe passava o carro por cima, o que fez e além do mais ao mesmo tempo que com o jipe avançava e recuava na direcção do ofendido;
3. De seguida, o arguido foi buscar uma retroescavadora e dirigiu-se com a mesma em direcção ao L... e ao carro deste, no interior do qual se encontrava a companheira deste; O arguido parou a máquina junto do veículo, desceu da mesma e julgando que o ofendido se encontrava no seu interior, disse à companheira deste: “Você está aqui, o seu marido teve sorte, se tivesse vindo sozinho saía daqui morto”;
4. Na sequência da agressão, foi o L... assistido nos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE, importando a referida assistência em € 3.851,17;
5. Em consequência da agressão, o L... sofreu as lesões examinadas e descritas nos relatórios médicos e na ficha clínica de fls. 19-20, 31-33, 51-52 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais lhe determinaram 35 (trinta e cinco) dias de doença, sendo 5 (cinco) com afectação para o trabalho geral e 35 (trinta e cinco) com afectação da capacidade para o trabalho profissional;
6. Ao agredir o L... da forma supra descrita, o arguido agiu com o propósito de o atingir e molestar no corpo e na saúde, como conseguiu;
7. Ao proferir as ameaças supra descritas e ao conduzir o jipe e a máquina em direcção ao L... e ao carro deste, o arguido agiu com o propósito concretizado de produzir medo ou susto no referido Luís, anunciando-lhe que, no futuro, lhe iria infligir um mal e, dessa forma, afectando-o na sua liberdade de movimentos e de autodeterminação;
8. O arguido sabia que aquelas ameaças, atentas as circunstâncias em que foram efectuadas, depois de uma agressão física, eram adequadas a provocar receio e medo ao visado e a afectar a sua liberdade de movimentos e de autodeterminação e actuou querendo proceder dessa forma;
9. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente proibidas e punidas;
10. O arguido é empresário de madeiras e aufere a quantia mensal de € 500,00;
11. Tem 4 empregados na empresa a quem paga o ordenado mínimo nacional, acrescido de subsídio de refeição;
12. A sua esposa é doméstica;
13. Tem 4 filhos, sendo que todos, à excepção do mais velho que trabalha na empresa, dependem dele economicamente;
14. A casa onde vive é arrendada, sendo que o arguido pese embora tenha declarado não saber qual o montante da renda disse que a mesma é de montante baixo pois é antiga;
15. Tem a 4.ª classe;
16. O arguido já sofreu as seguintes condenações:
• No processo comum singular n.º 74/04.5 IDVIS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi condenado por sentença de 21/11/2007, transitada em julgado no dia 09/01/2008, pela prática do crime de fraude fiscal na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, sendo os factos de 2002;
• No processo comum singular n.º 4140/06.4 TAVIS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi condenado por sentença de 05/03/2008, transitada em julgado no dia 18/04/2008, pela prática do crime de desobediência na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, sendo os factos de Dezembro de 2006;
• No processo comum singular n.º 626/07.1 TAVIS do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, foi condenado por sentença de 09/12/2009, transitada em julgado no dia 12/01/2009, pela prática do crime de desobediência na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, sendo os factos de 30 de Setembro de 2004.
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3. Relativamente à factualidade dada como não provada, consta da sentença:
Nada mais se provou dos factos sujeitos a julgamento, não se provando que nas circunstâncias de lugar e tempo referidas em 2.1.1., o arguido tenha desferido dois murros nas faces do ofendido L....
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4. No que diz respeito à motivação da decisão de facto, ficou consignado:
A convicção do Tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida, nomeadamente:
I) Declarações do queixoso/ofendido L... que nos mereceu total credibilidade atenta a forma sincera, serena, tranquila e rigorosa com que prestou o seu depoimento.
De facto, o queixoso, não obstante demonstrar alguma emoção quando descreveu os factos, tal qual o tribunal os veio a dar como provados, fê-lo de forma pormenorizada e suficientemente convincente de molde a merecer do tribunal uma total credibilidade, até pela forma como expôs publicamente os seus medos e a sua fragilidade perante a situação que vivenciou;
II) Depoimento isento e credível da testemunha A…, companheira do arguido que se encontrava inequivocamente no local dos factos e que presenciou alguns.
De facto, esta testemunha pese embora não tenha visto a agressão pois no momento em que esta ocorreu encontrava-se dentro do seu carro, viu quando o seu companheiro, aqui ofendido, foi ter com ela, com a boca a sangrar e lhe disse ter sido o arguido quem o havia agredido pelo arguido, seu patrão.
Para além disso presenciou os factos descritos em 2.1.2. e 2.1.3. que descreveu e relatou com pormenor em sede de audiência.
De relevo disse ainda que, na sequência desses factos, o seu companheiro foi ao Hospital de Viseu, ainda nessa noite, tendo sido depois encaminhado para Coimbra, para os HUC, onde foi operado aos maxilares que se encontravam fracturados. Mais disse que o ofendido durante cerca de um mês não pôde trabalhar e só comia coisas líquidas.
Este depoimento mereceu-nos total credibilidade pela forma isenta, coerente e sem hesitações com que foi prestado, não obstante o interesse directo que tem nesta causa pela circunstância de ser companheira do ofendido.
III) Depoimentos isentos e credíveis das testemunhas P… e Alberto Monteiro dos Santos, ambos militares da GNR de Viseu que acorreram ao local no dia dos factos, fazendo-o na sequência de terem sido chamados pela central para tomar conta de uma ocorrência em que alguém teria sido agredido.
O local para onde foram chamados era deles conhecida como sendo junto da casa do arguido, pessoa que eles já conheciam do exercício das suas profissões.
Relataram estas testemunhas que quando chegaram perto da entrada da casa do arguido, junto à estrada, se encontrava o ofendido e a sua companheira (pessoas que identificaram em sede de audiência de julgamento), sendo que o primeiro se encontrava a sangrar da boca e que logo lhes disse que havia sido agredido pelo arguido.
De relevo ainda disseram ter aconselhado o ofendido a ir ao Hospital para receber tratamento e que explicaram-lhe os procedimentos para que este fosse, se assim o entendesse, apresentar queixa. Nesta sequência disseram ter acompanhado o ofendido até ao Hospital de Viseu.
IV) Elementos clínicos de fls. 19, 20, 31 a 33, 51 e 52 dos autos;
V) Documento de fls. 84 quanto ao montante devido pela assistência hospitalar sofrida pelo ofendido;
VI) Declarações do arguido quanto à sua situação sócio-económica;
VII) Certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 135 a 138 no que concerne aos antecedentes criminais do arguido.
Da conjugação dos meios de prova acima referidos e regras de experiência comum, fica-nos a convicção da verificação dos factos que foram dados como provados, merecendo-nos total credibilidade a versão do queixoso porque corroborada pelos depoimentos das testemunhas acima citadas e pela objectividade dos elementos clínicos juntos aos autos.
Não nos mereceu credibilidade a versão do arguido que quis transmitir a ideia de que supostamente o ofendido teria sido agredido nessa noite, algures num café, e que o teria incriminado a ele na sequência de despedimento que havia sofrido.
A corroborar, de certa forma, esta versão, compareceram no tribunal as testemunhas B… e H…, ambas familiares do ofendido, cujos depoimentos não nos mereceram qualquer credibilidade pela forma incongruente, incoerente, contraditória e pela própria postura com que se apresentaram a depor onde, ostensivamente, quiseram beneficiar o arguido em detrimento do ofendido. Acresce que o depoimento da testemunha B… foi claramente contrariado pelos depoimentos prestados pelos militares da GNR que, tanto quanto se sabe, em nada beneficiam com uma eventual condenação do arguido.
Em face de toda a prova produzida não temos dúvidas em afirmar que estas testemunhas faltaram com a verdade em sede de audiência.
Por outro lado, também os depoimentos prestados pelo filho e esposa do arguido não nos mereceram credibilidade atenta a forma suficientemente parcial com que o fizeram. De resto e resumidamente as mesmas limitaram-se a negar ter visto qualquer agressão, negando ainda ter visto o ofendido ferido por qualquer forma.
Os factos que resultaram não provados resultaram da ausência de prova relativamente aos mesmos, sendo certo que o próprio ofendido afirmou em sede de audiência de julgamento que o arguido lhe deu apenas um murro.
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5. Do mérito do recurso:
5.1. Alterabilidade da matéria de facto:

5.1.1. Questão prévia:
No ponto de vista do Ministério Público, a matéria de facto vertida na sentença sob recurso não foi impugnada pelo recorrente nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (serão deste diploma as normas que se vierem a citar sem indicação de fonte).
Refere, em suma, o M.º P.º, na resposta ao recurso, que o arguido se limita a reproduzir a parte dos depoimentos nos quais tem interesse, não indicando, porém, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ou as provas que impõem decisão diversa ou ainda as provas que devem ser renovadas. «E muito embora transcreva (muito parcialmente) alguns dos depoimentos produzidos em audiência, não indica ou especifica as concretas passagens em que funda a impugnação da matéria de facto dada como provada, limitando-se a transcrevê-los, para concluir, sem mais, que há duas versões contraditórias (a do ofendido e a do arguido) e que a prova produzida em audiência não era de molde a concluir-se que o arguido praticou os crimes que lhe vinham imputados». Acrescenta ainda o Magistrado do M.º P.º que o arguido não efectuou as especificações previstas na alínea b) por referência aos suportes técnicos usados na gravação em audiência, não se reportando sequer ao que ficou consignado em acta.
Afigura-se-nos que estas objecções têm toda a razão de ser, porquanto retratam as deficiências de que padece a petição recursória, quer ao nível da motivação quer no plano das conclusões extraídas daquela.
É o que passamos desde já a demonstrar.
Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal (redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorrectamente provados e não provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4).
A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação expressa do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente, tanto a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.

Diz, a propósito, o Sr. Desembargador Sérgio Gonçalves Poças, «como o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas (…) apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo (…).

Assim, nesta especificação – as palavras valem – serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão».

(…)

Assim, se, v.g. o tribunal a quo deu como provado no ponto 2 da matéria de facto (provada) que “o arguido tinha no bolso do casaco 20 gramas de heroína”, se o recorrente entende que este facto foi incorrectamente julgado (que deveria ter sido dado como não provado), tem, no mínimo, de dizer clara e expressamente sob o título de “Pontos de facto incorrectamente julgados”: 1. Toda a factualidade descrita no ponto 2 da matéria de facto provada». Revista Julgar, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.º 10, Janeiro-Abril de 2010, págs. 31 e 32.

Por outro lado, a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova. Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação.

Ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.

Nesta vertente, o recorrente, a par da indicação das concretas provas, há-de proceder de uma das seguintes formas:

- Reproduzir o conteúdo da prova que, para o fim em vista (impugnação dos concretos pontos de facto), considere relevante;

- Expôr, ainda que em súmula, os segmentos pertinentes das declarações/depoimentos; ou

- Situar objectivamente o segmento da declaração/depoimento em causa por referência a específicas circunstâncias ocorridas, servindo aqui de exemplo a pontual situação aludida, a igual título, no estudo acima referido: o recorrente dirá: «a passagem do depoimento da testemunha B quando responde pela 1.ª vez ao Senhor Procurador».

«Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado» Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135..

Na verdade, as menções exigidas pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Cotejando as conclusões e a própria motivação do recurso interposto pelo arguido D..., vê-se claramente que em nenhuma parte surgem expressamente individualizados, como acima explicitado, os factos que o recorrente tem por indevidamente julgados, por referência à factualidade dada como provado pelo tribunal de 1.ª instância.

Apenas em relação a curtas passagens das declarações do arguido, do demandante L... e da testemunha A…, e ainda quando da invocação singela da testemunha D..., surgem referências aos imputados crimes de ofensa à integridade física e ameaça, mas sem serem devidamente concretizados, na forma exigida na lei, reafirma-se, os concretos pontos de facto que o arguido considera incorrectamente julgados.

Mais ainda, da estrutura global da motivação parece ressaltar como desígnio, alternativo, do recorrente, o aditamento de novos dados de facto ao acervo factológico provado.

Neste conspecto, são elucidativos os seguintes extractos da motivação:

- Quando, genericamente, se reporta às declarações do queixoso/demandante L..., (fls. 307 dos autos), o recorrente escreve a final: «Refere ter sido o pai D...e o filho D...a baterem-lhe, um de um lado e outro do outro, o que nos induz a várias perguntas: (…) Qual o grau de participação de conduta de um e de outro? Qual das condutas lhe provocou os danos e ferimentos nos maxilares? Um? O outro? Os dois de igual modo? Não se fez qualquer prova a este respeito»;

- Na parte em que o recorrente impetra, alternativamente, a redução a metade dos valores indemnizatórios fixados na sentença, é dito: «Se por hipótese se atender na sua condenação, ainda assim, tal pedido deverá ser reduzido a metade, pois não se sabendo qual das condutas, se a agressão do pai, se a agressão do filho, foi a causadora» das lesões, «(…) em caso de dúvida, deve entender-se que ambas o foram de igual modo e, por conseguinte, a extensão dos danos, quanto ao arguido Daniel, deve ser aqui reduzida em metade» (cfr. fls. 307/308 dos autos).

Contudo, por aqui se fica o recorrente, não sendo, assim, suficientemente esclarecedor sobre os factos que, residualmente, pretende se erijam à condição de provados.

Mas não são só estas as deficiências patentes da motivação e das respectivas conclusões.

Antes da explanação das demais razões, importa dizer, previamente, que o recorrente, sem qualquer finalidade relevante que se vislumbre, juntou aos autos, conjuntamente com o recurso, um “auto” (fls. 311 a 442 do processo) que, sem prévia indagação, parece conter a transcrição integral da quase totalidade da prova oralmente produzida nas várias sessões de julgamento efectuadas (declarações do arguido e do demandante L... e depoimentos das testemunhas A…, D..., M…, L..., P... e C…).

No domínio da Lei n.º 59/98, de 25-08, impunha o artigo 412.º, n.º 4, do CPP, que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 se fizessem por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.

E como decorrida da lógica imediata da sequência dos procedimentos, só após a identificação, no recurso, dos suportes técnicos de gravação, haveria que proceder à transcrição do que fosse relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas dos elementos que se mostrassem previamente identificados e referidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação que se lhe impunha a referida norma do artigo 412.º, n.º 4.

A transcrição era um acto posterior que incumbia, não ao recorrente, mas ao tribunal efectuar (cfr. Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16-01-2003, in DR, I série-A, de 30-01-2003), nos termos e na medida delimitada previamente pelo recorrente, destinando-se a permitir (rectius, a facilitar) então ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada.

A lei n.º 48/2007, de 29-08, mudou radicalmente o regime de impugnação da matéria de facto e, entre outras alterações, afastou a transcrição da prova, no caso regra de utilização da gravação magnetofónica ou audiovisual (artigo 364.º, n.º 1, do CPP). A prova não deve ser transcrita, devendo o tribunal de recurso, uma vez cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, proceder ao controlo dessa prova por via da audição ou da visualização dos registos gravados (artigo 412.º, n.º 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 4).

Não vemos óbice legal a que o recorrente proceda, avulsamente, à transcrição parcial ou global da prova produzida em audiência, desde que, na motivação do recurso indique, nos termos acima expostos, as concretas passagens da prova que, à luz da sua análise crítica, impõem decisão diversa da recorrida, mais não seja, através da localização precisa, na “transcrição” efectuada, das ditas passagens.

Em determinado sector da sua motivação (fls. 307 dos autos) o recorrente, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, concretiza prova oralmente prestada em audiência [«depoimentos D...(filho) fls. …84 do auto fls. ...»], sem indicar, contudo, de nenhuma forma, qualquer passagem das declarações dessa testemunha. Na verdade, no modo como está feita a singela referência ora reproduzida, o recorrente acaba por remeter para a totalidade do texto da transcrição integral daquela testemunha, já que, como é dado ver, fls. 84 apenas contém os elementos identificativos da mesma.

Acresce ainda que, em relação ao imputado crime de ofensa à integridade física, o recorrente se limita, no corpo da motivação, à individualização de certos meios de prova (demandante e testemunha “companheira do ofendido”, para usar a expressão usada) e à indicação concretizada de brevíssimas passagens das declarações/depoimentos daqueles, e também à simples afirmação genérica: «As testemunhas do arguido, sua mulher e o filho ali presentes, nada viram».

Para além disso, quanto ao dito crime, em substância, o recorrente não explicita minimamente as razões porque as provas que indica impõem decisão diversa da recorrida. Apenas diz o que está escrito no final de fls. 302 e no início de fls. 303 e a fls. 306 e 307. A fls. 302/303, que a testemunha não presenciou nenhuma agressão. Nas outras folhas, tendo por base uma curta passagem das declarações do queixo/demandante, mais não faz do que invocar questões não suficientemente concretizadas no domínio fáctico, reveladas nas seguintes interrogações: «Porque não apresentou queixa contra» o filho do arguido; «Qual o grau de participação» do arguido e seu filho? «Qual das condutas lhe provocou os danos e ferimentos nos maxilares?».

Cingindo-nos às conclusões da motivação de recurso, é apodíctico que também aí, como não podia deixar de ser (como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP, as conclusões servem para resumir as razões do pedido, tendo de reflectir a matéria tratada no texto da motivação), o arguido incumpriu, manifestamente, o dever de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 24/10/2002 Processo n.º 2124/2002, in www.dgsi.pt. «(...) o labor do Tribunal da 2.ª instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida [art. 412.º, n.º 3, als. a) e b) do CPP].

Se o recorrente não cumpre aqueles deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência às provas e respectivos suportes».

De acordo com posição constante do Supremo Tribunal de Justiça, o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido Cfr. v.g., Acs. de 04-10-2006, proc. n.º 812/06-3.ª; 08-03-2006, proc. 185/06-3.ª; 04-01-2007, proc. n.º 4093-3.ª; e de 10-01-2007, proc. 3518/06-3.ª.. Daí que o artigo 417.º, n.º 3, do CPP, imponha o dever de convite tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”.

Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite Neste sentido, Ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, de 18-06-2002 (proc. n.º 101/02) - DR, II Série de 13-12-2002. .
Em suma, não estando invocado, nas conclusões de recurso, qualquer um dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, nem ele se divisando numa apreciação oficiosa, e não podendo este tribunal de recurso sindicar, pelas razões supra expostas, a decisão proferida sobre matéria de facto, o acervo factológico mostra-se definitivamente fixado nos precisos termos em que o tribunal de 1.ª instância o definiu.

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5.2. Destituída de fundamento se apresenta a residual alusão ao princípio processual in dubio pro reo, já que, de todo, não se antolha da fundamentação da decisão de facto – supra transcrita – qualquer estado de dúvida razoável, positiva, racional sobre o comportamento do arguido, impeditiva da convicção do julgador nos termos em que se revelou.
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5.3. O recorrente rotula a decisão recorrida de violadora do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP).

Porém, tal afirmação não tem razão de ser. A convicção do tribunal mostra-se apoiada nas provas produzidas, examinadas criticamente, de forma lógica e racional, à luz das regras da experiência comum, como inequivocamente resulta da fundamentação de decisão de facto, acima reproduzida.


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5.4. Estabelece o art. 143.º do Código Penal:
«1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
(....)».
O tipo objectivo do citado crime fica preenchido com a existência de qualquer ofensa no corpo ou na saúde.
São irrelevantes a dor ou o sofrimento causados, não relevando também os meios empregues pelo agressor, ou a duração da agressão Cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Coninbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 205..
Por ofensa ao corpo poder-se-á entender “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante” Idem..
Como lesão da saúde deve considera-se “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a; pertence a este âmbito toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” ibidem, pág. 207..
No que tange ao tipo subjectivo, exige-se o dolo em qualquer uma das suas modalidades (directo, necessário ou eventual).
O agente, tendo conhecimento de todos os elementos (descritivos e normativos) que constituem o crime de ofensa à integridade física, supra indicados - ou seja, de que o seu acto ofende o corpo ou a saúde de outra pessoa -, e sabendo que a sua conduta é proibida por lei, mesmo assim actua com intenção de realizar o facto tipicamente ilícito ou simplesmente aceitando o resultado como consequência necessária da sua conduta ou conformando-se com a eventualidade desse resultado.
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Por seu turno, dispõe o artigo 153.º do Código Penal (redacção resultante da revisão do Código levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15-03, o vigente à data dos factos em causa nestes autos):
«1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias».
No domínio Lei n.º 59/2007, de 04-09, ocorreram algumas alterações. Com relevo para o caso dos autos, verificou-se a transferência do anterior n.º 2 do artigo 153.º para a alínea a) do n.º 1 do novo artigo 155.º do CP, epigrafado de “Agravação”, disposição esta que se aplica, agora, tanto aos crimes de ameaça como de coacção.
Todavia, de um ponto de vista material, a revisão operada pela Lei n.º 59/2007 não alterou o tipo matricial de ameaça, ou seja, não modificou o que seja uma ameaça jurídico-penalmente relevante.
Como claramente se vê do texto da citada norma (lei antiga e lei nova), são elementos do tipo objectivo do crime de ameaças:

- O anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;

- Que esse anúncio seja adequado a provocar, na pessoa a quem se dirige, medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

São três as características do conceito de ameaça subjacente na previsão do referido tipo legal de crime: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.

O mal ameaçado tem de ser futuro, o que significa que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-ia diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal.

«Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só (...) que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa [art. 22.º-2 c)]» Taipa de Carvalho, Comentário Coninbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 343, § 7..

Indispensável é também que a verificação do “mal futuro” dependa da vontade do agente.

«Esta característica estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência» Taipa de Carvalho, idem..

Por outro lado, o mal objecto da ameaça tem de constituir, em si mesmo, um facto ilícito típico, que tanto pode assumir a forma de acção como de omissão.

Diversamente da primeira versão do CP/82 (em que era suficiente a ameaça da prática de um crime indeterminado), a versão resultante da revisão de 1995 restringiu a amplitude deste elemento, determinando que o crime, objecto da ameaça, tem de ser “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

Para preenchimento do tipo objectivo, exige-se também, como resulta óbvio da redacção do art. 153.º (“ameaçar outra pessoa”), que a ameaça chegue, independentemente da forma utilizada para o efeito pelo agente ameaçador, ao conhecimento do ameaçado. Assim não sendo, apenas haverá uma tentativa não punível, porquanto o crime de ameaças tem como limite máximo da moldura abstracta a pena de 2 anos de prisão (cfr. art. 23.º, n.º 1 do CP).

O crime de ameaças, após a versão de 1995 do CP, deixou de ser um crime de resultado e de dano e passou a ser um crime de mera acção e de perigo, não se exigindo presentemente, contrariamente ao que aconteceu no período de vigência do art. 155.º, n.º 1 do CP, versão originária, que a ameaça cause efectiva perturbação na liberdade do ameaçado ou que lhe cause medo ou inquietação, bastando que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de autodeterminação.

Perante a nova redacção conferida pelo legislador ao crime de ameaças, contida no referido art. 153.º, concluem Simas Santos e Leal-Henriques: «Como desde logo se alcança, parece-nos não se tratar agora, e ao invés do que sucedia no texto anterior, de um crime de resultado. Na verdade, enquanto no n.° 1 do art.º 155.º do texto de 1982 se exigia que o agente tivesse provocado no sujeito passivo receio, medo, inquietação ou lhe tivesse prejudicado a sua liberdade de determinação, agora basta que o agente se tenha servido de expediente adequado a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação. Assim, desde que a ameaça seja adequada a provocar o medo, mesmo que em concreto o não tenha provocado, verifica-se o crime» Código Penal Anotado, 2.º vol. pág. 185..
No mesmo sentido, pronuncia-se Taipa de Carvalho, ao escrever:
«§ 19 É necessário que a ameaça seja “adequada a provocar-lhe (no ameaçado, isto é, no sujeito passivo do crime de ameaça) medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”. Exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado (....). Deixou, assim, o crime de ameaça, após a Revisão de 1995, de ser um crime de resultado e de dano (art. 155.º do CP de 1982, antes da revisão de 1995: “Quem ameaçar (...), provocando-lhe receio, medo e inquietação, ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação”), passando a crime de mera acção e de perigo.
§ 20 O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “subcapacidades” do ameaçado). Assim, uma determinada ameaça pode, relativamente a um adulto normal, não ser considerada adequada (não adequação, segundo um critério exclusivamente objectivo), mas já o ser quando o ameaçado é uma criança ou uma pessoa com perturbações psíquicas (....). Uma vez que o actual crime de ameaça não exige, por um lado, a intenção do agente de concretizar a ameaça (....), nem exige a ocorrência do resultado/dano (....), e, por outro lado, exige que o mal ameaçado seja constituído pela prática de determinados crimes, a conclusão a tirar é a de que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado)» Ibidem, págs. 348 e 349..
Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, exige-se o dolo, que pode assumir as modalidades de directo, necessário ou eventual (art. 14.º do CP), bastando o carácter genérico do mesmo, traduzido na consciência (representação e conformação) por parte do agente da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo «irrelevante que o agente tenha, ou não, intenção de concretizar a ameaça» - Taipa de Carvalho, ob. cit. pág. 351, § 26.
Tratando-se in casu de um crime de perigo, o respectivo dolo de perigo pressupõe uma vontade conscientemente dirigida à ameaça concreta do respectivo bem jurídico, que “é a liberdade de decisão e de acção”.

No caso concreto, o arguido cometeu, inequivocamente, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física simples, porquanto, ofendeu o corpo do ofendido L..., agindo com o intuito conseguido de o molestar fisicamente, não obstante saber que a sua conduta não lhe era permitida por lei.
Simultaneamente, a conduta descrita no ponto 2. dos factos provados, do seguinte teor: o arguido disse a L... «que o havia de matar e que lhe passava o carro por cima (…), ao mesmo tempo que com o jipe avançava e recuava na direcção do ofendido», praticada logo após a consumação do acto de agressão física, constitui, sem margem para qualquer dúvida, ameaça adequada a provocar no visado medo, inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
E porque o arguido (cfr. ponto 8 do acervo factológico provado) sabia que as referidas expressões, atentas as circunstâncias em que foram proferidas – como se disse, depois de uma agressão física – eram adequadas a provocar receio e medo ao visado e a afectar a sua liberdade de movimentos e de autodeterminação e actuou querendo proceder da forma descrita, preenchido se mostra também o tipo subjectivo do crime em causa.
O dito crime é punido, quer na vigência da lei antiga quer no domínio da lei nova, com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa, já que o crime objecto da ameaça (contra a vida) é sancionado com pena de prisão superior a 3 anos.
Em suma, como bem decidiu o julgador da 1.ª instância, cometeu o arguido, em autoria material e concurso efectivo, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do CP, e um crime de ameaça, p. e p. no artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo corpo normativo.

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5.5. Resulta dos fundamentos do recurso, supra reproduzidos, que a pretensão, alternativa, do recorrente, de ver reduzido a metade o valor em que se situou a condenação relativa aos pedidos cíveis deduzidos neste processo, assenta apenas na sugerida, e não aceite, alteração da matéria de facto.
Pelo que, mantendo-se os pressupostos de facto que determinaram a condenação do arguido nesses pedidos, soçobra, também nesta parte, o recurso.
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6. Face à improcedência do recurso, incumbe ao arguido/recorrente o pagamento de custas, ao abrigo do disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais.

Tendo em conta o grau de complexidade do processo e a condição económica do arguido, fixa-se em 4 UC a taxa de justiça.


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III. Dispositivo:
Posto o que precede, os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelos arguido/recorrente, sendo a taxa de justiça de 4 UC.

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[Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, o primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPP]

Coimbra, 14 de Julho de 2010

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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)