Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1089/22.7T8SRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
ACTAS DO CONDOMÍNIO
CONTRIBUIÇÕES PARA O CONDOMÍNIO E/OU DESPESAS NECESSÁRIAS
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 06/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 12.º, 1 E 2 E 1431.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 6.º DO DL 268/94, DE 25/10
ARTIGO 6.º DA LEI 8/2002, DE 10/1
Sumário: 1. - No âmbito da ação executiva para pagamento de quantia certa, movida pelo condomínio contra os respetivos condóminos, a nova redação do art.º 6.º do DLei n.º 268/94, de 25-10, introduzida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, não é aplicável, no que respeita à existência/validade do título executivo – salvo quanto a matérias em que haja de ser considerada lei interpretativa, por se limitar a definir um entendimento que já cabia na lei anterior, resolvendo conflito jurisprudencial e doutrinal sobre qual dos sentidos a atribuir-lhe, sem ser inovadora ou criadora –, quanto a atas de assembleia de condomínio exaradas anteriormente à sua entrada em vigor.

2. - Somente a ata da assembleia de condóminos deliberativa da obrigação – e seu montante, prazo e modo de pagamento – referente a contribuições para o condomínio ou despesas necessárias, a que alude o art.º 6.º do DLei n.º 268/94, de 25-10 (versão originária), e não atas meramente certificativas de dívidas resultantes de deliberação anteriormente tomada, constitui título executivo contra o proprietário/condómino inadimplente.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Condomínio ...”, com os sinais dos autos,

intentou execução para pagamento de quantia certa contra

H..., Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

formulando pedido executivo líquido no montante total de € 13.315,32, para o que juntou documentos referentes a atas de reuniões da respetiva assembleia de condóminos e alegou assim:

«A Executada (…) é proprietária das frações ... e ... do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... na ... e nessa qualidade compete-lhes comparticipar nas despesas do prédio, na proporção da sua permilagem.

Não obstante as várias interpelações para regularizar os valores em dívida, a verdade é que (…) nada pagou, resultando da ata nº ...3, que se junta como doc. nº 1, que à data da sua realização, ou seja, em 27 de novembro de 2021, apresentava uma dívida vencida no valor de 6.657,66€, das duas frações de que são proprietários, a fração ... e a fração ....

Discriminadamente:

O valor de 5.381,23€ da fração ..., referentes à contribuição para obras de conservação e manutenção das fachadas do prédio, aprovadas em assembleia geral extraordinária de 12/01/2020, conforme ata nº ...2 que se junta como doc. nº2, onde estiveram representados, no valor de 4.500,00€, cuja interpelação para pagamento foi feita pelo administrador do condomínio sob registo com aviso de receção em 15/04/2020, que se junta como doc. nº3 e que, de acordo com o nº4 do artigo 9º do Estatuto do Condomínio, se vence no prazo de 10 dias a contar desta interpelação; 19,20€ restantes da quota mensal de outubro de 2020 e mais 13 quotas mensais, no valor de 66,31€ cada uma, de novembro de 2020 a novembro de 2021, aprovadas em assembleia de condóminos de 12/01/2020 , onde estiveram representados e cuja ata nº...1, que se junta como doc. nº4, foi enviada por carta em 15/01/2020, existindo diversos pedidos de liquidação.

O valor de 1.276,43€ da fração ..., referentes à restante contribuição para obras de conservação e manutenção das fachadas do prédio, aprovadas em assembleia geral extraordinária de 12/01/2020 (ata nº...2) onde estiveram representados, no valor de 196,43€, cuja interpelação para pagamento foi feita pelo administrador do condomínio sob registo com aviso de receção em 15/04/2020 e que, de acordo com o nº4 do artigo 9º do Estatuto do Condomínio, se vence no prazo de 10 dias a contar desta interpelação; 9 quotas mensais no valor de 120,00€ cada uma, de março a novembro de 2021, aprovadas em assembleia de condóminos de 12/01/2020 (ata nº...1) existindo diversos pedidos de liquidação. Tudo conforme as atas juntas.

À referida quantia e em conformidade com o regulamento do condomínio, acresce a penalização pela mora, de igual valor, perfazendo a quantia de 13.315,32€.».

Por despacho datado de 03/06/2022, foi formulado convite à Exequente para, «no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre a validade dos títulos executivos apresentados para a cobrança de cada uma das contribuições (e sanções pecuniárias) peticionadas e, querendo, apresentar aperfeiçoamento ao requerimento executivo (e juntando cópia do regulamento do condomínio no qual se prevê a sanção pecuniária).».

A Exequente, em 20/06/2022, veio tomar posição, concluindo pela admissibilidade do requerimento executivo apresentado, por a ata da reunião da assembleia de condóminos ser título bastante quanto a todas as quantias peticionadas, e requerendo a junção do regulamento do condomínio.

Na sequência, foi proferida decisão (de “indeferimento liminar parcial”), datada de 23/06/2022, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 726.º/2/a)/3 CPC, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminar e parcialmente o requerimento executivo no que excede:

a) € 303,64 de capital.

2) Custas do incidente a cargo do Exequente, fixando-se a taxa de justiça em 01UC (art.º 7.º/4 RCP).» (destaques subtraídos).

Inconformado, recorre o Exequente, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([1]):

«II- Vem o presente recurso interposto da Despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo apresentado no processo em referência.

III- O fundamento que levou à aludida decisão, prende-se com a interpretação dada à redacção actual do artigo 6º do D.L. nº 268/94, de 25 de outubro.

IV- Segundo o Tribunal à quo, a exequibilidade da acta de condomínio passou a reduzir-se à ata da reunião de condóminos prevista no artigo 1431º, nº 1 do Código Civil.

V- Segundo esta interpretação, só poderão ser cobradas coercivamente, com base na acta de condomínio, as contribuições anuais, acrescidas de juros e sanções pecuniárias, excluindo todas as contribuições para despesas extraordinárias.

VI- Entendendo que deixa de se poder cobrar, por esta via, os encargos de conservação e fruição das partes comuns, previstos no artigo 1424, nº1 do código Civil, passando a exigir-se “o prévio recurso à acção declarativa com vista à cobrança de contribuições para as despesas não incluídas no orçamento anual (em regra despesas extraordinárias e de maior valor) …”

VII- Fazendo aplicação desta interpretação, o Tribunal a quo, indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo, dele excluindo os valores referentes às contribuições para despesas extraordinárias, aprovadas em assembleia de condóminos, acta nº ...2.

VIII- De igual forma, entende o Tribunal a quo, que a referida acta não constitui título executivo, porque “não identifica qual a contribuição a pagar por cada condómino com clareza necessária para que a acta seja auto-suficiente para perceber o que é devido por casa fracção autónoma…”

IX- Não comungamos da referida interpretação, que é de tal forma redutora que quase exclui a acta da reunião da assembleia de condóminos do elenco de títulos executivos.

X- Tal interpretação, representa um retrocesso e contraria o espírito da lei, que “tem o objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.

XI- Dispõe o nº 1 do artigo 6º do D.L. 268/94, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei nº8/2022, de 10 de Janeiro, “ A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respectivas obrigações.” (…).

XII- E, do seu nº 2 resulta que a” A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no nº1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”

XIII- Da não discriminação da natureza das contribuições resulta a intenção do legislador de englobar toda e qualquer contribuição, cujo montante tenha sido deliberado em assembleia de condóminos, isto é, quer se trate de despesas ordinárias ou de obras de conservação extraordinária.

XIV- Na verdade, não tem qualquer sustentabilidade a interpretação feita pelo Tribunal a quo, que reduz as contribuições passiveis de cobrança coerciva com base na ata do condomínio às despesas ordinárias.

XV- Fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação da lei.

XVI- Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o aditamento da palavra “anual” é feito por referência ao montante e não à natureza da contribuição, não se limitando a sua aplicação às atas onde foi aprovado o orçamento anual, mas também às atas das reuniões onde foram aprovadas despesas extraordinárias, como no caso vertente.

XVII- As contribuições extraordinárias para obras de reparação das fachadas do prédio, foram aprovadas em assembleia de condóminos, datada de 12 de Janeiro de 2020, da qual foi elaborada a ata nº...2, que é título executivo contra o proprietário que deixou de pagar e cumpre todos os requisitos legais para tal.

XVIII- A ata da reunião da assembleia de condóminos é título executivo quando tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio, o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respectivas obrigações.

XIX- Resulta do indicado título executivo que “Orçamento da empresa F..., Lda. de 127.633,16€, contando com 37.633,16€ do Fundo de Reserva e 90.000,00€ a pagar pelos condóminos na proporção das suas fracções, sendo 1.125,00€ por cada fracção de 1,25% e 4.500,00€ a pagar por cada fracção de 5%, no prazo de 10 dias a contar da interpelação do administrador-nº4 do artigo 9º dos Estatutos do Condomínio”

XX- Interpelação que foi junta ao requerimento executivo.

XXI- Também desta feita, não assiste razão ao Tribunal a quo, uma vez que o referido título executivo respeita todos os requisitos para ser admitido em toda a sua plenitude.

Por todo o sobredito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, alterando-se a Decisão proferida e admitindo-se o requerimento executivo apresentado, bem como o título dado à execução, mormente a ata nº ...2, na qual foram aprovadas as contribuições extraordinárias.

Assim se fazendo Justiça!».

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a citação da Executada para os termos do recurso e da causa.

Foi apresentada contra-alegação recursiva, concluindo a Executada/Recorrida pela improcedência do recurso interposto.

Após o que foi determinada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito anteriormente fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação, limitada a matéria de direito, saber se há, ou não, fundamento para o decretado indeferimento liminar parcial, tendo em conta, no essencial, a interpretação extraída pelo Tribunal recorrido da norma do art.º 6.º do DLei n.º 268/94, de 25/10, na sua atual redação (dada pela Lei n.º 8/2022, de 10/01), conjugada com o art.º 1431.º, n.º 1, do CCiv..

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

A materialidade fáctica e dinâmica processual a considerar, para decisão adequada do recurso, são as que constam do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido ([2]), a que se adita apenas o seguinte:

- o requerimento executivo foi apresentado em 22/05/2022 ([3]);

- da ata n.º ...2, datada de 12/01/2020, consta:

«2- Apresentação de proposta para reparação de todas as fachadas do prédio nas áreas de habitação, incluindo os muros das varandas tanto interior como exterior. Orçamento da empresa (...) de 127.633,16€; contando com 37.633,16€ do Fundo Comum de Reserva e 90.000,00€ a pagar pelos condóminos na proporção das suas frações, sendo 1.125,00€ por cada fração de 1,25% e 4.500,00€ a pagar por cada fração de 5% no prazo de 10 dias a contar da data da interpelação do administrador - n.º 4 do artigo 9.º dos Estatutos do Condomínio.

(…)

A proposta para realização das obras de acordo com o ponto 2 foi colocada a votação: aprovada por maioria com 3 votos contra.».

          B) O Direito

Da (in)existência de fundamento para indeferimento liminar parcial do requerimento executivo

O Tribunal a quo julgou no sentido do indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, por entender ser aplicável ao caso a atual redação do art.º 6.º do DLei n.º 268/94, de 25/10 e dever ser interpretada no sentido de que «a acta que constitui título executivo é apenas a acta da reunião da assembleia de condóminos prevista no art.º 1431.º/1 CC, isto é, a reunião na qual os condóminos aprovam o orçamento anual das despesas a efectuar durante esse ano e a contribuição a pagar por cada condómino para esse orçamento anual.».

Por isso, sufragando esta interpretação normativa, conclui a 1.ª instância no sentido de (só) ser possível cobrar coercivamente neste âmbito:

«a) As contribuições anuais dos condóminos; sendo necessário que na acta esteja consignado o montante anual da contribuição a pagar por cada identificado condómino para o orçamento aprovado e a data de vencimento dessa obrigação [sendo fraccionada ao longo do ano, a data de vencimento de cada prestação];

b) Os juros moratórios, à taxa legal civil, computados desde a data de vencimento da obrigação;

c) As sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.».

Assim, para aquele Tribunal fica afastada a «cobrança de contribuições para as despesas não incluídas no orçamento anual (em regra despesas extraordinárias e de maior valor) e que geram maior controvérsia entre os condóminos» ([4]), visando o legislador «que as questões mais litigiosas não obstaculizem e impeçam a rápida cobrança do que não é controvertido e que é vital para custear a gestão corrente do condomínio».

Ao contrário da Executada, que adere aos fundamentos e à solução adotados na decisão em crise, o Recorrente insurge-se contra este entendimento, fundado no que considera ser uma inaceitável interpretação restritiva, assim concluindo por não dever proceder-se à distinção operada pela 1.ª instância entre, por um lado, despesas constantes do orçamento anual aprovado e a contribuição a suportar por cada condómino para tal orçamento anual («contribuições anualmente fixadas e necessárias para a gestão corrente do condomínio») e, por outro lado, outras despesas, as não incluídas no orçamento anual («em regra despesas extraordinárias e de maior valor»).

Quem tem razão?

Como dito, a questão foi colocada pela 1.ª instância como sendo de natureza interpretativa ([5]), sem equacionar a questão – prévia – da aplicação da lei nova no tempo.

Comecemos, então, pela enunciação dos dados legais em controvérsia, tendo em conta que ocorreu alteração de legislação.

Dispunha o art.º 6.º do DLei n.º 268/94, de 25/10 (norma revogada):

«1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.

2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.» (destaques aditados).

E estabelece a atual redação do dito art.º 6.º (dada pela Lei n.º 8/2022, de 10/01):

«1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.

2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.ºs 1 e 3.

5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.» (itálico aditado).

Constata-se, pois, que na nova redação do n.º 1 da norma ([6]) foi suprimido o segmento ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Por outro lado, em tal nova redação foi aditado o segmento no sentido de a ata mencionar o montante anual a pagar por cada condómino (e a data de vencimento das respetivas obrigações).

Importaria, então – seguindo a lógica da decisão recorrida –, vista a diversa formulação dos textos, procurar conhecer, na medida do possível, a intenção do legislador, aquela que subjaz à nova formulação legal ([7]).

E não há dúvidas, pois, de que a nova redação deixou cair – por certo, de forma consequente/intencional – a referência a «quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum».

E acrescentou elementos que antes não existiam: para além de substituir «montante das contribuições devidas ao condomínio» por «montante das contribuições a pagar ao condomínio» ([8]), especificou que a ata da reunião da assembleia de condóminos «menciona o montante anual a pagar por cada condómino» (e ainda «a data de vencimento das respetivas obrigações»).

Tratar-se-á, pois, das contribuições a pagar em montante anual, por cada um dos condóminos.

Todavia, urge colocar, desde logo, a questão da aplicação da lei nova no tempo, posto as atas em causa – os títulos dados à execução – serem anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10/01.

Com efeito, as atas juntas com o requerimento executivo são datadas de 12/01/2020 (ata n.º ...2) e 27/11/2021 (ata n.º ...3) ([9]), enquanto a lei nova entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, isto é, em 10/04/2022 (cfr. art.º 9.º deste diploma legal).

Ora, como dito no Ac. TRP de 27/03/2023 ([10]):

«Vejamos, então, antes de mais, se a redação do art.º 6.º do decreto-lei 268/94, de 25/10 introduzida pela lei 8/2022, de 10-01-2022 é aplicável à situação dos autos, ou seja, se para efeitos de existência/validade do título executivo as atas de assembleia de condomínio exaradas antes da sua entrada em vigor devem observar o ali consignado.

Nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

Porém, o n.º 2 do mesmo art.º 12.º, segunda parte, preceitua quando a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, se entende que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

A norma sob apreciação limita-se a estabelecer os requisitos das atas de condomínio para efeitos de formação de título executivo. Mal se compreenderia, pois, que as atas das assembleias anteriores à entrada em vigor da norma tivessem que respeitar o seu desconhecido conteúdo.

Assim, a resposta à questão formulada não pode deixar de ser negativa: a nova redação do art.º 6.º do decreto lei 268/94, de 25/10 introduzida pela lei 8/2022, de 10-01-2022 não é aplicável às atas de assembleia de condomínio exaradas antes da sua entrada em vigor.».

É certo que alguma jurisprudência alude à dita Lei n.º 8/2022, de 10/01, como uma lei interpretativa ([11]), designadamente quanto a sanções de natureza pecuniária, âmbito em que, perante a controvérsia de pretérito, não há inovação ou criação de direito novo, mas uma dimensão meramente interpretativa.

No entanto, o segmento normativo a que alude o Tribunal recorrido, atendendo à interpretação que dele faz, nunca poderia constituir norma meramente interpretativa, mas, ao invés, norma inovadora, por contender com a força executiva das atas do condomínio.

É que estão em causa os requisitos das atas de condomínio para efeitos de formação de título executivo, não se compreendendo que as atas das assembleias anteriores à entrada em vigor da nova norma tivessem que respeitar o seu desconhecido/novo conteúdo (visto como inovatório).

Daí que adiramos ao entendimento no sentido de que a nova redação legal, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10-01, não é aplicável, na parte em que não tenha dimensão meramente interpretativa, às atas de assembleia de condomínio exaradas anteriormente à sua entrada em vigor, como é o caso das atas aqui dadas à execução.

Por isso, ao caso dos autos é aplicável a redação legal originária, a do art.º 6.º do DLei n.º 268/94, de 25/10, pelo que inexiste obstáculo à admissibilidade do título executivo quanto às aludidas «contribuições para despesas extraordinárias», com a consequência de cair pela base – salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento – a posição do Tribunal a quo a este propósito.

Ora, a ata n.º ...2 aludida – conjugada com a ata n.º ...3 (frações ... e ... da Executada) – documenta uma deliberação de que nasceu uma obrigação de pagamento de contribuição para despesas extraordinárias, declarando o montante devido pelos condóminos proprietários – consoante os tipos de frações, as de «1,25%» (a que corresponde o montante de «€ 1.125,00») e as de «5%» (a que corresponde o montante de «€ 4.500,00») – e o prazo de pagamento («10 dias a contar da interpelação do administrador», «sob registo com aviso de receção em 15/04/2020).

Todavia, a ata n.º ...3, de 27/11/2021 – assembleia extraordinária, referente à aprovação das contas de 2020 e apresentação de orçamento de despesas para 2022 –, alude ainda (para além do valor de € 4.500,00 supra referido) a:

- «19,20 € restantes de quota mensal de outubro de 2020 e mais 13 quotas mensais de 66,31 € de novembro de 2020 a novembro de 2021, aprovadas em assembleia de condóminos de 12/01/2020 (…) cuja ata n.º ...1 foi enviada (…)»;

- «196,43 € de restante contribuição para obras das fachadas do prédio aprovadas em assembleia geral extraordinária de 12/01/2020, cuja interpelação para pagamento foi efetuada pelo administrador do condomínio sob registo com aviso de receção em 15/04/2020»;

- «mais 9 quotas mensais de 120,00 €, de março a novembro de 2021 aprovadas em assembleia de condóminos de 12/01/2020 (…) cuja ata n.º ...1 foi enviada por carta em 15/01/2020»;

- «acresce multa de igual valor perfazendo 13.315,32 €».

Tal ata n.º ...1, de 12/01/2020 – assembleia referente à aprovação das contas de 2019 e apresentação de orçamento de despesas para 2020 –, por sua vez, alude a deliberação com aprovação de contribuições, para o ano de 2020, nos valores mensais de € 30,00 para frações de 1,25% (apartamentos) e de € 120,00 para frações de 5% (fração ...).

E alude ainda a «Dívidas de condóminos com atraso significativo»:

- «Fr. A de H..., Ld.ª, de junho a dezembro de 2019, 454,36 €».

Por sua vez, o regulamento do condomínio – denominado «Estatutos…» – alude, no seu art.º 21.º, n.º 2, quanto a «pagamento das participações dos condóminos nas despesas», a que «A acta de sessão que tiver deliberado quaisquer despesas constituirá título executivo, nos termos do art.º 46.º do Código de Processo Civil contra o proprietário que deixou de entregar no prazo estabelecido, a sua contribuição mensal, acrescida de uma multa igual ao débito.».

Ora, nota-se que falta a ata pela qual a assembleia de condóminos deliberou quanto a contribuições devidas no ano de 2019, termos em que inexiste título executivo para as contribuições de junho a dezembro de 2019, no montante de 454,36 €, por falta da ata documentadora da respetiva deliberação ([12]).

E, se a ata n.º ...1, de 12/01/2020, com apresentação de orçamento de despesas para 2020, alude a deliberação com aprovação de contribuições – para esse ano de 2020 – nos valores mensais de € 30,00 para frações de 1,25% (apartamentos) e de € 120,00 para frações de 5% (fração ...), não se compreende que o Exequente venha aludir a:

- 13 quotas mensais de 66,31 € de novembro de 2020 a novembro de 2021, aprovadas em assembleia de condóminos de 12/01/2020 (ata n.º ...1); e a

- 9 quotas mensais de 120,00 €, de março a novembro de 2021 aprovadas em assembleia de condóminos de 12/01/2020 (ata n.º ...1).

Com efeito, a ata n.º ...1 não se reporta ao ano de 2021, mas apenas ao de 2020, notando-se a falta da ata de deliberação sobre contribuições para o ano de 2021.

Por outro lado, na ata n.º ...1, para o ano de 2020, foram aprovados os montantes mensais de € 30,00 e de € 120,00, mas não de € 66,31.

Termos em que inexiste título executivo para os seguintes montantes/contribuições: 13 quotas mensais de € 66,31 (de novembro de 2020 a novembro de 2021), perfazendo € 862,03; e 9 quotas mensais de € 120,00 (de março a novembro de 2021), perfazendo € 1.080,00.

O que tudo perfaz o montante de € 2.396,39 para que não se evidencia a existência de título executivo, o qual tem de traduzir-se na ata de deliberação de aprovação de contribuições e seus montantes e não em posterior ata certificadora de dívida anterior.

Assim, ao montante peticionado de € 6.657,66 (correspondente a € 5.381,23 + 1.276,43), haverá de deduzir-se aquele valor de € 2.396,39, o que perfaz a importância de € 4.261,27.

Aplicando a multa/penalização a que alude o art.º 21.º, n.º 2, do regulamento do condomínio, obtém-se o montante exequendo de € 8.522,54.

No excedente a este montante, inexiste título executivo, justificando nesta parte o diagnosticado indeferimento liminar parcial.

Já no restante – montante exequendo de € 8.522,54 –, por haver título, deve a execução prosseguir, obrigando à revogação parcial da decisão liminar em crise.


***

(…)
***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar em parte procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida nos seguintes termos (em substituição ao Tribunal a quo):
a) Indeferir liminar e parcialmente o requerimento executivo no excedente ao montante exequendo de € 8.522,54;
b) Devendo a execução prosseguir, se a tal nada mais obstar, quanto a esse montante (€ 8.522,54).

Custas da apelação por Exequente/Apelante e Executada/Apelada na proporção do respetivo decaimento, dependente se simples cálculo aritmético (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

***

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 13/06/2023

Vítor Amaral (relator)

         

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro



([1]) Que se deixam transcritas (destaques retirados).
([2]) Não consta da decisão recorrida a indicação de qualquer parte fáctica discriminada.
([3]) Como resulta do processo executivo, consultado na sua versão eletrónica, no sistema Citius.
([4]) Quer dizer, para estas despesas «passa a exigir-se o prévio recurso à acção declarativa» (obtenção de sentença condenatória, que constitua título executivo).
([5]) E não isenta de dificuldades, pela falta de elementos de que, por ora, o intérprete e aplicador da lei se possa socorrer.
([6]) Com entrada em vigor 90 dias após a publicação da Lei n.º 8/2022, de 10/01, ou seja, a 10/04/2022 (cfr. art.º 9.º deste diploma legal).
([7]) Enquanto o diploma revogado, em jeito de introdução/preâmbulo, aludia ao «objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros», o novo diploma não oferece qualquer preâmbulo, mas apenas um sumário, que, para efeito interpretativos, em nada elucida.
([8]) Precisão de pendor terminológico.
([9]) Alude-se ainda à ata n.º ...1, de 12/01/2020 (cfr. decisão recorrida).
([10]) Proc. 21684/16.2T8PRT-A.P1 (Rel. Teresa Fonseca), disponível em www.dgsi.pt.
([11]) Cfr., inter alia, o Ac. TRG de 27/04/2023, Proc. 2251/22.8T8GMR.G1 (Rel. Sandra Melo), também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «.1-Se uma lei posterior define um entendimento que já cabia na lei anterior, resolvendo conflito jurisprudencial e doutrinal sobre qual os sentidos a atribuir-lhe, essa nova lei não é inovadora ou criadora, mas meramente interpretativa, pelo que esse entendimento vale para as situações existentes na vigência da anterior lei. // 2- Tal ocorre com a nova redação dada pela Lei 8/2022 ao artigo 6º do DL n.º 268/94, concedendo força executória ás atas das assembleias de condóminos no que toca às sanções de natureza pecuniária “desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”. // 3- Dúvidas não há, pois, hoje, que as atas de condomínio podem servir de título executivo quanto a sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, interpretação que deve ser a seguida mesmo para o período em que ainda não havia vigorava a Lei 8/2022.».
([12]) Cfr., inter alia, o Ac. TRE de 19/12/2019, Proc. 2429/18.9T8LLE-A.E1 (Rel. Tomé Ramião, em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Apenas a ata da assembleia de condóminos que fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, constitui título executivo contra o proprietário que a deixar de pagar, como flui do art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro.». No mesmo sentido, o Ac. TRC de 18/05/2020, Proc. 1546/19.2T8SRE.C1 (Rel. Maria João Areias), em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário: «1. A acta a que se reporta o artigo 6º, nº 1, do DL nº 268/94, e à qual se atribui força de título executivo, é a da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio (al. b) do artigo 1436º CC) – deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos – deliberação esta que é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos. (…)». Com efeito, resulta do art.º 1436.º, n.º 1, al.ª b), do CCiv. que são funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, «Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano».