Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1482/09.0TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
NULIDADE ATÍPICA
FIXAÇÃO DE PRAZO
ESCRITURA PÚBLICA
RESOLUÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE GUARDA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 410º, Nº 3, 442º, Nº 2 DO C. CIV. E 824º, Nº 3 DO C. P. CIVIL
Sumário: 1- A falta de reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação notarial da licença de construção ou de utilização, em contrato promessa de compra e venda de imóvel (art. 410º, nº 3 do CC) configura nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra pelo promitente comprador, excepcionalmente pelo promitente-vendedor, desde que a omissão seja causada culposamente por aquele, não podendo ser invocável por terceiro ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo, no entanto, passível de posterior sanação ou convalidação.

2 - Não tendo sido convencionado qualquer prazo para a outorga da escritura, estipulando-se apenas que “a escritura será realizada logo que se encontre pronta toda a documentação para o efeito”, impunha-se a fixação judicial de prazo de cumprimento, sem o qual não há mora.

3 - A resolução do contrato promessa de compra e venda e a restituição do sinal em dobro (art. 442º, nº 2 do CC) pressupõe, não a mora, mas o incumprimento definitivo.

4 - A circunstância de o Réu (promitente vendedor), apesar de várias vezes contactado pelo Autor (promitente comprador), nunca ter diligenciado pela obtenção da documentação, alegando falsamente que já providenciara pela obtenção da licença de utilização, que sabia não corresponder à verdade, e a venda do imóvel, objecto do contrato de promessa de compra e venda, na sequência da penhora, sem que o Réu (promitente vendedor) houvesse sequer avisado o Autor (promitente comprador), significa recusa de cumprimento por parte do Réu, traduzindo-se num incumprimento definitivo, sem necessidade de interpelação admonitória.

5 - Sendo o Réu (promitente vendedor) comerciante (art.13º do Código Comercial) e tendo outorgado o contrato promessa no âmbito da sua actividade de construção de casas para revenda, que então exercia, opera a dupla presunção (arts. 1691º, nº1, d) CC e 15º C. Comercial), pelo que a dívida é comunicável à esposa.

6 - O direito de retenção não obsta à penhora, nem à venda executiva do prédio, objecto da retenção, porque o seu titular tem a faculdade de reclamar o crédito na acção executiva, com preferência sobre a hipoteca, e com a venda a garantia transfere-se para o produto da venda.

7 – Como o direito de retenção caduca com a venda executiva e não tendo o seu titular reclamado tempestivamente o respectivo crédito na execução, não lhe assiste o direito à sub-rogação pelo produto da venda (art. 824º, nº 3 CPC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- O Autor – M… – instaurou ( 3/11/2009 ) na Comarca da Guarda acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus

1) C… e mulher I…;

2) Banco S…, S.A.;

3) D…, S.A.

Alegou, em resumo:

Em 2 de Março de 1997, através de documento particular (cf. fls.18), celebrou com o 1º Réu contrato promessa de compra e venda, pelo qual prometeu comprar e o 1º Réu prometeu vender, o prédio um urbano (moradia), pelo preço de 16.000.000$00, que lhe entregou na totalidade, sendo a escritura realizada logo que se encontrasse pronta a documentação.

         Na dada do contrato, o Autor recebeu as chaves do imóvel que passou a habitar, actuando como verdadeiro proprietário, sendo que o 1º Réu nunca se disponibilizou a realizar a escritura pública.

         Em meados de Agosto de 2008 tomou conhecimento de que o imóvel foi objecto de uma penhora e venda numa acção executiva proposta contra o 1º Réu.

         Assiste ao Autor, face ao incumprimento definitivo por parte do promitente vendedor, o direito à resolução do contrato e à restituição do sinal em dobro, bem como ao reconhecimento do direito de retenção.

A venda ocorrida no processo de execução está ferida de nulidade, na medida em que a licença de habitação era indispensável à sua transferência definitiva.

Pediu cumulativamente:

a) Seja declarado o Autor dono e legítimo proprietário do prédio referido em 1º.

b) A condenação dos Réus a reconhecer esse direito.

Pedidos subsidiários:

c) Seja declarado resolvido, por definitivamente não cumprido, o contrato promessa celebrado entre o Autor e o Réu C…, por motivo apenas imputável a este;

d) Condenar os Réus C… e I… a restituir ao Autor o dobro da quantia que receberam a título de sinal, o que perfaz a quantia de € 159.615,32, acrescida de juros.

e) Reconhecer o direito de retenção sobre o prédio identificado em 1º até efectiva restituição do sinal em dobro e respectivos juros.

f) Condenar todos os Réus a reconhecer o direito de retenção sobre o prédio identificado em 1º da petição inicial e na correspondente prevalência na graduação dos créditos.

g) Condenar os Réus Banco S…, S.A e D…, S.A a entregar ao Autor a quantia de € 87.500,00 que resultou da venda executiva do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, atenta a prevalência do seu crédito, nos termos do artigo 759º, nº 2 do CPC.

h) Reconhecer a nulidade da venda executiva referida no presente articulado.

Contestou o Banco S… (fls.67 e segs.) excepcionando a sua ilegitimidade passiva e, por impugnação, alegou que a tradição do imóvel para o Autor não lhe confere qualquer posse e muito menos o direito de propriedade, sendo que o direito de retenção apenas lhe conferia o direito de reclamar o seu crédito na execução, o que não fez.

         Contestou a Ré D…, SA (fls.86 e segs.) arguindo a ilegitimidade passiva do Banco S… e por impugnação nega o direito de retenção do Autor, sendo nulo o contrato promessa.

         Replicou o Autor (fls.136 e segs.).

         1.2. - No saneador (fls.147 e segs.) decidiu-se:

         a) - Julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva da Ré Banco S…, SA e absolvê-la da instância.

         b) - Julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Autor nas alíneas a), b) e h) e absolver os Réus dos mesmos.

         1.3. - Realizada audiência de julgamento (fls. 192 a 195, 196 a 202) foi proferida sentença (fls.203 e segs.) que decidiu

a) - Declarar a nulidade, por falta de forma, do contrato-promessa celebrado por escrito particular entre C… e M…, condenando os Réus C… e I… a pagar ao autor M… a quantia de € 79.807,66 (setenta e nove mil, oitocentos e sete euros e sessenta e seis cêntimos) acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

b) - Absolver os Réus C… e I… de tudo o demais peticionado pelo Autor.

c) - Absolver a Ré D…, S.A. dos pedidos.

         1.4. – Inconformado, o Autor recorreu de apelação (fls.234 e segs.) com as seguintes conclusões:

         Não houve contra-alegações.


II - FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – O Objecto do recurso

         As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:

         (1ª) Impugnação de facto (quesitos 4º e 5º);

         (2ª) A (in)validade formal do contrato promessa;

(3ª) O incumprimento do contrato promessa e a restituição do sinal em dobro;

         (4ª) O direito de retenção e a venda executiva.

         2.2. – Os factos provados (descritos na sentença)

...

2.3. - 1ª QUESTÃO

2.4. - 2ª QUESTÃO

A sentença recorrida decretou a nulidade formal (art.220 CC)do contrato promessa porque o documento escrito (fls.18) é omisso quanto aos requisitos exigidos no art.410º, nº 3 CC, ou seja, não contém o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, nem a certificação da licença de utilização ou de construção, enquanto formalidades ad substanciam, nulidade que é do conhecimento oficioso.

Em contrapartida, objecta o Apelante dizendo que esta nulidade não pode ser arguida por terceiros, nem é do conhecimento oficioso.

A qualificação de um negócio jurídico postula, antes de mais, um problema de interpretação (arts.236º e 248º CC) sobre a inerente declaração de vontade, na sua dupla função ambivalente: como acto de comunicação interpessoal e como acto determinativo ou normativo.

O contrato promessa pressupõe o acordo das partes (bilateral) ou apenas uma delas (unilateral), pelo qual se obrigam a celebrar determinado contrato (principal ou prometido) e tem por objecto uma obrigação de contratar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido (contrato de compra e venda), reconduzindo-se a uma obrigação de prestação de facto positivo. Por força do princípio da equiparação (art.410º, nº1 do CC), ao contrato promessa são aplicáveis as normas relativas ao contrato prometido, com excepção das relativas à forma e as que, por razão de ser, não se devam considerar extensíveis.

Como o Autor entrou na posse do prédio, no qual passou a habitar, estamos perante não de um contrato promessa puro mas antes de um contrato promessa com antecipação de efeitos do contrato prometido (cf., por ex., ANA PRATA, O Contrato Promessa, pág.161 e segs.).

Em regra, a validade da declaração não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir – princípio da consensualidade ou liberdade de forma (art.219º do CC).

No caso de contrato promessa de venda de bens imóveis, a lei exige documento particular, assinado pelas partes (art.410º, nº 2 do CC). São razões de ponderação e reflexão das partes, a certeza e segurança do contrato e do comércio jurídico que impõem a redução a escrito do contrato promessa, sendo diferentes os interesses e as consequências jurídicas dos requisitos do nº 2 e do nº 3 do art.410º do CC.

O nº 3 do art.410º do CC determina que no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real que o documento deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes e a certificação pelo Notário da existência de licença respectiva de construção ou utilização. A razão de ser da norma radica na protecção do promitente-comprador contra os inconvenientes resultantes da promessa de aquisição de edifícios clandestinos, inserindo-se no âmbito da tutela do consumidor, ou seja, na ordem pública de protecção ou ordem pública social (cf. CALVÃO DA SILVA, RLJ ano 132, pág.259 e segs.).

Tem sido qualificada como uma nulidade atípica, visto não ser invocável por terceiros, nem conhecida oficiosamente pelo tribunal (cf. Assentos do STJ de 28/6/94, DR IA de 12/10/94, e de 1/2/95, DR IA de 22/4/95). Apenas pode ser arguida pelo promitente-comprador, destinatário da norma protectora, mas excepcionalmente a parte final do nº 3 do art.410º do CC confere ao promitente-vendedor a faculdade de invocar a omissão quando tenha sido causada culposamente pela outra parte.

Por conseguinte, a falta de reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação notarial da licença de construção ou de utilização, traduz-se numa nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra pelo promitente comprador, excepcionalmente pelo promitente-vendedor, desde que a omissão seja causada culposamente por aquele, não podendo ser invocável por terceiro ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo, no entanto, passível de posterior sanação ou convalidação (cf., por ex., CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato Promessa, pág.45 e segs., ANA PRATA, O Contrato Promessa e o Seu Regime Civil, pág.526 e segs, NUNO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, pág.264 e segs.).

E na medida em que a invalidade formal é instituída em benefício das partes, logo estando na sua disponibilidade, nada impede que elas prescindam ou renunciem ao direito de invocar a nulidade (cf., por ex., Ac STJ de 6/5/04, Ac RP de 14/7/05 e de 16/11/06, disponíveis em www dgsi.pt).

Sendo assim, não estava a Ré D…, S.A legitimada a invocar a nulidade e nem o tribunal dela podia conhecer, havendo excesso de pronúncia, causa de nulidade da sentença, arguida implicitamente no recurso.

Conclui-se, portanto, que o contrato promessa de compra e venda bilateral, celebrado entre o Autor (promitente comprador) e o Réu C ... (promitente vendedor) é formalmente válido.

