Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/09.8TBSRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 685.º-B N.º 1 A) CPC
Sumário: A parte que, nos termos do artigo 685.º-B n.º 1 a) CPC, pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto tem que, "sob pena de rejeição", especificar "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados", o que significa que deve indicar o quesito da base instrutória, ou, na ausência desta, o artigo dos articulados, onde se encontra a matéria de facto objecto de erro no seu julgamento, pois é nessas peças processuais que estão os factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento.
E é ainda necessário que essa indicação figure nas conclusões formuladas pelo recorrente, uma vez que estas delimitam o objecto do recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... e mulher B... instauraram, na comarca de Soure, a presente acção declarativa, com processo sumário, contra C..., L.da, pedindo a condenação desta a:

1- A executar a parte restante da obra ainda em falta, nomeadamente o gradeamento do muro exterior e pintura do mesmo, executar a rede de recolha de águas pluviais em caleiras e tubos de queda, executar a chaminé para saída de fumos da cozinha, conforme projecto;

2- A suprir os defeitos enumerados no relatório de vistoria, nomeadamente, substituir o isolamento térmico no sótão, pelo material indicado no Projecto de Isolamento Térmico, colocar o isolamento em toda a extensão da cobertura e não apenas nas partes visíveis, isolamento no beirado do alçado norte e do alçado sul bem como no piso do sótão, no beirado do telhado e no telhado, para eliminar as infiltrações de água, as portas do sótão e guarnições têm de ser reparadas e isoladas, eliminação das folgas nas vigas pré-esforçadas que suportam o ripado em virtude do assentamento das mesmas em tacões de madeira, colocação de um produto isolante ou impermeabilizante no piso da cave, a fossa executada de acordo com o projecto, alinhamento das telhas desalinhadas, correcção das folgas nas fiadas na zona dos beirados, eliminação da fissura na cimalha do alçado nascente, correcção da drenagem na varanda do lado norte, eliminar as fissuras na junção da viga com a parede exterior por cima da entrada da cave, rebocar nos topos da janela e da porta do sótão, arrancar o parquet que se encontra levantado por deficiente aplicação e colocar outro aderente ao pavimento com fornecimento de todos os materiais e mão-de-obra necessários à eliminação de todos os defeitos;

3- A reconhecer que os AA. têm em qualquer circunstância a faculdade de recusar o pagamento da parte restante do preço convencionado para a empreitada enquanto a R. em simultaneidade não executar a parte que falta da obra, para a deixar concluída.

Alegam, em síntese, que celebraram com a ré um contrato de empreitada, nos termos do qual esta se obrigou a construir uma moradia na Rua ..., no lugar do ..., limite dos ..., freguesia e concelho de Soure, acordando-se no respectivo preço e data para conclusão da obra. Mas, já depois do decurso do prazo convencionado, a ré abandonou a obra sem que tivesse concluído os trabalhos a que se obrigara e, por outro lado, alguns deles ficaram incorrectamente realizados. E após denunciarem junto da ré os defeitos que encontraram, esta nada fez para os reparar ou finalizar a obra.

A ré contestou afirmando, em suma, que realizou os trabalhos correctamente e que os autores receberam a obra sem qualquer reclamação ou reserva e nela logo passaram a realizar outros trabalhos e aplicar materiais e, em Dezembro de 2007, data em que a ré finalizou a obra contratada, passaram a residir aí. Dizem também que não foi ajustado qualquer prazo para a conclusão da obra, que não se tratou de uma empreitada de "chave na mão", que parte dos trabalhos eram da responsabilidade dos autores e que as fossas da casa são trabalhos extra e que foram levados a cabo como lhe foi solicitado.

Proferiu-se despacho saneador.

Não se fixaram os factos assentes e nem se elaborou a base instrutória, por a Meritíssima Juíza ter decidido que "na presente acção declarativa sob a forma sumária, a selecção da matéria de facto controvertida não se reveste de complexidade, pelo que, nos termos do art. 787º, nº 1, parte final, e 2 do Código de Processo Civil, abstenho-me de proceder à selecção da matéria de facto."

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:

"Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré, quanto à obra aludida em 6. da Fundamentação de Facto, a:

- eliminar as folgas nas vigas pré-esforçadas que suportam o ripado;

- a executar a fossa como convencionado (e não o projectado), designadamente, impermeabilizando-a como acordado (vd. pontos 25. e 26.);

- a alinhar as telhas desalinhadas;

- a corrigir as folgas nas fiadas dos beirados;

- a eliminar a fissura na cimalha do alçado Nascente;

- a corrigir a drenagem na varanda do lado Norte;

- a eliminar as fissuras na junção da viga com a parede exterior por cima da entrada da cave.

Mais se declara que os autores têm o direito de recusar o pagamento do remanescente do preço convencionado para a respectiva empreitada, enquanto a ré não executar, em simultaneidade, os trabalhos em que vai condenada.

Vai a ré absolvida no restante."

Inconformada com tal decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1- Os Autores pediram que a Ré fosse condenada a:

A executar a parte restante da obra ainda em falta, nomeadamente o gradeamento do muro exterior e pintura do mesmo.

2- Pese embora a Douta Sentença considere que tal trabalho não foi contratado o mesmo consta da segunda folha da “Factura Proforme nº 36 elaborada no dia 4/10/2006, que ambas as partes reconheceram reproduzir o acordado.

3- Bem como executar a rede de recolha de águas pluviais em caleiras e tubos de queda.

Este trabalho insere-se nos projectos de especialidade previstos pelo Regulamento Geral dos Sistemas públicos e Prediais de Distribuição de águas e Drenagem de águas Residuais, Lei 23/95 de 23 de Agosto, fazendo parte da drenagem e dos esgotos, uma vez que nos termos do n.º 2 do artigo 114.º, são conduzidos para fossas sépticas.

4- A suprir os defeitos enumerados no relatório de vistoria, nomeadamente, substituir o isolamento térmico no sótão, pelo material indicado no Projecto de Isolamento Térmico, colocar o isolamento em toda a extensão da cobertura e não apenas nas partes visíveis, isolamento no beirado do alçado norte e do alçado sul bem como no piso do sótão, no beirado do telhado e no telhado, para eliminar as infiltrações de água , com fornecimento de todos os materiais e mão de obra necessários à eliminação de todos os defeitos;

5- De acordo com o relatório pericial, a infiltração de água não se deve a impermeabilização mas á forma de execução da estrutura da cobertura, pela não conformidade com o projecto aprovado.

6- Não podendo aceitar que a alteração da estrutura da cobertura tivesse resultado de um acordo entre a Ré e o dono da obra, uma vez que não essa a convicção que nos é transmitida pelo o testemunho do pedreiro, que não conhecendo o acordo, sabe que inicialmente a cobertura era para ser executada em lage aligeirada, conforme o projecto, mas na 1º ou 2º placa, o sócio-gerente lhe disse que o dono da obra queria uma estrutura mais económica.

7- Como se pode concluir, comparando com a data que consta da “Factura Proforme”, o custo da obra foi fixado antes de se ter dado início à construção.

8- O dono da obra, confiou que, sendo a construtora titular de um alvará, executaria as obras em conformidade com os projectos, não só porque se obrigara pelo acordo, mas também em obediência ás disposições legais que regulamenta a actividade.

9- Nos termos do disposto do artigo 24º do Dec-Lei n.º 12/04 de 9 de Janeiro, a Ré como titular do alvará, obriga-se a realizar as obras de acordo com os projectos, porque caso contrário está a defraudar os regulamentos a que os projectos têm de obedecer.

10- Do relatório pericial, resposta 5ª “ Pela deficiente impermeabilização do piso não. No entanto pode ser por ascensão por via capilar do elemento estrutural, ou por insuficiente impermeabilização das paredes.

11-Relativamente à explicação da causa do aparecimento da mancha de humidade deve tal defeito ser eliminado, uma vez que foi contratado “isolar as paredes enterradas”.

12- Pediu-se também que a fossa fosse executada de acordo com o projecto.

13- Na Resposta nº 2 do Relatório Pericial, “Não. A fossa foi construída em manilhas pré-fabricadas.

14- Sem confundindo fossa, com a rede de esgotos, a canalização ou tubagem também as fossas fazem parte da rede de esgotos, fazendo todos parte do sistema de drenagem pública de águas residuais domésticas, vulgarmente designada por esgotos.

15- Da memória descritiva, consta que a rede ficará preparada para uma futura ligação por gravidade ao futuro colector público.

16- A Ré conhecia os projectos cujos os trabalhos se obrigou a construir em cumprimento das normas legais e, consequentemente em conformidade com os projectos.

17- A estrutura da cobertura foi alterada pela construtora, ora apelada, “num total desrespeito ao projecto aprovado”, conforme os peritos fizeram unanimemente fizeram constar do relatório da vistoria.

18- A cobertura à da responsabilidade da ora apelada, que se obrigou a “Placas confrar que serão com lage alegeirada e encher com betão pronto”, “ Telhado -fazer estrutura para assentamento de vigas pré-esforçadas e ripamento de cimento......”

19-Douta Sentença não apreciou correctamente a prova documental nem a prova testemunhal.

20 - Com o devido respeito, entendemos que foram violados o que dispõe o artigo 1207º do C.C, ….os artigos 114º e sgs da Lei 23/95 de 23 de Agosto, o Dec.Lei nº 12/2004 de 9 de Janeiro,653º nº 2, do C.Proc.C. entre outros.

Terminam dizendo que deve "ser revogada a sentença recorrida, porque apreciada a prova testemunhal produzida, mediante audição dos depoimentos gravados, a prova documental junta, substituindo a sentença proferida por outra que reconheça que é da obrigação da apelada:

A- Eliminar todos os defeitos tais como:

1- A colocação gradeamentos do muro exterior e a sua pintura;

2- A execução da rede de recolha de águas pluviais em caleiras e tubos de queda;

3- O isolamento das paredes enterradas afim de eliminar a humidade na cave que origina as manchas.

4- A construção das fossas tal como constam do projecto de “Rede de Esgotos” aprovado pela Câmara.

5- A estrutura da cobertura tal como consta do projecto."

A ré contra-alegou.

Essa peça processual começa da seguinte forma:

"Contra-alegações da recorrida:

- C..., L.da, ao abrigo no disposto nos arts. 685º, nº. 7; 684, nº. 1; 691, nº. 1 do CPC, do recurso apresentado pelos AA.:

- A ... e esposa."

Seguidamente a ré afirma que "deverá ser rejeitado o recurso, quanto à impugnação da matéria de facto, por não observância do formalismo, processualmente, exigido", após o que toma posição quanto ao alegado pelos autores, procurando demonstrar que não lhe assiste razão.

Essa peça termina dizendo a ré que:

"Deve o recurso interposto não obter provimento por parte dos AA. e, ser admitido o recurso subordinado, e, este obter provimento, na parte em que, decidiu declarar que os AA. têm direito de recusar o pagamento da parte do preço em divida enquanto não eliminarem os defeitos, revogando-se a sentença, em conformidade."

A alusão aqui feita a "ser admitido o recurso subordinado" tem que se entender como sendo manifestamente insuficiente para corresponder à interposição de um recurso subordinado.

Na verdade, a ré apelida a sua peça apenas como de "contra-alegações da recorrida" e ao longo dela, excepto o citado parágrafo final, não expressa, de forma alguma, qualquer vontade de interpor um recurso subordinado, não fazendo alusão a tal recurso, não mencionando o artigo 682.º do Código de Processo Civil[1], nem tão pouco formulando conclusões desse (eventual) recurso subordinado. Não havendo, da parte da ré, uma declaração clara e inequívoca de que pretende interpor um recurso subordinado, tem que se concluir que este não foi interposto e que é inconsequente a afirmação feita na parte final das contra-alegações, no que toca à referência a um (hipotético) recurso subordinado.  

Assim, não obstante a Meritíssima Juíza a quo ter proferido despacho a receber o recurso subordinado[2], entende-se que este não foi, verdadeiramente, interposto, pelo que inexistindo, naturalmente que não tem que ser conhecido.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste, antes de mais, em saber se se mostram preenchidos os pressupostos da impugnação da matéria de facto, uma vez que os autores sustentam que o tribunal a quo não "apreciou correctamente a prova documental nem a prova testemunhal".[3]


II

1.º


O artigo 685.º-B n.º 1 a) obriga o recorrente a, "sob pena de rejeição", especificar "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados."

"O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento -o ponto ou pontos da matéria de facto- da decisão  proferida que considera viciada por erro de julgamento"[4]. Estas "exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2.ª instância"[5]. É, pois, certo que se impõe "ao recorrente um ónus rigoroso"[6]

O recorrente "tem de concretizar um a um quais os pontos de factos que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal. (…)  Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles"[7]. Realmente, cabe àquele que recorre mencionar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados na "sua motivação de recurso, mas que, para serem atendidos, devem ainda constar das conclusões"[8], o que bem se compreende, visto que "se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões por que devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente."[9] Com efeito, "as conclusões exercem (…) a importante [função de] delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 684.º, n.º 3."[10]

Por outro lado, "a fim de desincentivar claramente possíveis manobras dilatórias, este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente, o estipulado nos n.ºs 1 e 2"[11].

Ora, os autores não identificam nas conclusões quais "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados", o que lhes competia fazer especificando quais os artigos dos articulados[12] que continham os factos que, na sua perspectiva, foram mal julgados. Isso que significa que, atento o teor das conclusões formuladas, é manifesta a inobservância do estatuído no citado artigo 685.º-B n.º 1 a), o que implica que se rejeite o recurso, no que toca à reapreciação da matéria de facto[13].

Consequentemente, não é possível, por esta via, alterar a decisão da 1.ª instância, relativa aos factos provados e não provados.


2.º

No caso dos autos, é ainda oportuno salientar que, não tendo sido elaborada base instrutória, a Meritíssima Juíza a quo, ao responder à matéria de facto, em vez de fazer referência directa aos artigos dos articulados cuja matéria de facto considerava provada, não provada ou provada apenas em parte, entendeu por bem, ao descrever os factos que foi julgando provados, dar-lhes uma numeração própria, numeração essa que não tem qualquer correspondência com a dos artigos da petição inicial e os da contestação, e ao fazê-lo não menciona a qual desses artigos dos articulados se reportava cada um desses factos.

Neste contexto, os autores nas suas alegações impugnam o julgamento de parte da matéria de facto, mas nunca indicam quais os artigos dos articulados que contêm os factos que entendem terem sido mal julgado. Fazem, em vez disso, referência à numeração que a Meritíssima Juíza deu aos factos que julgou provados (referência essa que já não se encontra nas conclusões).

Salvo melhor juízo, havia que especificar o artigo dos articulados cuja matéria de facto se considera mal julgada, pois é aí que o facto alegado, efectivamente, se encontra e é esse o facto que se entende ter sido objecto de erro de julgamento.

Tomemos como exemplo o caso do facto 16 dos factos provados onde figura que "a mancha aludida em 15. (mancha de humidade na cave) não teve origem na deficiente impermeabilização do piso." Independentemente de se saber se este facto (negativo) foi alegado[14], o que os autores nesta parte provavelmente consideram ter sido mal julgado é o facto que alegaram no artigo 11.º da petição inicial, onde dizem que na cave há "várias manchas de humidade, por ascensão"[15]. A ser assim, o ponto de facto mal julgado reside sim nesse artigo 11.º e não no facto 16 dos factos provados, pelo que era aquele que tinha que ser indicado para os efeitos do artigo 685.º-B n.º 1 a) e era esse facto, e não o que a Meritíssima Juíza fez constar na sua resposta, que, havendo lugar à reapreciação da prova, tinha que ser objecto de indagação, para, então, se poder concluir se afinal está, ou não, provado.

Veja-se que estamos na presença de dois factos distintos:

- "a mancha aludida em 15. [mancha de humidade na cave] não teve origem na deficiente impermeabilização do piso";[16]

- "deficiente impermeabilização do piso da cave, verificaram-se várias manchas de humidade, por ascensão".[17]

O concreto ponto de facto que se considera incorrectamente julgado encontra-se sempre ou num quesito da base instrutória, ou, na ausência desta, num dos artigos dos articulados, pois é aí que estão os factos que são submetidos a julgamento. Havendo erro no julgamento da matéria de facto, o facto que figura na resposta dada pelo juiz é um facto diferente do que foi alegado, e resulta, justamente, daquele erro. E não é este outro facto, proveniente de tal erro, que, nos termos do artigo 685.º-B n.º 1 a), se vai averiguar se está conforme a prova produzida; o que se deve apurar se está em conformidade com a prova é o facto que foi alegado pela parte.


3.º

Estão provados os seguintes factos:

1.Os autores contrataram, por si, o Engenheiro Civil D... como projectista e responsável pela direcção técnica da execução da obra.

2. A pedido dos autores a ré voltou à obra com um ladrilhador para remover dois ou três mosaicos picotados.

3. Ficou à responsabilidade dos autores, pelo menos, o seguinte:

- mosaicos, móveis e electrodomésticos de cozinha;

- fornecimento e aplicação do ladrilho no sótão;

- colocação de painéis solares e respectivas máquinas;

- corrimãos.

4. Após a ré ter deixado a obra, os autores instalaram equipamento de aquecimento em parte do sótão, além de painéis solares e cilindro de aquecimento.

5. A ré exerce há vários anos actividade ligada ao sector da construção civil, obras públicas e compra e venda de imóveis.

6. No âmbito da sua actividade, no dia 04.10.2006, ajustou com o autores a execução de construção de uma moradia na Rua ..., lugar do ..., limite dos ..., freguesia e concelho de Soure, obrigando-se a executar as seguintes obras:

“- Implantação e marcação da obra e abertura da cave e fundações. Armar todo o ferro necessário para a construção da obra, enchimento das sapatas e vigas de fundação com betão pronto.

Cave “ leva“ paredes em blocos 50*25*20,confrar e encher os pilares com betão feito no local o piso com betão acabado com helicóptero. Placas confrar as placas que serão com laje “alegeirada “ e encher com betão pronto. Fazer o dreno para escoamento das águas isolar, as paredes enterradas, fazer muro do jardim frente à vivenda com blocos 50*20*20 e rebocá-los.

Habitação -construir paredes exterior com tijolo 30*22*20 assentar caixa de estores em cimento. Fazer caixa-de-ar com isolamento tipo hollmeite e assentar tijolo 30*20*9, fazer divisões mascadas no projecto com tijolo 30*20*11, Construir as escadas em betão e revestir a pedra vidraça.

Telhado - fazer estrutura para assentamento de vigas pré-esforçadas e ripamento em cimento, fazer cimalhas em betão com molde, pousar telha lusa, os beirados levam beirado à portuguesa, fazer chaminés.

Rebocar todo exterior, reboco areado e o reboco interior será em estuque afagado.

Assentamento das cantarias em pedra (moleanos) faixa e escadas as varandas levam pilares acabados em cimento.

Fazer betomilha na habitação.

Fazer electricidade, canalização, esgotos, gás conforme o pedido e dentro das normas pedidas por lei, fazer tubagem do aquecimento.

Assentamento de azulejos nos W.C. até ao tecto, entre os móveis na cozinha, ladrilhos em todo o interior e nas varandas.

Alumínios serão lacados portas e janelas de abris com xilovatente, vidro duplo térmico, estores em alumínio lacado com abertura normal.

Portas interiores são lisas em faia, assim como os tampos dos estores e roupeiros que serão de correr. Fornecer uma lareira para a sala com dupla frente.

Pintura de todo o interior com isolamento e tinta plástica exterior com esfregaço e tinta areia, as grades em tubo com pintura em esmalte, portão da cave seccionado.

Os trabalhos serão executados como marca o projecto.

Este orçamento inclui todo o material e equipamento necessário para a construção da obra, inclui alvará para levantamento da licença e seguros, não inclui pagamento ramal de luz e água” conforme documento de fls. 11 e 12 (doc. 1 junto com a PI), se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

7. Para execução destes trabalhos foi ajustado entre os AA. e a R. o preço de €107.975,21 sujeito a IVA à taxa de 21%, no total de €130.650,00, sendo tal preço pago em percentagens , de acordo com a execução dos trabalhos que a R. ia executando, conforme o mesmo, em 6. aludido.

8. Em Dezembro de 2007 a ré entregou a obra aos autores, dando-a por finda.

9. No dia 17/1/2008 os AA. através da sua mandatária enviaram uma carta à R. dirigida aos seus sócios-gerentes, denunciando os defeitos por eles encontrados na obra, tais como:

"1-Fossa

A deficiente impermeabilização dos depósitos das fossas acumulam água, tanto por infiltração lateral devido à subida do nível freático, assim como por infiltração superior;

2- Cave parte interior e exterior da cave:

A deficiente impermeabilização do piso da cave, verificaram-se várias manhas de humidade, por ascensão, sendo o total de quinze manhas de humidade, em que duas de delas têm a dimensão de 100cm.

3- Sótão

No sótão, em consequência do mau isolamento da cobertura e paredes, verificaram-se manchas de água, o corrimão da escada húmido, o material aplicado como isolamento no sótão, não foi o mencionado no projecto, estando a deteriorar-se em consequência das humidades e infiltrações, revelando-se totalmente desadequado para o efeito."

10. O Alvará de construção da moradia dos autores foi emitido inicialmente por um ano e posteriormente prorrogado por 6 meses.

11. No dia 20/02/2008 o Sr. Eng. técnico responsável enviou à R. o relatório da vistoria, mencionando os defeitos que detectou na obra até tal data, advertindo que as deficiências descritas são de carácter grave a nível construtivo conforme doc. 2, de fls.13 a 15, que se dá aqui por reproduzido.

12. A ré não colocou gradeamentos nos muros, nem os pintou.

13. A ré não executou a rede de recolha de águas pluviais em caleiras e tubos de queda.

14. A ré não executou a chaminé para saída de fumos da cozinha.

15. Na cave, existe uma mancha de humidade de 5 metros de comprimento por 0,3 de largura.

16. A mancha aludida em 15. não teve origem na deficiente impermeabilização do piso.

17. Não foi impermeabilizado o beirado, sendo que, contudo, em termos construtivos, não se pressupõe tal impermeabilização, mas sim o seu revestimento com telha cerâmica.

18. Há folgas nas fiadas das telhas dos beirados e telhas desalinhadas.

19. Há folgas nas vigas pré-esforçadas que suportam o ripado.

20. Há fissura na junção da viga com a parede exterior por cima da entrada da cave.

21. A cimalha do alçado Nascente tem fissuras.

22. Quanto à varanda do lado Norte, existe uma área sem o correcto declive para que se efectue a drenagem gravítica.

23. No parquet flutuante é verificável folga na sua aplicação, bem como elemento adicional de teor de humidade em toda a sua construção.

24. Parte dos trabalhos da obra eram da responsabilidade dos autores, designadamente, e pelo menos, os que constam supra do ponto 3. e ainda fornecimento dos azulejos, fornecimento e assentamento de loiças sanitárias, fornecimento e aplicação dos pavimentos dos quartos e sala, fornecimento e aplicação de gradeamentos dos muros exteriores e fornecimento e colocação de caleiras.

25. A fossa não foi um trabalho inicialmente contratado mas foi-o posteriormente, como “trabalhos extra”, para serem executados em manilhas em betão impermeabilizadas interiormente e com fundo e tampa de betão.

26. As manilhas que compõem a fossa não estão impermeabilizadas.

27. O isolamento do sótão era suposto ser no piso.

28. Contudo, os autores acabaram por pretender isolá-lo no telhado, tendo para tal, usado tela em alumínio sobre as estruturas do telhado, tendo depois sido aplicada telha.

29. Desde Dezembro de 2007 que os autores começaram a colocar na moradia os seus móveis e pertences.

30. Após essa data, em momento não concretamente determinado, aí passaram a dormir, confeccionar e tomar refeições, receber familiares e amigos e a passar momentos de lazer.

31. As portas do sótão e guarnições apresentam indícios de deterioração nas arestas e topos em consequência das humidades que aí se instalaram.


4.º

Os autores sustentam que se deve condenar a ré a "eliminar todos os defeitos tais como" os que indicam na parte final das suas alegações.

Esta pretensão radica num conjunto de factos que os autores, neste recurso, defenderam que, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, se devia dar como provados e que se traduzem, essencialmente, num incumprimento de obrigações contratualmente assumidas pela ré.

Ora, como acima se decidiu, não se procedeu à reapreciação da prova produzida na 1.ª instância, pelo que tais factos não foram dados como provados, o mesmo é dizer que se matem, nos mesmos termos, o rol dos factos julgados provados, o que, por sua vez, significa que não se verificam os pressupostos em que assenta o objectivo que os autores queriam, por via do presente recurso, alcançar. Na ausência dos pressupostos em que se funda a pretensão dos autores, naturalmente que esta está condenada ao insucesso.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos autores.

                                                           António Beça Pereira (Relator)

                                                           Nunes Ribeiro

                                                           Hélder Almeida


[1] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] De 7-12-2011.
[3] Cfr. conclusão 19.ª.
[4] Lopes do Rego, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. I, pág. 584, referindo-se à redacção que o artigo 690-A n.º 1 a) tinha antes da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, que era praticamente igual à do actual artigo 685.º-B n.º 1 a)
[5] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 142.
[6] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. III, pág.61.
[7] Acórdão do STJ de 8-3-06, Proc. 05S3823. Ver ainda neste sentido Ac. Rel. Coimbra de 12-5-09, Proc. 2546/06.8TBAVR.C1 e de 3-6-08, Proc. 245-B/2002.C1, da Rel. Lisboa de 26-3-09, Proc. 301-1997.L1.2 e Ac. Rel. Guimarães de 23-9-2010, Proc. 2139/06.0TBBRG-A.G1, todos em www.gde.mj.pt.
[8] Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 136 e 137.
[9] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Lisboa 1972, pág. 299.
[10] Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 125.
[11] Lopes do Rego, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, Vol. I, pág. 585. Neste sentido pode ver-se também Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 141, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181, nota 357 e o Ac. STJ de 8-3-06 acima citado.
[12] Importa não esquecer que nesta acção foi dispensada a elaboração da base instrutória.
[13] Neste sentido Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 143.
[14] Veja-se a este propósito o que as partes afirmam nos artigos 11.º da petição inicial e 33.º e 34.º da contestação.
[15] Sublinhado nosso.
[16] Cfr. facto 16 dos factos provados.
[17] Cfr. artigo 11.º da petição inicial.