Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141591/13.3YIPRT.A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
REMESSA DO PROCESSO
OPOSIÇÃO
INJUNÇÃO
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.99 CPC, DL Nº 269/98 DE 1/9, DL Nº 218/99 DE 15/6
Sumário: 1.- Para que, na hipótese do n.º 2 do art. 99º NCPC (efeito da incompetência absoluta), a oposição da ré à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, seja eficaz, é indispensável que tal oposição seja justificada, não bastando uma oposição pura e simples, ou seja, imotivada.

2.- O réu terá fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência.

Decisão Texto Integral:

I - A Causa:

Na presente acção proposta por Centro Hospitalar de (...), E,P,E, contra Serviço de Saúde da (...), E,P,E ambas melhor identificadas nos autos, foi proferido despacho a fls, 39 e segs. que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal Judicial de Leiria para julgar a presente acção, em consequência do que a ré foi absolvida da instância.

*

O Centro Hospitalar de (...), E.P.E., autor nos autos à margem identificados, veio nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 99º do C.P.Civil, requerer a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por ser o Tribunal competente em razão da matéria.

*

O Serviço de Saúde da (...) EPE, tendo sido notificada do requerido pelo Centro Hospitalar de (...) EPE, ao abrigo do art, 99.° n.º 2 do NCPC, veio oferecer oposição nos termos do n.º 2 do supra-citado preceito, por sua vez alegando que:

A forma processual de injunção utilizada para demandar a R. nos presentes autos não tem qualquer correspondência na jurisdição processual administrativa.

Efetivamente a injunção, é um procedimento especial que encontra previsão no DL 269/98 de 1/09, que se inicia com um requerimento sumário e que dispõe de uma tramitação especial nele comtemplada.

Efetivamente no elenco das Ações constantes do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais não consta nenhuma que tenha a mínima semelhança processual com a prevista do DL 269/98 de 1/09.

Pelo contrário na marcha do procedimento estão previstas um vasto leque de possibilidades de defesa para o réu, admitindo não só a reconvenção, favorável ao Réu como outros expedientes que a Acão especial ora em causa não permite.

No âmbito da presente injunção está limitada a defesa do R. à contestação.

Não admitindo qualquer outra reação processual.

Assim nos presentes articulados não pôde por exemplo a R. reagir por exceção, nomeadamente demandando o pagamento dos valores decorrentes de tratamentos prestados no SES ARAM, EPE a utentes residentes na área de influência da R ..

Considerando que estão findos os articulados está fixada a pretensão das partes, ficando a R. diminuída na sua defesa.

Acresce que da letra da norma do 99.° n.º 2 resulta apenas a permissão de aproveitamento dos articulados dentro da jurisdição civil, atenta a especificidade e identidade da marcha processual.

10.°

De outro modo não seria percetível a norma.

11º

Senão veja-se que idêntica norma do CPTA (art. 14.°) especifica concretamente a possibilidade de aproveitamento do articulado da petição inicial quando a remessa do processo tenha se ser efetuada para tribunais que pertençam a jurisdição diferente.

12.º

Acresce que no âmbito deste processo a A. beneficia da isenção de pagamento de taxas de justiça nos termos do art. 24.º do Decreto-lei n." 34/2008 de 26/02, que na jurisdição administrativa já não teria lugar.

Pelo exposto,

 

Deve ser indeferida a sobredita pretensão formulada pela A. atenta a especificidade processual do processo de injunção e a falta de identidade com qualquer Acão da jurisdição administrativa com a consequente redução de garantias de defesa do Réu.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada de que o elemento narrativo dos Autos dá conta, designadamente o teor da decisão proferida, reconduzida, no que ressuma, ao seguinte enunciado:

«Nos termos do disposto no nº2 do art.º 99°, do CPC se a incompetência absoluta for decretada depois dos articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada."

Ora, no caso em presença a ré ofereceu oposição justificada ao pedido da autora de remessa do processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria pois, como diz, o nº2, 1ª parte do art. 99º do CPC não está pensado para o processo especial previsto no Dec. Lei n° DL 269/98 de 1/09, não havendo sequer neste articulados propriamente dito - cfr. arts. 10°, n'º1 e 15° do Regime aprovado pelo Dec. Lei n° 269/98., de 01/09 - , nem se mostrando viável o sua adequação às formas processuais do procedimento administrativo - cfr. art. 42º do Cód. de Processo nos Tribunais Administrativos e art. 2º, nº1 da Lei nº 41/2013, de 26/06.

Diferentemente seria a solução se se estivesse perante situação prevista no Dec. Lei nº32/2003, de 17/02 (Diploma revogado pelo art. 13° do Dec. Lei n062/2013, de 10/05, mantendo-se em vigor apenas para os contratos celebrados antes de 01/07/2013), de valor superior à alçada da Relação- art. 7°, nº2 do mesmo Diploma.

Pelo exposto indefere-se a requerida remessa dos presentes autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria».

*

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do art. 608º, do mesmo Código.

*

Das conclusões emerge a seguinte questão elencada, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

1.

 Deve ser indeferida a sobredita pretensão formulada pela A. atenta a especificidade processual do processo de injunção e a falta de identidade com qualquer Acão da jurisdição administrativa com a consequente redução de garantias de defesa do Réu?

Apreciando, diga-se - centrando o problema e como elemento pressuponente de análise - que o art. 99º do NCPT

«constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades processuais. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser, ou não se opuser de modo justificado.

No correspondente n.º 2 do art. 105º do CPC de 1965, o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. O Anteprojeto da Comissão contentava-se com o requerimento do autor, apresentado dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão, ao qual o réu não se podia opor. O Projeto da Comissão reduziu o prazo para 10 dias e a Proposta de Lei admitiu a oposição do réu, acolhendo parecer do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com o que se fixou a redação desse número. Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 1.9.14, da proteção concedida pela norma transitória do art. 3-a da Lei 4112013, de 26 de junho.

Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta -, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do art. 421), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da ação) ou a tramitação de qualquer incidente (…)» (José Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2014, 3ª Edição, p. 204).

O que por esta forma se considera ir no sentido de que interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é ode pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21 e 26).

Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (P. de Lima e A. Varela, Noções Fundamentais, II, 5.ª ed., pág. 130).

Resumindo, Pires de Lima e Antunes Varela dizem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei (Cód. Civ. Anot., 1, 4.ª ed., págs. 58 e s.).

A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Introdução ao Direito, 1987, págs. 187 e as.).

Ou, como diz Oliveira Ascensão, «a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação.

Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito» (O Direito — Introdução e Teoria Geral, 1978, pág. 350). Como escreveu Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 3ª ed., 1978, págs. 127 e ss. e 138 e ss., para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios: Em primeiro lugar busca reconstituir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.

A significar, pois, que o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que expressa ser o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico (do Assento STJ, 27-9-1995: DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878).

Nesta conformidade, prosseguindo o escopo protestado, destaca-se, desde logo - por mero confronto -, a considerável e consistente sistemática do elemento expositivo/narrativo ínsito ao requerimento de injunção.

Do mesmo modo, a não menos estruturada defesa apresentada pela entidade requerida, em vertente de excepção e de impugnação, consubstanciadora de meios e argumentação, em que se estriba para dar fortaleza jurídica à posição que defende, sem descurar acervo adjectivo e material, com oportunidade e pleno alcance, em função da circunstância.

Assim, com ausência absoluta de qualquer perfil, mesmo ínfimo, de indefesa ou, mesmo, de defesa, porventura, menos apta, sobre que recairá a eleição judiciária de posição de parte assumida, julgada mais adequada.

Tal, de resto, como não deixou de ser assinalado - no Ac. RC. de 29 de Janeiro de 2015, a que corresponde o Processo com o nº 141592.13.1YPRT.A.C1, Relator: Teles Pereira - igualmente:

«(…) face à tramitação própria de uma acção sucedânea de uma injunção à qual foi apresentada oposição, ou face à tramitação própria de um processo assente na mesma pretensão na jurisdição administrativa.

        

Com efeito, corresponderia - aliás, corresponde - a esta pretensão se feita valer no processo administrativo a forma de acção administrativa comum (v. o artigo 37°, nº 1 do CPTA) e esta, fundamentalmente decalcada na acção declarativa comum regulada no CPC (como determina o artigo 35°, nº 1 do CPTA), não apresenta particularidades que a destaquem, por incompatibilidade, relativamente à tramitação de uma acção declarativa conexa com um procedimento de injunção. Todavia, como antes dissemos, o ponto central da questão, referido à ideia de justificação ou não justificação da dedução de oposição à remessa do processo ao Tribunal competente (artigo 99º, nº 2 do CPC), prende-se com a avaliação da existência de um motivo que deva ser visto como atendível, como sucederá se a defesa deduzida pelo demandado, não utilizou, como referem os Autores acima citados, ''[. .. ] todos os meios que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente [ .. .]". Parece-nos claro ter-se o aqui demandado defendido neste contexto nos mesmos termos em que o teria feito, se demandado fosse com base nesta mesma pretensão, no âmbito da jurisdição administrativa, que o mesmo é dizer, que a defesa aqui apresentada pela entidade requerida pode ser feita valer, fundamentalmente nos mesmos termos, na tramitação a  observar no Tribunal que foi declarado competente».

Vale tudo isto, assim, por dizer que sem um acordo de vontade livre e inequívoco das partes envolvidas, não pode relevar o aproveitamento dos articulados para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 105.° do CPC (art. 99º NCPC). A não oposição da ré, não pode, efectivamente, ser entendida como aceitação tácita, porque a este silêncio não se pode atribuir qualquer valor (Ac. RL, de 21.5.2007: Proc. 4633/2007-1.dgsi.Net).

Em todo o caso, para que, na hipótese do n.º 2 do art. 99º NCPC, a oposição da ré à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, seja eficaz, é indispensável, pois, que tal oposição seja justificada, não bastando, pois, uma oposição pura e simples, ou seja, imotivada. Sendo que o réu terá fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência. O que, na contextura articular já assumida pelas partes, designadamente pela oponente, assinalada nos presentes Autos, não se almeja ou se revela, em absoluto, indispensável, sequer, necessária.

Como elemento confluente, ainda, neste contexto, a referência a que a Constituição da República Portuguesa não enuncia expressamente, [...] quaisquer princípios ou garantias a que deva subordinar-se o processo judicial em geral, salvo o consignado nos arts. 209.° e 210.°. É todavia, inquestionável que as regras do processo, em geral, não podem ser indiferentes ao texto constitucional de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação e organização, determinadas exigências impreteríveis, que são directo corolário da ideia de estado de direito democrático - bem se sabe, com efeito, como um dos elementos estruturantes deste modelo de estado é a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar.

E neste domínio é particularmente significativo o direito à protecção jurídica consagrado no art. 20.º da Constituição, no qual se consagra o acesso ao direito e aos tribunais que, para além de instrumentos de defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito.

Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; c) o direito a um processo justo, baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal.

Há-de, ainda, assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual "a proibição da indefesa”, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses" (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., 1993, págs. 163 e 164, e Fundamentos da Constituição, 1991, págs. 82 e 83) (do Ac. n.º 223/95 do Trib. Const.; DR, II, de 27.6.1995). O que, de todo, pelas razões convocadas, não acontece nos presentes Autos.

Por esta forma explícita, sai fortalecida consideração de que, no presente circunstancialismo, não ser justificada a oposição pelo Serviço de Saúde da (...), EPE, à remessa do processo à Jurisdição Administrativa.

Assim respondendo negativamente à questão em I. formulada.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei). Significa não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva). A significar, pois, que o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que expressa ser o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico.

2.

Em tal contexto, as regras do processo, em geral, não podem, sequer, ser indiferentes ao texto constitucional de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação e organização, determinadas exigências impreteríveis, que são directo corolário da ideia de estado de direito democrático - bem se sabe, com efeito, como um dos elementos estruturantes deste modelo de estado é a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar.

3.

Neste domínio é particularmente significativo o direito à protecção jurídica consagrado no art. 20.º da Constituição, no qual se consagra o acesso ao direito e aos tribunais que, para além de instrumentos de defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito.

4

Assinalando-se como parte daquele conteúdo conceitual "a proibição da indefesa”, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.

5.

Nesta conformidade, para que, na hipótese do n.º 2 do art. 99º NCPC (efeito da incompetência absoluta), a oposição da ré à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, seja eficaz, é indispensável, pois, que tal oposição seja justificada, não bastando uma oposição pura e simples, ou seja, imotivada.

6.

O réu terá fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência. O que, na contextura articular assumida pelas partes, designadamente pela oponente, assinalada nos presentes Autos, não se almeja ou se revela, em absoluto, indispensável, sequer, necessária.

III. A Decisão:

Nestes termos, tudo visto e ponderado, na procedência do recurso, revoga-se o despacho em referência, determinando-se a admissão da pretensão veiculada pela entidade requerente, o Centro Hospitalar de (...) E.P.E., quanto à remessa do processo à jurisdição administrativa, nos termos do artigo 99°, nº 2 do NCPC.

Sem custas.

***

Coimbra, 12, de Fevereiro, de 2015.

António Carvalho Martins ( Relator)