Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1923/13.2TBCLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 46º, Nº 1, AL. C) DO CPC.
Sumário: I – Os documentos particulares emitidos em data anterior a 01/09/2013, exequíveis por força do artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, continuam a dever ser considerados como títulos executivos.

II - Assim, por força do referido artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes...’.

III - Um contrato celebrado entre exequente e executados, em que estes se obrigam ao pagamento de determinada quantia em prestações, e se acordou que o não pagamento atempado de qualquer das prestações implicava o imediato vencimento e a consequente e imediata exigibilidade de todas as restantes, sem necessidade de interpelação, constitui, por si só, título executivo, nos termos do art. 46º, nº 1, al. c) do CPC, devendo o exequente invocar a mora no respetivo requerimento executivo.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Execução de Alcobaça corre termos a execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, que ‘M... – Instituição Financeira de Crédito, S.A.’, com sede em ..., move a T..., residente na ..., para cobrança do montante de €8.106,61.

            Por apenso a essa execução correm termos os presentes embargos de executado, nos quais a Executada alega, em síntese, que a questão em apreço nos embargos já foi alvo de decisão no processo executivo com o n.º ..., que correu termos no 1º Juízo do extinto Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, pelo que invoca a exceção de caso julgado em relação à propositura da presente execução.

Mais alega a inexequibilidade do título executivo, uma que vez que no contrato de mútuo junto como título executivo a executada apenas assinou a parte da frente do mesmo, não tendo assinado o seu verso, onde constavam as chamadas cláusulas contratuais gerais.

Ao que acresce, diz, que não lhe foi comunicado o conteúdo de tais cláusulas contratuais gerais constantes do verso desse documento, com o que foi violado o disposto nos artºs 5º e 6º do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10.

Mais alega que não é devedora da quantia em causa, dado que não foi interpelada para proceder ao pagamento do valor exequendo.

Termina pedindo que seja julgada extinta a execução.


II

O Exequente/embargado apresentou a sua contestação nos termos que constam de fls. 52 e ss., pedindo a improcedência dos embargos.

Alega, em resumo, que não se verifica a exceção de caso julgado invocada pela Embargante, por não existir identidade da causa de pedir e de pedido.

Que o contrato de mútuo dado como título executivo na presente execução tem condições de exequibilidade, no que respeita às suas condições particulares contratadas, que se mantêm válidas.

  Que à data da propositura da presente execução o capital em dívida pela Executada era de €6.520,98, valor este para o qual deve ser reduzido o montante referido no requerimento executivo.


III

Terminados os articulados teve lugar uma audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador e não foi identificado o objeto dos presentes embargos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova testemunhal produzida.

Proferida a sentença, nela foi decidido julgar os presentes embargos de executado procedentes e, em consequência, julgou-se extinta a execução.


IV

            Dessa sentença interpôs recurso o Exequente/Embargado, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

...


V

            Contra-alegou a Recorrida, onde também formula as seguintes conclusões:

...


VI

            O recurso interposto foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação.

            Nada obsta a que se conheça do seu objeto, o qual se traduz na reapreciação da decisão de mérito, na parte em que nela se decide não existir título executivo contra a executada.

            Ou, por outras palavras, não está em discussão quer a decisão de facto proferida na 1ª instância, com a qual o Recorrente se conforma, quer a decisão que julgou não verificada a exceção de caso julgado suscitada pela Embargante.

            Assim sendo, comecemos por enunciar a factualidade dada como provada e como não provada na sentença recorrida.

Factos Provados:

1. Consta como “título executivo” dado à presente execução o documento particular intitulado “contrato de mútuo” ao qual foi atribuído o número 18...

2. No âmbito do “contrato” referido em 1. a exequente emprestou à executada/embargante o montante de €9.000,00, destinado à aquisição pela opoente do veículo Marca Renault, modelo laguna, matrícula ...

3. O montante do financiamento foi de €13.584,00, que a executada/embargante se obrigou a pagar em 60 prestações mensais, no valor de €225,50 cada.

4. O contrato referido em 1. é composto por uma folha, com frente e verso.

5. Na parte da frente consta a identificação do mutuário, as condições particulares e as declarações do mutuário.

6. No verso constam as condições gerais do contrato.

7. A executada/embargante apôs a sua assinatura no final da frente da folha, no local destinado à assinatura do mutuário.

8. A executada/embargante não assinou o verso da folha.

9. A executada desde pelo menos desde Abril de 2009 deixou de liquidar as prestações que se foram vencendo.

10. Por carta datada de 24.05.2010 a exequente comunicou à executada a resolução do contrato de mútuo e de que iria proceder ao preenchimento da livrança pelo valor em dívida na data de 20.06.2010, de €7.156,40, e que a livrança se venceria em 20.06.2010.

11. A exequente remeteu a carta referida em 10 para a morada indicada pela opoente – ... – registada com aviso de recepção.

12. A carta referida em 11 foi devolvida à exequente com a menção “objecto não reclamado”.

13. No (extinto) 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha correu termos a ação executiva e consequente oposição à execução com o nº ..., em que eram partes a aqui exequente e executada.

14. Tal ação executiva tinha como título executivo uma livrança.

15. A sentença (confirmada em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) proferida no âmbito do processo n.º ... deu como provados os seguintes factos:

1. O exequente intentou contra a executada, em 02.11.2010, a acção executiva a que a presente oposição se encontra apensa, apresentando como título executivo um documento onde se inscreve a frase "no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à F... ou à sua ordem, a quantia de sete mil, cento e cinquenta a seis euros e quarenta cêntimos", com data de "emissão" de 2010.05.04 e "vencimento" a 2010.06.20, com a menção “relativo a contrato de mutuo n.º 18...”, subscrito pela executada que nele apôs a sua assinatura no lugar destinado ao subscritor, encontrando-se em branco as menções respeitantes ao valor, local de pagamento e às datas de emissão e de vencimento.

2. As menções respeitantes ao valor, local de pagamento e às datas de emissão e de vencimento do documento referido em 1. foram preenchidas pela exequente.

3. A opoente outorgou um escrito particular, intitulado “contrato de Mútuo”, no âmbito do qual, a exequente emprestou à opoente o montante de €9.000,00 destinado à aquisição pela opoente do veículo Marca Renault, modelo laguna, matrícula ...

4. O montante do financiamento foi de €13.584,00 que a opoente se obrigou a pagar em 60 prestações mensais, no valor de €225,50 cada.

5. O contrato referido em 3. é composto por uma folha, com frente e verso.

6. Na parte da frente consta a identificação do mutuário, as condições particulares e as declarações do mutuário.

7. No verso constam as condições gerais do contrato.

8. A opoente apôs a sua assinatura no final da frente da folha, no local destinado à assinatura do mutuário.

9. A opoente não assinou o verso da folha

10. A opoente iniciou o pagamento das prestações em Julho de 2006.

11. A opoente pagou as mensalidades do contrato até Maio de 2008 e as respeitantes aos meses de Julho e Setembro de 2008, num total de 25 prestações.

12. Por cartas datadas de 26.08.2008 e de 18.09.2008 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €539,25.

13. Por carta datada de 16.03.2009 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €531,17.

14. Por cartas datadas de 23.04.2009 e de 05.05.2009 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €93,44.

15. Por cartas datadas de 19.05.2009, de 28.05.2009 e de 08.06.2009 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €358,57.

16. Por comunicações electrónicas datadas de 02.08.2008 e de 03.08.2009 a opoente solicitou informação sobre o valor em divida à exequente.

17. Por comunicação electrónica datada de 03.08.2009 a exequente informou a opoente que o valor em divida naquela data era no montante de €956,42.

18. Por carta datada de 04.08.2009 a exequente informou a opoente que o valor total para a amortização antecipada do contrato era de €5.501,79.

19. Por carta datada de 15.02.2010 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €2.950,03.

20. A opoente entregou à exequente, para venda, o veículo automóvel de matrícula ...

21. O veículo automóvel de matrícula ... foi vendido em leilão pelo preço de €2.900,00, tendo a leiloeira cobrado a comissão de venda no valor de €189,60.

22. Por carta datada de 22.01.2009 a exequente informou a opoente que procedeu à venda do veículo automóvel de matrícula ... tendo obtido com a venda o valor líquido de €2.710,40.

23. Com o montante da venda, a exequente regularizou as prestações que se encontravam por pagar de Junho, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro de 2008, Janeiro, Fevereiro, Março e parte de Abril de 2009 (em débito €80,00) e respectivos juros de mora.

24. A opoente facultou a documentação respeitante aos seus dados pessoais e à sua condição financeira.

25. A opoente sempre teve na sua posse todo o clausulado do contrato referido em 3.

26. Por carta datada de 24.05.2010 a exequente comunicou à opoente a resolução do contrato de mútuo e de que iria proceder ao preenchimento da livrança, pelo valor em dívida na data de 20.06.2010 de €7.156,40 e que a livrança se venceria em 20.06.2010.

27. A exequente remeteu a carta referida em 26 para a morada indicada pela opoente – ... – registada com aviso de recepção.

28. A carta referida em 26 foi devolvida à exequente com a menção “objecto não reclamado”.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Que à executada tenha sido comunicado e explicado o conteúdo das cláusulas contratuais gerais constantes do verso do contrato junto como titulo executivo.



            Perante os sobreditos factos provados entendeu-se, na sentença recorrida, que ‘... no caso estamos perante um contrato de crédito ao consumo, segundo o art. 2.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 359/91, de 21/09, então vigente (entretanto revogado pelo DL n.º 133/2009, de 02/06, não aplicável ao caso dos autos atento o disposto no seu art. 34.º), para além de também se poder considerar um contrato de adesão, à luz do disposto no art. 1.º do DL n.º 446/85, de 25/10 (LCCG).

            Que ‘...Vertendo agora novamente ao caso concreto, verifica-se que não logrou a exequente provar que tenha comunicado à executada o conteúdo dessas cláusulas contratuais gerais que regem o “contrato de mútuo”.

Por outro lado, o facto da executada ter assinado a frente do documento tal é insuficiente para considerar verificada a comunicação de tais cláusulas. Como se refere no Ac. da RL de 28/06/2012, disponível em www.dgsi.pt, a “cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas”.

Nesta sequência, não demonstrado o devido cumprimento do dever de comunicação por parte da exequente, as cláusulas constantes das “condições gerais” devem ser excluídas do “contrato”, nos termos do art. 8.º, alíneas a) e d), da LCCG.

Não se provando, por terem sido impugnados, os termos do acordo que está subjacente ao contrato junto como título executivo, resulta que o “contrato” em causa não pode servir de título executivo, pelo que deverá ser declarada extinta a obrigação em causa.

Cumpre referir que, no caso concreto, o contrato em causa é anterior à Lei n.º 41/2013, pelo que pretende a exequente que se considere que estamos perante um título executivo nos termos da alínea c) do artigo 46.º do CPC (anterior à lei 41/2013) segundo o qual são títulos executivos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.

Cumpre assim verificar se, no caso concreto, tendo a exequente resolvido o contrato celebrado com a executada, com fundamento em alegado incumprimento de prestações de índole pecuniária, a exequente, “ipso facto”, passa a dispor de título executivo para exigir da executada os valores que exige. Ora tais valores terão sempre de se reportar às contratualmente estabelecidas consequências do incumprimento.

 ...

Temos assim que não resultou demonstrado no nosso caso que as cláusulas constantes do verso do contrato tenham sido comunicadas à executada, pelo que as mesmas devem ser excluídas do contrato, o que significa que, por exemplo, as cláusulas relativas a cálculo de juros, indexação, reembolso, período de reflexão, incumprimento, vencimento antecipado estão excluídas do contrato. Deste modo, da mera resolução do contrato por parte da exequente não resulta, por parte da executada, nem a constituição, nem o reconhecimento de uma dívida e, por tal, não constitui o contrato título executivo, já que o que se peticiona resulta das consequências jurídicas da resolução e não propriamente do contrato que se pretende que valha como título executivo.

Assim, importa concluir que não existe título executivo contra a executada, devendo os embargos proceder, com a consequente extinção da execução quanto à mesma.’.

O Recorrente insurge-se contra esta tese, defendendo que a presente execução se fundou apenas no contrato de mútuo e nas chamadas cláusulas contratuais particulares acordadas entre as partes, jamais tendo o Exequente apelado às chamadas cláusulas contratuais gerais, cláusulas aquelas que não foram postas em causa pela Embargante, pelo que se deve entender que o número e o valor das prestações vencidas e não pagas resulta de simples cálculo aritmético, face ao que se deve entender que o reconhecimento do crédito do Exequente decorre diretamente do documento dado à execução.

Donde pedir a revogação da parte da sentença que assim o não entendeu.

Resulta do supra exposto, designadamente da parte da sentença transcrita, e dado que as partes não põem em causa tal entendimento, mormente porque se afigura que a presente execução foi instaurada antes da entrada em vigor do chamado nCPC – aprovado pela Lei nº 41/2013, de 24/06, e entrado em vigor em 01/09/2013 -, que à qualificação do título dado à execução como título executivo se aplicam as normas do anterior CPC, designadamente face ao extatuído no artº 6º, nº 3 da Lei nº 41/2013, que dispõe que ‘o disposto no(n)CPC ..., relativamente aos títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor’.

O que, aliás, se deve entender também pelo facto do contrato de mútuo dado à execução estar datado de 09/06/2006 – ver fls. 74 – e face ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, com força obrigatória geral, publicado no DR, 1ª série – nº 201 – 14/10/2015.

Logo, os documentos particulares emitidos em data anterior a 01/09/2013, exequíveis por força do artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, continuam a dever ser considerados como títulos executivos.

Assim, por força do referido artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes...’.                    

Como refere José Lebre de Freitas in ‘A Ação Executiva à Luz do Código Revisto’, 2ª edição, Coimbra Editora, pgs. 49 e segs., ‘o artº 46º, na sua al. c, confere exequibilidade aos documentos particulares, assinados pelo devedor, constitutivos ou recognitivos de obrigações.

Para que os documentos particulares, não autenticados, constituam título executivo, é imposto: - um requisito de fundo: que deles conste a obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, ... (artº 46º-c).

...

A revisão do código (DL 39/85, de 15/2) deixou claro que a determinação exigida era quantitativa (...), mas admitiu a liquidação por simples cálculo aritmético na ação executiva baseada em título particular. Quando, porém, a liquidação da obrigação exigiria o incidente dos artºs 806-807 ou do artº 809 a ação executiva não é admitida, por falta de título’.

‘Tal como acantece com os documentos autênticos ou autenticados, o documento particular é título executivo tanto quando formaliza a constituição duma obrigação como quando o devedor nele reconhece uma dívida preexistente, ...’.

...

‘É certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou por individualizar)’.

...

‘Quando a liquidação dependa se simples cálculo aritmético, o exequente deverá fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução (artº 805-1)’.

No caso presente foi apresentado o seguinte requerimento inicial da execução, no qual o Exequente procede à liquidação das prestações vencidas e não pagas e dos juros de mora vencidos:

REFª: 14253592

REQUERIMENTO EXECUTIVO

TRIBUNAL COMPETENTE, TÍTULO EXECUTIVO E FACTOS

Tribunal Competente:

Objecto da Execução:

Título Executivo:

Ref. de autoliquidação:

Factos:

Caldas da Rainha - Tribunal Judicial de Caldas da Raínha

Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Cível]

Contrato

702080029838533

Ponto Previo: A Exequente, actualmente designada M... - Instituição Financeira de Credito SA, anteriormente designava-se F..., SA, denominação esta que alterou e se encontra definitivamente registada(cfm resulta da certidão permanente nº...)

I -Da Execução

1 - A executada celebrou com a exequente um contrato de mutuo de prestação certa ao qual foi atribuido o numero 18... cuja copia se anexa como Doc nº 1, o qual foi celebrado a 20-10-2005 e foi subscrito pela pessoa aqui identificada como executada. O valor mutuado foi transferido para a conta indicada pela Executada destinando-se ao pagamento do preço de compra de um veiculo Renault Laguna com matricula ...

2 - A executada deixou de liquidar as prestações que se foram vencendo a partir de 5 de Abril de 2009, não obstante as várias interpelações da Exequente para regularizar a situação, pelo que o referido contrato foi resolvido por carta registada com AR em 24 de Maio de 2010, momento em que se venceu a 47ª prestação, ascendendo a divida à quantia de 7156,40 euros.

Não obstante varias interpelações para pagamento, até à presente data nada foi recebido da referida divida.

3 - A 2/nov/2010, com base em livrança, foi instaurada acção executiva para cobrança do valor em divida no referido contrato, cujo processo correu no 1º juizo deste Tribunal sob o nº ..., onde a Executada apresentou oposição alegando a falta de explicação do conteudo das clausulas gerais onde se encontra inscrito o pacto de preenchimento de livrança.

Da sentença resulta que não ficou provado ter sido efectuada a explicação do conteudo das clausulas gerais mas ficaram provados os seguintes factos:

A) Factos Provados

Resulta provada a seguinte factualidade:

1. O exequente intentou contra a executada, em 02.11.2010, a acção executiva a que a presente oposição se encontra apensa, apresentando como título executivo um documento onde se inscreve a frase "no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à Finicrédito ou à sua ordem, a quantia de sete mil, cento e cinquenta a seis euros e quarenta cêntimos", com data de "emissão" de 2010.05.04 e "vencimento" a 2010.06.20, com a menção “relativo a contrato de mutuo n.º 18...”, subscrito pela executada que nele apôs a sua assinatura no lugar destinado ao subscritor, encontrando-se em branco as menções respeitantes ao valor, local de pagamento e às datas de emissão e de vencimento.

2. As menções respeitantes ao valor, local de pagamento e às datas de emissão e de vencimento do documento referido em 1. foram preenchidas pela exequente.

3. A opoente outorgou um escrito particular, intitulado “contrato de Mútuo”, no âmbito do qual a exequente emprestou à opoente o montante de €9.000,00 destinado à aquisição pela opoente do veículo Marca Renault, modelo laguna, matrícula ....

4. O montante do financiamento foi de €13.584,00 que a opoente se obrigou a pagar em 60

prestações mensais, no valor de €225,50 cada.

5. O contrato referido em 3. é composto por uma folha, com frente e verso.

6. Na parte da frente consta a identificação do mutuário, as condições particulares e as

declarações do mutuário.

7. No verso constam as condições gerais do contrato.

8. A opoente apôs a sua assinatura no final da frente da folha, no local destinado à

assinatura do mutuário.

9. A opoente não assinou o verso da folha.

10. A opoente iniciou o pagamento das prestações em Julho de 2006.

11. A opoente pagou as mensalidades do contrato até Maio de 2008 e as respeitantes aos meses de Julho e Setembro de 2008, num total de 25 prestações.

12. Por cartas datadas de 26.08.2008 e de 18.09.2008 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €539,25.

13. Por carta datada de 16.03.2009 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €531,17.

Valor da Execução: 8.106,61 € (Oito Mil Cento e Seis Euros e Sessenta e Um Cêntimos)

Finalidade: Iniciar Novo Processo

Especie: Execução Comum (Sol.Execução)

Forma: Acção Executiva

Requerimento Executivo entregue por via electrónica na data e hora indicadas junto da assinatura electrónica do

subscritor (cfr. última página), aposta nos termos previstos na Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro

Documento processado por computador Requerimento Executivo nº 14253592 Pág. 1/4

Requerimento Executivo entregue por via electrónica na data e hora indicadas junto da assinatura electrónica do

subscritor (cfr. última página), aposta nos termos previstos na Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro

14. Por cartas datadas de 23.04.2009 e de 05.05.2009 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €93,44.

15. Por cartas datadas de 19.05.2009, de 28.05.2009 e de 08.06.2009 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €358,57.

16. Por comunicações electrónicas datadas de 02.08.2008 e de 03.08.2009 a opoente solicitou informação sobre o valor em divida à exequente.

17. Por comunicação electrónica datada de 03.08.2009 a exequente informou a opoente que o valor em divida naquela data era no montante de €956,42.

18. Por carta datada de 04.08.2009 a exequente informou a opoente que o valor total para a amortização antecipada do contrato era de €5.501,79.

19. Por carta datada de 15.02.2010 a exequente interpelou a opoente para cobrança do valor em divida no montante €2.950,03.

20. A opoente entregou à exequente, para venda, o veículo automóvel de matrícula ...

21. O veículo automóvel de matrícula ... foi vendido em leilão pelo preço de €2.900,00, tendo a leiloeira cobrado a comissão de venda no valor de €189,60.

22. Por carta datada de 22.01.2009 a exequente informou a opoente que procedeu à venda do veículo automóvel de matrícula ... tendo obtido com a venda o valor líquido de €2.710,40.

23. Com o montante da venda, a exequente regularizou as prestações que se encontravam por pagar de Junho, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro de 2008, Janeiro, Fevereiro, Março e parte de Abril de 2009 (em débito €80,00) e respectivos juros de mora.

24. A opoente facultou a documentação respeitante aos seus dados pessoais e à sua condição financeira.

25. A opoente sempre teve na sua posse todo o clausulado do contrato referido em 3.

26. Por carta datada de 24.05.2010 a exequente comunicou à opoente a resolução do contrato de mútuo e de que iria proceder ao preenchimento da livrança, pelo valor em dívida na data de 20.06.2010 de €7.156,40 e que a livrança se venceria em 20.06.2010.

27. A exequente remeteu a carta referida em 26 para a morada indicada pela opoente – ... – registada com aviso de recepção.

28. A carta referida em 26 foi devolvida à exequente com a menção “objecto não reclamado”.

4 - Continua pelo exposto a Exequente a ser titular do direito de credito sobre a executada em causa na presente data.

5 - Pelo que a Executada é actualmente devedora da quantia de 7156,40 € a que acrescem juros de mora vencidos à taxa legal para dividas civis desde 16-4-2008 até à presente data, no valor de 913,67€, e ainda o correspondente Imp Selo de 36,55€, tudo no total de 8106,61 euros, e ainda juros vincendos e custas e despesas processuais até à liquidação integral da divida.

...

O Agente de Execução indicado aceitou a designação.

Assinatura do Agente de Execução para aceitação

Valor Líquido:

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

Total:

Capital - Tx Juro - Data vencimento - entrada exec - dias mora - Juros - Imp Selo

7.156,40€ 4% - 20-6-10 - 28/08/2013 - 1165 - 913,67 € - 36,55 € -

Total 8.106,61 €

8.106,61 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

8.106,61 €

LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO

BEM: Crédito

Descrição do Bem:

crédito de reembolso de IRS

Executado associado ao Bem: T...

            De onde resulta claramente que estamos perante um título executivo particular assinado pela Embargante e exequivel, uma vez que nele são fixadas as prestações a serem liquidadas e inerentes ao mútuo acordado, e uma vez que o Exequente procedeu, no requerimento executivo à liquidação dessas prestações, apenas por simples cálculo aritmético, e juros de mora vencidos.

            Tenha-se em atenção que o Exequente apenas alude, no seu petitório executivo,  às chamadas condições particulares do contrato de mútuo celebrado e assinadas pela Executada, conforme fls. 74, não tendo esta posto em causa as prestações ditas vencidas e por liquidar – ver petição dos presentes embargos, onde nada se refere àcerca da liquidação efetuada pelo Exequente, tendo-se limitado a Embargante a alegar que ‘se recorda de, pelo menos, ter pago todas as mensalidades desde a celebração do contrato até julho de 2008, altura em que ficou desempregada, não tendo a certeza se pagou mais alguma prestação a partir dessa data’.

            Donde entendermos que estamos perante um título executivo, ao abrigo do artº 46º, al. c) do CPC de 1961, na redação do Dec. Lei 39/85, de 15/2.   

            No apontado sentido, entre outros, pode ver-se o seguinte aresto, disponível em www,dgsi.pt/jtrc:

- Acórdão da Relação de Coimbra de 05/11/2013, Proc.º nº 1189/13.4TJCBR.C1:

‘Defendemos, antes, que o contrato em causa tem força executiva, apresentando uma exequibilidade não apenas extrínseca mas também intrínseca do título, na sua totalidade.
Quanto à exequibilidade extrínseca, entendemos que a mesma existe, uma vez que resulta do título que o mesmo é assinado pelos executados e dele consta a obrigação de pagar determinadas prestações em prazos, que já se venceram, bem como de uma cláusula que permite o vencimento antecipado, sem necessidade de interpelação, em caso desse não pagamento atempado.

Nada permite concluir que os executados, que assinaram o contrato, não estejam conscientes dessas obrigações.

No respeitante à exequibilidade intrínseca tenhamos em conta que “a pretensão é intrinsecamente exequível quando, em si, reveste a característica de que depende a sua suscetibilidade de constituir o elemento substantivo do objeto da ação executiva, para o que basta ter como objeto uma prestação que seja certa, líquida e exigível” – nas palavras de Lebre de Freitas in “A Ação Executiva em Geral”, 2ª ed. Pág.18.

Assim, no título dado à execução foi inserida uma cláusula contratual donde emerge outra obrigação, para além da obrigação principal de pagar em prestações a dívida confessada, como é o caso de pagar o montante em dívida todo de uma vez se falhar o pagamento atempado de qualquer uma prestação.

As partes acordaram expressamente que podia ser exigida essa obrigação em caso de não cumprimento pontual das prestações acordadas. Os montantes clausulados são determináveis por simples cálculo aritmético.

Exigir a alegação e prova em sede declarativa da existência dessa condição – não pagamento pontual e resolução lícita do contrato – retira, a nosso ver, exequibilidade a todos os documentos particulares que não se limitem à confissão de um valor em dívida, antes estipulem cláusulas com prazos de pagamento.

Discordando os executados da exigibilidade da obrigação que se pretende executar ou do valor liquidado, por referência ao requerimento executivo que é apresentado, nos termos do artº 46 alª c) do CPC, deverão apresentar os seus argumentos em sede de oposição à execução.
Será, nessa sede, que, perante a prova produzida, se irá aferir da justeza da pretensão exequenda, quer em função do (não) pagamento atempado, quer em função da (i)licitude da resolução.

Tais questões, constituindo fundamento de oposição à execução, não comprometem, contudo, à partida, a exigibilidade extrínseca e intrínseca do título.

O título dado à execução reúne, pois, todos os requisitos para que possa constituir verdadeiro título executivo, nos termos do art. 46, al c), do CPC.

Em suma:

Um contrato celebrado entre exequente e executados, em que estes se obrigam ao pagamento de determinada quantia em prestações, e se acordou que o não pagamento atempado de qualquer das prestações implicava o imediato vencimento e a consequente e imediata exigibilidade de todas as restantes, sem necessidade de interpelação, constitui, por si só, título executivo, nos termos do art. 46º, nº 1, c) do CPC, devendo o exequente invocar a mora no respetivo requerimento executivo.’.

Donde resulta, pois, que estamos perante um título executivo, nos termos do artº 46º, al. c) do CPC de 1961, cuja liquidação foi devidamente efetuada no requerimento executivo, por simples cálculo aritmético, e a que a Embargante nada opôs, face ao que se impõe a revogação da sentença recorrida e a decisão de dever prosseguir a execução instaurada, o que se decide.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se o prosseguimento da execução.

            Custas dos embargos e do presente recurso pela Embargante.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 15/01/2019