Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3523/11.2TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
ENCERRAMENTO
PROMESSA DE PRESTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 11/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 88.º, N.ºS 1, E 3. DO CIRE
Sumário: 1.A ausência de prévia declaração de suspensão duma execução nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE não obsta a que se decrete a sua extinção, desde que verificados os requisitos a que se alude no seu n.º 3.

2.Assim, apesar de não ter sido declarada a suspensão instância executiva nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, pode a mesma ser declarada extinta, quanto à executada insolvente, ao abrigo do disposto no seu n.º 3, por o processo de insolvência ter sido encerrado por insuficiência da massa insolvente.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Na execução comum que “A..., L.da”, move a “B... , L.da”, C... e D..., já todos identificados nos autos, foi, cf. despacho aqui junto de fl.s 98 a 100, declarada extinta a instância executiva, relativamente à 1.ª executada – “ B... ”, com o fundamento em a mesma ter sido declarada insolvente e o processo onde ocorreu tal declaração de insolvência ter sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, o que acarreta a extinção da execução de onde provêm os presentes autos, nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 3, do CIRE, nos termos que se passam a transcrever:

“Não obstante nos presentes autos não ter sido declarada a suspensão da instância quanto à executada B... , Lda. nos termos impostos pelo artigo 88.º n.º1 do CIRE, ainda assim se entende que a presente instância não pode deixar de ser declarada extinta quanto à mesma pelas seguintes razões:

- O processo onde foi declarada insolvente foi encerrado por insuficiência da massa insolvente nos termos do artigo 230.º, n.º1 do CIRE – cfr. fls. 36 a 38, processo n.º3281/12.3 TBVIS, cujos termos corriam pelo extinto 2.º Juízo Cível deste Tribunal;

- De acordo com o preceituado no artigo 234.º, n.º4 do CIRE, sempre que ocorrer o encerramento de um processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade deve ser comunicada à Conservatória do Registo Comercial territorialmente competente para prosseguir os termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais;

- Daí se ter ordenado no referido processo que se comunicasse “a decisão à Conservatória competente com indicação do património da insolvente (cópia do auto de apreensão) e ao Banco de Portugal” – cfr. fls. 38, 1.º parágrafo.

Resulta pois da leitura articulada destes preceitos que a execução não pode prosseguir quanto à referida executada pela simples razão de que a mesma irá ser dissolvida e liquidada nos termos do apontado regime.

De modo que, sem outros considerandos, declara-se a presente instância executiva extinta quanto à referida executada nos termos do artigo 88.º, n.º3 do referido diploma legal (na redação da Lei n.º16/2012, de 20 de Abril),.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a exequente “ A... ”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. Despacho, aqui junto a fl.s 30), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1)O presente recurso é interposto do despacho proferido na execução em referência que declarou a sua extinção quanto à executada B... – , Lda ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 88º do CIRE;

2) O Tribunal “a quo” fundamentou tal decisão articulando o supra citado nº 3 do artigo 88º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas com o nº 1 do artigo 230º e com o nº 4 do artigo 234º do mesmo diploma legal.

3) Com esta decisão o Tribunal “a quo” não só não subsumiu correctamente os factos ao direito, como também não interpretou correctamente o direito aplicável, existindo também, oposição entre os fundamentos e a decisão;

4) A presente Execução Comum foi instaurada em 06 de Dezembro de 2011, sendo o título executivo dado à execução uma letra de câmbio no montante de € 22.702,65;

5) Na presente instância executiva, a aqui Recorrente penhorou, em 05 de Março de 2014, um crédito no valor € 30.000,00 (trinta mil Euros) que a Recorrida tinha direito a receber na Acção Ordinária que com o Nº 43/12.1TBMBR correu termos pela extinta Secção Única do Tribunal Judicial de Moimenta da Beira;

6) Por força da dita penhora, tal importância encontra-se depositada à ordem dos presentes autos;

7) A Recorrida B... – , Lda foi declarada insolvente em 30 de Novembro de 2012 no Processo de Insolvência que com o Nº 3281/12.3TBVIS correu termos pelo extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu;

8) Por despacho judicial proferido em 07 de Maio de 2013 no mesmo processo de insolvência, este foi encerrado por insuficiência da massa insolvente (artigos 230º, nº 1, alínea d) e 232º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);

9) Com o encerramento daquele processo de insolvência em tais termos, cessaram todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, recuperando a Recorrida o direito de disposição dos seus bens, podendo também a Recorrente exercer os seus direitos contra a devedora, sem qualquer restrição (alínea a) e c) do nº 1 do artigo 233º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);

10) Com a cessação dos efeitos da declaração da insolvência, a Execução Comum em referência prosseguiu os seus ulteriores termos para cobrança coerciva do crédito exequendo, com a penhora do crédito referido em 5);

11) O artigo 88º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, estatui que “ A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.”;

12) Por sua vez reza o nº 3 do mesmo normativo que “As acções executivas suspensas nos termos do nº 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 230º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.”

13) Acontece que a presente instância executiva nunca foi judicialmente declarada suspensa em consequência da declaração de insolvência da Recorrida, sendo tal declaração judicial imperativa para que a suspensão produza os seus efeitos;

14) E sem a suspensão da execução nos termos do nº 1 do artigo 88º do CIRE, não podia, nem pode, a execução ser declarada extinta ao abrigo do disposto no nº 3 do mesmo preceito legal, que exige a sua prévia suspensão nos termos do nº 1;

15) Não obstante a comunicação por parte do Tribunal à Conservatória do Registo Comercial do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, não há notícia de que esteja em curso qualquer procedimento administrativo de dissolução e de liquidação da Recorrida;

16) Da certidão comercial permanente da Recorrida não resulta a conversão em definitivo do registo da decisão judicial de encerramento do processo de insolvência, donde se infere que, legalmente, o procedimento administrativo de dissolução e de liquidação ainda nem sequer foi iniciado;

17) A menção na mesma certidão à firma “ B... – – Em Liquidação” deriva apenas do registo da sentença de declaração de insolvência, não significando que esteja em curso qualquer procedimento administrativo de dissolução e liquidação (Artigo 146º nº 1 e e 3 do Código das Sociedades Comerciais);

18) Foi a própria Recorrida quem, no âmbito da recuperação da livre disposição dos seus bens e direitos em consequência do encerramento do processo de insolvência, efectuou na Conservatória do Registo Comercial em 15 de Novembro de 2013 o depósito da prestação de contas individual, depósito esse que não é legalmente admissível em caso de procedimento administrativo de dissolução e de liquidação;

19) Não existindo qualquer procedimento administrativo de dissolução e de liquidação em curso não pode a presente execução deixar de prosseguir os seus ulteriores termos contra a Recorrida;

20) A decisão constante do despacho sob recurso está ainda em oposição/contradição com os respectivos fundamentos;

21) O Tribunal “a quo” fundamenta o despacho declarando que não obstante a execução não ter sido declarada suspensa nos termos do nº 1 do artigo 88º do CIRE a execução não pode prosseguir contra a recorrida em virtude da sua dissolução e liquidação nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, procedimento esse que, como é bom de ver, ainda não existe;

22) Contrariando os respectivos fundamentos, o mesmo despacho determina na sua parte decisória a extinção da execução nos termos do nº 3 do artigo 88º do CIRE, o que pressupõe a suspensão da presente execução nos termos do nº 1 do mesmo normativo, o que, manifestamente, não aconteceu;

23)Esta contradição é causa de nulidade do despacho sob recurso (artigo 615º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil);

24) Tem, por isso, a presente execução de prosseguir os seus ulteriores termos contra a executada e recorrida B... – , Lda;

25) O douto despacho sob recurso violou por erro de interpretação e ou aplicação os artigos 88º, nºs 1 e 3, , 230º, nº 1 e 234º, nº 4, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e o artigo 615º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.

Termos em que, e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deve:

a) Ser declarada a nulidade do douto despacho sob recurso por existir contradição/oposição entre os fundamentos e a decisão;

b) Ou se assim não se entender, ser o douto despacho sob recurso revogado e substituído por outro que, dando provimento ao Recurso, declare o prosseguimento da execução contra a Recorrida – B... – , Lda, seguindo-se os demais termos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se a execução de onde provêm os presentes autos, deve ou não ser extinta.

            A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

Se a execução de onde provêm os presentes autos, deve ou não ser extinta.

Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se não obstante não ter sido declarada a suspensão daquela execução nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, pode a mesma ser declarada extinta, quanto à executada insolvente, ao abrigo do disposto no seu n.º 3, por o processo de insolvência ter sido encerrado por insuficiência da massa insolvente.

Na decisão recorrida concluiu-se pela afirmativa, nos termos acima transcritos, ao passo que a exequente entendeu que não tendo sido a mesma declarada suspensa, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, também não pode ser declarada extinta, por este se referir “às acções executivas suspensas nos termos do n.º 1”.

Resulta do preceito em referência que:

“1 – A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvente; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.

(…)

3 – As acções executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.”.

Consagra-se neste preceito a regra de que a declaração de insolvência acarreta a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens da massa insolvente, bem como obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvente.

Está assente que a insolvência da executada “ B... ” foi declarada encerrada, nos termos do disposto no artigo 230.º, n.º 1, al. d), do CIRE.

Nos termos do n.º 3 do artigo 88.º do CIRE, devem ser extintas as execuções suspensas nos termos do seu n.º 1, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º.

No artigo 88.º, n.º 3, ora referido, veio, expressamente, a definir-se o destino das acções suspensas, nos casos nele mencionados, estabelecendo-se que, por regra, as mesmas se extinguem, ressalvado o exercício do direito de reversão.

Mas será que, in casu, não pode tal extinção ser decretada, por, previamente, não ter sido decretada a suspensão da execução, nos moldes referidos no n.º 1 do artigo 88.º?

Cremos que sim.

Efectivamente, como referem, Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª edição actualizada, Quid Juris, Lisboa, 2013, a pág. 456 “O regime instituído no n.º 1, na parte inicial, é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado. Já se vê, porém, que, naturalmente, ele só será efectivamente concretizado quando tribunal onde se verifica a diligência ou a providência tenha conhecimento do facto suspensivo.”.

Ora sendo, como é, efectivamente, automática a suspensão de uma execução, logo que declarada uma insolvência, a mesma concretiza-se logo que chegue ao conhecimento do tribunal onde corre a execução/providência a suspender, independentemente da vontade das partes ou do ónus de o requerer.

Conhecimento, este, que pode advir ao tribunal antes ou depois do encerramento do processo de insolvência, v.g., por insuficiência da massa insolvente.

Caso em que, como decorre do n.º 3 do artigo 88.º do CIRE, se impõe a extinção da execução que se supõe, previamente, suspensa.

Mas a ausência de tal prévia declaração de suspensão não pode obstar a que, agora, se decrete a sua extinção, determinada no referido artigo 88.º, n.º 3, só pelo facto de a mesma não ter sido anteriormente declarada suspensa.

A regra é de que logo que conhecido o facto suspensivo, se decrete a suspensão a que se alude no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE, mas se a mesma não chegar ao conhecimento do tribunal onde corre a suspensão tal não obsta a que se decrete a sua extinção, desde que verificados os requisitos a que se alude no seu n.º 3, sob pena de se passar a dar um tratamento diferente a situações iguais, só porque numas e noutras o conhecimento do facto suspensivo chegou, chegou mais tarde, ou não chegou ao tribunal onde corre a execução ou providência a suspender.

O que se determina no n.º 3 do artigo 88.º do CIRE é a extinção das execuções, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º.

Se o conhecimento da pendência da insolvência veio a tempo de declarar suspensa a execução pendente contra o executado insolvente, deve ser suspensa a execução nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRE, se o não foi, deve, nos termos expostos, declarar-se a sua extinção, cf. o seu n.º 3.

Só assim não seria, estamos em crer, dada a faculdade a que se alude no artigo 233.º, n.º 1, al. c), do CIRE, se se tratasse de execução já intentada depois de ser declarado o encerramento da insolvência. Mas tratando-se, como se trata, de execução já pendente aquando da declaração de insolvência, aplica-se-lhe o regime do citado artigo 88.º do CIRE e, em consequência, tem de se declarar a sua extinção, quanto à executada insolvente, pelo que nada há a censurar à decisão recorrida.

Do mesmo modo se diga que esta não padece da assacada nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do NCPC.

Não se trata de contradição entre os seus fundamentos e a decisão, mas sim de “diferente leitura” do Direito aplicável, de uma diversa interpretação do estatuído no artigo 88.º do CIRE.

Assim, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

            Coimbra, 03 de Novembro de 2015.

           

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves