Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1452/12.1T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
CITAÇÃO NO ESTRANGEIRO
NULIDADE DA CONFISSÃO
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA, AVEIRO, JGIC, JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS139, 198, 228, 247, 484, 771 CPC, 352 CC
Sumário: 1. Não existe nulidade da citação – artº 198º nº1 do CPC - alicerçante do recurso de revisão – artº 771º nº1 al. e) - se a ré, sociedade Islandesa, é citada - à míngua de aplicação do Regulamento CE nº 1348/2000 e da Convenção de Haia de 1965 - por carta registada e A/R: artº 247º nº2, sem tradução da pi, pois que esta não é ab initio, obrigatória – artº 139º nº1 - podendo a ré, se necessário, posteriormente requerê-la, o que, se infundadamente negado, é que então constituirá nulidade – artº 228º nº3.

2. A nulidade da confissão, fundamento de revisão a que alude a al. d) do artº 771º do CPC, reporta-se apenas à confissão estrita do artº 352º do CC e não à prova dos factos decorrentes do efeito cominatório semi-pleno do artº 484º do CPC.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

ICE A... LTD, interpôs recurso de revisão de sentença condenatória e já transitada em julgado contra si  instaurada por I (….), LDA.

Alegou:

- em 2007, foi instaurada acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário pela empresa I (…)r;

- em 24.04.2007, a petição inicial, que foi enviada via correio registado com aviso de recepção, foi recebida na sede da Recorrente, desconhecendo-se, no entanto, quem possa ter recebido a citação da petição inicial, sendo imperceptível a rubrica aposta no AR;

- em 17.12.2007, foi aberta conclusão ao Mmo. Juiz para proferir sentença;

- em 20.12.2007, a sentença foi enviada à Recorrente, via correio registado, mas não a recebeu;

- em 07.05.2012, a Recorrente foi notificada do processo de execução da sentença;

- a notificação foi feita através do tribunal islandês competente, no âmbito do processo de declaração executória de sentença, tendo sido acompanhada de certidão da sentença e da respectiva tradução, feita em 2011;

- a Recorrente é uma sociedade islandesa, com sede na Islândia;

- a petição inicial foi redigida em português, tendo sido citada à Recorrente em português sem tradução para islandês ou sequer inglês;

- a Recorrente, perante um documento redigido em português, sem qualquer tradução, enviado directamente de Portugal, não teve percepção de que o mesmo se revestia de carácter oficial e de que era relativo a uma acção que tinha sido instaurada contra ela e que a empresa “ B (...)” estava a pedir a já condenação no pagamento de determinada quantia;

- nessa medida, nada disse ou fez, não constituiu advogado, não apresentou contestação nem qualquer outro requerimento no processo;

- somente em 7 de Maio de 2012, a Recorrente se apercebeu do que tinha ocorrido em 2007, pois, desta vez, a empresa “I...”, interessada na obtenção do pagamento da quantia, teve a “gentileza” de traduzir os documentos para inglês, não para que a Recorrente tivesse conhecimento dos mesmos, somente porque assim lhe foi exigido pelas autoridades islandesas;

- só quando recebeu a documentação traduzida, a Recorrente se apercebeu de que o seu direito de defesa na acção declarativa não havia sido exercido por ignorância da língua, opondo-se à executoriedade da sentença nas instâncias islandesas.

- o Mmo. Juiz antes de permitir o andamento do processo declarativo e de ter proferido a sentença condenatória deveria ter pugnado pela verificação da situação de ausência completa de intervenção da recorrente do processo e, se fosse caso, deveria ter ordenado a regularização da situação, permitindo à recorrente o acesso aos elementos constantes do processo, ordenando a sua tradução, pelo menos para inglês, a língua universal, ao invés de decidir que a Recorrente havia sido regularmente citada e que nada disse ou fez, considerando confessados os factos da petição inicial, quando os mesmos não podiam ser confessados ou admitidos por quem não os conhecia;

- também grave é o facto da Recorrente não ter tido conhecimento da sentença condenatória e, também por isso, não lhe ter sido dada a possibilidade de recorrer ordinariamente da mesma;

- a condenação da Recorrente sem que esta tenha tido a possibilidade ou sequer a capacidade de se defender é totalmente inaceitável num Estado de Direito.

- deve, por isso, a sentença ser revista e revogada e, para que se faça plena Justiça, deve ordenar-se a repetição de todo o processado desde a apresentação da petição inicial de forma a permitir que a Recorrente apresente a sua versão dos factos e se possa defender.

Pediu:

A Anulação dos termos do processo subsequentes à citação nula e ordenando-se a sua citação para a causa com envio de documentos devidamente traduzidos.

2.

Foi proferido despacho que não admitiu o recurso.

3.

Inconformada recorreu a impetrante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O problema principal, e do qual resultam as conclusões aqui explanadas infra, reside na irregularidade da citação por via postal registada de pessoa colectiva estrangeira, residente no estrangeiro, em país cuja cultura, língua, sistema judicial é manifestamente distinto do país de onde emana o acto oficial de citação.

II. Era imperioso, sob pena de não cumprimento do objectivo pretendido com o acto de citação, que a Recorrente tomasse conhecimento, em língua para ela acessível e inteligível, de que havia sido citada para contestar uma acção contra ele intentada e de que poderia recusar-se a receber a citação por falta de tradução.

III. Era igualmente impositiva uma postura mais diligente da parte do Tribunal que, após verificar que não houve qualquer intervenção da parte da Recorrente, designadamente a solicitar a tradução dos documentos, apurasse se a citação havia sido regularmente efectuada e se esta havia tido a total percepção do acto para o qual havia sido citada.

IV. “Se ao estrangeiro, no acto da citação, residente no estrangeiro, não for informado da possibilidade da recusa do acto, por não ir acompanhado da tradução, a citação é nula, por indiscutivelmente estarmos, face à lei portuguesa, diante de uma formalidade essencial (art.º 198º, n.º 1 do CPC).” (Ac. TRL de 17.11.2009, proc. n.º 3003/08.3TVLSB-A.L1-7, in www.dgsi.pt).

V. Será inaceitável, inadmissível até, num Estado de Direito que se aceite que o sistema jurídicoprocessual se baste com a verificação formal do acto processual sem cuidar de apurar se substancialmente a parte envolvida está ciente de que contra si corre uma acção e de que lhe assiste o direito de defesa, através do exercício do contraditório e do acesso ao direito.

VI. É latente a injustiça ínsita numa interpretação formal das normas processuais, da forma como o Tribunal fez, bastando-se somente com a verificação do cumprimento do normativo processual nacional. Tornava-se imperiosa a tradução da citação, da petição inicial e documentos que a acompanhavam de forma a permitir o pleno exercício do direito de defesa, através do contraditório, pela Recorrente.

VII. Indubitavelmente que a violação do princípio do contraditório decorre da irregularidade da citação – nulidade não sanada com nova citação (cf. artigos 195º al. e) e 196º do CPC) – e culminou na prolação de uma decisão nula por violação do disposto no artigo 668º, n.º 1 al. d) e artigo 3º, ambos do CPC.

VIII. Na definição do Prof. Dr. Manuel de Andrade, “nulidades processuais são quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.” (in Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 175).

IX. Um dos desvios de carácter formal tendo em atenção o artigo 193º do CPC, e de acordo com o Prof. Dr. Antunes Varela (no seu “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 387) será a realização de um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido.

X. O acto de citação, apesar de cumpridor das normas internas e internacionais quanto à forma de execução, materialmente violou a lei ao não permitir a plena compreensão do acto citado, em clara, violação do n.º 3, in fine do artigo 228º do CPC.

XI. À Recorrente não foi reconhecido o mesmo estatuto processual que ao Autor da acção, porquanto não pode usar das mesmas “armas” que aquele, mormente, a apresentação da sua versão dos factos e a prova dos mesmos, violando-se, por conseguinte, as disposições dos artigos 3º e 3º A do CPC.

XII. Houve notória violação do princípio de igualdade plasmado no artigo 13º da CRP ao aceitar-se que a citação feita em português e a apresentação da Petição Inicial redigida em língua portuguesa, sem qualquer tradução, eram admissíveis, aceitáveis e cumpriam os formalismos legais nacionais. Tal situação traduziu-se numa evidente discriminação e desigualdade, não tendo o Tribunal actuado em conformidade com as imposições constitucionais e legais, admitindo que inexistiam irregularidades e que o processo observou os seus trâmites formais.

XIII. Exige-se que “as partes sejam colocadas ‘em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes é devida’ (cf. MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., página 365). Cada uma das partes há-de, pois, poder expor as suas razões perante o tribunal. E deve poder fazê-lo em condições que a não desfavoreçam em confronto com a parte contrária”. (Ac. Tribunal Constitucional n.º 1193/96 in www.tribunalconstitucional.pt).

XIV. A função principal da citação, à luz da lei processual nacional, é a de levar ao conhecimento do réu que contra ele se encontra a decorrer um processo judicial, atribuindo-lhe um prazo para a apresentação da sua defesa.

XV. E é a própria lei portuguesa que impõe ao Tribunal e ao Autor o ónus de assegurar, mediante os necessários formalismos que a citação assegura a cabal compreensão do objecto da comunicação.

XVI. Mal esteve por isso o Tribunal ao validar o processo e a sentença condenatória que considerou como regulamente citada a Recorrente e deu como provados os factos por confissão dos mesmos em resultado da cominação legal para a revelia absoluta operante.

XVII. “A cominação de ter como confessados os factos alegados pelo autor, se o réu não contestar a acção contra si proposta, dirige-se tão-só a pessoas físicas, capazes de por si só perceberem o alcance da cominação e dispondo de capacidade de, por si só, manifestar, livremente, e em consciência, a sua vontade. É óbvio que esse não é o caso das pessoas colectivas e dos incapazes, pois tanto umas como outros só através de representantes podem manifestar a sua vontade, as primeiras, através dos órgãos que as representam legalmente, as demais através das pessoas físicas que legalmente as representam (…).” (Ac. Tribunal Constitucional n.º 324/86).

XVIII. Não se verificou igualdade de tratamento entre as partes, nem o processo foi equitativo e justo porquanto só o Autor teve total percepção do seu direito de acção tendo sido vedado à Recorrente a possibilidade de expor as suas razões de facto e de direito perante o Tribunal. Não houve, assim, uma participação efectiva de ambas as partes, nem a mesma foi devidamente assegurada pelo Tribunal.

XIX. A Recorrente manteve-se, assim, por culpa do Tribunal, totalmente alheia do processo judicial, não pode intervir nem apresentar a sua versão dos factos. Mais, e porque se trata de uma pessoa colectiva, nunca a cominação legal de presunção de confissão por ausência de defesa poderia verificar-se.

XX. Ao contrário do defendido pelo Tribunal, a revelia é absoluta e inoperante, porque não houve, por um lado, regularidade na forma de dar a conhecer os factos à Recorrente e, por outro lado, porque a Recorrente não teve vontade de os confessar e porque nem sequer lhe foi dada essa possibilidade de escolha.

XXI. À Recorrente foi-lhe vedado o acesso ao Direito e à Justiça – algo que, de tão importante, encontra consagração constitucional, no artigo 20º da CRP. A actuação do Tribunal ao longo do processo foi irregular e pela sua gravidade a cominação só poderá ser a da nulidade de todo o processo.

XXII. Pelo exposto, porque existe fundamento legal para o Recurso de Revisão Extraordinária deduzido pela Recorrente, decorrente da nulidade da citação e da própria nulidade da confissão, nos termos da al. e) do artigo 771º do CPC, caberia ao Tribunal decidir em conformidade com o direito aplicável, sendo incompreensível o desvio na sua fundamentação. É notório o erro de julgamento, em clara violação dos artigos 3º, n.º 3, 195º, al. e), 196º, 198º, 201º, 228º, n.º 3, in fine, 483º, 485º e 668º, n.º 1, al. d) todos do CPC, e artigos 13º e 20º da CRP, pelo que outra decisão deverá ser tomada, substituindo-se a que agora é posta em crise.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Revisão da sentença transitada por: a) Nulidade da citação; b) Nulidade do efeito confessório retirado da não contestação.

5.

Os factos relevantes são os seguintes:

a)Em 5.04.2007 foi autuada ação declarativa de condenação, com processo ordinário, sob o n.º 1732/07.8TBAVR, instaurada por “I (…), Lda.” contra a ora recorrente Ice Group Ltd.

b) Na referida ação, a Autora, “ I (...) da Ré, aqui Recorrente, no pagamento da quantia de € 37.700,71 (trinta e sete mil setecentos Euros e setenta e um cêntimos) decorrentes de compras de produtos bacalhau que alegou estarem desconformes .

c) Foi enviada à ré, para a sua sede na Islândia, carta registada com  A/R,  para citação, com a menção do prazo para a contestação e legais cominações, tendo a carta sido recebida em tal sede e o aviso de receção assinado, em em 24.04.2007.

d)Tal carta incluía a pi, redigida em Língua Portuguesa, e os documentos juntos com ela, muitos dos quais refletiam transações efetuadas entre as partes e negociações atinentes ao estado do produto e ao pagamento do preço, e sendo que alguns destes estavam redigidos em Língua Inglesa.

e) A ré não contestou, não fez qualquer requerimento ao processo, nem nele interveio.

e) Em 17.12.2007, foi aberta conclusão ao Mmo. Juiz para proferir sentença, o que ocorreu em 20.12.2007.

f) A sentença foi notificada  à Recorrente, para a sua referida sede, em língua  portuguesa, via correio registado, tendo a carta sido devolvida com a menção de  «gone away» ie. «mudou-se»

 g) Em 07.05.2012, a Recorrente foi notificada do processo de execução da sentença, tendo a notificação sido efectuada através de tribunal islandês competente, no âmbito de processo de declaração executória de sentença.

6.

Apreciando.

6.1.

O recurso extraordinário de revisão foi introduzido no CPC de 1939.

Visa-se com ele  a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança.

Com esta possibilidade recursiva excecional coloca-se em causa a autoridade/intangibilidade  do caso julgado  propiciador da certeza e segurança  necessárias, exigíveis e desejáveis em direito e nas relações sociais.

Pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja suscetível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material.

E apenas nos casos e com as restrições de tempo taxativamente indicados por lei processual  -  artºs 771.º e 772º do CPC.

Assim, em primeiro lugar e desde logo neste particular de tempo, a lei prevê para o direito ao presente recurso prazos de prescrição e de caducidade.

Naquela ótica ele não pode ser interposto, em qualquer caso, se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito da decisão a rever.

Nesta perspetiva terá de ser interposto no prazo máximo de sessenta dias a contar do conhecimento dos factos definidos/previstos por/na lei – artº 772º nº2 do CPC.

Em segundo lugar, e no que tange aos fundamentos substanciais do recurso, importa ter presente que, sendo  estes taxativos e «tendo ele por função reparar anomalias processuais de especial gravidade» e «por contender com o nuclear princípio da intangibilidade do caso julgado, que só consente as excepções previstas na lei, a interpretação elástica desses fundamentos é vedada ao julgador, sob pena de subversão daquele princípio, podendo abrir portas à incerteza e segurança das decisões judiciais transitadas.» - Cfr., inter alia,  os Acs. do STJ de  16.11.1988, p. 076525,  18.09.2007, p. 07A2203, 17.09.2009, p. 09S0318 e 18.09.2012, p. 158-A/2000.L1.S1, todos in dgsi.pt. (sublinhado nosso).

6.2.

No caso vertente a recorrente, desde logo e nuclearmente, invoca como fundamento do recurso o facto de: «o acto da citação, apesar de cumpridor das normas internas e internacionais quanto à forma de execução, materialmente violou a lei ao não permitir a plena compreensão do acto citado, em clara, violação do n.º 3, in fine do artigo 228º do CPC»

(sublinhado nosso)

Vejamos.

A  Islândia não pertence à Comunidade Europeia pelo que se lhe não aplica o Regulamento CE nº 1348/2000, atinente à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros.

E, tal como o Sr. Juiz expendeu, também se não aplica  a Convenção de Haia de 1965, relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, em vigor para Portugal desde 25.02.1974, de acordo com o aviso publicado no Diário do Governo, 1.ª Série, n.°20, de 24.01. 974.

Pois que apesar de tal País já ter aderido à mesma,  e como também se diz na sentença, apenas o fez «em 01.07.2009 ( Aviso n.º 53/2009, publicado no DR n.º 163, 1.ª Série, de 24.08. 2009), com as declarações de reserva aí exaradas, designadamente que “…opõe-se à utilização no seu território dos métodos de citação e notificação de actos referidos nas alíneas b) e c) do artigo 10.º da Convenção”. Ademais, em 09.07. 2009, veio declarar que “(…) os pedidos de notificação de actos que se destinem a pessoas que se encontrem no estrangeiro deverão ser dirigidos ao Ministério da Justiça e dos Assuntos Eclesiásticos, em conformidade com o n.º 1 do artigo 1.° da Convenção de 1 de Março de 1954, Relativa ao Processo Civil. (…)”»

E sendo certo que a ação onde consta a sentença revidenda foi instaurada em  05 de Abril de 2007 e a citação ora posta em causa ocorreu em 24 de Abril de 2007, ou seja, em data muito anterior à da adesão da Islândia à Convenção.

Temos pois que a citação foi feita nos termos legalmente permitidos na lei portuguesa, ou seja, por carta registada e A/Rartº 247º nº2 do CPC.

O que, aliás, é admitido pela recorrente, como supra se realçou.

Assim sendo, a questão está apenas em saber se a citação deveria ter sido efetivada com tradução da pi e dos documentos que a acompanharam.

O Sr. Juiz concluiu que não com base no seguinte discurso argumentativo:

«Estatui o n.º 3 do art. 228º do Código de Processo Civil que a citação deve ser acompanhada de “todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto”.

O art. 139º do Código de Processo Civil impõe que “1. Nos actos judiciais usar-se-á a língua portuguesa. 2. Quando hajam de ser ouvidos, os estrangeiros podem, no entanto, exprimir-se em língua diferente, se não conhecerem a portuguesa, devendo nomear-se um intérprete, quando seja necessário, para, sob juramento de fidelidade, estabelecer a comunicação. A intervenção do intérprete é limitada ao que for estritamente indispensável”.

Por seu turno, dispõe o art. 140º, n.º 1, do mesmo diploma, que Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte”.

Deste modo, nada na lei processual civil impunha a obrigação de traduzir o ofício de citação e os documentos acompanhantes, designadamente a cópia da petição inicial e dos documentos que a instruíam.

Não olvidamos que efectivamente a língua portuguesa é radicalmente diferente da língua islandesa, pelo que muito provavelmente a ré teria dificuldades em compreender o conteúdo do ofício de citação e alguns dos elementos que o acompanhavam.

Todavia, a ré poderia ter diligenciado pela sua tradução ou, caso tal não lhe fosse possível, dirigir ao remetente do ofício de citação – in casu o Tribunal Judicial de Aveiro –, uma exposição ou requerimento, ainda que o fizesse na sua própria língua, em que alegasse não compreender o conteúdo do mesmo por se encontrar redigido em língua que não dominava. Nesse circunstancialismo,  diligenciaria o Tribunal pela tradução de tal exposição/requerimento e ordenaria a repetição da citação mediante a tradução dos necessários elementos.

Ademais, resulta dos autos principais que para prova dos factos alegados na petição inicial foram juntos vários documentos, sendo que muitos deles correspondem a cópias de comunicações havidas entre os responsáveis da ali autora e da ali ré (ora recorrente), redigidos em língua inglesa. Ora, pelo menos tais documentos, redigidos numa língua que a ré dominava, teriam permitido a esta compreender o que estava em causa, sendo certo que, ainda que redigido em língua portuguesa, o ofício de citação continha impresso o símbolo da república portuguesa, o que evidenciava que se tratava de documento emanado de entidade oficial, pelo que deveria aquela ter diligenciado no sentido supra apontado.

Não tendo a ré encetado qualquer diligência e optando pela inércia, apenas de si própria pode queixar-se.

As causas de nulidade da citação estão previstas no art. 195º do Código de Processo Civil não se reconduzindo a situação dos autos a nenhuma delas.

Refira-se, ainda, que tal como resulta da decisão de Tribunal islandês cuja cópia traduzida foi junta aos autos a fls. 105 a 107, foi concedida força executória à sentença proferida nos autos principais, sendo que a instruir o requerimento respectivo foram juntas “cópia certificada da citação feita à Ré” e “Registo da entrega e aceitação da citação”. Significa isto que também aí se concluiu pela regularidade e validade da citação efectuada.»

(Sublinhado nosso).

Nada há a censurar a esta interpretação da lei em face dos factos apurados, mostrando-se ela curial e sagaz.

Na verdade, in casu, a citação foi feita – como podia/devia ser - apenas de acordo com as normas pertinentes do ordenamento jurídico português.

Ora  das mesmas ressumbra que inexiste - à partida e liminarmente -, aquando da citação por carta registada e A/R em país estrangeiro,  obrigatoriedade do envio das peças processuais traduzidas, pois que, ainda que se pretenda que o ato seja plenamente compreendido e interiorizado no seu teor e consequências – artº 228º nº3 -  a língua a usar nos atos judiciais é a língua portuguesa – artº 139º nº1.

Tanto assim que a pi é recusada se não estiver redigida em língua portuguesa – artº 474º al. h).

Verifica-se, pois, que não procede o argumento da recorrente ao invocar o Acordão da RL citado na conclusão IV pois que ele versou sobre um caso em que era aplicável o Regulamento CE nº 1348/2000 no qual prescreve no seu artº 8º nº1:

«A entidade requerida avisa o destinatário de que pode recusar a recepção do acto se este estiver redigido numa língua que não seja qualquer das seguintes:

a) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deve ser efectuada a citação ou a notificação; ou

b) Uma língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda.»

Tal não imperatividade, no domínio e atento o espírito da nossa lei, alcança-se por um motivo muito simples: não está excluída a possibilidade de o citando, mesmo estrangeiro, por si ou por interposta pessoa ou entidade, poder alcançar o conteúdo e significado da citação. O que, a acontecer evitará, naturalmente, despesas e morosidade acrescida, decorrentes de uma tradução.

E dizemos à partida e liminarmente, porque tal não obsta que, se tal não acontecer e o citando não compreender o teor da citação e não diligenciar pelos seus meios para atingir tal compreensão, ele requeira ao tribunal a tradução, a qual terá então de ser efetivada, sob pena, então sim, de se cometer nulidade – artº 228º nº3.

Mas a recorrente  parece ir mais longe querendo fazer crer que nem sequer se deu conta de estar perante um ato judicial.

 Importa, pois, apurar se, aquando do recebimento da carta de citação, que foi assinada na sede da recorrente - assinatura que, não se tendo provado que o foi abusivamente por alguém sem qualquer ligação à mesma  tem de relevar – ela tomou conhecimento da natureza do ato ou era-lhe exigível que tomasse.

E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

Já que, como mais uma vez acertada e sagazmente o Sr. Juiz expendeu, a  carta de citação ia com os dizeres, referencias e timbre do tribunal.

 E era  acompanhada por vasta documentação atinente à mercadoria – bacalhau – que a recorrente vendeu à recorrida, onde se discriminava as quantidades do produto, preços e identificação dos contratantes.

 Bem como de documentos consubstanciados em correspondência e Emails trocados entre eles atinentes à compra, maxime às desconformidades invocadas pela B (...) e a discussão sobre a redução do preço do produto.

 Sendo que a maioria, ou grande parte, desses documentos e troca de correspondência estava escrita em Inglês, língua que a recorrida demonstrou compreender.

De salientar que muitas palavras da língua portuguesa têm ortografia e significância similares,  idênticas e, até,  iguais a termos ingleses.

É precisamente o caso da palavra portuguesa «Tribunal»,  ao qual corresponde na língua inglesa, em ortografia e significado – e para além do termo «court» - outrossim  a palavra «Tribunal» (foneticamente: trai-biuuu-nel).

Aliás a própria Convenção de Haia, de que a Islandia já é aderente prevê no seu artº 7º que: Os termos impressos da fórmula anexa à presente Convenção serão obrigatoriamente redigidos em francês ou inglês. Podem, além disso, ser redigidos na língua ou numa das línguas oficiais do Estado de origem.

Destarte, meridianamente se  alcança  e conclui que a recorrente teve conhecimento da natureza e teor da carta recebida, ou, no mínimo – o que vai dar ao mesmo – era-lhe exigível que tivesse.

Pois que esta exigência tem de ser perspetivada por reporte a um atuar mediamente diligente e sagaz –patente no designado homo prudens -  qualidades e requisitos que ela não invocou não possuir e que, assim, se devem presumir.

E se a ré não tivesse compreensão total e cabal do teor da petição e de (alguns, porque outros estavam em língua inglesa que ela demonstrou compreender) documentos que não estivessem redigidos em inglês, poderia e deveria ter requerido a sua tradução ao tribunal.

Sendo que se este não diligenciasse pela mesma emergiria, mas só nesta fase, como já se disse, a nulidade da citação, exatamente por  chamamento do direito ao contraditório e da igualdade de armas dos litigantes e por adequada interpretação do citado artº 228º nº3 do CPC.

Não o tendo feito sibi imputat.

Nesta conformidade se concluindo que inexistiu qualquer nulidade da citação nos termos e para os efeitos do artº 198º nº1 do CPC.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, certo é que a nulidade, a existir, tinha de ser arguida no prazo indicado para a contestação, ou seja, in casu, no prazo de 30 dias acrescido da respetiva dilação de 30 dias – artº 252º-A nº3 do CPC – cfr. artº 198º nº2 do CPC.

E tais prazos - porque, como se viu, tem de concluir-se que a recorrente interiorizou ou era-lhe exigível que interiorizasse a essência do ato-, contavam-se a partir da efetivação da citação, o que sucedeu em 24.04.2007.

Pelo que mais que ultrapassado se encontrava o seu direito de arguir a nulidade e, decorrentemente, o seu direito de requerer a revisão da sentença com base na mesma.

O que, aliás, se decide em consonância com o decidido pelo Acordão da RL mencionado pela recorrente na conclusão IV.

6.3.

A recorrente esgrime ainda com a  nulidade do efeito confessório retirado da não contestação,  o que poderia constituir fundamento autónomo da revisão nos termos do artº 771º nº1. al. d).

O Sr. Juiz, neste particular, decidiu com o seguinte arrazoamento:

«… validamente citada, a ré (ora recorrente) manteve-se em revelia absoluta – não dirigiu qualquer comunicação, na sua língua, em português ou em inglês (língua que foi utilizada nas relações comerciais entre as partes, conforme evidenciado pelos documentos juntos com a petição inicial já mencionados) – ao processo nem constituiu mandatário.

Face a tal postura, o Tribunal retirou as consequências processuais impostas por lei – não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas no art. 484º do Código de Processo Civil, considerou confessados os factos alegados pela autora em conformidade com o prescrito no art. 485º do mesmo diploma e proferiu sentença, aplicando o direito pertinente a tais factos. Não se verifica qualquer nulidade da confissão, mormente a consagrada no art. 359º, n.º 3(queria dizer-se nº1), do Código Civil. A confissão ficta, que opera em virtude da revelia absoluta da ali é, é perfeitamente válida e eficaz.

…foi expedida carta registada para notificação da mesma, na qualidade que aí tinha de ré, em conformidade com o determinado pelo art. 255º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Todavia, pese embora tal carta tenha sido dirigida para a mesma morada onde foi concretizada a citação, foi devolvida com a menção de que a destinatária se tinha ausentado. Tal notificação não deixa, porém, de produzir o seu efeito, nos termos prescritos no art. 254º, n.º 4, ex vi do art. 255º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.».

Mais uma vez bem decidiu o julgador.

Versus o defendido pela recorrente, inexiste qualquer disposição legal que impeça o efeito cominatório semi-pleno para as pessoas coletivas, atenta a regra geral do artº 484º e a excecional do artº 485º, a qual não as exclui de tal efeito.

            As sociedades comerciais, como é o caso da recorrente, têm, perante a lei portuguesa, personalidade judiciária, podendo, assim ser partes no processo – artºs 5º nº1 e 6º al. d) do CPC.

            Consequentemente, e se se investirem ou forem investidas em tal qualidade em certo processo, assumem, por via de regra, os direitos, ónus e deveres correspondentes, recolhendo os benefícios ou arcando com os encargos ou prejuízos advenientes da sua atuação e impostos por lei.

É/foi o caso dos autos pois que se demonstrou  ter inexistido nulidade da citação da ré.

E mesmo que assim não fosse tem de ter-se presente que a confissão a que se reporta a al. d) do artº 771º é a confissão estrita e rigorosa (tout court) prevista no artº 352º e sgs. do CC, ou seja o reconhecimento que, direta e pessoalmente, a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contraria.

E já não o efeito cominatório de se darem como assentes os factos, mediata e impessoalmente,  e apenas por virtude de uma disposição legal que presume tal consequência em função de uma atuação processual: não oposição.

Pois que apenas a nulidade daquela real confissão tem a força e dignidade bastante para sacrificar o caso julgado e a segurança e certeza  a ele inerentes.

Na verdade: A actuação da cominação semi-plena (Código de Processo Civil, artigo 484, n. 1) é processualmente figura distinta da confissão (Código de Processo Civil, artigo 300,n. 1).  É à confissão propriamente dita que se refere o fundamento de revisão previsto na alínea e) do artigo 771 do mesmo Código» -  Ac. do STJ . de 15.10.1992, p. 082123, in dgsi.pt.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando.

I – Não  existe nulidade da citação – artº 198º nº1 do CPC -  alicerçante do recurso de revisão – artº 771º nº1 al. e) -  se a ré, sociedade Islandesa, é citada - à míngua de aplicação  do Regulamento CE nº 1348/2000 e da Convenção de Haia de 1965 -  por carta registada e A/R: artº 247º nº2, sem tradução da pi, pois que esta não é  ab initio,  obrigatória – artº 139º nº1 - podendo a ré, se necessário, posteriormente requerê-la, o que, se infundadamente negado, é que então constituirá nulidade – artº 228º nº3.

II – A  nulidade da confissão, fundamento de revisão a que alude a al. d) do artº 771º do CPC, reporta-se apenas  à confissão estrita do artº 352º do CC e não  à prova dos factos decorrentes do efeito cominatório semi-pleno do artº 484º do CPC.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pela recorrente.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço