Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
323/09.3TMCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: NULIDADE
ACTO PROCESSUAL
OMISSÃO
NOTIFICAÇÃO
DESPACHO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 253º, 254º E 201º DO CPC.
Sumário: I – A omissão de notificação de um despacho que ordena que os autos aguardem a junção de documentos que a parte protestou juntar no prazo de 10 dias, embora constitua uma irregularidade por violação dos artigos 253º e 254º do CPC não influi no exame ou discussão da causa – nº 1 do artigo 201º do CPC – e consequentemente não cabe na regra geral sobre a nulidade dos actos.

II - Protestando a parte, na sequência da notificação do requerimento da requerente/apelada através do qual requer a cessação da suspensão da instância executiva por incumprimento por parte do requerido/apelante do acordo que motivou tal suspensão, a junção aos autos em 10 dias dos documentos que infirmam o alegado pela requerente, a sua não junção no prazo a que se obrigou não vincula o Tribunal a proceder a nova notificação sobre cominação, uma vez que o requerido/apelante tinha conhecimento, por força do requerimento da requerente/apelada, que a não junção da documentação no prazo por si indicado tinha como consequência jurídica a cessação da suspensão da instância executiva.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

                Corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra a acção nº 323/09.3TMCBR em que é requerente C… e requerido J...

                Por sentença proferida no âmbito deste processo, a acção foi julgada procedente e consequentemente o requerido J… foi condenado a pagar à sua filha C… a pensão mensal de € 150,00 – cento e cinquenta euros – desde 14 de Abril de 2009, pensão actualizável anualmente em Janeiro de acordo com o índice de inflação divulgado pelo INE para o ano anterior, com início em Janeiro de 2011.

                A requerente/exequente intentou acção executiva para pagamento de quantia certa por referência a execução especial de alimentos, dando à execução o valor de € 1.371,38.

                A exequente C… veio requerer a cessação da instância executiva e o prosseguimento dos autos de execução para cobrança coerciva da quantia global de € 4.401,05 acrescida das prestações que entretanto se vencerem.

                Notificado o executado alegou que tem cumprido os termos do acordo alcançado e protestou juntar os documentos comprovativos no prazo de 10 dias.

                A Exma. Juiz proferiu o seguinte despacho: aguardem os autos a junção dos documentos que o executado protestou juntar a folhas 77 ou o decurso do prazo de 10 dias ali mencionado.

                Na sequência do despacho acabo de transcrever veio a Exma. Juiz a proferir um novo despacho que agora se transcreve: Face ao teor de folhas 74, à circunstância do executado não ter documentado os pagamentos acordados a folhas 39 no prazo por si indicado e ao abrigo do disposto no artigo 884º do CPC, prosseguirão os autos para pagamento do montante de € 3.789,82. Notifique o executado para, em 10 dias, se pronunciar acerca da ampliação do pedido constante de folhas 74.

                Notificado do despacho acabado de transcrever, o executado interpôs recurso que instruiu com as respectivas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:

                A apelada não contra alegou.

                Por despacho de folhas 44, o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e em separado e efeito meramente devolutivo.

                2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões[1] a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 668º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Ø Nulidade por falta de notificação do despacho datado de 10 de Janeiro de 2012.

Ø Notificação do executado sob expressa cominação para juntar aos autos os documentos.

                3. Colhidos os vistos aprecia-se e decide-se

                3.1 – Omissão de notificação. Nulidade do artigo 201º do CPC

                Entende o apelante que o Tribunal a quo e por referência ao despacho proferido na sequência do requerimento de folhas 35[2] que determinou que aguardassem os autos a junção dos documentos que o executado protestou juntar a folhas 77 ou o decurso do prazo de 10 dias ali mencionado, despacho que não lhe foi notificado, tal omissão configura a nulidade do artigo 201º por preterição de formalidade essencial, nulidade que só agora teve conhecimento e daí estar em prazo para a suscitar – artigo 205º, nº 1 do CPC.

                Evidencia o artigo 253º, nº 1 que notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, os quais são notificados por carta registada dirigida para o seu escritório ou domicílio escolhido (…), notificação que se presume feita no terceiro dia posterior ao do registo – nºs 1 e 3 do artigo 254º do CPC.

                Não há dúvidas, pelo menos do registo electrónico não consta nem a certidão enviada a este Tribunal contempla cópia da carta registada, que o apelante não foi notificado do despacho que na sequência do requerimento por si dirigido ao Tribunal determinou que os autos aguardassem a junção dos documentos que o apelante protestou juntar ou então o decurso do prazo de 10 dias, prazo este que a lei confere às partes para requerem qualquer acto ou diligência ou arguirem nulidades (…) – artigo 153º, nº 1 do CPC.

                Salvaguardando melhor interpretação da lei e considerando o teor do requerimento de folhas 35 através do qual o apelante se opôs à cessação da suspensão da instância executiva e protestou juntar comprovativos do alegado cumprimento do acordo alcançado, para além de tomar posição sobre a falta de fundamento para a cumulação e ter concluído pelo indeferimento do requerido pela exequente/apelada, o despacho que sobre ele recaiu, porque susceptível de ofender direitos processuais do requerido, não pode considerar-se de mero expediente.

                Todavia, é claro que o despacho datado 10 de Janeiro de 2012 acabou por não tomar qualquer posição sobre a parte do requerimento apresentado pela requerente/apelada, embora tenha tomado posição sobre o pedido formulado pela parte/requerido/apelante que alegando o cumprimento do acordo que esteve na origem da suspensão da instância executiva protestou juntar no prazo de 10 dias, os comprovativos do cumprimento do acordo, dando nota o Tribunal através do despacho objecto do recurso que aguardassem os autos a junção dos documentos ou o decurso do prazo de 10 dias aludido naquele requerimento, despacho que devia ter sido notificado às partes nos termos do disposto no artigo 253º do CPC[3], o que não se verificou mas cuja omissão «só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» – artigo 201º, nº 1 do CPC – ou seja na sua instrução, discussão e julgamento.

                Com a salvaguarda de mais abalizada opinião, a omissão da formalidade – falta de notificação do despacho que ordenou que os autos aguardassem pela junção dos documentos que o apelante protestou juntar ou pelo decurso do prazo de 10 dias – não teve qualquer influência no exame ou decisão da causa, na medida em que foi o apelante que se vinculou a juntar aos autos, no prazo de 10 dias, os documentos comprovativos do cumprimento do acordo alcançada na execução e que esteve na origem da suspensão da instância executiva.

                O despacho proferido pelo Tribunal destinou-se a conformar o andamento regular do processo com o que a parte se havia vinculado e daí que a omissão de notificação não tenha qualquer influência no exame e discussão da causa, o que seria bem diferente se o Tribunal tivesse tomado posição contrária ao alegado pela parte que recorde-se, não requer a concessão de prazo para a junção mas antes protesta juntar em 10 dias os documentos que comprovam o cumprimento do acordado.

                Estamos perante uma situação que não se enquadra em nenhuma das situações enunciadas na parte final do nº 1 do artigo 201º do CPC, na medida em que a lei não comina expressamente com nulidade a falta de notificação do mandatário e também a irregularidade cometida não influiu no exame ou decisão da causa. Com efeito, o apelante nada requer ao Tribunal mas antes se compromete com a entrega em prazo dos documentos justificativos do acordo alcançada em sede de acção executiva e que afirma que está a cumprir.

                Sem que tenha junto no prazo que protestou juntar e com a finalidade aludida no requerimento de folhas 35 – 77 na execução – o Tribunal a quo só podia tomar a decisão constante do despacho de folhas 38 – 80 na execução – e ordenar o seu prosseguimento.

                Em suma: pese a verificação da falta de notificação do despacho que ordenou que os autos aguardassem pela junção dos documentos que o apelante protestou juntar ou o decurso do prazo de 10 dias, a verdade é que tal irregularidade, por não ter qualquer interferência no exame ou decisão da causa, não tem as consequências pretendidas pelo apelante ou seja a declaração de nulidade por preterição da formalidades consignadas nos artigos 253º e 254º do CPC.

                3.2 – Notificação do executado sob expressa cominação

                Entende o apelante que o Tribunal a quo deveria ter procedido à sua notificação com expressa comunicação para juntar aos autos os documentos que protestou juntar e que ao não o ter feito violou os princípios da colaboração processual e da descoberta da verdade material.

                Determina o artigo 266º do CPC

1. Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

2. O juiz, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais convidando-os a fornecer esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes, e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.

3. (…)

4. Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

Se bem interpretamos esta norma, o nº 1 remete-nos para cooperação que deve existir entre todos os intervenientes – magistrados, mandatários e partes – de modo a que o processo atinja a sua finalidade, auto composição do litígio, em prazo razoável – cf. nº 3 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Como ensina o Sr. Prof. J. Lebre de Freitas[4] ao explicitarem as linhas mestras da cooperação, os números seguintes permitem distinguir dois planos: a cooperação em sentido material (nº 2) e a cooperação em sentido formal (nº 4), a primeira visando fundamentalmente o apuramento da matéria de facto e a consequente adequação da decisão de direito e a segunda apontando antes para a emanação da decisão em prazo razoável.

Podemos sintetizar o conflito que opõe as partes nos seguintes termos: a requerente/apelada requer a cessação da suspensão da instância executiva por incumprimento do acordado por parte do executado/apelante. Este vem dizer que tem cumprido o acordo e protesta juntar no prazo de 10 dias os documentos comprovativos do por si alegado. Decorrido o prazo sem cumprir com o que se obrigou, o Tribunal a quo tomou posição e determinou, em face do incumprimento por parte do executado da junção dos documentos que protestou juntar em 10 dias, o prosseguimento da execução.

Devia o Tribunal notificar o apelante para em prazo a fixar e sob cominação juntar os documentos?

Entendemos que não. Com efeito, não foi o Tribunal quem ordenou a notificação da parte para em determinado prazo juntar os documentos e aqui sim, se nada fosse junto, deveria o Tribunal proceder a nova notificação sob cominação de modo a afastar as chamadas decisões surpresa – artigo 3º do CPC – realidade esta que é totalmente diferente daquela que estamos a analisar. Requerida determinada providência e ouvida a parte contrária, esta protesta juntar documentação em 10 dias que afasta os fundamentos da providência judicial requerida, mas nada junta, nem nada requer, incumprido, a parte sim, o dever de cooperação a que se auto vinculou quando em prazo por si fixado protestou juntar a documentação.

  A cominação já a parte a sabia quando foi notificado do requerimento da requerente/apelada – prosseguimento da execução por incumprimento do requerido/executado/apelante – e daí que não só não foi apanhado de surpresa pela decisão que não contesta – a de folhas 38 – como tinha perfeito conhecimento, à luz do princípio da auto-responsabilidade das partes, que a não junção da documentação no prazo por si indicado teria necessariamente como consequência o deferimento da pretensão da requerente/apelada, ou seja, o prosseguimento dos autos.

Quanto à violação do princípio da descoberta da verdade material, não vislumbramos, salvo o devido respeito, onde e como tal princípio foi postergado pelo Tribunal a quo que se limitou a tomar posição sobre uma questão processual no fim do prazo indicado pela parte e em face do seu incumprimento na junção dos documentos que se obrigou a juntar.

                Concluindo:

I. A omissão de notificação de um despacho que ordena que os autos aguardem a junção de documentos que a parte protestou juntar no prazo de 10 dias, embora constitua uma irregularidade por violação dos artigos 253º e 254º do CPC não influi no exame ou discussão da causa – nº 1 do artigo 201º do CPC – e consequentemente não cabe na regra geral sobre a nulidade dos actos.

II. Protestando a parte, na sequência da notificação do requerimento da requerente/apelada através do qual requer a cessação da suspensão da instância executiva por incumprimento por parte do requerido/apelante do acordo que motivou tal suspensão, a junção aos autos em 10 dias dos documentos que infirmam o alegado pela requerente, a sua não junção no prazo a que se obrigou, não vincula o Tribunal a proceder a nova notificação sobre cominação, uma vez que o requerido/apelante tinha conhecimento, por força do requerimento da requerente/apelada, que a não junção da documentação no prazo por si indicado tinha como consequência jurídica a cessação da suspensão da instância executiva.

Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e consequentemente não decretar a alegada nulidade por violação dos artigos 253º e 254º do CPC ex vi artigos 201º, nº 1, 205º e 153º, nº 1 todos do CPC.

                Custas a cargo do apelante.

                Notifique.

               

Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

Silvia Pires


[1] É dominantemente entendido que o vocábulo «questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir – Ac. STJ, datado de 2.10.2003, proferido no âmbito do recurso de revista nº 2585/03 da 2ª Secção.
[2] Folhas 77 dos autos principais
[3] Omissão de formalidade prescrita por lei.
[4] Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 514.