Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
663/15.2T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: BENFEITORIA
CASAMENTO
PATRIMÓNIO COMUM
PARTILHA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - CALDAS DA RAINHA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 309, 473, 474, 482, 1688, 1689, 1273, 1274 CC
Sumário: 1. A realização, na pendência do casamento, de uma construção no prédio doado a um dos ex-cônjuges, em que o casamento fora celebrado segundo a comunhão de adquiridos, haverá que ser qualificada como benfeitoria que se integra na comunhão.

2. Decorre das disposições legais do direito da família o propósito de operar, no momento da partilha dos bens do casal, as adequadas compensações entre patrimónios (entre o património comum dos cônjuges e um património próprio), visando a recomposição do equilíbrio das massas patrimoniais.

3. Instaurado inventário para partilha do património comum do casal e divergindo os ex-cônjuges quanto à inclusão daquela benfeitoria na comunhão, sendo remetidos para os meios comuns, não se poderá afastar o prazo ordinário da prescrição decorrente do n.º 2 do art.º 1273º, do CC (o direito à indemnização do valor das benfeitorias, aí conferido, está sujeito ao prazo do art.º 309º, do CC) e dever-se-á considerar que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa (art.º 482º, do CC) não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição.

Decisão Texto Integral:



            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Em 15.4.2015, H (…) intentou a presente acção declarativa comum contra M (…), pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe «a quantia de € 48 716,40 (…), que é metade do valor despendido pelo casal para construir a benfeitoria implantada no prédio identificado no n.º 3 deste articulado, composto de uma vivenda com 3 pisos: rés-do-chão (semi cave), 1º andar e sótão, com a área coberta de 243,20 m2, área bruta de construção de 518,60m2, área bruta dependente de 363,060 m2 e uma área bruta privativa de 155,30 m2, além de juros à taxa legal que se contarão desde a data de citação».

            Alegou, nomeadamente:

            - O A. e a Ré casaram, no regime de comunhão de adquiridos, a 05.8.1989[1];

            - O casamento foi dissolvido a 27.5.2004, por divórcio por mútuo consentimento (fls. 12 verso);

            - Ao tempo do casamento, os pais da Ré eram donos e legítimos possuidores de um prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial do Óbidos;

            - Com a autorização dos pais da Ré, no ano de 1998 o casal, no prédio supra identificado, iniciou a construção de uma moradia, para habitação própria permanente do A. e da Ré, sendo os respectivos trabalhos e despesas da responsabilidade do casal;

            - Por escritura outorgada a 10.7.2000, os pais da Ré fizeram-lhe a doação do referido prédio rústico, onde estava a ser construída a vivenda, aquisição registada a favor da Ré no estado de casada (fls. 30);

            - A. e Ré esgotaram todas as poupanças e necessitaram de recorrer a crédito para os acabamentos, pelo que, em 17.8.2001, celebraram com o BCP um contrato de “mútuo com hipoteca e fiança”, constituindo-se devedores da quantia de € 74 819,68 (15 000 000$00) ao identificado Banco (fls. 14);

            - A casa ficou concluída e em condições de nela habitar, no início do ano de 2002;

            - No mês de Outubro de 2003, o A. deixou de viver na casa de morada de família;

            - Até ao divórcio A. e Ré pagaram em conjunto as despesas da casa, nomeadamente, a prestação ao banco referente ao empréstimo;

            - Em 2005 a Ré mudou as fechaduras da casa impedindo o acesso do A.;

            - Já depois de separado da Ré e até de divorciado, o A. pagou ao mencionado Banco, pelo menos, as quantias de € 314,15, € 265,78, € 265,78, € 270, € 270 e € 280 (cf. os documentos n.ºs 5 a 10 juntos com a petição inicial/p. i.);

            - Actualmente, a Ré reside na casa de morada de família e é ela quem paga as despesas (prestações ao Banco, IMI e outras);

            - Em 24.11.2005 o A. requereu o inventário para separação de meações[2], que corre termos na comarca de Leiria, Instância Central de Caldas da Rainha;

            - A. e Ré não chegaram a acordo quanto à benfeitoria, que foi a casa de morada de família, porquanto, a Ré defende que é bem próprio dela e não bem comum;

            - A Mm.ª Juíza suspendeu a instância e remeteu-os para os meio comuns (fls. 27)[3];

            - O A. tentou chegar a um acordo com a Ré quanto à divisão do bem mas tal não foi possível;

            - Atendendo aos elementos discriminados nos art.ºs 49º e seguintes da p. i., a benfeitoria terá um valor de € 165 200 e o “valor líquido” do prédio deverá ser fixado em € 97 432,80 (deduzido o valor em dívida ao Banco/fls. 35);

            - O A. tem direito a ser compensado, em sede de partilha dos bens comuns do casal, em metade do valor despendido no imóvel.

            A Ré contestou por impugnação e por excepção. Concluiu que além da importância de € 1 665,71 (paga pelo A.), foram os pais da Ré e esta que pagaram todas as despesas com a construção da dita moradia, sendo que, atentas as datas da construção e do pagamento pelo A. dalgumas das prestações do empréstimo, operouse a prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, pelo que deverá julgarse improcedente e não provada a acção, absolvendose a Ré.

            O A. replicou e concluiu pela improcedência da matéria de excepção e como na p. i..

            A Mm.ª Juíza a quo, considerando que o estado dos autos permitia conhecer da excepção peremptória da prescrição, por saneador-sentença de 07.10.2015, julgou-a procedente, absolvendo a Ré do pedido.

            Inconformado, o A. apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

            1ª - O recorrente intentou a presente acção declarativa em que pediu o pagamento da quantia de € 48 716, correspondente a metade do valor gasto pelo ex-casal na construção de uma moradia, que se destinou a casa de morada de família, em terreno que era bem própria da recorrida.

            2ª - O divórcio foi em 2004.

            3ª - Aos 27.9.2007, no âmbito de processo de inventário para separação de meações, o ex-casal foi remetido para os meios comuns.

            4ª - A presente acção deu entrada em 15.4.2015.

            5ª - O recorrente não baseou a sua pretensão no instituto do enriquecimento sem causa, mas sim no valor da benfeitoria implantada.

            6ª - É pacífico o entendimento de que o direito a obter o valor das benfeitorias que o possuidor pretenda obter com base no disposto no n.º 2 do art.º 1273º do Código Civil (CC), está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos estabelecido no art.º 309º (norma geral) e não ao prazo especial de três anos estabelecido no art.º 482º, sendo este último apenas e só para o exercício do direito à restituição fundado no enriquecimento sem causa.

            7ª - O pedido formulado configura, portanto, um direito de natureza creditória, sujeito, como tal, ao prazo ordinário de prescrição. A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis, o n.º 2 do artigo 1273º faz para o regime do enriquecimento sem causa vale apenas para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do art.º 482º, cujo regime não é comparável ao enriquecimento sem causa.

            8ª - Violou-se, pois, no despacho saneador recorrido, por incorrecta interpretação e aplicação do direito, entre outras disposições, as dos art.ºs 482º, 1273º[4] e 309º do CC.

            Remata dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos.
            A Ré não respondeu à alegação de recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso) e o que decorre do aludido processo de inventário, importa apreciar, apenas, a problemática da excepção peremptória de prescrição do direito a perceber metade do valor da “benfeitoria”.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva a tramitação e o quadro fáctico supra referidos (ponto I).

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

                Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (art.º 216º, n.º 1, do CC).

            O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309º, do CC).

            Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (art.º 473º, n.º 1, do CC). A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (n.º 2).

            Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento (art.º 474º, do CC, sob a epígrafe “Natureza subsidiária da obrigação”).

            O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento (art.º 482º, do CC).

                Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (art.º 1273º, n.º 1, do CC). Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (n.º 2).

            As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos (art.º 1688º, do CC).

            Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património (art.º 1689º, n.º 1, do CC, sob a epígrafe “Partilha do casal. Pagamento de dívidas”). Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes (n.º 2). Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor (n.º 3).

            Na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos (art.º 1717º, do CC).

            Neste regime de bens, são considerados próprios dos cônjuges, nomeadamente, os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação (art.º 1722º, n.º 1, alínea b), do CC); fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei (art.º 1724º, do CC).

            Em tal regime, os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações (art.º 1726º, n.º 1, do CC). Fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão (n.º 2). A parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas prestadas para a respectiva aquisição (art.º 1727º, do CC). Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso (art.º 1730º, n.º 1, do CC, com a epígrafe “Participação dos cônjuges no património comum”). A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei (n.º 2).

            3. A acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção. Se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer (art.º 474º, do CC).

            Assim, haverá que afirmar e actuar o carácter subsidiário da obrigação de restituir (o indevido acréscimo patrimonial) face às demais possibilidades que a lei faculta ao empobrecido para fazer valer o seu direito, eliminando a correspondente vantagem patrimonial da contraparte.[5]

            4. O regime jurídico do enriquecimento sem causa dirige-se a uma simples protecção estática dos direitos ou dos bens, pretendendo-se reagir contra modificações juridicamente não sancionadas na sua ordem de atribuição ou destinação; a acção de enriquecimento sem causa visa “retransmitir” ao património do empobrecido alguma coisa que “pertence” a esse património, em face do conteúdo ou teor de destinação do seu direito (da “correcta ordenação dos bens à luz do direito vigente”).[6]

            5. O direito à indemnização do valor das benfeitorias, conferido pelo n.º 2 do art.º 1273º do CC está sujeito ao prazo ordinário da prescrição, estabelecido no art.º 309º do mesmo Código.[7]

            Estamos perante um direito de natureza creditória, sujeito, como tal, ao prazo ordinário de prescrição. A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis, o n.º 2 do art.º 1273º faz para o regime do enriquecimento sem causa vale apenas para o ´cálculo` do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do art.º 482º.[8]

            6. Uma vez findas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se, nomeadamente, à partilha dos bens comuns do casal (art.º 1689º, n.º 1, do CC); feita a conferência dos bens devidos à massa comum (cf., sobretudo, o art.º 1697º, do CC), é o momento de proceder à divisão desta, entregando a cada um dos seus titulares a respectiva meação, que pode não ser igual a metade do património comum, por não serem forçosamente iguais as partes de cada um dos cônjuges.

            A partilha pode ser feita extrajudicialmente, se os interessados acordarem nesse sentido, ou mediante processo de inventário (cf. os art.ºs 2101º, do CC e 1404º, do CPC de 1961[9]), na falta de acordo ou por imposição da lei.[10]

            7. Coloca-se assim, acima de tudo, o problema do modo de liquidação e partilha dos bens do casal (dos interesses patrimoniais dos ex-cônjuges) na sequência de divórcio, sabendo-se que entre as regras e princípios do regime do casamento temos a ideia geral de equilíbrio patrimonial (preservação do equilíbrio entre as diversas massas patrimoniais) própria de uma relação de convivência, a ideia geral de preservação do equilíbrio patrimonial entre os sujeitos que instituem entre si uma relação convivencial duradoura.

            8. Decorre, de resto, das disposições legais do direito da família (v. g., das mencionadas no ponto II. 2., supra) o propósito de operar, no momento de realização da partilha, as adequadas compensações entre patrimónios (entre o património comum dos cônjuges e um património próprio), visando a recomposição do equilíbrio das massas patrimoniais, sendo que, para esse feito, não existirá diferença substancial entre um crédito e uma compensação.

            E as mesmas disposições legais traduzem a ideia geral da compensabilidade de todas as deslocações de valores, entre quaisquer massas patrimoniais, que ocorrem na vigência do casamento, dada a normal “inter-penetração patrimonial” e a “cooperação financeira espontânea e condescendente” aí registada; daí o propósito de obstar a quaisquer ganhos de um dos cônjuges (em prejuízo do outro) que subsistam após a dissolução do casamento.[11]

            9. No caso em análise, evidencia-se, desde logo, uma mera deslocação patrimonial corporizada e integrada na “benfeitoria”/”casa de morada da família” [no dizer da decisão sob censura, “a construção (implantação) de uma moradia num prédio rústico da Ré”], sendo que a realização, na pendência do casamento, de uma construção no prédio doado a um dos ex-cônjuges, em que o casamento fora celebrado segundo a comunhão de adquiridos, haverá que ser qualificada como benfeitoria que se integra na comunhão, por efeito do regime de bens de casamento.[12]

            Atendendo ao alegado na p. i. (e, diga-se, a alguns dos elementos juntos aos autos) afigura-se que o A. também deverá ser considerado “possuidor” (do bem onde a “benfeitoria” foi implantada e/ou integrada), e, assim, beneficiar de uma ampla/normal dilação quanto ao tempo no exercitar do seu direito à luz da referida interpretação da disposição do n.º 2 do art.º 1273º, do CC, pelo que, tratando-se de um direito de natureza creditória, estará sujeito ao prazo ordinário de prescrição (art.º 309º, do CC) – obviamente, não transcorrido -, sendo inaplicável a regra prescricional do art.º 482º, do CC.

            10. Por outro lado, dados os referidos princípios do direito de família (alguns de natureza imperativa/impositiva), a finalidade de restabelecer o equilíbrio patrimonial (após o divórcio) e o dissídio sobre a partilha do património comum do casal, também não se antolha defensável que à questionada deslocação patrimonial pudesse ser aplicada a limitação decorrente do regime prescricional para as simples deslocações patrimoniais enquadráveis no instituto do enriquecimento sem causa na configuração traçada pelos art.ºs 473º e seguintes do CC.

            11. No fundo, em derradeira análise, face à assinalada natureza subsidiária da obrigação de restituição, conforme prevê o art.º 474º, do CC, e ante o descrito enquadramento jurídico-normativo (aplicável à situação em apreço), apenas se poderá concluir que não se encontra prescrito o direito feito valer através da presente acção – pelo ex-cônjuge e meeiro -, visando a efectiva partilha do património comum do casal e consequente restabelecimento do equilíbrio patrimonial, além de que vem sendo entendido que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa (previsto no art.º 482º, do CC) não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição a obrigação de restituir o enriquecimento não prescreve enquanto o empobrecido tiver outro meio de ser restituído ou outra forma de ser indemnizado pelo seu prejuízo.[13]

            12. Esta, pois, a leitura e o enquadramento dos factos alegados e já suficientemente demonstrados nos autos e que suportam a pretensão deduzida em juízo, tendo por base o valor da “benfeitoria” implantada, em nada descaracterizados pela circunstância de o A. dizer que o caso também configura uma situação de “enriquecimento” (da Ré), de uma indevida deslocação patrimonial, a que importava atalhar pelos meios legalmente previstos [cf., principalmente, os art.ºs 78º, 87º e 88º da p. i. e atente-se, nomeadamente, no preceituado no art.º 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil de 2013] e a que, de resto, o A. não deixou de recorrer, primeiro, instaurando a corresponde inventário para partilha dos bens do casal e, depois, no seu desenvolvimento, a presente acção declarativa de processo comum para conhecimento da “magna questão” suscitada naquele processo, a dilucidar nos meios comuns (art.º 1335º, do Código de Processo Civil de 1961 e ponto I, supra).[14]

            Acolhidas, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, deve ser revogada a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos.


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            III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, prosseguindo os autos como se refere em II. 12., supra.

            Custas pela Ré/apelada.        


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20.4.2016

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernanda Ventura



[1] Cf. o documento de fls. 10 (certidão do assento de casamento e art.º 1717º do Código Civil).

[2] Foi aí relacionada como “verba n.º 1” do activo o prédio urbano composto por casa de habitação aludido na presente acção (fls. 21).
[3] Consta da parte final da aludida decisão, de 27.9.2007: «(…) O processo de inventário não é o meio próprio para dirimir a questão suscitada, pelo que nos termos do disposto no artigo 1335º do Código de Processo Civil remeto os interessados para os meios comuns. Nos termos desta norma determino a suspensão da instância até que ocorra decisão definitiva quanto à titularidade do imóvel
[4] Rectificou-se lapso manifesto.
[5]Vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 431 e seguintes, e Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 166.
[6] Vide F. M. Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, Almedina, 1999, págs. 47 e seguintes.

[7] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 15.01.1981 e da RP de 16.4.2012-processo 9427/09.1TBVNG-A.P1, publicados no BMJ 303º, 236 e no “site” da dgsi, respectivamente.
[8] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., Vol. III, 2ª edição, 1987, pág. 43.
[9] Aplicável à situação dos autos, atenta a data da instauração do processo de inventário (cf. o ponto I., supra, e o art.º 7º da Lei n.º 23/2013, de 05.3).
[10] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., Vol. IV, 2ª edição, 1987, págs. 322 e seguinte.

[11] Vide F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, I, Coimbra Editora, 4ª edição, 2008, pág. 431 e seguintes e F. M. de Brito Pereira Coelho, Dissolução da união de facto e enriquecimento sem causa, in RLJ, 145º, principalmente, págs. 118 e 123 e seguintes e notas (53), (55), (56), (57) e (61).

[12] Neste sentido, cf. o acórdão da RP de 11.7.2012-processo 1579/10.4TBMCN.P1, publicado no “site” da dgsi.

   Em idêntico sentido, cf. os acórdãos da RC de 23.10.2012-processo 1058/09.2TBTMR-A.C1 [extraindo-se, nomeadamente, as seguintes conclusões: «Tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil e não pode basear a aquisição da propriedade do prédio por acessão a favor do casal. O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita construção da moradia é um bem comum do casal, nos termos dos artigos 1724º al. b) e 1733º/2 do Código Civil. Esse valor deve ser relacionado como crédito do património comum do casal. O prédio urbano resultante da construção da moradia no terreno pertencente a um dos cônjuges não integra os bens adquiridos a que se refere o artigo 1724º do CC e não é bem comum do casal.»] e 13.5.2014-processo 1068/08.7TBTMR-B.C1, publicados no “site” da dgsi.
[13] Cf. o acórdão do STJ de 02.12.2004-processo 04B3828, publicado no “site” da dgsi.

[14] Veja-se, ainda, a propósito, o acórdão da RG de 17.12.2014-processo 3698/11.0TBBCL.G1 [no qual se entendeu que “Se o cônjuge credor invoca o instituto do enriquecimento sem causa para obter a condenação do cônjuge devedor no pagamento da dívida, mas alega e prova matéria de facto suficiente e adequada à existência de causa e de outra fonte justificante do pagamento, a natureza subsidiária da aplicação daquele instituto e a liberdade que a lei concede ao julgador no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, consente nova qualificação dos factos e decisão em conformidade”; e que, em tal situação, “no essencial, o que o A. alega é a sua qualidade de credor”, sendo esta “a causa da restituição”], publicado no “site” da dgsi.