Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/15.5PEFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 01/17/2018
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 35.º, 40.º, 200.º E 213.º DO CPP
Sumário: I – A aplicação de medidas de coacção que podem gerar impedimento não corresponde às medidas de coacção que importam revisão periódica trimestral da verificação da manutenção dos pressupostos que as determinaram.

II - A revisão (reexame) dos pressupostos, obrigatória cada 3 meses, reporta-se apenas às medidas de coacção prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, ou seja, as medidas de coacção previstas nos arts. 201.º e 202.º do CPP (que não a medida do art. 200.º também abrangida pela al. a) do art. 40.º).

III - Assim que, a reapreciação dos pressupostos [da aplicação da medida prevista no art. 200.º] não resultou de imposição legal, mas sim do facto de a ofendida trazer ao processo factos que poderiam consubstanciar violação das obrigações impostas.

IV – Sendo necessário analisar a situação do que se havia passado que determinou a aplicação da medida de coacção, e analisar se ocorreram factos (alegados pela ofendida) que teriam violado as obrigações impostas.

V - A reapreciação da medida em função de factos novos ocorridos consubstanciadores da violação da obrigação de não contactar com a vítima implica a reanálise de toda a situação e reavaliação da mesma para se decidir se é de manter a medida de coacção ou é de impor outra ou outras das previstas no código e admissíveis no caso.

VI – O que gera impedimento de prosseguir com o processo – art. 40 al. a) do CPP.

Decisão Texto Integral:





O Magistrado do Ministério Público junto do Juízo Local Criminal da Figueira da Foz veio suscitar o presente conflito de competência porque:

A srª. Juiz do Juízo Local de Montemor-O-Velho, da Comarca de Coimbra, no âmbito dos autos de processo comum singular, Proc. n.º 40/15.5PEFIG-B.C1, na qualidade de juíza substituta (despacho de fls. 51 a 54) declarou-se incompetente para os termos subsequentes do processo) por entender que competente, por não se verificar motivo de impedimento, é a srª. Juiz do Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, a qual se havia declarado impedida para presidir à audiência de julgamento, face ao disposto no art. 40 als. a) e d), do CPP.

Foram notificados os sujeitos processuais nos termos do artº 36º nº 1 CPP.

Apresentou resposta a srª Juiz do Juízo Local de Montemor- o-Velho, remetendo para as razões alegadas no despacho em que se declarou incompetente.

Respondeu também o arguido que sustenta dever ser declarado o impedimento da Sr.ª Juiz e, declarada competente para a tramitação processual a srª juiz substituta.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto é de parecer que deve ser declarado o impedimento da Sr.ª juiz do Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, o que equivale por dizer que competente para os termos processuais posteriores é o juiz substituto.


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FUNDAMENTAÇÃO:

Historiando verifica-se que:

Nos presentes autos foi aplicada ao arguido medida de coacção que, além do mais, proibia o arguido de contactar, por qualquer meio, com a ofendida.

Porque entendeu que houve violação dessa proibição, a ofendida apresentou requerimento ao processo em que relatava a situação.

Por isso, o Mº Pº promoveu a audição do arguido para que fosse ponderada a eventual alteração do estatuto coativo.

Foi efetuado auto de interrogatório complementar, e no final decidido manter as medidas de coacção, reforçando-as com uma advertência solene ao arguido para a necessidade de cumprimento escrupuloso da medida de coação de proibição de contactar a ofendida. E a final a Sr.ª juiz declara-se impedida para efectuar a audiência de julgamento e ordena que os autos sejam conclusos à Sr.ª juiz substituta.

A srª juiz substituta recebe o processo e reagenda a audiência de julgamento, por despacho de 11-09-2017.

Desconhecendo-se neste apenso o motivo pelo qual não se efectuou o julgamento e, em 12-10-2017 é dado conhecimento que havia falecido o defensor constituído, sendo notificado o arguido para constituir novo defensor.

Por despacho de 2-11-2017 (por ordem verbal) é proferido o despacho de fls. 51 e seg. no qual a srª juiz substituta se declara incompetente, por entender que não se verifica fundamento de declaração de impedimento da srª juiz titular do processo.

Na sequência foi suscitado o presente conflito.

A questão é, saber se há fundamento de impedimento da Sr.ª juiz titular do processo e os trâmites processuais devem ser prosseguidos pala Sr.ª juiz substituta ou, não se verifica esse fundamento de impedimento e, respeitando o princípio constitucional do juiz natural, deve ser a Sr.ª juiz titular a prosseguir com o processo.


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Com o presente conflito negativo de competência, pretende-se saber qual o JUIZ COMPETENTE para a tramitação processual subsequente.

É manifesto que não nos deparamos com um verdadeiro conflito negativo de competência, tendo em conta que este, de acordo com o disposto no art. 34, do CPP, só ocorre quando dois ou mais tribunais de diferente ou da mesma espécie se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido.

A questão concreta reporta-se a um impedimento de carácter pessoal invocado pela srª juiz do Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, sendo que bastaria a simples circunstância de haver a mudança de magistrado daquele tribunal para desaparecer o motivo legal de impeditivo de intervenção no processo.

            Enquanto numa situação de conflito, conflituam entre si tribunais e não as pessoas que exercem o cargo, in casu há que decidir é se há real motivo de impedimento e, em tal situação “transferir” o processo para o substituto do impedido (não se questiona que se seja substituto, mas apenas que não há motivo justificado para fazer funcionar o regime de substituição). Urge pôr termo à situação e decidir quem deve tramitar o processo.

Vejamos.

A Sr.ª juiz substituta fundamenta bem o seu despacho onde se declara incompetente, historiando a evolução legislativa do preceito que consagra as causas de impedimento por participação em processo. Labora no entanto em erro que lhe resulta da jurisprudência e doutrina que consultou.

Reportando-nos à redacção actual e que é a aplicável é, temos como unânime o entendimento de que releva para a norma da al. a) do art. 40 do CPP a determinação das medidas de coacção enunciadas mas não a decisão de manutenção das mesmas.

Assim, a questão primeira é a de saber se in casu estamos perante uma decisão de manutenção da medida de coacção, sem mais, ou se há uma reapreciação da medida de coacção aplicada em função de factos novos invocados.

No caso concreto, em 1º interrogatório a medida de coacção aplicada foi: sujeição a TIR, a prestar de imediato, e ainda proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendida.

E no interrogatório complementar ora em causa foi decidido sujeitar o arguido a prestação de TIR (já prestado) e ainda a proibição de contactar com a vítima, aqui reforçando e advertindo solenemente a necessidade de cumprimento escrupuloso da medida de coacção de proibição de contactar com a vítima.

Mas há que ter em conta que a aplicação de medidas de coacção que podem gerar impedimento não corresponde às medidas de coacção que importam revisão periódica trimestral da verificação da manutenção dos pressupostos que as determinaram.

É que a medida de coação aplicada não implica a necessidade de reexame oficioso periodicamente nos termos previstos no art. 213 do CPP. A revisão (reexame) dos pressupostos, obrigatória cada 3 meses, reporta-se apenas às medidas de coacção prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, ou seja, as medidas de coacção previstas nos arts. 201 e 202 do CPP (que não a medida do art. 200 também abrangida pela al. a) do art. 40).

O legislador sempre determinou a obrigatoriedade de revisão trimestral dos pressupostos da aplicação da medida de coacção descrevendo quais as medidas aplicadas que devem ser revistas, primeiramente reportando-se à execução da prisão preventiva e, com a alteração de 2007 adicionando a obrigação de permanência na habitação (e só estas).

E nesta matéria, a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção das suas vítimas, nada acrescenta.

Assim, que a reapreciação dos pressupostos não resultou de imposição legal, mas sim do facto de a ofendida trazer ao processo factos que poderiam consubstanciar violação das obrigações impostas, como previsto no art. 203 do CPP.

Assim que a srª juiz que efectuou a diligência (interrogatório complementar) não se podia cingir à alegação de que não tinha havido alteração dos pressupostos que determinaram a aplicação de medida de coacção e esta se mantinha, mas antes teria de analisar a situação do que se havia passado que determinou a aplicação da medida de coacção e, analisar se ocorreram factos (alegados pela ofendida) que teriam violado as obrigações impostas.

Assim, não se pode atender à diferenciação entre aplicação ou determinação de uma medida de coação e mera manutenção dessa mesma medida de coação.

 Nem se pode dizer como alguma jurisprudência e doutrina (Ac. da Rel. Co. de 10-12-2014, proferido no proc. nº 248/13.8JACBR-C.C1, Ac. da Rel. Guim. de 3-07-2017, proferido no proc. nº             142/14.5JELSB.G1 e, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – UCE, 2ª ed., pág. 119) que o juiz que procede ao reexame das medidas previstas nos art. 200º a 202º do CPPenal, não fica impedido de intervir no julgamento do caso, porque a medida do  art. 200 não está prevista no art. 213.

Assim, haverá o «comprometimento decisório sobre a matéria da causa e o objecto do processo» que gera o impedimento de quem decidiu.

Gera impedimento de prosseguir com o processo quem tiver aplicado medida de coação prevista nos arts. 200 a 202 – art. 40 al. a) do CPP.

In casu, como não se trata de reexame não se pode considerar o entendimento jurisprudencial de que a decisão que procede ao reexame dos pressupostos das medidas de coacção não tem «a densidade qualitativa da decisão que aplica a medida».

E a reapreciação da medida em função de factos novos ocorridos consubstanciadores da violação da obrigação de não contactar com a vítima implica a reanálise de toda a situação e reavaliação da mesma para se decidir se é de manter a medida de coacção ou é de impor outra ou outras das previstas no código e admissíveis no caso.

Assim que entendamos que inexiste «uma menor intensidade qualitativa da intervenção que não coloca em causa a imparcialidade do juiz de julgamento» e que foi o fundamento da opção do legislador de afastar do campo de aplicação do artigo 40 do C.P.P. no caso de reexame dos pressupostos ao abrigo da imposição do art. 213.

Como refere o Ac. do STJ de 12-05-2004, proferido no proc. nº 04P257, “A norma constante do artigo 40º do CPP, como resulta da função que lhe é assinalada e das consequências processuais que envolve a respectiva violação, bem como pela sistemática da sua inserção, pretende garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integridade da função jurisdicional. Na medida da intensidade da intervenção processual anterior que considera como factor de impedimento, fixa o quadro de referências que o legislador supõe como suficientemente fortes para que a imparcialidade pudesse ser posta em causa - e, por isso, a consequência e os efeitos processuais que determina, previstos no artigo 41º, nº 3, do CPP: «os actos praticados por juiz impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo».

A imparcialidade do juiz (e, por isso, do tribunal), constitui uma garantia essencial para quem submeta a um tribunal a decisão da sua causa”.

Por tudo o exposto, temos que se verifica situação de impedimento da srª juiz do Juízo Local Criminal da Figueira da Foz pelo que competente para a tramitação processual, incluindo a realização da audiência de julgamento é a Sr.ª juiz substituta.


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DECISÃO:

Pelo exposto dirime-se o presente conflito negativo:

-Julgando-se competente para a tramitação do processo o Sr. Juiz substituto do sr. juiz do Juízo Local Criminal da Figueira da Foz – Comarca de Coimbra.

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no artº 36º nº 3 CPP e, dê-se conhecimento à Ex.ª Sr.ª Juiz Presidente da Comarca de Coimbra.

Coimbra, 17-01-2018

Jorge Dias (presidente da 3.ª Secção Criminal)