2.5. - 3ª QUESTÃO

Precludido o cumprimento voluntário do contrato promessa, o incumprimento (lato sensu) impõe uma opção reintegradora do direito do promitente insatisfeito numa concorrência alternativa entre o direito de resolução e a execução específica (cumprimento forçado).
A pretensão do Autor traduz-se na resolução do contrato, requerendo expressamente a restituição do sinal em dobro, nos termos do art.442º, nº 2 do CC.
         Antes das alterações introduzidas no art.442º do CC pelo DL nº 379/86, de 11/11, era entendimento pacífico que a sanção da perda de sinal ou da restituição do sinal em dobro a só ocorria nas situações de incumprimento definitivo. Após as alterações, na vigência do DL nº 379/86, a questão passou a ser controversa, devendo, contudo, adoptar-se a orientação prevalecente no sentido da exigência do incumprimento definitivo (cf., por ex., SOUSA RIBEIRO, “ O Campo de Aplicação do Regime Indemnizatório do artigo 442 do Código Civil: Incumprimento Definitivo ou Mora?”, BFDUC, volume comemorativo, 2003, pág.209 e segs.; Ac STJ de 18/12/2008, de 13/1/2009, de 21/5/2009, em www dgsi.pt ).
         Importa averiguar se houve ou não incumprimento definitivo imputável ao Réu (promitente vendedor), que tanto pode reportar-se à prestação principal, como incidir sobre os deveres acessórios de conduta, desde que assumam gravidade tal que afecte a base de confiança subjacente.
         A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º, nº2 e 802º, nº2, por força do art. 808º do CC), quer pela perda de interesse do credor, só relevante se for objectiva, ou então pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.
         Verifica-se que no contrato promessa não foi convencionado qualquer prazo para a outorga da escritura, estipulando-se apenas que “a escritura será realizada logo que se encontre pronta toda a documentação para o efeito”.
Em regra, a prestação é devida mediante simples interpelação (art.777º, nº 1 CC), mas as obrigações emergentes de contrato promessa, carecem de um prazo de cumprimento, que não estando previsto terá se ser fixado judicialmente (art. 777º, nº 2 CC) (cf., por ex., ANA PRATA, O Contrato Promessa, pág.633). Daqui resulta que não se tendo estipulado ou fixado judicialmente o prazo de cumprimento, não há mora, que é por definição o retardamento temporário da prestação (cf., por ex., Ac STJ de 18/6/96, em www dgsi.pt/jstj).
         Não se comprovando a mora, também não pode haver lugar ao incumprimento definitivo por conversão da mora em incumprimento definitivo, nem por falta de interesse.
         Contudo, a ponderação global dos factos aponta claramente para a recusa de cumprimento.
Tem-se entendido que a recusa de cumprimento deve ser “categórica, clara e definitiva”, pelo que a declaração terá de apresentar-se como “manifestação intencional, pessoal e unilateral”, devendo “ser suficientemente clara, unívoca e séria”, que revele “ a intenção categórica, o propósito claro de o devedor não cumprir”, sendo ainda indispensável a “natureza definitiva da declaração”, e pode ser expressa ou tácita. E sobre a concludência do comportamento ou declaração, ela pode ser retirada de “factos significantes (a “repudiation by conduct” do direito anglo-saxónico) activos ou omissivos, de natureza material ou jurídica“, tornando-se, porém, necessário que “crie a convicção de que o devedor não realizará a prestação no prazo fixado ou no decurso de uma subsequente interpelação admonitória” (cf. BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2011, pág.256 e segs.; Ac STJ de 10/1/2012, em www dgsi.pt).
Aquando da outorga do contrato promessa (2/3/1997), o prédio estava onerado com hipoteca voluntária de 25/10/996, a favor do Banco…, que veio a ceder (em 30/7/2007) o seu crédito à D…, SA.
Instaurada a acção executiva (em 13/10/2005), o Réu C… nunca avisou o Autor de que o prédio, objecto do contrato promessa, tinha sido penhorado, acabando por ser adquirido na execução pela D…, S.A em 19/11/2008, com registo da aquisição a seu favor em 7/1/2009.
Por outro lado, sabe-se que o Réu C… nunca diligenciou pela marcação da escritura, apesar se haver sido contactado várias vezes pelo Autor, chegando a garantir falsamente que providenciara na Câmara Municipal a obtenção da licença de utilização, o que não correspondia à verdade. Acresce que tendo o Autor marcado a data da celebração da escritura e notificado o Réu, este não compareceu, nem justificou a ausência.

No caso concreto, a venda a terceiro, na sequência da penhora, sem que o Réu houvesse sequer avisado o Autor e toda a sua actuação ao não pretender celebrar a escritura pública, significa recusa de cumprimento por parte do Réu, traduzindo-se num incumprimento definitivo, sem necessidade de interpelação admonitória. Esta modalidade de inadimplemento integra-se, de certo modo, na categoria mais geral de recusa de cumprimento, também chamado de “incumprimento definitivo ipso facto”, e cuja eficácia da declaração é imediata (cf. BRANDÃO PROENÇA, A resolução do Contrato no Direito Civil, pág.89 a 92, Ac STJ de 15/3/83, BMJ 325, pág.563).

Havendo fundamento legal para a resolução, assiste-lhe o direito de crédito ao duplo sinal, cuja responsabilidade impende sobre o Réu C… (promitente vendedor), sendo a dívida comunicável à esposa.
         Dispõe o art.1691º, nº 1, d) CC que são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens.

Com a alteração dada pelo DL nº 496/77, de 25/11, a lei estabelece agora uma presunção legal de proveito comum (presunção ilidível) em favor do credor e como tal não tem de fazer a prova.

Por sua vez, o art. 15º do Código Comercial preceitua que “ as dívidas comerciais do cônjuge comerciante, presumem-se contraídas no exercício do seu comércio”, entendendo-se maioritariamente que só as dívidas substancialmente comerciais estão abrangidas na presunção.
Da conjunção dos arts.1691º, nº 1, d) CC e 15º C Comercial extrai-se que o credor do comerciante apenas terá que alegar e provar que o cônjuge que contraiu as dívidas é comerciante e faz do comércio profissão, operando depois a dupla presunção.

Provando-se que o cônjuge comerciante assumiu a obrigação no exercício do comércio, ou presumindo-se (art.15º C. Comercial), terá o cônjuge do devedor, para afastar a comunicabilidade da dívida, o ónus de demonstrar que esta, embora comercial, não derivou do exercício do comércio do devedor, ilidindo a presunção do art.15º C. Comercial, ou que apesar de ter surgido no exercício do comércio não foi contraída em proveito comum do casal (cf. CRISTINA DIAS, Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, pág.433 e 434).

Dado que o Réu C… é comerciante (art.13º Código Comercial), porque outorgou o contrato promessa no âmbito da sua actividade de construção de casas para revenda, que então exercia, opera a dupla presunção e como tal a comunicabilidade da dívida a Ré I...

Procedem os pedidos deduzidos em c) e d).

2.6. - 4ª QUESTÃO

Considera o Apelante que lhe assiste o direito de retenção, e ainda que caducado, por força da venda executiva, a garantia transfere-se para o produto da venda, devendo proceder os pedidos formulados nas alíneas e), f) e g).

O art. 755º, nº1, f) do CC confere o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve tradição da coisa a que se reporta o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º CC.

Trata-se de uma direito real de garantia que “consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele” (P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, pág.722).

O direito de retenção não obsta à penhora nem à venda executiva do prédio, objecto da retenção, porque o seu titular tem a faculdade de reclamar o seu crédito na acção executiva, com preferência sobre a hipoteca, e com a venda a garantia transfere-se para o produto da venda.

Sabe-se que o prédio estava hipotecado e foi objecto de penhora e venda em acção executiva, tendo sido adquirido pela Ré D…, S.A.

Coloca-se a questão de saber se com a venda executiva caducou ou não o direito de retenção do Autor.

Para MENEZES CORDEIRO (“Da Retenção do Promitente na Venda Executiva”, ROA ano 57 (1997), tomo II, pág.547 e segs.) o direito de retenção sobrevive à venda executiva, porque a excepção da parte final do nº 2 do art. 824º CC abrange também dos direitos de garantia, logo não caducam os que sendo anteriores à penhora, sejam oponíveis a terceiros, independentemente do registo. Como o direito de retenção visa também assegurar o gozo da coisa, é abrangido pela referida excepção.

Contudo, a orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente é no sentido de que com a venda executiva caducam todos os direitos reais de garantia (cf., por ex, P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, II, 4ª ed., pág.97, AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 8ª ed., pág.372 e segs.)

Como se decidiu no Ac STJ de 13/9/2007 (proc. nº 07B2256) disponível em www dgsi.pt, “ Esse direito de retenção não se mantém, porém, para além da venda do imóvel que vier a operar-se em execução judicial, ainda que o promitente comprador – que será pago com preferência relativamente ao credor hipotecário, mesmo com registo anterior – não logre obter, pelo produto da venda, a satisfação integral do crédito que detém sobre o promitente vendedor”.

Ou seja, com a venda executiva, o direito de retenção não confere o direito de não entregar a coisa, mas apenas o de ser pago com preferência sobre o produto da venda. Isto porque já não se justifica a função coercitiva, porque o adquirente do bem não é o devedor, e perde a função de garantia, pois esta passa a ser dada pelo produto da venda.

A transferência para o produto da venda (art. 824º, nº 3 CC) não traduz uma verdadeira caducidade, sendo antes qualificada como de “sub-rogação objectiva” (cf., por ex., LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva, 5ª ed., pág.338 e segs.).

Só que do âmbito do nº 3 do art. 824º CC estão excluídos os direitos reais de garantia ou de gozo constituídos pelo executado posteriormente à penhora, por força da ineficácia do acto (art. 819º CC), bem como os direitos reais anteriores constituídos para garantia de créditos não reclamados na execução, pois neste caso já “não podem ser tomados em consideração no processo executivo os créditos que aí não tenham sido oportunamente reclamados” (cf. LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva, 5ª ed., pág.339, CASTRO MENDES, Acção Executiva, pág.186 e segs.).

Os titulares de direitos reais de garantia que não tenham reclamado pagamento na execução, podem exercer a sub-rogação em acção autónoma relativamente ao remanescente do produto da venda, enquanto não for recebido pelo executado ou uma vez recebido, provando a origem da quantia em dinheiro a que se arroga, sendo esta “a interpretação mais conforme com os princípios e com os interesses dos titulares de direitos reais preteridos na execução” (L. FREITAS, Loc. Cit., pág.340).

Vejamos a situação dos autos:

O prédio foi vendido, por negociação particular, na acção executiva, à exequente D…, S.A (habilitada como cessionária do crédito) pelo valor de € 87.500,00, com dispensa do depósito do preço, que registou a aquisição em 7/1/2009.

Com a venda executiva, o direito de retenção do Autor caducou porque não reclamou no processo executivo, e também não lhe assiste a sub-rogação pelo produto da venda, pela simples razão de que tendo a exequente compradora sido dispensada do depósito, não houve lugar ao produto da venda, além de que não teria aqui aplicação o art. 824º, nº 3 CC, visto que o crédito não foi oportunamente reclamado na execução.

Improcedem os pedidos formulados nas alíneas e), f) e g).

         2.7. - Síntese Conclusiva

1- A falta de reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação notarial da licença de construção ou de utilização, em contrato promessa de compra e venda de imóvel (art. 410º, nº 3 CC) configura nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra pelo promitente comprador, excepcionalmente pelo promitente-vendedor, desde que a omissão seja causada culposamente por aquele, não podendo ser invocável por terceiro ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo, no entanto, passível de posterior sanação ou convalidação.
2 - Não tendo sido convencionado qualquer prazo para a outorga da escritura, estipulando-se apenas que “a escritura será realizada logo que se encontre pronta toda a documentação para o efeito”, impunha-se a fixação judicial de prazo de cumprimento, sem o qual não há mora.
3 - A resolução do contrato promessa de compra e venda e a restituição do sinal em dobro (art. 442º, nº 2 do CC) pressupõe, não a mora, mas o incumprimento definitivo.

4 - A circunstância de o Réu (promitente vendedor), apesar de várias vezes contactado pelo Autor (promitente comprador), nunca ter diligenciado pela obtenção da documentação, alegando falsamente que já providenciara pela obtenção da licença de utilização, que sabia não corresponder à verdade, e a venda do imóvel, objecto do contrato de promessa de compra e venda, na sequência da penhora, sem que o Réu (promitente vendedor) houvesse sequer avisado o Autor (promitente comprador), significa recusa de cumprimento por parte do Réu, traduzindo-se num incumprimento definitivo, sem necessidade de interpelação admonitória.

5 - Sendo o Réu (promitente vendedor) comerciante (art. 13º Código Comercial), e tendo outorgado o contrato promessa no âmbito da sua actividade de construção de casas para revenda, que então exercia, opera a dupla presunção (arts. 1691º, nº1, d) CC e 15º C Comercial), pelo que a dívida é comunicável à esposa.

6 - O direito de retenção não obsta à penhora, nem à venda executiva do prédio, objecto da retenção, porque o seu titular tem a faculdade de reclamar o crédito na acção executiva, com preferência sobre a hipoteca, e com a venda a garantia transfere-se para o produto da venda.

7 – Como o direito de retenção caduca com a venda executiva e não tendo o seu titular reclamado tempestivamente o respectivo crédito na execução, não lhe assiste o direito à sub-rogação pelo produto da venda (art. 824º, nº 3 CPC).


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:

1)

         Julgar parcialmente procedente a apelação e revogando-se a sentença:

a)- Declarar resolvido o contrato promessa celebrado entre o Autor e o Réu C… (cf. A) e B) dos factos assentes), por incumprimento definitivo imputável a este;

         b)- Condenar os Réus C… e I… a restituir ao Autor a quantia de € 159.615,32 (cento e cinquenta e nove mil seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

         c)- Absolver os Réus dos demais pedidos ( e), f) e g) ).


2)

         Condenar Autor e 1ºs Réus nas custas, em ambas as instância, sendo as da acção na proporção de 75% e 25%, respectivamente, e as da Apelação na proporção de 50% para cada.


        

Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo