Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3029/08.7TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
PARTE SOBRANTE
Data do Acordão: 11/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.8, 23, 25, 26, 29 C.EXP.
Sumário: I. Em expropriação litigiosa, considerando a suposta competência técnico-científica dos peritos em matéria normalmente avessa ao conhecimento das partes e do juiz, a sua posição maioritária – maxime se esta maioria integrar os nomeados pelo tribunal, porque maior imparcialidade conferem ao laudo – apenas pode ser infirmada se elementos probatórios irrefutáveis assim o impuserem.

II. Se, ex vi da presença dos legais requisitos previstos no artº 25º nº2 al. a) do CE, a parcela expropriada dever ser classificada como solo apto para construção, a tal título deve ser indemnizada, mesmo que nela estejam já edificadas construções que, momentaneamente, se aproximem, ou mesmo esgotem, o índice de construção previsto no instrumento administrativo respectivo (PDM).

III. Para determinação do custo da construção, deve atender-se, liminar, primacial e preferentemente, ex vi do disposto no artº 26º nº5 do CE, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, apenas tais critérios podendo ser postergados ou mitigados se tal se revelar necessário para a consecução da justiça do caso, posição que imporá cabal e convincente justificação.

IV. A indemnização da parte sobrante apenas emerge se esta sofrer uma afectação que acarrete uma lesão efectiva e relevante dos direitos ou interesses do expropriado, o que poderá acontecer, vg. se ela não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, ou se os cómodos assegurados não tiverem interesse económico, determinado objectivamente.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

E.P. – Estradas de Portugal, S.A. instaurou processo de expropriação relativamente a prédio em que figura como expropriada  A (…) Lda.

1.1

Procedeu-se em 30.05.2006, à vistoria “ad perpetuam rei memoriam”.

Em Julho de 2007, os árbitros nomeados, procederam à arbitragem fixando, por unanimidade, em € 6.716,87 a indemnização a atribuir à proprietária/expropriada.

Classificando o solo como apto para construção, foi calculado o valor do terreno, a desvalorização da parte sobrante e as benfeitorias, relativamente à expropriada.

Notificados a expropriante e a expropriada, ambos apresentaram recurso da decisão arbitral.

A expropriante alegou, em síntese, que:

- O solo só pode ter o valor previsto como logradouro;

- A Portaria n.º 1152/2006 foi mal aplicada devendo ser substituída pela Portaria n.º 232/2005, que atribui um valor para o preço da área bruta, menor.

- Os cálculos do valor do terreno devem ser feitos tendo por base o valor da construção bruta e não útil.

- Deve ser aplicada uma percentagem de 5% para o custo do reforço da infra-estruturas, de acordo com o artigo 26º, n.º 9 do Código das Expropriações.

- Deve ser aplicada uma percentagem de 10% como factor de risco nos termos do artigo 26º, n.º 10 do mesmo diploma.

- A vedação e o muro existentes no local devem ter um valor unitário de € 25,00/m2.

- Não há lugar a indemnização quanto ao furo artesiano.

- Não deve ser considerada qualquer depreciação do valor da empresa por alegadas dificuldades de acesso.

Conclui pedindo que o valor da indemnização seja fixado em € 1658,90.

A expropriada alegou, em síntese, que:

- A área da parcela a expropriar é de 112 m2 e não de 102 m2.

- Foi feita uma errada interpretação do artigo 26º porquanto o factor correctivo deverá ser de 0%.

- De acordo com o artigo 26, n.º 6 do CE, a percentagem valorativa deve ser, no mínimo, de 12%.

- De acordo com o artigo 26º, n.º 5, o valor de construção deverá ter em conta a área da cave.

- De acordo com o artigo 26º, n.º 7, al. a), e) e i), o factor de incidência total deve ser de 15,5% e não de 14,5%.

- As benfeitorias não foram correctamente avaliadas porquanto o custo do furo artesiano é superior, a mudança dos reclamos luminosos é superior, o custo dos muros de vedação é superior e o prejuízo comercial da expropriada também é superior ao que foi fixado.

- O custo de reposição do jardim não foi contemplado correctamente.

Conclui pedindo que a indemnização seja fixada no valor de € 19 462,52.

1.2.

Procedeu-se à peritagem

Os peritos, com excepção do perito nomeado pela expropriante, fixaram a indemnização a atribuir em € 14.798,33.

O perito nomeado pela expropriante fixou o valor de € 4688,79.

2.

Finalmente foi proferida sentença que:

a) julgou improcedente o recurso interposto pela expropriante;

b) julgou procedente o recurso da expropriada e, em consequência, fixou em € 14 798,33 (catorze mil setecentos e noventa e oito euros e trinta e três cêntimos) o montante da indemnização devida.

3.

Inconformada recorreu a expropriante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 - Da vistoria ad perpetuam rei memoriam não constam estas infra-estruturas, nem tão pouco foram consideradas pelos árbitros, nem pelos peritos, não existindo por conseguinte à data da DUP, nem hoje.

2 - Não ficou provado que o proprietário confinante tenha cedido área, uma vez que esta já pertencia ao domínio público (cfr. confrontações da certidão da Conservatória e imagens do laudo do perito nomeado pela expropriante).

3 - No que respeita a área non aedificandi existente à data da DUP, importa esclarecer que a faixa non aedficandi não nasce com a expropriação mas unicamente passa da posição inicial para a nova posição após a expropriação, pois esta faixa já existia antes daDUP.

4 - Na verdade, a faixa non aedficandi existente foi deslocada mais para o interior da propriedade com a construção, pelo que não condiciona porque já condicionou por altura da construção existente, não condicionando após a expropriação porque já se encontrava esgotada a construção possível.

5 — Por outro lado, não houve qualquer projecto urbanistico, pois foi construído no artigo matricial existente, pelo que não foi feita qualquer cedência urbanística porque também não houve projecto urbanístico, caso contrário os senhores peritos tinham que quantificar os custos da urbanização e deduzir à avaliação.

6 - A estrada existente já pertencia à Câmara Municipal à data da DUP, conforme o
protocolo de entrega que o perito nomeado pela expropriante adicionou, logo
SSOU a
aplicar-se as regras dos afastamentos obrigatórios previstos no PDM, ou seja, de 10 a 15
m de largura, ao longo da estrada, onde não é possível edificar (zona
nona aedficandi).

7 - Motivo pelo qual, e bem, o perito nomeado pela expropriante considera que o solo deve ser avaliado como solo para outros fins, pois que não é passível de ser erigido.

8 — Não correspondendo, assim à realidade o que é dito pelos peritos do laudo
maioritário quando afirmam que a oneração
non aec4flcandi procede unicamente sobre a
área sobrante (após expropriação), pois à data da DUP já impendia sobre a propriedade
a faixa
non aedificandi imposta pelo PDM, da autoria da Câmara Municipal.

9 - Não se apresenta, assim, como correcto o afirmado pelos peritos do laudo majoritário em que alegadamente a faixa non aedzficandi só existe após a DUP, quando já existia antes, não tendo dado qualquer importância a esse facto.

10 - Como se demonstra pela documentação apresentada, a construção existente já tinha esgotado o índice de construção bruta previsto no PDM.

11 - O índice de construção bruta previsto, adoptado por todos os peritos e aceite pelo tribunal é de 45% ou seja de 0,45 m21m2; o perito nomeado pela expropriante diz que na propriedade, pelas medições que fez, se encontravam cerca de 450 rn2 de armazéns mais 200 m2 da habitação, sendo no total 650 m2; os restantes peritos vêm dizer, nos esclarecimentos, que se encontravam construídos 312 rn2 de armazém quando na certidão da Conservatória se encontram 324 m2 de armazém, dizendo ainda que existe um anexo de 160 m2 e uma habitação de 70 m2. Com estes dados teríamos um total de 554 m2 (324 + 160 + 70); mas não foram correctos os peritos quando dizem que a habitação tem 70 m2 no primeiro andar, esquecendo-se do RJC que também é habita.ç como bem demonstra a foto (imagem 2) adicionada pelo perito nomeado pela expropriante. Assim, a habitação não tem unicamente 70 m2 no primeiro andar, mas cerca de 200 m2, sendo 130 m2 no R/C e 70 m2 no primeiro andar, pois que é bem visível pela citada foto que o primeiro andar se encontra bastante recuado em relação ao R/C (bem visível o telhado bastante extenso a cobrir parte do RJC); nesse sentido, as áreas ocupadas com construção no prédio são de cerca de 684 m2 (324 m2 registados + 160 m2 de anexos + 200 m2 de habitação); demonstra-se desta forma que o prédio se encontrava ocupado numa percentagem de 48,5% ou índice de 0,485 m21m2 (684 m2 /14 10 m2 de área do prédio), superior ao índice 0,45 m2/m2 previsto no PDM, pelo que se encontrava esgotada a construção possível na propriedade.

12 - Se o solo da parcela não reunia condições jurídicas para ser edificado, por já. ter contribuído para a construção existente, e se se encontrava onerado antes da DUP por uma faixa non aedficandi, não pode ser considerado apto para construção, mas solo para outros fins, ou no limite, como um simples logradouro que era, ocupado com jardim.

13 - Se for considerado como um logradouro da habitação existente, e dado que já
contribuiu para a construção existente não sendo possível, continuar a edificar na área
expropriada, esta área tem obrigatoriamente um valor inferior ao solo onde a construção
é possível.

14 - Nesse sentido, entendemos que a avaliação defendida pelo perito nomeado pela expropriante, na parte em que calcula a parcela como apto para construção, mas com valor de simples logradouro, é a que se encontra mais bem iijndarnentada.

15 - Relativamente ao índice aplicado, efectivamente o índice é de 0,45 m2/m2 para toda a construção bruta, tendo sido aceite pelo tribunal.

16 - A construção tem que ser considerada normal, como a que existe, e não excepcional sem ter a certeza que seja possível pelas condições fisicas do solo e jurídicas dos planos de ordenamento, sendo por isso o índice de 0,45 m21m2 aplicável unicamente à construção bruta acima do solo, como foi aceite pelo tribunal.

17 - Relativamente ao valor da portaria, é incorrecto aplicar uma portaria que se destina ao cálculo da renda condicionada em avaliações de solos.

18 - O perito nomeado pela expropriante, explicou detalhadamente a sua opção pela portaria n.° 90/2006, de 27 de Janeiro, que determina que “É fixado em € 492,00 o custo médio da construção por metro quadrado, para efeitos do artigo 39.° do CIIVII, para vigorar em 2006”.

19 - No que diz respeito às benfeitorias entendemos que se encontram exageradas as que foram calculadas pelos peritos do laudo majoritário.

20 - Vejamos, ainda hoje o preço do metro linear do furo artesiano é de 30€Im, sendo obviamente inferior à data da DUP.

21 - A deslocação do portão, como fica provado, só afectou um pilar, sendo que os restantes peritos colocaram o valor dos dois pilares.

22 - Quanto às restantes benfeitorias entendem-se como mais correctas em valores unitários os que foram estipulados pelo perito nomeado pela expropriante.

23 - Assim o valor total das benfeitorias é de 3.868,19 €.

24 - Relativamente à sobrante, não se entende que existam razões para desvalorização da parte sobrante, pois que o que foi subtraído na parcela, e que fica comprovado, é unicamente uma parte do jardim (observável nas imagens adicionadas pelo perito nomeado pela expropriante), não tendo sofrido alteração rio estacionamento conforme a resposta dada ao quesito 12 do expropriado na vistoria aprrn.

25 - Também é falso que o parque tenha ficado reduzido pela deslocalização do portão, que a expropriação, como fica provado e demonstrado com as imagens adicionadas pelo perito nomeado pela expropriante, unicamente afectou a parte de jardim. Pelo exposto não se entende haver motivos para desvalorizar a parte sobrante que dos 1410 m2 foi retirado unicamente 102 m2, ou seja 7% da área.

26 — Por tudo exposto, entende-se como mais correcto o valor calculado pelo perito nomeado pela expropriante, valorizando o espaço em 30% por se tratar de uma pequena parte do logradouro, ocupado por jardim, num total de 820,60 € conforme o cálculo que se apresenta.
Ap x Ic x Ccxlv x Ri x Rc xL =
102 m2 x 0,45 x 492,00 €1m2 x 0,15 x 0,95 x 0,85 x 0,3 = 820,60€

Sendo: Áp Área da parcela Ic Indice de construção Cc custo da construção Iv—Indice do valor no solo (9 + 1,5+1 + 1,5+1 + 1,.) =15%

Contra-alegou a recorrida pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Alteração da decisão sobre a matéria de facto no que tange às infra-estruturas do prédio.

Não consideração do solo como apto para construção por nele já ter sido esgotada a capacidade de construção.

Determinação da lei aplicável para fixar o custo de construção.

Determinação do valor das benfeitorias.

Não desvalorização da parte sobrante.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Assiste razão à recorrente, posto que “apenas”, na vertente formal-factual.

Efectivamente, nem na VAPRM, nem na arbitragem é feita, por reporte à parcela em causa, qualquer referencia às seguintes infra-estruturas:

b)-passeios em toda a extensão do arruamento e do lado da parcela;

f) Rede de drenagem de àguas pluviais com colector em serviço junto da parcela;

g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento em serviço.

h) rede distribuidora de gás junto da parcela.

Certamente que a consideração de tais factos na sentença pelo julgador se deveu à constatação, no capítulo IV, ponto 1 do relatório pericial, de os Srs. Peritos terem plasmado que:

 «junto à parcela existem as seguintes infra-estruturas, com características para servir diversas edificações».

(sublinhado nosso)

Seguindo-se depois as alíneas a) a i).

Porém, se bem se atentar, tais alíneas correspondem na integra e reproduzem  quase ipsis verbis, o teor  nº 7 do artº26º do CE que,  desde logo na sua epigrafe, rege quanto ao calculo do valor do solo apto para construção, rectius, no que a tal segmento tange, o decorrente das infraestruturas urbanísticas nele ou junto dele existente.

De tal se retira que os peritos, usam, o teor de tal segmento normativo como referencia, ou seja, por norma (por defeito) para todos os casos sobre que são chamados a pronunciar-se.

Especificando depois relativamente a cada alínea se a infra-estrutura a ela respeitante existe, ou não, na parcela de cada caso concreto.

Foi o que se passou no caso que nos ocupa.

Pois que relativamente às alíneas supra referidas, à frente de cada uma delas (e apenas delas, que não das restantes) escreveram, entre parêntesis, o termo “inexistente”, realçado, seja: “(inexistente)”.

Dúvidas não restam, pois, que tais infra-estruturas não existem na parcela.

E se algumas houvessem, elas ficam dissipadas pelo facto de, posteriormente, no mesmo relatório pericial, no capitulo IX, pontos 5 e 6, na concretização das percentagens para o calculo do valor do terreno, depois de atribuírem a percentagem de 11% no âmbito do nº6 do artº 26º do CE, ao mesmo somaram apenas a percentagem de 6% respeitante às infra-estruturas do seu nº7, num total, assim, de 17%..

Ora, se se atentar na percentagem global para todas as infra-estruturas nele constantes, conclui-se que, in casu, a percentagem de 6% fixada corresponde a todas – num total de 10% - elas, menos as referidas nas alíneas b), f) e g) – num total de 4% - as quais, assim, in casu, não foram consideradas, precisamente porque foram tidas como inexistentes.

E, como supra se adiantou, a questão é mais meramente formal e factual, do que, essencial e determinantemente,  jurídico/substancial.

Pois que, não obstante na sentença se terem incluído os factos atinentes aquelas alíneas, na determinação do valor da parcela foi acolhida, na íntegra, incluindo quanto à percentagem  de 6%dimanante do nº7 do artº 26º, a posição dos Peritos.

Logo a inclusão de tais factos não afectou, na economia do entendimento plasmado na sentença que acolheu os dados fornecidos pelos Peritos, o valor indemnizatório a final arbitrado, mostrando-se, destarte, irrelevantes ou, no mínimo, inócuos.

Porém, em abono e homenagem à prova feita no processo importa eliminá-los do acervo factual apurado.

5.1.2.

Refere ainda a expropriante que não ficaram provados os factos constantes dos pontos 26, 36 e 37, a saber:

26. A parte sobrante da parcela, para além do acesso pelo caminho existente a sul, continuará a ter um acesso a partir da Estrada Municipal 597 mas de um modo mais dificultado e para o efeito, teve que obter a autorização e compreensão do proprietário do terreno contíguo, que é a Junta de Freguesia Local.

36. A parte sobrante ficou com alguma dificuldade na entrada e saída de viaturas para a carga e descarga de material ligado à actividade comercial que se exerce no edifício aí existente.

37. O parqueamento ficou reduzido por força da deslocalização do portão de entrada.

Quanto ao primeiro diz que não ficou provado que o proprietário confinante tenha cedido área, uma vez que esta já pertencia ao domínio publico.

Quanto ao segundo porque, expende, nunca foram reclamadas e provadas tais dificuldades.

Quanto ao terceiro porque o que faz reduzir a área do prédio é a área ocupada pela expropriação e não a deslocalização do portão dado que este fica sempre no limite da propriedade, tendo sido unicamente afectado parte do jardim.

Não procede esta sua pretensão.

5.1.2.1.

Primus, porque tais factos foram dados como assentes com base no laudo de quatro peritos, incluindo os três indicados pelo tribunal.

Ora como é consabido, mas nunca é demais repeti-lo, no processo expropriativo litigioso a peritagem, como meio probatório, revela-se essencial.
Aliás tal meio probatório, para além de relevante, revela-se necessário e indispensável, porque legalmente obrigatório.
Obrigatório porque a lei parte do princípio que tal prova, a incidir sobre factos, se destina a elucidar o tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a sua natureza e complexidade técnica exijam conhecimentos e apetrechos técnico-científicos especiais que escapam ao juiz, pelo que se impõe o seu contributo para uma decisão justa e conscienciosa.

E ainda que tal meio probatório não vincule inexoravelmente o julgador certo é que constituem doutrina e jurisprudência uniformes que pelo respeito devido aos conhecimentos técnico-científicos dos peritos, apenas perante uma prova clara, cabal e inequivocamente orientada em sentido diverso do por eles propugnado, -maxime se por unanimidade - ou perante a constatação de erro seu ou lapso manifesto ou adopção de critério inadmissível, se poderá contrariar a sua fundamentação e  suas conclusões. – cfr. Acs. da Relação de Lisboa de 17.10.1996, dgsi.pt,p.0074676 e de 15-04-99 CJ, II, 102, Ac. do STJ de 26.09.1996, BMJ, 459º, 513.
Não se vislumbra ser o caso dos autos pelo que a posição dos peritos maioritários pode, e, até, deve, ser acatada.

Na verdade, este laudo maioritário não é infirmado por outros elementos probatórios, para além do que foi dito pelo seu perito.

Mas, como é obvio e atenta a ligação deste à expropriante, a  sua posição tem de ser interpretada e valorada cautelosamente, cum granno sallis, e apenas pode ser aceite se for corroborada por outros elementos probatórios, ou, na melhor das hipóteses, se não for por eles contrariada.

Efectivamente e por razões várias, algumas das quais reportadas ao foro subjectivo do sub-consciente do próprio interveniente e, assim, quasi por este não interiorizadas – e sem com isto se querer bulir com a sua, aliás presumida, competência e imparcialidade –tal ligação, como é intuitivo, clama a prudente e cautelosa apreciação e valoração das suas posições.

Não sendo, aliás, por acaso, que a lei exige um composição maioritária da peritagem por peritos nomeados pelo tribunal oriundos de lista oficial.

5.1.2.2.

Secundus porque os argumentos aduzidos pela recorrente não convencem.

No que tange ao facto do ponto 26 há que notar que nele não consta que o proprietário confinante – o qual a recorrente nem sequer identifica, mas que se presume que seja a Junta de Freguesia – tenha cedido qualquer área para facilitar o acesso à expropriada.

Mas apenas – e nem sequer expressamente do aqui provado, mas apenas numa interpretação possível do expressado neste ponto -  que facilitou a passagem. Ora tal facilitação pode efectivar-se por diversas formas, que não por uma cedência – definitiva, se bem interpretada a posição da recorrente – de terreno.

Já no que respeita ao facto 36, não é necessário que as dificuldades sejam reclamadas para que elas sejam constatadas. Basta que, objectivamente, se revelem. O que aconteceu na versão dos peritos maioritários e cuja posição o tribunal não pode censurar porque para inexistem elementos probatórios nesse sentido.

Finalmente e no concernente ao facto 37, certo é que o que faz reduzir a área do prédio é a área ocupada pela expropriação e não a deslocalização do portão. Mas se esta deslocalização se verificou, naturalmente que foi por virtude da área expropriada.

Havendo, outrossim, que relevar o teor laudo pericial maioritário com base no qual tal facto foi dado como provado, sendo de notar que os peritos referiram que o parqueamento ficou apenas «ligeiramente» reduzido.

Mas não tendo tal termo genérico sido densificado através de medição da área reduzida, sempre importa concluir que o parqueamento, mesmo que numa área pequena, de apenas alguns – poucos – m2, ficou deficitário.

5.1.3.

Por decorrência, os factos a considerar são os seguintes:

1. Por despacho n.º 9417/2007 do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e Comunicações, publicado no D.R. n.º 245, II Série, em 24.5.2007 (e não 2001, como por lapso é referido na sentença), que rectifica o despacho n.º 26641-B/2005, de 30.11.2005, publicado  no DR de 23.12.2005, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência da expropriação da parcela de terreno necessária à obra de alargamento e beneficiação da E.N. 2, entre o cruzamento de Fail e Vila Chã de Sá.

2. A área da parcela de 112 m2, por rectificação da DUP inicial, foi alterada para 102 m2, sendo esta a área que consta no Laudo de Arbitragem.

3. A vistoria ad perpetuam rei memoriam foi realizada em 30.05.2006.

4. Em 14/07/2006 a entidade expropriante tomou posse administrativa da referida parcela.

5. Em Julho de 2007, foi proferida decisão arbitral, tendo os árbitros nomeados fixado, por unanimidade, em € 6.716,87 a indemnização a atribuir à proprietária/expropriada.

6. Em 30/07/2008, a expropriante procedeu ao depósito da quantia de € 6.716,87.

7. Por despacho datado de 19.09.2008 (fls. 56), foi adjudicada a parcela à expropriante.

8. Por despacho datado de 26.01.2009, foi atribuído à expropriada o montante sobre o qual se verifica acordo das partes, i.e., € 1320,09.

9. A parcela de terreno a expropriar situa-se no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Viseu.

10. A parcela a expropriar constitui parte do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 773, da freguesia de ..., este com a área coberta de 324 m2 e de área descoberta de 1086 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º ..., da freguesia de ... e a confrontar do norte com a Estrada Nacional n.º 2, a sul com o caminho público, a nascente com Baldio da Junta de Freguesia, a poente com .... 11. A parcela de terreno a expropriar encontra-se em situação de gaveto entre a Estrada Nacional 2 e a Estrada Municipal 597, sendo a primeira uma via designada na Planta da Malha Viária Fundamental, peça que faz parte dos elementos que integram o Regulamento do PDM de Viseu, como uma radial e definida no ponto 2.2 do artigo 9º do referido regulamento.

12. A parcela tem uma configuração algo irregular, mas próxima da forma trapezoidal e com uma frente de 18 m para as vias referidas supra.

13. Antes da adjudicação, a parcela encontrava-se plana, vedada e parcialmente revestida a relva.

14. A parcela encontra-se nas imediações do aglomerado urbano de ..., constituído predominantemente por moradias unifamiliares e diversos equipamentos, nomeadamente restaurantes, Igreja, Cemitério, Sede da Associação Cultural Recreativa e Desportiva de ..., Creche e ATL, Ecomuseu, Sede da Junta de Freguesia, infra-estruturas desportivas e outros.

15. À data da DUP já existiam a cerca de 2000 m e no sentido de Viseu, os aglomerados urbanos de Repeses e de Paradinha.

16. À data da DUP já existia, do lado oposto da parcela o restaurante “Quinta dos Carvalhos”.

17. À data da DUP, já existiam a 600 m, as instalações industriais da Basmiler Lda., e a 800 m um posto de abastecimento de combustíveis e um stand de venda de automóveis usados.

18. No sentido de Viseu, a 1700m encontra-se o supermercado LIDL, as instalações industriais da Volter e a Delegação de Viseu da APPCDM.

19. Junto à parcela existem infra-estruturas como acesso rodoviário com pavimento em betuminoso junto da parcela.

21. Rede de abastecimento domiciliário de água com serviço junto da parcela e rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela.

22. Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela.

25…rede telefónica …junto da parcela,

26. A parte sobrante da parcela, para além do acesso pelo caminho existente a sul, continuará a ter um acesso a partir da Estrada Municipal 597 mas de um modo mais dificultado e para o efeito, teve que obter a autorização e compreensão do proprietário do terreno contíguo, que é a Junta de Freguesia Local.

27. À dada da DUP a parcela estava servida de rede pública de abastecimento domiciliário de água e de rede pública de drenagem de esgotos domésticos.

28. A parcela, à data da DUP, tinha uma sebe arbustiva sobre o muro da frente, com funções de barreira acústica, de barramento à servidão de vistas e ainda com efeito decorativo.

29.A parcela tinha também, a poente, um muro de vedação em alvenaria de blocos, rebocado e pintado em ambas as faces, assente em fundação de betão ciclópico de 0,40m x 0,40m, com 6,10m de comprimento, 1,12m de altura e 0,20m de espessura, encimado por platibanda metálica dupla, numa extensão de 3,70m e por gradeamento de ferro em 2,40m e com altura de 0,90m.

30. A norte, existia um muro de vedação em alvenaria de pedra com juntas rebaixadas, assente em fundação de betão de 0,40cm x 0,40m.

31. Este muro possuía 18,50m de comprimento, 1,10m de altura média e 0,22 de espessura, encimado por um gradeamento de ferro pintado, de 0,50m de altura e com seis pilares de pedra intermédios, com as dimensões de 0,85m x 0,35m x 0,22m.

32. A nascente, existia um muro de vedação em alvenaria de blocos, rebocado e pintado em ambas as faces, assente em fundação de betão de 0,40m x 0,40m, com 4,60m de comprimento, 1,20m de altura e 0,20m de espessura encimado por um gradeamento de ferro pintado em toda a sua extensão e com 0,55cm de altura.

33. Neste muro existiam dois pilares de betão ligeiramente armado e com as dimensões de 0,20m x 0,20m x 1,15m.

34. O prédio tinha ainda dois reclamos luminosos assentes em sapatas de betão, bem assim como uma cabine para o autoclave e quadro de alimentação eléctrica e completa remodelação das ligações eléctricas.

35. O prédio tinha um furo artesiano, com 60 metros de profundidade, forrado a tubo PVC duplo de 145 mm e 180 mm e respectivo equipamento de bombagem, bem como a remodelação das ligações eléctricas e hidráulicas.

36. A parte sobrante ficou com alguma dificuldade na entrada e saída de viaturas para a carga e descarga de material ligado à actividade comercial que se exerce no edifício aí existente.

37. O parqueamento ficou reduzido por força da deslocalização do portão de entrada.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

A justa indemnização corresponde ao valor real e corrente do bem expropriado: «…de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade publica...» - artº 23º nº1 do CE.

Como é consabido a conclusão de que certo solo é apto para construção, não pode ser conseguida através do recurso a um critério abstracto de aptidão edificativa – já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, mesmo o incluído ou integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas antes mediante um critério concreto de potencialidade construtiva.

  Assim, para se densificar ou definir tal critério, o legislador elencou requisitos certos e objectivos, os quais, uma vez verificados, clamam a conclusão da existência de tal potencialidade.

Esta dimana, nos termos do artº 25º nº2 do CExp. relativamente a prédio:

«a) Que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;

b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas, mas se integra em núcleo urbano existente;

c) Que esteja destinado, de acordo com o plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a);

d) Que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública…»

5.2.1.

Nesta conformidade há que concluir que a potencialidade edificativa do solo não tem, necessariamente, de ser imediata, podendo, outrossim, ser próxima.

Tal emerge, designadamente:

- Desde logo, do teor da al. C) na parte supra sublinhada.

-Da definição e finalidades da “justa indemnização” consagrada no citado artº 23º do C. Exp. a qual tem de corresponder: «…ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal…»

-Do DL 380/99 de 22/09 que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, vg. do seu  artº 72º nº2, do qual pode retirar-se que:

- solo rural é aquele para o qual é conhecida vocação para as actividades agrícolas, pecuárias , florestais ou minerais, assim o que integra os espaços naturais de protecção ou de lazer ou que seja ocupado por infraestruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano.

- solo urbano é aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de  urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada cfr.  Pedro Paes, Ana Pacheco e Luís Barbosa, in Código das Expropriações, Almedina, 2003, p.167.

5.2.2.

Aliás da ênfase que se deve atribuir, para a classificação do solo como apto para construção, aos critérios definidos pela lei resultam ainda outras consequências.

Assim, mesmo que a parcela a expropriar se situe em área definida pelo PDM - instrumento de índole meramente administrativa e a todo o tempo alterável - como de cariz não construtivo, vg, do tipo “Espaço florestal – floresta de produção, áreas florestais estruturantes”, tal  não lhe retira, só por si, a possibilidade de poder ser classificada como solo apto para construção Cfr., entre outros, os Acs. da Relação de Lisboa de 11.01.2000, CJ, 1º, 74 e da  Relação do Porto de 07.02.1991, CJ, 1º, 246 e de 23.01.2007,  dgsi.pt, p.0626558.

Posto é que reúna os legais requisitos, geral e abstractamente definidos, para o efeito.

E nem sequer a inclusão de um terreno em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN) acarreta, necessariamente, a sua classificação como solo apto para outros fins, para efeito de cálculo da indemnização por expropriação, devendo esta classificação ser afastada, pelo menos, nas seguintes situações:

- se o proprietário do terreno demonstrar que excepcionalmente foi autorizada a construção de edifício na parcela em causa, nos termos do art. 9º do D.L. 198/89;

-se a expropriação da parcela visa a construção de prédios;

- se a inclusão daquele prédio na RAN visou por parte da Administração uma posterior expropriação – cfr., entre outros, os Acs. da Relação do Porto de 01.06.2006 e de  20.11.2006, dgsi.pt,  p.0632352 e 0556192, respectivamente.

5.2.3.

In casu.

Pugna a recorrente que o solo não deve ser considerado como apto para construção, com o argumento nuclear de que ele já esgotou a sua capacidade construtiva.

Não colhe o argumento.

Liminarmente há que dizer que este facto não pode ser considerado pois que ele não consta no acervo factual dado como provado na sentença, nem existem no processo elementos de prova bastantes dos quais ele se possa retirar.

É apenas uma conclusão da recorrente essencialmente alicerçada nos dados fornecidos pelo seu perito.

Pois que os peritos maioritários esclareceram que, na globalidade do terreno, e porque é legalmente possível efectuar o destacamento da parte sobrante e nela se efectivar uma construção, a capacidade edificativa não está esgotada.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda não assistiria ainda razão à recorrente.

Na verdade, e tal como se expende na sentença, o lote em causa assume o cariz de apto para construção, desde logo porque, face aos factos apurados no ponto 14 e sgs., emerge a aplicação da alínea a) do citado artº 26º do CE.

 O terreno é, pois, apto para construção e tem capacidade construtiva, ou seja, nele é legalmente possível erigir  ou ampliar edifícios de índole urbana.

 E não perde tal natureza por esta capacidade, porventura estar, à data da DUP ou noutro momento, esgotada.

É que esta possibilidade, tal como desde logo acontece, ab initio ou a montante, como supra se viu, com a classificação do terreno, pode ser imediata ou, apenas, potencial, ie., a efectivar, possivelmente, no futuro.

A distinção  entre terreno apto para construção e para outros fins justifica-se, vg. devido à diferença de valia de um e de outro.

Sendo que aquele é, obviamente, mais valioso.

Ora tal mais valia advém-lhe, designadamente e para o caso que nos interessa, do facto de estar servido por uma plêiade de infraestruturas urbanísticas que permitem a construção para diversos fins destinados, vg., à satisfação de necessidades essenciais, assumindo destarte, uma elevada cotação no tráfego jurídico-económico.

Mas, assim sendo, tal valorização mantém-se e não se perde ou reduz (e, quiçá, é mais acentuada) se na parcela já tiver sido construído.

  E, mesmo, se a sua capacidade de edificação estiver saturada.

 Por um lado porque a sua mais valia intrínseca advém-lhe das infraestruturas existentes as quais se mantêm.

Por outro lado porque, em termos de uma certa normalidade, tal saturação é ou pode ser momentânea ou provisória.

Na verdade possibilidade de construção e a capacidade ou volume da mesma dependem de vários factores de natureza aleatórianada nos garantindo que no futuro, não possa na parcela vir a ser permitido construir, ou reconstruir, com uma volumetria diversa e/ou adiciona.

Antes pelo contrário.

Basta pensar que os índices de construção são previstos nos PDMs, integrando tais instrumentos de ordenamento territorial  valores  dispares por todo o país, e sendo eles frequentemente alterados, normalmente para permitir uma maior área de construção.

 5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Nos termos do nº5 do artº 26º do CE:

«Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.».

Tal critério não é fixado impositivamente para ser aplicado de um modo inelutável, mas antes tem de ser, ab initio e por princípio ou via de regra, perspectivado a título meramente referencial, como factor indiciáriocfr. João Pedro Melo Ferreira, CE, Anotado, Almedina, 3ª ed. p.140.

Mas poderá não o ser se existirem elementos no processo que o possam afastar ou postergar.

 O que só poderia verificar-se se, perante tais elementos, se concluir que ele consecutiria uma indemnização injusta e iníqua, ou seja, porque o valor atingido pela sua aplicação não corresponde, meridianamente, ao valor real e corrente dos bens – artº23º nº5 do CE.

 Podendo então, para obviar a tal, ser este critério referencial ser postergado ou corrigido pela consideração e aplicação de outros elementos ou outros critérios.

Existe, assim, neste particular, alguma margem de prudente discricionaridade de todos os intervenientes processuais, desde os peritos ao julgador, a qual, porque imbuída de alguma plasticidade, deve ser usada precisamente para melhor se poder consecutir a justiça de cada caso concreto.

Ao fim e ao cabo o que importa é que a indemnização atribuída se apresente como a mais justa e equitativa, tanto na vertente da justiça absoluta do caso concreto, como na perspectiva da justiça relativa ou comparativa.

Evidentemente que com a margem de aleatoriedade que sempre existe e é impossível de ultrapassar, decorrente da relatividade da decisão judicial, a qual não se fundamenta em premissas de cariz cientifico e absoluto mas antes é resultante de um juízo em si mesmo passível de erro porque assente em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893 e Ac. da Relação do Porto de  08-01-2008, p.0725544.

5.3.2.

No caso sub Júdice, os árbitros, para, no seu dizer, «fugir aos valores especulativos», fixaram o custo de construção em 703,69 euros/m2 por apelo à Portaria 1152/2006 de 30 de Outubro.

Já os peritos consideraram para a área de habitação o valor de 668,49 euros/m2 nos termos da Portaria nº1379-A/2004 de 30.10  que fixa os valores do preço da habitação para efeitos de cálculo da renda condicionada a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22.12 para vigorar em 2005; 350 euros para a área de comercio/armazenamento/habitação; e 300 euros para a área de garagem/arrumos.

Tendo expendido, à laia de justificação, que «entendem que estes valores se consideram ajustados à realidade dos valores de construção praticados na região, tendo em atenção a qualidade média das construções que se encontram disponíveis no mercado…pois só assim se conseguiu aproximar do valor real e corrente do bem e consequentemente à justa indemnização preconizada no nº1 do artº 23º do CE».

Por seu turno a recorrente pugna pela aplicação  da Legislação que  fixa o valor do custo médio da construção por m2 para efeito do artº 39º do CIMI – in casu a Portaria 90/2006 de 27.01  que estabelece o valor de 492, 00 euros.

Com o argumento de que as portarias da renda condicionada se reportam a um valor que já inclui as construções erigidas no solo que o CE contempla  e já valoriza nos nº6 a 11 do artº 26º, pelo que, aquele valor não dever abranger o «terreno limpo» sob pena de tal duplicar a valorização do solo.

Mas não lhe assiste razão.

Primus  porque a letra da lei – arº 26º nº5 do CE – não permite, de todo, esta interpretação. Havendo, pois, que chamar à colação o disposto no artº 9º nº2 do CC.

Secundus porque o acolhimento de tal entendimento – já que isolado e, até certo ponto, peregrino e sem consideração e atendimento pelos tribunais nos restantes casos concretos - implicaria a afectação da justiça, na sua vertente relativa ou comparativa, já que expropriados em situações idênticas seriam tratados ou julgados de modo diferente.

Tertius porque, mesmo na vertente da justiça deste caso concreto, o valor pela recorrente propugnado não se alcança o mais adequado para a consecução desta.

É que, como se viu, são os próprios peritos que referem  serem os valores da Portaria 1379-A/2004  os mais ajustados à realidade dos valores de construção praticados na região.

Ora esta posição não se vislumbra censurável já que é suposto os peritos terem conhecimento da realidade e do custo e valor da construção na zona da parcela.

 E inexistindo nos autos elementos que a infirmem ou contrariem.

Valendo pois aqui, no que concerne ao valor e atendibilidade da peritagem e da posição dos vários peritos, o supra expendido em 5.1.2.1.


5.4.
Quarta questão.

A recorrente defende que o valor total das benfeitorias deve ascender apenas a 3.868,19 euros.

Para tanto e quanto ao furo artesiano, diz que ainda hoje o preço do metro linear é de 30 euros m2, sendo inferior à data da DUP.

No atinente à deslocação do portão, que a mesma só afectou um pilar, sendo que os restantes peritos colocaram os valores dos dois pilares.

E no concernente às restantes benfeitorias entende como mais correctos os valores fixados pelo seu perito.

Vejamos.

5.4.1.

Os peritos maioritários fixaram o valor total das benfeitorias em 6.050,56 euros.

O perito da expropriante fixou tal valor em  3.868,19 euros.

Quanto à questão de se considerar apenas um ou dois pilares, expendeu o perito da expropriante que apenas considerou  um pilar porque: «o portão ficou no mesmo alinhamento e a intervenção só se verificou no lado direito da entrada»

Mas tal, em tese, não basta. O mais lógico e natural é que, devido à área expropriada, a situação inicial do portão deixou de ser a mais consentânea para que a entrada pelo mesmo permita um acesso adequado e facilitante - tal como é suposto que existia antes do acto expropriativo -, pelo que há necessidade de ele ter de ser deslocado.

O que se depreende da posição dos peritos maioritários ao referirem-se à necessidade de construção de «pilares» e não de «pilar». Pois que se assim não fosse não se alcança porque razão entenderam que importa reconstruir os dois pilares.

De qualquer modo esta questão é de somenos ou minudente, pois que a diferença de preço é apenas de 30 euros, já que estes peritos fixaram 100 euros para os dois pilares  e o da expropriante fixou 70 euros apenas para um. O que demonstra que, neste particular e proporcionalmente, aqueles foram ainda mais parcimoniosos do que este.

5.4.2.

As diferenças fulcrais respeitam ao valor do furo artesiano que aqueles fixaram em 2400,00 euros e este em 1800 e ao muro a norte que aqueles fixaram em 1017,50 euros  e este em 516,19.

Quanto a este trata-se da desmontagem e montagem de blocos de pedra numa extensão de 18,5 m, altura de 1,10m e largura de 0,22 m, incluindo 06 pilares com 0,85mx0,35mx0,22m.

Os peritos maioritários fixaram 50 euros m2, o da expropriante fixou metade, seja, 25 euros.

Não se nos afigura exagerado aquele valor.

Trata-se de trabalho em pedra, que não em argamassa, o que implica maior especialização da mão de obra respectiva e, logo, do seu custo. Nem todos sabem trabalhar com pedra, de sorte a que a obra fique bem feita. Diz-nos a experiencia de vida – e os juízes não vivem numa redoma, mas no mundo - que um pedreiro com habilitações adequadas não ganha menos de 80 euros por dia, ou seja, 10 euros por hora, senão mais, consoante as zonas do país. Ademais tem necessidade de, pelo menos, um ajudante ou servente, o qual, mesmo que ganhe algo menos, dificilmente ficará abaixo dos 60 euros dia.

Ora a desmontagem e montagem de um muro em pedra com quase 20m de comprimento e mais de 01m de altura é obra para durar cerca de uma semana para dois homens.

O que, tudo visto e ponderado, considerando não apenas os salários dos mesmos como outras despesas que vão surgindo, por mais pequenas que sejam, como as atinentes a alguns materiais e instrumentos para a efectivação da obra, não custa considerar como ainda ínsita dentro dos limites do razoável ou tolerável – porque é sempre muito difícil alcançar valores exactos e rigorosos - o valor fixado pelos peritos maioritários.

No que tange ao furo artesiano, de 60 m de profundidade, os peritos maioritários fixaram o valor  do metro em 40 euros, enquanto o da expropriante o fixou em 30 euros.

A diferença aqui é bem menor, pelo que mais plausibilidade existe para a  admissibilidade  da posição dos peritos maioritários.

Na verdade é, mais uma vez, a posição de 04 peritos – três dos quais indicados pelo tribunal - contra a posição de um.  Ademais o indicado pela expropriante.

Continuando ainda neste particular, a relevar determinantemente o supra mencionado quanto à natureza e valoração da peritagem e das posições relativas de cada perito, consoante a sua indicação e proveniência.

Pelo que tendo neste específico conspecto sido formada uma «maioria confortável» num determinado sentido, a qual inclui os três peritos do tribunal, e não tendo sido esgrimidos argumentos probatórios objectivos que se espraiem para além da posição do perito da recorrente e contrariem a tese maioritária, nem se vislumbrando que os valores nesta considerados extravasem, notória ou ostensivamente, os decorrentes de uma certa normalidade das coisas, há que mantê-los.

5.5.

Quinta questão.

5.5.1.

Estatui o artº8º do CE sob a epígrafe:

Constituição de servidões administrativas.

1. Podem constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de interesse público.

2. As servidões, resultantes ou não de expropriações, dão lugar a indemnização quando:

a) inviabilizem a utilização que vinha sendo dada ao bem, considerado globalmente;

b) inviabilizem qualquer utilização do bem, nos casos em que não estejam a ser utilizados; ou

c) anulem completamente o seu valor económico.

3. À constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial.

Este preceito substituiu o correspondente artº 8º do precedente código de 1991 que estipulava:

2. As servidões fixadas directamente na lei não dão direito a indemnização, salvo se a própria lei determinar o contrário.

3. As servidões constituídas por acto administrativo dão direito a indemnização quando envolverem diminuição efectiva do valor ou do rendimento dos prédios servientes.

A norma deste nº2 foi repetidamente declarada inconstitucional designadamente  pelos Acs. do TC nºs 57/99, 243/99 e 331/99, in, vg, DR de 12.06.1999 e de 14.071999: «quando interpretada em termos de permitir que a indemnização devida pela parte de um prédio expropriado sobre que recai uma servidão legal non aedificandi, constituída em vista dessa expropriação, não leve em conta a anterior aptidão edificativa…» (sublinhado nosso).

 Ou, com nuance semântica mas com o mesmo essencial sentido e significado: «na interpretação que não permite  que haja indemnização pelas servidões fixadas directamente pela lei que incidam sobre parte sobrante do prédio expropriado, no âmbito de expropriação parcial, desde que a mesma parcela já tivesse, anteriormente ao processo expropriativo, capacidade edificativa, por violação do disposto nos artºs 13º nº1 e 62º nº2 da Constituição.»

Aliás tal matéria havia sido já objecto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. nº16/94 de 15/6/94 in D.R. Is. de 19/10/94, o qual, posto que  reportado ao C.Exp.76 impôs entendimento que se tem como válido para os diplomas reguladores da relação de expropriação por utilidade pública que se lhe seguiram.

Nele se tendo expendido que: «quando uma auto-estrada é construída em zona sem potencialidade urbanística, ou de pouco provável potencialidade, os proprietários de terrenos expropriados não ficam colocados em situação de sensível desigualdade em relação à generalidade dos proprietários de prédios rústicos, nem o sacrifício que para eles resulta da zona non aedificandi assume relevância. Mas não é assim quando essa zona abrange terrenos com potencialidade urbanística, principalmente se coincide com zona urbana, já que os respectivos proprietários ficam sujeitos a um prejuízo tão considerável quanto é certo existir normalmente grande diferença entre os terrenos com potencialidade urbanística e os que dela carecem. Nestes casos, à incidência de uma zona de proibição de edificar corresponde um real prejuízo, que, em tese geral, deverá ser compensado com a justa indemnização…».

Por seu turno o artº 29º nº2 do actual C.E. prevê a indemnização a este título ao estatuir que:

1. Nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.

 2. Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável (…) especificam-se também em separado os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.»

2. Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada…quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do nº2 e o nº3 do artº 3º.»

O que acontece nos casos em que o proprietário, em expropriação parcial, requeira a expropriação total:

-Ou por a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;

-Ou se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico, determinado objectivamente.

Nesta conformidade, o nº2 do artº 8º: «contém uma regra geral, segundo a qual, todas as servidões que impliquem lesão efectiva de direitos ou interesses legalmente protegidos, dão lugar a indemnização, independentemente de qualquer expropriação. Esta norma vem colocar em situação de igualdade os proprietários de terrenos expropriados e não expropriados abrangidos pela proibição de edificar…» -  Pedro Paes, Ana Pacheco e Luís Barbosa, Código das Expropriações,  Almedina, 2ªed. p.63.

5.5.2.

Da análise conjugada e concatenada destas disposições resulta, em primeiro lugar que a indemnização por virtude de prejuízos para a área sobrante decorrentes da constituições de servidões, de índole non aedeficandi, se reporta  e apenas releva – pelo menos por via de regra e essencialmente – relativamente aos prédios que tenham aptidão construtiva.

Havendo, inclusive, casos em que mesmo com esta característica, a servidão não se traduz numa desvalorização do prédio serviente como sejam aqueles em que a constituição de servidão não impede a edificação com o mesmo índice de construção ou quando a área afectada pela construção consistir em logradouro de constituição existente - Ac. da Relação do Porto de16.02.2006, dgsi.pt, p.0536917.

Em segundo lugar, e quanto aos demais prédios, que apenas excepcionalmente se poderá conceder tal indemnização.

O que sucederá nos casos em que se verifique uma: «penetrante incidência do núcleo do direito de propriedade». cfr. João Pedro de Melo Ferreira, ob. cit., 2ª ed. pág. 75 cit. no aludido Ac. de 16.02.2006.

Considerando, designadamente, o tipo de fruição e de exploração que é dada à parte não expropriada e à sua dimensão por reporte à parcela expropriada.

5.5.3.

In casu.

Aqui procedem, no essencial, os argumentos da expropriante.

Na verdade e com relevância para a presente questão, apenas se provaram os factos constantes nos pontos 26, 36 e 37.

Ou seja, que o acesso à parte sobrante ficou com o acesso algo dificultado para a entrada e saída de veículos para a carga e descarga de material ligado à actividade comercial que se exerce no edifício aí existente.

E que o parqueamento ficou reduzido por força da deslocalização do portão de entrada.

E foi apenas com base nestes factos que os peritos maioritários optaram pela consideração da desvalorização da parte sobrante num montante de 3.590,65 euros posição que foi aceite pela julgadora.

Há, todavia, que notar:

Tal dificuldade é ultrapassada, ou pelo menos, suficientemente atenuada ou mitigada pela compreensão do proprietário do terreno contíguo, que é a Junta de Freguesia Local.

A afectação do parqueamento, é, no dizer dos peritos maioritários, apenas ligeira.

Na verdade a esmagadora maioria da área expropriada incidiu sobre a zona verde – jardim – do prédio.

Não resulta provado dos factos apurados que sobre a parte sobrante ficasse a recair qualquer servidão non aedificandi.

A área da parcela expropriada, de 102m2, corresponde apenas a cerca de 7% da área total do prédio que tinha uma superfície de 1410m2.

Ou seja, trata-se de uma pequena parcela do prédio, o que, só por si e objectivamente, clama a conclusão, em termos de uma certa normalidade, que a parte sobrante não é afectada, ou, pelo menos, não é penetrante ou suficientemente afectada no sentido legalmente exigível, ou seja, e no que para o caso interessa, em termos de não poder continuar a assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.

Tal conclusão dimana ainda do facto de estarmos perante uma parte restante  na qual está já efectivada construção ou edificação pelo menos  num volume  ou índice muito  próximos dos legalmente permitido.

E de tal edificação estar já adstrita – nas suas diversas vertentes: habitacional, comercial, industrial e de armazém – a um uso, presumível ou indiciariamente, definitivo, ou seja, um uso que, em termos de uma certa normalidade, assim se manterá no futuro.

Ora tal uso não foi, incisiva e relevantemente, prejudicado pela parcela  expropriada.

O que – como supra se viu - se não tem suficientemente relevância para não indemnizar a parcela expropriada como respeitante a terreno apto para construção, já a assume para não permitir a conclusão que a parte sobrante ficou depreciada  com a magnitude suficiente para permitir indemnização própria e autónoma.

5.6.

Sumariando.

I. Em expropriação litigiosa, considerando a suposta competência técnico-científica dos peritos em matéria normalmente avessa ao conhecimento das partes e do juiz, a sua posição maioritária – maxime se esta maioria integrar os nomeados pelo tribunal, porque maior imparcialidade conferem ao laudo – apenas pode ser infirmada se elementos probatórios irrefutáveis assim o impuserem.

II. Se, ex vi da presença dos legais requisitos previstos no artº 25º nº2 al. a) do CE, a parcela expropriada dever ser classificada como solo apto para construção, a tal título deve ser indemnizada, mesmo que nela estejam já edificadas construções que, momentaneamente, se aproximem, ou mesmo esgotem, o índice de construção  previsto no instrumento administrativo respectivo (PDM).

III. Para determinação do custo da construção, deve atender-se, liminar, primacial e preferentemente, ex vi do disposto no artº 26º nº5 do CE, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, apenas tais critérios podendo ser postergados ou mitigados se tal se revelar necessário para a consecução da justiça do caso, posição que imporá cabal e convincente justificação.

IV. A indemnização da parte sobrante apenas emerge se esta sofrer  uma afectação que acarrete uma lesão efectiva e relevante dos direitos ou interesses do expropriado, o que poderá acontecer, vg. se ela não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, ou se os cómodos assegurados não tiverem interesse económico, determinado objectivamente.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença na parte em que arbitrou indemnização pela desvalorização da parte sobrante no montante de 3.590,65 euros, e no mais se mantendo, fixando-se, assim, o valor global da indemnização expropriativa em 11.207,68 euros.

Custas pelas partes na proporção da respectiva sucumbência.


Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Alberto Ruço