Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
743/09.3PAMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: RECURSO
REGIME DE SUBIDA
Data do Acordão: 11/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: QUESTÃO PRÉVIA
Legislação Nacional: ARTIGO 407º
Sumário: 1.- Para efeitos de regime de subida um recurso só pode ser considerado absolutamente inútil quando a sua não apreciação imediata leve a que deixe de ter qualquer eficácia no processo;
2.- A apreciação diferida, não o torna absolutamente inútil, quando a sua procedência permitir a repetição das diligências ou actos.
É que tal possibilidade de repetição é uma consequência normal dos recursos que não sobem imediatamente.
Decisão Texto Integral: 6

1. Ao recurso interposto no processo nº 743/09.3PAMGR do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha de um despacho judicial intercalar – proferido nos termos e ao abrigo do artigo 311º, do CPP - pelo Sr. juiz a quo foi atribuída a subida imediata, em separado e com efeito suspensivo – v. despacho de fls. 74 deste apenso.

Entende-se, todavia, que tal subida e efeito não se mostram correctamente fixados, pelo que, ao abrigo do artigo 417º, nº 6, alínea a), do Código de Processo Penal profere-se de imediato decisão sumária.
II
1. Foi o recurso interposto pelo assistente A... do despacho de fls. 46, em que recebeu a pronúncia constante dos autos a fls. 421 e ss., pelos factos e qualificação jurídica aí previstos e para a qual se remeteu e que concomitantemente recebeu a acusação particular do assistente de fls. 168 e ss., deduzida contra o arguido B..., na parte em que a mesma é compatível (factos e qualificação jurídica) com a pronúncia efectuada.

É, pois desta última parte, a negrito ( nosso ), que o assistente recorre.

2. Pelo Sr. juiz a quo foi ordenado a subida imediata do recurso, ao qual atribuiu ainda efeito suspensivo, tudo nos termos dos artigos 407º, nº 1 e 408º, nº 3, do CPP.
Diz o citado artigo 407º, nº 1, que “sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
Por sua vez, no nº 2 deste preceito, são enumerados alguns recursos – onde não se inclui o presente -, que também sobem imediatamente.
Dúvidas não existem que este recurso subiu imediatamente, ao abrigo do artigo 407º, nº 1, do CPP, por se entender – o Sr. Juiz a quo -, que a sua retenção o tornaria absolutamente inútil. E concomitantemente, fixou-lhe efeito suspensivo do andamento do processo, nos termos do artigo 408º, nº 3, do CPP.

3. O objecto do recurso consiste tão simplesmente em apurar se existe fundamento ou não No entender do assistente o Sr. juiz não pode, não é legal, tal alteração da qualificação jurídica constante da acusação. para o Sr. Juiz receber a acusação do assistente com a harmonização ou compatibilização da qualificação jurídica constante da pronúncia, ou seja, tendo o assistente qualificado os factos como de ofensa à integridade física qualificada mas no despacho de pronúncia sido qualificados tais factos como de ofensa à integridade física simples, se se devem manter estas duas qualificações ou se se deve harmonizar a qualificação do assistente com a qualificação da pronúncia.

3.1. Importa ainda esclarecer que o Ministério Público deduziu acusação pública em que imputou e qualificou os factos como de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º nº 1, do CP e dano qualificado; por sua vez o assistente deduziu acusação particular pelos mesmos factos, ao abrigo do artigo 284º, do CPP, embora acrescente um ou outro mas sem que “importe alteração substancial daqueles” constantes da acusação do MºPº, fazendo questão de os qualificar de modo diferente quanto às ofensas, que as integra no crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, nº 1, al. a) e nº 2, conjugado com o artigo 132º, nº 2, al. h), todos do Código Penal; finalmente, o arguido B... requereu a abertura de instrução pelos factos e qualificação destes constantes da acusação deduzida pelo MºPº; foi proferido despacho de pronúncia do arguido por tais factos bem como pela qualificação jurídica constante da dita acusação pública, ou seja dos crimes de ofensa à integridade física simples e de dano qualificado.
4. Enquadrado o recurso, quer no que respeita ao seu objecto quer no que respeita aos elementos processuais em que o mesmo surge, cumpre agora averiguar se o mesmo se insere na definição do conceito de subida imediata por a sua retenção o tornar absolutamente inútil
Parece-nos que não.
Como escreve Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, fls. 345, “são casos muito raros, pois se a decisão recorrida, com subida diferida, for revogada pelo recurso, o que pode vir a suceder é a repetição da decisão e das subsequentes a partir dessa decisão mas esta é uma consequência normal de todos os recursos que não sobem imediatamente”.
Também Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código de processo Penal, fls. 1042 – anotação 1 ao artigo 407º, do CPP -, afirma que “têm subida imediata apenas os recursos de decisões interlocutórias cuja retenção resultaria na inoperância total do recurso mas não os recursos que teriam o efeito de anulação e repetição de actos processuais. Por isso há que distinguir inutilidade do recurso e anulação de actos processuais. O risco de anulação de acto processual é um efeito normal do procedimento dos recursos. A inutilidade do recurso é um risco anormal resultante da demora no procedimento do recurso”.
Finalmente, também o ac. da RL de 29 de Novembro de 2007, proferido no processo nº 9139/09.9 Citado por vinicius ribeiro in Código de processo Penal, Notas e Comentários. se decide que:
“ O recurso que sobe imediatamente porque a sua retenção o torna absolutamente inútil é tão só aquele que seja qual for a solução que o Tribunal Superior lhe der, ela será sempre completamente inútil no momento de uma apreciação diferida mas não aquele cujo provimento possa conduzir a eventual anulação do processado posterior à sua interposição.
É que não deve confundir-se a inutilidade do recurso com a eventual anulação de processado; só aquela se perspectiva e reflecte a marcha do processo e só ela, por isso, pode afectar o estatuto processual do arguido”.
5. Parece lúcida a ideia de que efectivamente se deve distinguir entre inutilidade do recurso, quando este vier a ser apreciado pelo Tribunal Superior, com a eventual anulação e repetição de actos com o provimento do recurso, quando este for apreciado.
Esta anulação e repetição de actos é uma consequência normal de qualquer recurso. Ainda que suba imediatamente. Veja-se a mera interposição de recurso de uma sentença em que o recurso sobre imediatamente e nos próprios autos, em que a sua procedência se pode traduzir na anulação da sentença, do próprio julgamento e consequente repetição de actos processuais.
Pelo que esta contingência ( de eventual anulação e repetição de actos) mais se deve admitir como normal num recurso de decisão interlocutória com subida diferida. Se se quisesse obviar a toda e qualquer anulação e repetição de actos processuais, todos os recursos teriam subida imediata e efeito suspensivo do processo e da decisão. Mas, de todo, não é esta a intenção legislativa. O que se pretende salvaguardar com o disposto no nº 1, do artigo 407º, do CPP, é aqueles casos ou situações em que, se o recurso não subir de imediato e de imediato for apreciado, a sua apreciação posterior pode significar completa inutilidade, deixa de ter qualquer significado e relevância no processo. Apesar de serem raros os casos, como supra se anotou, são situações como a de declarações para memória futura que justificam uma subida imediata caso tenham sido indeferidas e haja recurso, pois se não for apreciado o recurso de imediato, pode acontecer que, no momento em que o for, a pessoa já tenha morrido ou tenha emigrado definitivamente para o estrangeiro, inviabilizando-se o seu depoimento. E é também o caso de despacho que mandou seguir a forma de processo comum em vez de processo abreviado – despacho do presidente do TRL de 10.3.2000, CJ, XXV, 2, 135.
6. Subsumindo estas regras ao caso concreto, temos que, ainda que o recurso venha a ser apreciado em momento posterior, juntamente com eventual recurso que venha a ser interposto da sentença final, não advém qualquer prejuízo para qualquer sujeito processual. O que pode acontecer é que, se for provido, tenha que se repetir algum acto processual. Mas mesmo esta situação é, ainda, uma incerteza, pois que, a qualificação jurídica dos factos, no despacho de pronúncia não é definitiva, na medida em que em julgamento podem estes ser qualificados de modo diferente, dando-se para o efeito cumprimento ao disposto no artigo 358º, do CPP e pode ainda surgir uma alteração não substancial dos factos que justifique também o cumprimento do artigo 358º, do CPP.
Pelo que, seria prematuro, podendo mesmo revelar-se simplesmente de inútil, apreciar neste momento o recurso só para decidir se se deve manter a qualificação jurídica dos factos como pretende o assistente, quando essa mesma qualificação jurídica pode ser alterada em julgamento nos termos apontados. Quando é ainda verdade que o próprio assistente pode constatar, ele próprio, qualquer alteração não substancial dos factos e requerer a comunicação ao arguido, nos termos do artigo 358º, nº 1, do CPP.
Mas se porventura nada for feito, apesar de tal possibilidade legal, caso o assistente mantenha interesse no recurso, este poderá ainda ser apreciado, não perdendo a utilidade processual prevista. E em caso de procedência, anular-se-á o que for de anular. Este é, pois, o dito risco normal à procedência de qualquer recurso.
7. Termos em que, ao abrigo do artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal, se decide alterar o regime de subida do recurso que deve subir apenas a final com o que vier a ser interposto da sentença que , conhecendo do objecto do processo, ponha termo a este.

Coimbra, 16.11.2011.


(Relator, Luís Teixeira)