Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1330/07.6TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO JESUS
Descritores: ALIMENTOS
ALTERAÇÃO
VALOR
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 182º DA OTM; E 2006º C. CIV..
Sumário: I – No artº 2006º do C. Civ. distinguem-se duas situações: a) a primeira corresponde à situação mais frequente, em que a obrigação nasce ex novo a requerimento judicial do carecido; b) a segunda é a de a prestação alimentícia ter sido fixada pelo tribunal ou por acordo dos interessados, mas “à margem da acção de prestação de alimentos”.

II – Naquela primeira situação, os alimentos são devidos desde a propositura da acção, mesmo que a situação de carência remonte a data anterior.

III – Pressupõe o legislador que comprovando-se em juízo a necessidade do autor, o obrigado a alimentos logo no momento em que foi demandado podia e devia voluntariamente reconhecer a sua obrigação e cumpri-la. Daí que seja razoável e justo fazer retroagir a fixação da prestação alimentar ao momento da instauração da acção.

IV- A referida 2ª situação reporta-se a casos em que o responsável pela prestação alimentícia não é qualquer dos obrigados naturais, algum dos progenitores dos menores, mas um terceiro por força da prática de um acto ilícito de que algum daqueles tenha sido vítima.

V –Nestes casos, a obrigação de alimentos não decorre desde a propositura da acção de indemnização por acto ilícito, mas sim desde o momento em que o lesado pelo acto ilícito, que por si era devedor de alimentos a outrem, exija a prestação alimentícia nessa acção fixada, ou seja, desde que o aí devedor incorre em mora.

VI – Estando em causa um pedido de alteração do valor dos alimentos, esse novo valor só será exigível após o trânsito em julgado da respectiva sentença, mas no seu montante hão-de ser computadas quantias apuradas desde a data da propositura da acção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO


            A..., residente na ..., como representante legal dos seus filhos menores, B.... e C... , requereu, ao abrigo do disposto no artigo 182.º da OTM, a alteração do regime fixado quanto à prestação de alimentos destes, a pagar pelo progenitor, D...., ora requerido, residente na .....

Alega, para tanto, que na ocasião do divórcio de ambos, em 1 de Outubro de 1999, foi regulado o poder paternal dos menores identificados, que ficaram à guarda da progenitora, tendo-se o requerido comprometido a comparticipar, mensalmente, a título de alimentos, com a quantia de 200,00€, valor manifestamente desactualizado.

Acontece que os menores têm 13 e 11 anos, frequentam já o 2.º e 3.º ciclos, perspectivando-se o prosseguimento dos estudos, necessitando, por isso, de mais material didáctico e escolar, assim como alimentação, vestuário, calçado, assistência médica, visitas de estudo, telecomunicações, internet, frequência de curso de inglês, explicações, dentista, etc., além do dito “dinheiro de bolso” para os tempos livres.

O requerido tem um emprego estável e rendimentos suplementares, pode contribuir com uma prestação mensal de 300,00€ para cada um dos menores, até porque, requerente e requerido, enquanto casal foram usufruíam de um estatuto socioeconómico médio superior.

Peticionou, assim, que seja fixado o valor de 300,00€ mensais, a título de alimentos, para cada um dos menores, actualizados anualmente de harmonia com a inflação e acrescida de metade do valor das despesas médicas e medicamentosas, a pagar pelo requerido através de cheque ou de depósito para conta bancária que identificou.

Citado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 182.º n.º 3 da OTM, veio o requerido dizer que sempre cumpriu a prestação mensal de alimentos que se obrigou a pagar, referindo não dispor de rendimentos para pagar o aumento que a requerente peticiona.

Aduziu que aufere mensalmente a quantia de 1000,00€, tendo despesas regulares, designadamente, com a prestação de 300,00€ mensais para amortização de um empréstimo contraído para pagamento de dívidas da uma sociedade comercial que foi pertença do casal, a prestação de 200,00€ mensais para amortização de empréstimo contraído para compra de veículo automóvel, bem como despesas correntes com água, luz, gás, telefone, alimentação e vestuário, e deslocações para o local de trabalho. Além disso, contraiu novo matrimónio do qual tem um outro filho menor.

Acrescentou que tem vindo a contribuir mensalmente com mais 50€ para as despesas de educação dos menores, e os seus pais têm tido uma colaboração permanente na assistência e apoio económico às necessidades destes. Além disso, também compra roupas e calçado aos menores e presenteia-os com o que lhe é possível.

Foi designada data para conferência tendo comparecido ambos os progenitores, porém, não foi possível alcançar acordo.

Requerente e requerido apresentaram as competentes alegações, nos termos do artigo 178.º n.º 1 da OTM.

Foram juntos relatórios sociais (fls. 152 e seg. e fls. 114 e segs.) e procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas por requerente e requerido.

Realizada a audiência de julgamento, veio o pedido formulado pela requerente a ser julgado parcialmente procedente nos seguintes termos:

Atento o exposto, decide-se deferir parcialmente o presente pedido de alteração da prestação de alimentos a pagar pelo requerido D... aos menores B.... e C.... e, em consequência, fixar em 165€ (cento e sessenta e cinco euros) mensais a quantia devida a cada menor, perfazendo um total de 330€, a pagar até ao dia 10 do mês a que respeita, actualizável anualmente em função da taxa de inflação, o que é devido desde a data da proposição da presente acção; quantia essa a que acresce metade das despesas médicas e medicamentosas anuais e com livros e material escolar do início do ano lectivo, que serão pagas mediante a apresentação do respectivo recibo pela progenitora.”

Inconformado, apelou o requerido D... que conclui da seguinte forma as alegações que apresentou:

A. O direito a alimentos é um direito actual, não podendo aplicar-se ao passado, atentas as regras nemo alitur in praeteritum e in praeteritum non vivitur - ou de que os “aliments ne s`arréragent pás”.

B. Como tal, os alimentos só são devidos a contar da data da constituição em mora do obrigado, factos idóneos para dar conhecimento ao obrigado da exigência do alimentando (artigo 2006° C. Civil).

C. Uma coisa é a exigibilidade da obrigação de alimentos e outra - bem diferente - o nascimento dessa obrigação.

D. Existindo sentença anterior que estabelecia o regime parental, o requerido não pode ser considerado devedor, desde o momento da propositura da acção.

E. O requerido não incumpriu, em nenhum momento, o acordo de regulação de poder paternal previamente estabelecido. E judicialmente regulado.

F. Encontra-se violado, pois, por erro de interpretação e aplicação o artigo 2006º do C. Civil.

O Ministério Público contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

ªªª

            As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do Cod. Proc. Civ) – consubstanciam uma única questão: Saber a partir de que data são devidos os alimentos a menor, fixados por sentença de alteração da regulação do poder paternal.

ªªª

                                                              


I I – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Mostram-se assentes os seguintes factos:

[………………………………………..]


ªªª

            DE DIREITO

O recorrente aceita o valor de 165,00€ estabelecido na sentença recorrida que terá de pagar a cada um dos seus dois filhos menores.

Não aceita é que o pagamento de tal montante seja devido desde o momento da propositura do pedido de alteração, 5/06/2007, mas tão só desde o trânsito em julgado da sentença.

Argumenta o apelante que os alimentos já haviam sido anteriormente fixados por acordo homologado por sentença, aquando do divórcio determinado em 1/10/99, decisão que nunca incumpriu pelo que nunca esteve em mora e daí que não seja caso da previsão da 2ª parte do art. 2006º do Código Civil.

De facto, dispõe o art. 2006º do Código Civil no segmento que ora interessa que:

Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora...”.

No entender do recorrente, neste normativo faz-se a previsão de duas situações:

- para a primeira fixação, caso em que os alimentos são devidos desde a data da propositura da acção;

- para ulteriores fixações se o devedor incorrer em mora, circunstância em que então são devidos desde a data desse incumprimento.

Daí que, na sua maneira de ver, como não se trata da primeira fixação nem está em mora, os novos montantes são devidos somente após o trânsito em julgado da sentença que os fixou.

Não lhe assiste razão.

Anotam Pires de Lima e Antunes Varela, no seu “Código Civil Anotado”, vol. V, ed. 1995, pág. 585, que o art. 2006º no trecho acima transcrito distingue duas situações.

 A primeira delas corresponde à situação mais frequente, em que a obrigação nasce ex novo a requerimento judicial do carecido.

Neste âmbito várias soluções poderiam ter sido concebidas pelo legislador, para a fixação do momento a partir do qual são devidos os alimentos.

Uma delas era a de os considerar devidos desde o momento da existência da situação de carência do autor, em rigorosa conformidade com a ratio essendi.

Outra era a de os ter como exigíveis a partir da data em que a decisão proferida transitasse em julgado, por só então o devedor a poder tomar como certa, em face da certeza judicial da verificação dos seus pressupostos.

Mas o legislador acabou por optar por uma solução intermédia ao dispor que os alimentos “são devidos desde a proposição da acção”, mesmo que a situação de carência remonte a data anterior.

Pressupõe o legislador que comprovando-se em juízo a necessidade do autor, o obrigado a alimentos logo no momento em foi demandado podia e devia voluntariamente reconhecer a sua obrigação e cumpri-la. Daí que seja razoável e justo fazer retroagir a fixação da prestação alimentar ao momento da instauração da acção.

A segunda situação prevista é a de a prestação alimentícia ter sido fixada pelo tribunal ou por acordo dos interessados, mas “à margem da acção de prestação de alimentos”.

 Detalhando, reporta-se a situações em que o responsável pela prestação alimentícia não é qualquer dos obrigados naturais, algum dos progenitores dos menores, mas um terceiro por força da prática de um acto ilícito de que algum daqueles tenha sido vítima (ex. agressão corporal ou acidente de viação).

O responsável por esse acto ilícito pode ser condenado na obrigação de alimentos, não por força de vínculo familiar seu fundamento natural, mas como consequência do nexo de causalidade entre o dano causado e o facto ilícito.

Então, essa obrigação já não existe desde “a propositura da acção”, a de indemnização decorrente do acto ilícito, mas desde o momento em que o lesado pelo acto ilícito, que por si era devedor de alimentos a outrem, exija a prestação alimentícia nessa acção fixada, ou seja, desde que o aí devedor incorre em mora.

É este o sentido do trecho de que “Os alimentos são devidos…, desde o momento em que o devedor se constituiu e mora..”, a previsão de o obrigado a prestar alimentos por vinculo familiar, fixada por acordo ou decisão judicial, ser vítima de acto ilícito de terceiro e por este facto obter condenação do responsável, na correspondente acção de indemnização, no montante dos alimentos devidos.

Não configura, pois, esta previsão normativa a situação retratada nos autos e nela não se pode acolher o apelante, não havendo fundamento para aplicar este segundo segmento do art. 2006º ao pedido de alterações.

 A regra geral para o comum de todas as situações é a de que os alimentos são devidos desde a data da propositura da acção. Estando aqui em causa apenas um pedido de alteração, a 1ª parte do art. 2006º não distingue entre a acção que fixa inicialmente os alimentos e a que os altera, nem há razão para destrinça quanto a tal âmbito pois que a razão de ser da opção legislativa é-lhes comum. Também com o pedido de alteração “soou a campainha de alarme” para o demandado poder e dever, desde a data da sua apresentação, voluntariamente reconhecer a obrigação e cumpri-la, colmatar a carência do autor.

Ao contrário do alegado, este entendimento não traduz violação do princípio nemo alitur in praeteritum pois que não são pedidos alimentos do passado.

Portanto, os alimentos só serão exigíveis após o trânsito em julgado da respectiva sentença, mas no seu montante hão-de ser computadas quantias apuradas desde a data da proposição da acção.

Assim tem vindo a ser decidido jurisprudencialmente, v.g., Acs. RL de 11-7-1978, RP de 13-12-1979 e RC de 21-10-1986, in, respectivamente, BMJ 283-359 e 293-434 e CJ-1986-4-89, Ac da RP de 24/01/02, Proc. 0132025, sumariado, e Ac RL de 17/06/04, Proc.3306/2004-2 no ITIJ, e na doutrina Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 3ª ed., pág. 198.

Termos em que improcedem as conclusões das alegações do apelante.


III-DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a presente apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.