Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4339/19.3T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO IMEDIATO DO MÉRITO DA CAUSA
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 595.º, N.º 1, ALÍNEA B) DO CPC
Sumário: O estado do processo não permite conhecer do mérito da causa se, findos os articulados, forem controvertidos os factos que sustentam a defesa do réu consistente na alegação de que caducaram as garantias autónomas cujo cumprimento é reclamado na acção.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

O Município de L..., com os sinais dos autos,

intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra

N..., S.A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação do R. «(…) a pagar ao Autor o valor das garantias first demand corporizadas nos documentos nºs 1 a 7 juntos a este articulado [a petição inicial], no montante de 1 040 032,15 € (um milhão, quarenta mil e trinta e dois euros e quinze cêntimos), acrescido dos juros à taxa contratual correspondente à taxa máxima de juro praticada pelo N... para as operações activas, que é de 15% ao ano, contados do dia 4/06/2019 ate integral pagamento, liquidando-se os juros já vencidos em 50.434,44 euros.».

Alegou, para tanto, em síntese ([1]):

- em 08/04/2009, o “B..., S.A.” (doravante, B...), celebrou a favor da sociedade “L..., S. A.”, um contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.”, do contrato que tinha por objeto a empreitada de conceção/construção com estudo prévio, do P...;

- por tal contrato o B... obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a “I..., S.A.” assumisse com a celebração desse contrato, tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido;

- no dia 04/08/2009, o B... celebrou a favor da referida sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.”, do contrato que tinha por objeto a empreitada de conceção/construção com estudo prévio, do aludido P..., outorgado com a referida sociedade “L...”, obrigando-se o banco a pagar aquela quantia à primeira solicitação;

- no dia 14/12/2009, o mesmo B... celebrou a favor da sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.” do contrato que ela e a “L...” haviam outorgado e que tinha por objeto a mesma empreitada, obrigando-se o banco a pagar aquela quantia à primeira solicitação;

- em 23/04/2010, o B... celebrou a favor da sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma, no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.” e obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação;

- no dia 19/07/2010, o mesmo B... celebrou a favor daquela “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “C..., S.A.” do contrato que ela e a “L...” haviam outorgado e que tinha por objeto a dita empreitada, sendo que por tal contrato o banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação;

- no dia 11/01/2010, o B... celebrou a favor da sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “C..., S.A.” do contrato que ela e a “L...” haviam outorgado, sendo que por tal contrato o banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação;

- no dia 30/01/2009, o B... celebrou a favor da “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 740.032,15, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para o consórcio “I..., S.A.” do contrato outorgado com a “L...”, obrigando-se o banco a pagar aquela quantia à primeira solicitação;

- após vicissitudes várias, passou a ser o Município o titular da posição acionista correspondente a 49% do capital social que a empresa “L...” detinha na “L...”, com efeitos a 30/09/2014;

- em 04/02/2016 foi, em assembleia geral da “L...”, realizada com a presença de todos os seus acionistas, deliberado autorizar a cessão gratuita, a favor da sociedade, da totalidade das ações de que eram titulares os acionistas privados;

- em 2016, a Assembleia Municipal deliberou a dissolução imediata da empresa “L..., S.A.”, com internalização das suas atividades, incluindo todos os ativos e passivos, resultando a incorporação no Município do objeto do contrato de empreitada referente ao dito P..., passando este a deter a posição jurídica de beneficiário das garantias em questão;

- na sequência de auto de vistoria e tendo em conta as anomalias existentes, em 26/01/2019 foram as empresas que constituíam o consórcio notificadas para procederem à respetiva reparação, no prazo de 90 dias, o que, porém, não ocorreu, pelo que o Município deliberou o acionamento das garantias bancárias first demand e, em 31/05/2019, solicitou ao aqui R. o seu pagamento, o que este recusou, sem razão, mediante a invocação de a sociedade “L...” se encontrar extinta, com a consequência de ter deixado de existir beneficiária para as garantias bancárias ([2]).

Contestou o R. (N..., S.A.), defendendo-se por impugnação, invocando, designadamente, o desconhecimento do anterior relacionamento entre as diversas sociedades aludidas, e por exceção, âmbito em que invocou, para além do mais, ter-lhe sido solicitado o cancelamento das garantias pelas ordenantes, ter verificado, na sequência, que a respetiva beneficiária («L...») já se encontrava dissolvida e liquidada desde dezembro de 2016.

Esgrimiu também depender a transmissão da posição de beneficiário das garantias para o A. de consentimento do R., nunca solicitado, nada lhe tendo sido notificado a respeito, estando ainda configurado abuso do direito, na modalidade de supressio, tornando ilegítima e inatendível qualquer posição jurídica ativa a que se arroga o A., sendo ainda que, caso assim não se entendesse, haveria direito de regresso contra as ordenantes das garantias.

Concluiu, assim, pela improcedência da ação e, caso assim não se entendesse, pela admissão da intervenção acessória das ordenantes das garantias ([3]).

O A., notificado, veio expressar que, havendo, no caso, defesa por exceção, mas não reconvenção, não há lugar a réplica (art.º 584.º do NCPCiv.), podendo a resposta admissível ser deduzida na audiência prévia ou, na ausência desta, na audiência final, para esse momento, por isso, remetendo a sua resposta/contraditório.

A sociedade “C..., S.A.”, na qualidade de interveniente acessória (assistente do R.) apresentou contestação, invocando que:

- as garantias bancárias identificadas nos autos se encontram canceladas, não tendo qualquer efeito jurídico;

- à carta do Município de 17/10/2018, informou a Chamada “C..., S.A.” que não iria participar na vistoria agendada pelo Município, por a receção definitiva da obra do P... já ter ocorrido em 07/09/2017 e por o ato convocado, para além de não ter qualquer sustentação legal, ser inútil;

- pugnando assim pela total improcedência da ação.

Também “F..., S.A.”, chamada a intervir como parte acessória, deduziu contestação, apresentando defesa por exceção e por impugnação:

- para além da matéria de exceção (incompetência em razão da matéria), alegou que:

- no exercício da sua atividade, agindo em consórcio, na sequência do respetivo concurso público, celebrou um contrato de empreitada de obras públicas com a já extinta sociedade anónima, constituída, na altura, como uma parceria público-privada (PPP), “L..., S. A.”, nos termos do qual esta adjudicou a construção do P...;

- em virtude desse contrato, o banco R., a pedido da chamada, aprovou a garantia bancária prestada a favor daquela sociedade, “L...”, a título de caução, para garantir o exato e pontual cumprimento das suas obrigações contratuais;

- aquela só se manteria em vigor até à sua extinção, nos termos previstos na legislação aplicável (DLei n.º 59/99, de 02-03) e a beneficiária daquelas garantias só poderia executá-las, se demonstrasse, de forma objetiva, que a ré ou alguma das suas consorciadas, haviam incumprido o contrato celebrado entre si;

- as garantias sempre se extinguiriam com a receção definitiva da obra, que ocorreu em, pelo menos, em 07/09/2017;

- a obra foi entregue e disponibilizada à “L...” (dona da obra), iniciando-se o respetivo período de garantia (5 anos), durante o qual a empreiteira/entidade executante está obrigada a realizar, por sua conta, todos os trabalhos de correção e reparação de quaisquer deficiências supervenientes, em decorrência de defeito de execução inicial ou dos materiais utilizados na mesma;

- a obra foi utilizada, pela primeira vez, em termos públicos, em 04/01/2012 e, até ao verão de 2012, foram ali sendo realizados outros eventos, o que corrobora que a obra estava concluída e havia sido efetivamente entregue ao dono da obra, estando em condições de ser plenamente utilizada.

Notificadas as partes para informarem se nada opunham à dispensa da audiência prévia, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova por despacho escrito, nenhuma oposição foi deduzida.

Porém, em novo despacho, o Tribunal, admitindo a possibilidade de conhecer de imediato do mérito da ação [art.º 595.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv.], determinou a notificação das partes para assegurar o princípio do contraditório, evitando decisões surpresa, e alegarem o que houvessem por conveniente.

O A./Município, notificado, veio alegar, pronunciando-se, designadamente sobre o invocado abuso do direito e concluindo pela procedência da ação, enquanto o R., por sua vez, concluiu pela total improcedência da mesma.

Após o que foi proferido despacho saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa – considerou-se «que os elementos e o estado dos autos assim o permitem» –, em cujo dispositivo, julgando improcedente a ação, se determinou «a absolvição dos réus do pedido».

Inconformado, o A. recorre do assim decidido, apresentando alegação recursiva, onde formula as seguintes

Conclusões ([4]):

4.1 Quanto à nulidade da sentença

1. A sentença, como dela consta, decidiu além do mais que:

Como referido, na cessão de posição contratual, sempre dependeria do consentimento do Réu N... a possibilidade de proceder à cessão da posição contratual que originariamente pertencia à L..., o que não sucedeu.

Pelo exposto, não pode o Autor reclamar a titularidade da posição contratual.

O Autor não pode reclamar e assumir a posição de beneficiário das Garantias sem que o Réu interviesse nesse processo dando a sua autorização ou assentimento, ou pelo menos que dessa intenção lhe fosse dado conhecimento.

2. A decisão, no segmento transcrito, funda-se na defesa do Recorrido, N..., e nos factos por ele alegados nos artigos 8º, 9º, 10º e 12º da contestação, onde invoca que não deu o consentimento à suposta transmissão da posição de beneficiário das Garantias para o Autor, que nunca lhe foi solicitado por quem quer que fosse, que lhe não foi notificada, da qual não teve conhecimento e para qual — refirmou —, lhe não foi pedido o consentimento.

3. Nenhum de tais factos consta do elenco dos provados da sentença.

4. Não estando julgados provados os factos que servem de fundamento à decisão, existe directa e insanável contradição entre os fundamentos (de facto) e a decisão, o que importa a nulidade desta (artº 615º, nº 1, al. c) do CPC), invalidade que de forma expressa se invoca.

4.2 Quanto à violação do disposto no artigo 572º, al. c) do CPC (erro de julgamento)

5. O N..., na sua contestação, não procedeu à especificação separada de qualquer excepção.

6. A decisão recorrida, ao fundamentar-se em factos alegados pelo Réu N... na sua Contestação, sem que nela se encontre especificada nenhuma excepção, violou o disposto no artigo 572º, al. c) do CPC, tendo julgado erradamente tal factualidade com provada, devendo por isso ser revogada.

4.3 Quanto à anulação da decisão (artigo 662º, nº 2, al. c) do CPC).

7. Saber se houve ou não comunicação ao N..., se este deu ou não o seu assentimento, ou autorização, ou consentimento, à suposta transmissão da posição de beneficiário das Garantias para o Autor, ou se ao menos lhe foi dado conhecimento dessa intenção, é matéria de facto controvertida (artºs 572º, al. c) e 3º, nº 4 do CPC), carecida de prova.

8. Nos autos não se realizou audiência prévia nem julgamento.

9. Não existe documento que, por si, imponha uma qualquer decisão quanto a tal factualidade.

10. E pelas partes foi junta aos articulados prova documental e arrolada prova testemunhal, tendo a Recorrente requerido também a produção de prova por documentos em poder da parte contrária (cfr. requerimento refª CITIUS ..., de 6/01/2020), que contende exactamente com essa matéria

11. Dos autos não resultam, portanto, todos os meios de prova necessários para que a Relação, quanto a essa matéria, possa substituir-se ao tribunal recorrida e modificar a decisão de facto.

12. Ora, em tal circunstância, verifica-se a situação a que se reporta o artigo 662º, nº 2, al. c) do CPC, devendo a decisão ser anulada ordenando-se a baixa do processo para que prossiga os seus ulteriores termos.

4.4 Quanto à violação de lei substantiva

13. As empresas locais têm como objecto exclusivo a exploração de actividades de interesse geral ou a promoção do desenvolvimento local e regional, sendo proibida a constituição de empresas locais ou a aquisição de participações que confiram uma influência dominante, cujo objeto social não se insira nas atribuições dos respetivos municípios, associações de municípios, independentemente da respectiva tipologia, ou áreas metropolitanas (cfr. artº 20º, nºs 1 e 5 do RJAEL).

14. Ou seja: as empresas locais correspondem a uma externalização de actividades necessariamente compreendidas nas atribuições de entidade pública participante, no caso, o Município de L..., razão pela qual, aliás, as actividades a cargo das empresas locais ou das entidades participadas não podem ser prosseguidas pelas entidades públicas participantes na pendência da respetiva exter-nalização e na sua exacta medida (cfr. artº 6º, nº 2 do RJAEL).

15. A internalização da actividade não é mais que o retorno à situação originária do exercício pela entidade participante das actividades contidas nas suas atribuições próprias externalizadas, externalização que poderia ou não fazer e que, fazendo-a, poderia concretizar através de empresa local ou de serviços municipalizados (cfr. artº 2º do RJAEL).

16. À data da internalização o Autor, aqui Recorrente, era o único accionista da sociedade L...; a L... era a dona da obra; o Município passou a ser o dono da obra.

17. Dos factos provados elencados na sentença recorrida sob os pontos 8.28 a 8.39 (tendo presente o disposto no artigo 65º do RJAEL), decorre que da internalização da actividade susceptível de ser externalizada, resultou a incorporação no Município do objecto do contrato de empreitada de concepção/construção com estudo prévio, isto é, do P... e a substituição pelo Município à L..., pela extinção desta, na posição jurídica de dona da obra e de beneficiária das garantias em apreço, também ali expressamente mencionadas, posição jurídica essa que, portanto, se não extinguiu (cfr. pág. 17/17 do doc. n° 19 da Petição Inicial).

18. A interpretação que a decisão recorrida fez do disposto no artigo 65º do RJAEL, de cuja norma pretendeu extrair a consequência de que pela internalização não pode decorrer a transmissão para o Município, de activos, passivos e posições contratuais da empresa municipal, é ilegal, sendo incompreensível por exemplo à luz da noma do artigo 62º, nº 17 ou do artigo 65º-A, nºs 1 e 2 do mesmo Diploma.

19. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 65º do RJAEL, bem como nos artigos 20º, nºs 1 e 5, artº 6º, nº 2 e 2º do mesmo Diploma, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente.

4.5 Sem prescindir: quanto, de novo, à anulação da decisão (artigo 662º, nº 2, al. c) do CPC).

20. Mesmo que as garantias se não tenham transmitido por força da lei em consequência da internalização, a lei não proíbe que as partes tenham aceite tal transmissão em consequência da internalização (ou por outra causa).

21. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (artº 405º, nº 1 do CPC).

22. A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir (artº 219º do Código Civil).

23. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa quanto feita por palavras, escrito ou outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam, sendo que o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (artº 217º, nºs 1 e 2 do Código Civil).

24. Saber se aquilo que a sentença recorrida dá conclusivamente por resolvido (se houve ou não consentimento — expresso ou tácito, como a lei prevê — do N..., se lhe foi ou não dado conhecimento de que o Município era o beneficiário das garantias, se houve ou não reconhecimento de tal qualidade), deve ou não julgar-se provado, é questão impossível de decidir desde já sem o prosseguimento dos autos para a apreciação de tal matéria que, no fundo, se reconduz à matéria materialmente exceptiva (embora como tal não tenha sido especificada separadamente) alegada pelo Recorrido N... nos artigos 1º a 12º da sua contestação.

25. E para tal há que apreciar e valorar os meios probatórios já existentes nos autos (designadamente o documento nº ... da contestação do Recorrido, N..., os documentos nº 8 da contestação da interveniente I..., S.A., e da contestação da interveniente F..., S.A., para o qual a interveniente C..., S.A., igualmente remeteu no artigo 3º da sua contestação, o documento nº ...1 da contestação da interveniente F..., S.A.) e dos que sobre tal matéria poderão ser produzidos (desde logo, a prova testemunhal arrolada e a prova por documentos em poder da parte contrária já requerida pelo Recorrente no seu requerimento refª CITIUS ..., de 6/01/2020).

26. Quando se entenda, pois, que a decisão recorrida não violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 65º do RJAEL, é manifesto que do processo não constam ainda todos os factos nem todas as provas que os demonstram e que permitam decidir a questão essencial de direito, de saber se houve ou não, relativamente às garantias bancárias, sucessão na posição de beneficiário das mesmas e se, portanto, pode ou não o aqui Recorrente exigir ao Recorrido, N..., o seu pagamento.

27. Deve, pois, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, al. c) do CPC, a decisão ser anulada ordenando-se a baixa do processo para que prossiga os seus ulteriores termos, com vista à consequente ampliação da matéria de facto, com a elaboração de novo despacho saneador e dos subsequente termos processuais.

JUSTIÇA”.

O R./Recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([5]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([6]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber ([7]):

a) Se ocorre a invocada causa de nulidade da decisão recorrida [contradição entre fundamentos e decisão, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.];

b) Se deve ser anulada a decisão ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv. (por haver matéria relevante controvertida ainda carecida de averiguação/prova, não estando os autos preparados para decisão de meritis);

c) Se deve ser sancionada a invocada violação do disposto no art.º 572.º, al.ª c), do NCPCiv.;

d) Se incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento de direito, obrigando à revogação da decisão recorrida, em matéria de transmissão (por internalização) de ativos, passivos e posições contratuais para o Município, com a consequência da procedência da ação.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade considerada apurada na decisão em crise ([8]):

«8.1. Em 8 de Abril de 2009, o B..., S.A., celebrou a favor da sociedade L..., S.A., um contrato de garantia autónoma no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade I..., S.A., NIPC ..., com sede em ..., do contrato que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P..., outorgado com a referida sociedade L..., Lda (doc. nº 1 junto com a PI).

8.2. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a empresa I..., S.A. assumisse com a celebração desse contrato (doc. nº ..., junto com a PI).

8.3. Tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações activas (doc. nº 1 junto com a PI).

8.4. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção ”nos termos previstos na legislação aplicável” (doc. nº 1, junto com a PI).

8.5. No dia 4 de Agosto de 2009, o B..., S.A., celebrou a favor da referida sociedade L..., S.A., outro contrato de garantia autónoma no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade I..., S.A., NIPC ... com sede em ..., do contrato que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P..., outorgado com a referida sociedade L..., Lda (doc. nº 2, junto com a PI).

8.6. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a empresa I..., S.A., assumisse com a celebração desse contrato (doc. nº ..., junto com a PI).

8.7. Tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações ativas (doc. nº 2, junto com a PI).

8.8. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção “nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 599/99, de 2 de Março)” (doc. nº 2 junto com a PI).

8.9. No dia 14 de Dezembro de 2009, o B..., S.A., celebrou a favor da sociedade L..., S.A., outro contrato de garantia autónoma no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade I..., S.A., NIPC ..., com sede em ..., do contrato que ela e a L... S.A., haviam outorgado e que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P... (doc. nº 3, junto com a PI).

8.10. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a empresa I..., S.A., tivesse assumido com a celebração desse contrato (doc. nº ..., junto com a PI).

8.11. Tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações activas (doc. nº 3, junto com a PI).

8.12. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção “nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 599/99, de 2 de Março)” (doc. nº 3, junto com a PI).

8.13. No dia 23 de Abril de 2010, o mesmo B..., S.A., celebrou a favor da sociedade L..., S.A., outro contrato de garantia autónoma no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade I..., S.A., NIPC ..., com sede em ..., do contrato que ela e a L... S.A. haviam outorgado e que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P... (doc. nº 4, junto com a PI).

8.14. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a empresa I..., S.A., tivesse assumido com a celebração desse contrato (doc. nº ..., junto com a PI).

8.15. Tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações activas (doc. nº 4, junto com a PI).

8.16. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção “nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 599/99, de 2 de Março)” (doc. nº 4, junto com a PI).

8.17. No dia 19 de Julho de 2010, o mesmo B..., S.A., celebrou a favor da sociedade L..., S.A., outro contrato de garantia autónoma no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade C..., S.A., NIPC ..., com sede em ..., do contrato que ela e a L... S.A., haviam outorgado e que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P... (doc. nº 5, junto com a PI).

8.18. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a empresa C..., S.A., tivesse assumido com a celebração desse contrato (doc. nº ..., junto com a PI).

8.19. Tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações activas (doc. nº 5, junto com a PI).

8.20. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção “nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 599/99, de 2 de Março)” (doc. nº 5, junto com a PI).

8.21. No dia 11 de Janeiro de 2010, o mesmo B..., S.A., celebrou a favor da sociedade L..., S.A., outro contrato de garantia autónoma no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade C..., S.A., NIPC ..., com sede em ..., do contrato que ela e a L... S.A., haviam outorgado e que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P... (doc. nº 6, junto com a PI).

8.22. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a empresa C..., S.A., tivesse assumido com a celebração desse contrato (doc. nº ..., junto com a PI).

8.23. Tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações activas (doc. nº 6, junto com a PI).

8.24. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção “nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 599/99, de 2 de Março)” (doc. nº 6, junto com a PI).

8.25. No dia 30 de Janeiro de 2009, o mesmo B..., S.A., celebrou a favor da sociedade L..., S.A., outro contrato de garantia autónoma no valor de 740.032,15 euros (setecentos e quarenta mil e trinta e dois euros e quinze cêntimos), destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para o consórcio I..., S.A. do contrato outorgado com a L... S.A., e que tinha por objecto a empreitada de concepção/construção com estudo prévio, do P... (doc. nº 7, junto com a PI).

8.26. Por tal contrato o Banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o Banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que o consórcio assumisse com a celebração desse contrato, tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido, findo o qual, sem que pagamento fosse realizado, se contariam juros moratórios à taxa mais alta praticada pelo Banco para as operações activas (doc. nº 7, junto com a PI).

8.27. Ainda por tal contrato, o Banco obrigou-se a, em qualquer circunstância, não poder denunciar a garantia que, por sua vez, se manteria em vigor até à sua extinção “nos termos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei nº 599/99, de 2 de Março)” (doc. nº 7, junto com a PI).

8.28. Todas as garantias autónomas, à primeira solicitação, foram, pois, prestadas a favor do dono da obra objecto de tal contrato de empreitada, de concepção e construção, com estudo prévio, do P..., contrato esse celebrado no dia 28 de Janeiro de 2009 e (documento nº ..., junto com a PI).

8.29. Em 31/05/2007, a empresa municipal L... - Gestão de Equipamentos Municipais, E.M., e as empresas I..., S.A., F..., S.A., E... - Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, S.A. e C..., S.A., tinham constituído entre si, por escritura pública, uma sociedade comercial anónima de capitais minoritariamente públicos sob a designação de L..., S.A., com o capital social de cem mil euros, na qual a L... ficou titular de uma participação correspondente a 49% do capital social (doc. nº 9, junto com a PI).

8.30. Tal sociedade, L..., S.A., cujo objecto consistia na construção, gestão e conservação de equipamentos culturais, de serviços desportivos e recreativos e na construção e gestão de infra-estruturas turísticas e urbanísticas, foi concebida como uma parceria público-privada, na modalidade de sociedade anónima de capitais minoritariamente públicos, essencialmente com vista à concepção, financiamento, construção, gestão e manutenção de um P... e de um edifício técnico administrativo municipais, incluindo respectivos parques de estacionamento.

8.31. A accionista L... E.M., por sua vez, foi constituída por escritura lavrada em 04/08/2006, na vigência da Lei nº 58/98, de 18/08, com a natureza de empresa pública municipal, tendo a sua constituição sido aprovada em sessão da Assembleia Municipal de L... de 21/04/2006 (assunto 06, a fls. 35 e seguintes da respectiva acta), sob proposta da Câmara Municipal aprovada em reunião de 11/04/2006 (doc. nºs 10, 11 e 12, junto com a PI).

8.32. Em 22/05/2009 e nos termos do disposto no art.º 48º da Lei nº 53-F/2006, de 29 de Dezembro, os respectivos estatutos foram adaptados ao Regime Jurídico do Sector Empresarial Local, pelo que, em face do quadro normativo vigente, a empresa L... E.M, passou a ser a partir dessa data uma empresa municipal, com a natureza de entidade empresarial local com a denominação L... - Gestão de Equipamentos Municipais, E.E.M. (doc. nº 13, junto com a PI).

8.33. Sob proposta da Câmara Municipal, de 19 de Fevereiro de 2013 (assunto 10, a fls. 10 e seguintes da respectiva acta), foi pela Assembleia Municipal deliberada em 25 de Fevereiro de 2013 (assunto 08, a fls. 50 e seguintes da respectiva acta) a dissolução da empresa L..., EEM, devendo as atividades por si desenvolvidas ser objeto de internalização nos serviços da Câmara Municipal ..., nos termos dos artigos 62.º e 63.º, da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto. (docs. nºs 14 e 15, junto com a PI).

8.34. Com internalização da sua actividade no Município, consequente à sua dissolução e liquidação, passou a ser o Município o titular da posição accionista correspondente a quarenta e nove por cento do capital social que a L... detinha na L..., S.A., com efeitos à data do encerramento da liquidação e internalização, de 30 de Setembro de 2014.

8.35. Em 4 de Fevereiro de 2016 foi em assembleia geral da L..., S.A., realizada com a presença de todos os seus acionistas, tomada deliberação social que autorizou a cessão gratuita a favor da sociedade, da totalidade das acções de que eram titulares os accionistas privados (acta nº ...6 da Assembleia Geral, doc. nº 16, junto com a PI).

8.36. A sociedade comercial participada, L..., S.A., passou a assumir a qualidade de empresa local, por força do preenchimento da previsão constante do artigo 19º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local e das Participações Locais (RJAEL), aprovado pela Lei nº 50/2012, de 31/08/2012.

8.37. Em 21/07/2016 pela Assembleia Municipal deliberada, sob proposta da própria Mesa, a dissolução imediata da empresa L..., S.A., com internalização das suas actividades, que são as que se encontram abrangidas pelo objeto social da sociedade dissolvida, de gestão e conservação de equipamentos culturais, de serviços desportivos e recreativos, e com todos os seus activos e passivos (assunto 01, a fls. 2 e seguintes da respectiva acta, doc. nº ...7, junto com a PI).

8.38. Em 29/11/2016 a mesma Assembleia Municipal aprovou o plano de internalização proposto pelo Executivo, estando constando da respectiva acta o seguinte (doc. nº 18- assunto 13, a fls. 39 e seguintes): Deliberação: Analisado o assunto e colocado à votação, a Assembleia Municipal deliberou, por maioria, com dezanove votos a favor, seis votos contra e duas abstenções, concordar integralmente com a proposta da Câmara Municipal, aprovando, assim, o Plano de internalização das atividades da empresa L..., S.A.., nos termos do disposto no nº 12 do artigo 62º da Lei nº 50/2012, de 31.08 (regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais), bem como aprovar a consequente liquidação da empresa L..., S.A.. (documento nº ...9, junto com a PI)

8.39. O Município deliberou por unanimidade, em reunião do executivo municipal, o accionamento das garantias bancárias first demand objecto da presente acção (doc. nº 49, junto com a PI assunto 41).

8.40. Em 31 de Maio de 2019 o Município solicitou ao Réu N..., S.A. o seu pagamento (doc. nº 50, junto com a PI).

8.41. O N..., S.A., com sede na Avenida ..., em ... e com o capital social de 4.900.000.000,00€, foi constituído, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), e tem por objecto social, designadamente, a administração dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do B..., S.A., para o N..., S.A. e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º.-A do RGICSF.

8.42. O Réu recusou tal o pagamento referindo que a sociedade L..., S.A. se encontrava extinta, pelo que havia deixado de existir beneficiária para as garantias bancárias (doc. nº 51, junto com a PI).».

B) Da nulidade da decisão e da impreparação dos autos para decisão de mérito

1. - Invoca o Apelante que a decisão recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., tratando-se, assim, do vício de contradição (no caso, oposição entre os fundamentos de facto e a decisão).

Cabia-lhe, por isso, mostrar onde se encontra consubstanciado no saneador-sentença apelado – que julgou improcedente a ação – aquele vício gerador de nulidade, o que devia ser feito nas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Mas o impugnante pretende mais, posto pedir, outrossim, a revogação da decisão recorrida, por prematura e infundada, e a sua substituição por outra que relegue para final o conhecimento do mérito, por estar (a respetiva factualidade de suporte) dependente da prova a produzir, devendo, nessa perspetiva, ordenar-se o prosseguimento dos autos.

Vejamos.

É certo que o art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c),  com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos e decorrente dispositivo, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada (plano formal).

Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição ou ainda por falta de sintonia com o dispositivo –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([9]).

Ora, nos moldes em que invocada em sede de conclusões de recurso, a dita contradição respeitará a uma oposição entre fundamentação de facto e dispositivo, sabido que se trata, no caso, de dispositivo absolutório.

Em que termos nucleares ocorreria essa invocada contradição – em que se consubstancia concretamente – é explicitado no acervo conclusivo: refere o Apelante que na fundamentação de direito se expôs que «na cessão de posição contratual, sempre dependeria do consentimento do Réu N... a possibilidade de proceder à cessão da posição contratual que originariamente pertencia à L..., o que não sucedeu. // Pelo exposto, não pode o Autor reclamar a titularidade da posição contratual.» (itálico aditado). Daí, pois, a improcedência da ação ([10]).

Ora – conclui o Recorrente –, inexiste qualquer factualidade no quadro dos factos dados como apurados que mostre que tal «não sucedeu» ([11]).

O Apelado, por sua vez, defende que a contraparte se equivoca quanto ao ónus de alegação e prova, considerando, diversamente, que era o A. quem teria de alegar e provar a existência desse consentimento/conhecimento, sem o que a ação logo teria de improceder, por se tratar de um elemento constitutivo do direito invocado.

E – reforça o R./Recorrido – o que na decisão se pretendeu significar foi, precisamente, que, não tendo o A. alegado esse consentimento, também não o poderia provar, tudo se passando, em sede de fundamentação jurídica, como se o mesmo não tivesse existido (daí a expressão “o que não sucedeu”).

Na decisão recorrida, entendendo-se que o caso é de “cessão da posição contratual” – e não “uma mera cessão de créditos” –, considerou-se aplicável o disposto no art.º 599.º do CCiv. (e não o art.º 582.º do mesmo Cód.), sendo que, à luz do n.º 2 desse art.º 599.º, havendo efetiva cessão da posição contratual e «não tendo havido intervenção nessa cessão por parte do garante ora executado, a garantia não se mantém». Só assim não seria se houvesse «consentimento expresso» (por ser “necessário o acordo do garante”), não bastando «uma eventual comunicação ao garante e o silêncio deste».

Ora, cabe dizer que, percorrida a parte fáctica da decisão em crise, é certo que ali nada consta no sentido de não ter sucedido o dito consentimento do R. N....

Tal, porém, não configura contradição/oposição para o efeito da invocada nulidade da decisão, visto que os fundamentos nesta exarados – tanto os de facto, como os de direito – não conduzem a uma conclusão oposta à que foi expressa no dispositivo absolutório ([12]).

Na verdade, lida a decisão, dos seus fundamentos não resulta que a conclusão lógica a extrair fosse a contrária à improcedência da ação e ocorrida «absolvição dos réus do pedido».

Em suma, improcede a pretendida nulidade do saneador-sentença.

2. - Mas estarão os autos preparados para prolação de decisão de mérito, como a que foi proferida?

A resposta a esta questão depende, visto o desfecho diagnosticado à ação em 1.ª instância e o caminho seguido para aí chegar, de saber se pode, desde já, ter-se por adquirido que não ocorreu/sucedeu o dito consentimento do R. N... para a configurada cessão da posição contratual, tendo em conta o convocado preceito do art.º 599.º, n.º 2, do CCiv..

Na decisão em crise, apoiando-se, de algum modo, em jurisprudência de Tribunais superiores ([13]), foi entendido que cabia ao A. alegar a existência do consentimento do garante (banco), no âmbito da dita cessão da posição contratual, sob pena de extinção da garantia.

E é certo ser jurisprudência sólida do STJ que:

«I - O contrato de garantia bancária, não se encontrando previsto na nossa legislação, é aquele pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

II - A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal).

III - Nela estão em jogo três negócios jurídicos: (i) o contrato – base, em que são partes o dador da ordem, o mandante da garantia, e o beneficiário; (ii) o contrato qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e (iii), por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia discussão dos bens do beneficiário ou a impossibilidade da obrigação por este contraída.

IV - Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia, autonomia que a distingue, assim, da fiança.

V - A garantia autónoma à primeira solicitação vale somente para o negócio-base nela mencionado e, ocorrendo cessão da posição contratual por banda do dador da ordem, operada entre ele e um terceiro, com a anuência expressa do beneficiário e com o desconhecimento do garante, a garantia extingue-se, sendo legítima a recusa do garante.» ([14]).

Dispõe o aludido art.º 599.º, n.º 2, do CCiv. que se mantêm nos mesmos termos as garantias do crédito, com exceção das que tiverem sido constituídas por terceiro (ou pelo antigo devedor), que não haja consentido na transmissão da dívida.

Como, a este propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela, quanto «às garantias prestadas por terceiro (por ex., a fiança) ou pelo antigo devedor que não haja consentido na transmissão», as quais “caducam”, o fiador (terceiro), «ao assumir a garantia, não podia deixar de ter atendido à pessoa do devedor. O mesmo se pode dizer do obrigado que garantiu, por exemplo, mediante hipoteca, o cumprimento de uma obrigação. Pode não querer – é natural que não queira – responsabilizar-se por um terceiro, a quem, sem seu consentimento, foi transmitida a dívida. Se, porém, o devedor consentiu que a obrigação fosse assumida por terceiro, implicitamente consentiu em manter a garantia» ([15]).

Lida a petição inicial, constata-se que o A. nada referiu quanto a ter ocorrido, ou não, o dito conhecimento e consentimento do R. para a configurada cessão da posição contratual, sabido – isso sim – que não se trata de substituição de sujeitos (quanto à transmissão) pelo lado do devedor, mas pelo lado do beneficiário (o credor) ([16]), a quem o banco (garante) se obrigou a pagar, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

Ora, como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela – no texto aludido –, trata-se de um caso de caducidade da garantia do crédito: como decorre do preceito do n.º 2 do art.º 599.º do CCiv., a regra é a da manutenção das garantias do crédito, salvo – exceção –, quanto ao que ora importa, as que tiverem sido constituídas por terceiro, que não haja prestado consentimento à transmissão (da dívida).

Assim, acionada a garantia pelo A., com pedido de pagamento ao banco (garante), é este, em contestação (cfr. os respetivos art.ºs 8.º a 12.º), que vem invocar a falta de conhecimento e consentimento para a cessão da posição contratual do beneficiário (credor), no sentido de se eximir a tal pagamento, através da improcedência da ação.

Quer dizer, o banco bate-se pela caducidade da garantia do crédito, para o que invoca factualidade de suporte, a dita ausência de conhecimento e de consentimento.

Mas, se assim é – e é-o de facto, salvo o devido respeito –, então ocorre defesa por via de exceção perentória, mediante a dita caducidade (cfr. art.ºs 298.º, n.º 2, e 328.º e segs., todos do CCiv., e 576.º, n.º 3, este do NCPCiv.), destinada à extinção do direito invocado (ou do «efeito jurídico dos factos articulados pelo autor»), não tendo o banco R. – como refere o aqui A. – observado, na sua contestação (cfr. os ditos art.ºs art.ºs 8.º a 12.º), o disposto no art.º 572.º, al.ª c), do NCPCiv., segundo o qual devia expor, nesse seu articulado, os factos essenciais fundantes das exceções deduzidas (também da dita exceção da caducidade), especificando-as separadamente [o que não foi feito neste âmbito], «sob pena de os respectivos factos não se considerarem admitidos por falta de impugnação» ([17]).

Em suma, tratando-se de matéria de exceção perentória, o ónus da alegação e prova dos factos de suporte cabia, salvo melhor entendimento, ao ora R. (que os alegou e, por isso, os teria de provar), de acordo com o disposto no art.º 342.º, n.º 2, do CCiv..

O A. alegou – e teria o ónus da prova – dos factos constitutivos do direito creditório invocado, fundado, essencialmente, quanto ao R., na existência da dita garantia autónoma e ingresso (por transmissão) na posição de credor/beneficiário, para além da demais factualidade alegada referente à contratação subjacente (n.º 1 daquele art.º 342.º).

Ao R., neste horizonte descrito, caberia a prova da matéria de exceção cuja factualidade expressamente invocou, embora sem dedução articulada no modo processual legalmente previsto (a dita extinção da garantia por caducidade).

Ora, aqui chegados, tem de concordar-se com o A.: os factos de suporte foram alegados, mas têm de considerar-se como controvertidos (por isso, não foram levados ao elenco do factualismo considerado assente na decisão impugnada), assumindo-se como essenciais ao desfecho da ação e cabendo a respetiva prova à parte que os alegou e deles pretende tirar proveito, enquanto matéria de exceção perentória, tendente à improcedência da ação.

Do mesmo modo, o invocado (pelo R.) abuso do direito (este especificado separadamente sob os art.ºs 87.º e segs. da respetiva contestação), também tendente a neutralizar o direito creditório invocado pelo A., constitui matéria de exceção a dever ser demonstrada por quem a invoca nos autos.

Termos em que, a nosso ver – e salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento –, a ação haveria de ter prosseguido, para apuramento da factualidade (de si essencial e que não se presume) de suporte da mencionada exceção perentória da caducidade das garantias prestadas ([18]).

Por se tratar de relevante matéria controvertida, dependente, pois, da prova a produzir, a opção correta, salvo o devido respeito, seria relegar para final o conhecimento dessa exceção deduzida, com o inerente e adequado prosseguimento dos autos, caso a tal nada mais pudesse obstar.

Procede, pois, a apelação neste particular, com revogação da decisão absolutória recorrida, determinando-se, em sua substituição (cfr. art.º 665.º do NCPCiv.), que o conhecimento da matéria da excecionada caducidade das garantias acionadas, nos termos em que suscitada, seja relegado para final.

Com o que prejudicado fica o conhecimento de outras questões recursivas suscitadas.

IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

(…).


***

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, determinando, em substituição ao Tribunal a quo, que o conhecimento da matéria de exceção da caducidade das garantias autónomas prestadas e acionadas, por ainda dependente da prova a produzir, seja relegado para final.

Custas da apelação pelo R./Apelado.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 08/03/2022

        

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

                                     

Fernando Monteiro


([1]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese constante do relatório da decisão sob recurso.
([2]) Ofereceu prova, designadamente testemunhal.
([3]) Também ofereceu prova, designadamente testemunhal.
([4]) Que aqui se deixam transcritas.
([5]) Subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
([6]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([7]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras.
([8]) Mediante a seguinte formulação introdutória: «Com relevância para a decisão da causa, e por prova documental, resultam dados como assentes os seguintes factos» (itálico aditado).
([9]) Cfr., por todos, o Ac. Rel. Lisboa, de 01/10/2013, Proc. 4638/08.0TCLRS.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acs. do STJ, de 14/01/2010, Proc. 1885/04.7TBMTS.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), da mesma data mas no Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 25/03/2009, Proc. 09B0412 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), todos em www.dgsi.pt.
([10]) Acrescentou o Tribunal recorrido que «O Autor não pode reclamar e assumir a posição de beneficiário das Garantias sem que o Réu interviesse nesse processo dando a sua autorização ou assentimento, ou pelo menos que dessa intenção lhe fosse dado conhecimento» (destaques aditados).
([11]) Concretiza que a decisão assenta nos factos alegados pelo R./Recorrido sob os art.ºs 8.º a 10.º e 12.º da contestação, onde este invocou não ter dado consentimento à transmissão da posição de beneficiário das garantias para o A., nunca tal lhe ter sido solicitado, não ter sido disso notificado, nem obtido qualquer conhecimento, nem jamais lhe ter sido pedido o consentimento. E complementa que esta factualidade alegada pelo R. não «consta do elenco dos provados da sentença», ocasionando a invocada contradição entre os fundamentos (de facto) e a decisão.
([12]) Podendo configurar, eventualmente, erro de julgamento, com a consequente revogação da decisão, o que se prende já com a problemática do mérito, em vez dos vícios formais da sentença.
([13]) Neste sentido, o invocado Ac. TRP de 10/12/2013, Proc. 6180/12.5YYPRT-A.P1 (Rel. Francisco Matos), em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário: «I- Na cessão da posição contratual a manutenção das garantias prestadas por terceiro exigem o consentimento de quem as prestou, por aplicação analógica do artº 599º, nº 2, do Cód. Civil. // II- Transmitido o crédito garantido por garantia bancária autónoma à primeira solicitação, no âmbito de uma cedência da posição contratual entre o beneficiário da garantia e a exequente e não se alegando o consentimento do executado (garante) a garantia extinguiu-se e, como tal, é insusceptível de titular a execução» (itálico aditado). Situação já um tanto diversa, atenta a pessoa do transmitente (o dador da ordem e não o beneficiário), é a que foi objeto do também citado Ac. STJ de 27/05/2010, Proc. 25878/07.3YYLSB-A.L1.S1 (Cons. Serra Baptista), igualmente em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I- O regime jurídico da garantia bancária autónoma, à primeira solicitação (on first demand), é determinado pelas cláusulas acordadas e pelos princípios gerais dos negócios jurídicos (arts. 217.º e segs. do CC) e dos contratos (art. 405.º e segs. do CC). // II- A função da garantia autónoma não é a de assegurar o cumprimento de um determinado contrato mas antes a de assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas nos termos da garantia, uma determinada quantia em dinheiro. E, por isso, perante uma garantia autónoma à primeira solicitação, de nada servirá vir-se esgrimir com argumentos retirados do contrato principal, pois a garantia tem fins próprios, auto-suficientes (…). // III- Contudo, mesmo no caso de tal garantia, deve impor-se a exigência de um limite, cuja violação implicaria um desrespeito de princípios basilares da ordem jurídica portuguesa e que o contrato em questão, mesmo dotado da referida autonomia, não pode pôr em causa. Podendo o garante recusar o pagamento quando, comprovadamente, for manifesta a improcedência do pedido. Pois a autonomia da garantia bancária tem, desde logo, como limite a ofensa dos princípios gerais de direito, como sejam os do abuso de direito, da boa fé e da confiança. // IV- E está entre esses limites a cessão da posição contratual por banda do dador da ordem, operada entre ele e um terceiro, com a anuência expressa do beneficiário e com o desconhecimento do garante. Pois que a garantia autónoma à primeira solicitação vale somente para o negócio-base nela mencionado, não podendo o mesmo ser afectado com outros sujeitos, sem o consentimento do garante.» (destaques aditado).
([14]) Cfr. Ac. STJ de 23/06/2016, Proc. 414/14.9TVLSB.L1.S1 (Cons. António Joaquim Piçarra), em www.dgsi.pt, com destaques aditados.
([15]) V. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, ps. 615-616 (destaque aditado).
([16]) A própria decisão em crise não deixou de notar que quando «a transmissão da posição contratual no contrato base se verificar com o credor ou beneficiário da garantia, a questão poderá ser mais complexa».
([17]) Sobre o tema, cfr., por todos, Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 642, com eloquente explicitação dos motivos da cominação processual.
([18]) Note-se até que a dispensa da audiência prévia [não sendo caso da sua não realização ao abrigo do disposto no art.º 592.º, n.º 1, al.ªs a) ou b), do NCPCiv.] só poderia ocorrer «Nas ações que hajam de prosseguir», o que não foi o caso [cfr. art.ºs 591.º, n.º 1, al.ª b), e 593.º, n.º 1, ambos do NCPCiv. e, na doutrina, por todos, Abrantes Geraldes e outros, op. cit., p. 691, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 650]. É certo ainda que atualmente a réplica, servindo para defesa à matéria de reconvenção, não permite, em casos como o dos autos, a defesa à matéria de exceção deduzida na contestação (cfr. art.º 584.º do mesmo Cód.). Por isso é que, inexistindo articulado para responder às exceções, sempre deve ficar assegurado ao autor, no modo legal, o exercício do contraditório quanto a tal matéria, mais exatamente na audiência prévia (art. 3.º, n.º 4), não sendo, todavia, de excluir a possibilidade de o juiz facultar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim – cfr. Abrantes Geraldes e outros, op. cit., p. 667 e seg. –, podendo também, sendo o caso, em despacho pré-saneador, convidar as partes, como é consabido, ao aperfeiçoamento dos seus articulados, designadamente a petição, inclusive quanto a insuficiências na exposição/concretização factual [cfr. art.º 590.º, n.ºs 2, al.ª b), e 4, do mesmo Cód.].