Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
22/11.6TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PRESTAÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º Nº 10, 51º Nº 1, 68º E 70º DO CE
Sumário: I – Incidindo a expropriação sobre um prédio onde estava instalado um campo de futebol (ainda que sem quaisquer infra-estruturas, correspondendo apenas a um terreno plano em terra batida com duas balizas), que estava inserido em zona que o PDM em vigor classificava como “espaço florestal” e onde era admitida a construção de equipamentos de lazer e recreio, o respectivo solo deve ser classificado como “apto para construção”, devendo ser avaliado com referência à construção de um equipamento desportivo, já que tal construção, além de dar continuidade à finalidade para a qual o prédio já era utilizado, era admitida pelo instrumento de gestão territorial em vigor, correspondendo, por isso, ao seu destino possível, num aproveitamento economicamente normal.

II – Ressalvando situações excepcionais, a actividade construtiva e o esforço financeiro que lhe é inerente comportam riscos de diversa natureza, pelo que, sem prejuízo de situações excepcionais em que tal se revele desadequado, o cálculo do valor do solo com referência ao valor da construção que nele seria possível efectuar deve incluir a aplicação do factor correctivo a que alude o art. 26º, nº 10, do C.E., na medida em que o expropriado não vai suportar o risco que era inerente à construção com base na qual se apurou o valor do terreno.

III – O art. 68º do C.E. reporta-se às indemnizações que, em conformidade com o disposto no art. 67º, são pagas em prestações, por força de acordo das partes, celebrado no âmbito das expropriações amigáveis ou em transacção celebrada na pendência de processo de expropriação; tais juros correspondem, portanto, a juros remuneratórios do capital que é devido ao expropriado e que, por força do acordo de pagamento em prestações, não é pago de imediato e é retido pela entidade expropriante.

IV – Por força do disposto nos arts. 51º, nº 1, e 70º do C.E., a entidade expropriante está obrigada ao pagamento de juros moratórios em caso de atraso na remessa do processo ao Tribunal; tais juros, que apenas são devidos pelo período correspondente a tal atraso, devem ser calculados sobre o montante definitivo da indemnização que venha a ser fixada pela expropriação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos presentes autos de expropriação em que é Expropriante A..., S.A. e em que é Expropriada Associação B..., melhor identificados nos autos, e referente à parcela nº 137 a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vila Nova da Rainha sob o art. 2869, foi proferido acórdão arbitral que fixou a indemnização devida pela expropriação em 17.710,71€.

Tendo sido proferida decisão de adjudicação da propriedade à Expropriante e tendo sido ordenada e efectuada a notificação da decisão arbitral, a Expropriante veio interpor recurso dessa decisão, sustentando, em suma, que a parcela não pode ser avaliada como terreno apto para construção, mas sim como solo apto para outros fins e que, como tal, a justa indemnização deverá ser de 7.794,00€.

A Expropriada veio interpor recurso subordinado, sustentando, em suma, que a avaliação efectuada peca por defeito, sendo que está em causa um prédio urbano onde está instalado, há mais de 60 anos, um campo de futebol e, como tal, deve ser considerado e avaliado como solo apto a construção de um equipamento desportivo.

Entretanto, na sequência de pedido que, nesse sentido, havia sido formulado, foi decretada a expropriação total do prédio em causa.

Realizada a avaliação, não existiu unanimidade dos peritos, sendo que o perito indicado pela Expropriada concluiu pelo valor de 29.279,61€, os peritos nomeados pelo Tribunal pelo valor de 12.059,01€ e o perito indicado pela Expropriante pelo valor de 11.295,54€. Posteriormente, na sequência de esclarecimentos solicitados, vieram alterar esses valores para 29.727,76€, 14.465,51€ e 9.379,92€, respectivamente.

Após produção de prova – designadamente a inquirição de testemunhas – a Expropriada apresentou alegações, subscrevendo, no essencial, o relatório apresentado pelo perito que havia indicado, mas considerando que o valor do terreno por ele indicado deve ser alterado para 33.443,73€ (em virtude de o perito não ter considerado a existência de luz eléctrica junto à parcela), ao qual deverá acrescer o valor das benfeitorias (4.080,00€) e os juros legais desde a data da DUP que, à data, perfazem o valor de 11.102,91€, concluindo, por isso, que a Expropriante deve ser condenada a pagar a quantia global de 48.626,64€, à qual deverão acrescer os juros vincendos até pagamento.

Foi, então, proferida decisão que, julgando parcialmente procedentes os recursos, fixou a indemnização a pagar pela Expropriante em 14.465,51€ (valor a actualizar nos termos ali mencionados).

Inconformada com tal decisão, a Expropriada veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1-O ponto fulcral da questão a resolver, traduz-se na fixação da justa indemnização a atribuir ao prédio objeto de expropriação.

2-Na base da resolução deste ponto, está a questão de saber de que prédio se trata, qual a sua afetação e qual a classificação do mesmo, á luz do CIMI, CE e PDM TONDELA.

3-Ora, o prédio em causa, corresponde a um campo de futebol, utilizado pela expropriada há mais de 60 anos e não a um olival !!!

Portanto, estranho é que se venha atribuir uma indemnização à expropriada como o terreno em causa fosse um olival e não como campo de futebol !!!

4-A indemnização atribuída pelo tribunal a quo teve por base o laudo pericial maioritário, que salvo o devido respeito, é um perfeito disparate!!!

E viola diversas disposições legais e certidões camarárias juntas aos autos.

5-Além do mais, o laudo maioritário foi elaborado depois dos peritos se terem deslocado ao terreno objeto de expropriação e erroneamente identificarem o campo de futebol, (por cima do qual a estrada já tinha passado, e portanto, já não havia qualquer vestígio do mesmo), com um terreno, ao lado da estrada, onde alguém tinha plantado oliveiras e tinham colocado lá uma das balizas.

6-Enferma ainda o respetivo laudo de várias incorreções e ilegalidades a saber- Viola o artigo 62º da CRP, os artigos 1º,22º,23º,25º, 26º, do CE, o PDM, o artigo 6º, nº1, al.d) do CIMI, o artigo 17º da Declaração Universal dos Direito do Homem, Doutrina e Jurisprudência.

7-Consideraram a parcela a expropriar como estando inserida no espaço agrícola baseando- se numa certidão camarária que erroneamente insere o campo nesse espaço, em virtude de a quando da vistoria ad perpetuam rei memoriam, os peritos não tendo artigo matricial para o campo de futebol, juntaram, a instruir a mesma, a certidão matricial de um prédio contiguo, composto por vinha, e com base nessa mesma certidão, pediram à câmara municipal para se pronunciar sobre o espaço em que se inseria tal parcela, tendo a mesma referido que se inseria em espaço agrícola.

8- Ora, a expropriada entendeu desde sempre que o terreno se inseria em espaço florestal, porque antes do terreno ser um campo de futebol, era pinhal (vide depoimento das testemunhas D... e C...). Acresce ainda que, a Camara Municipal de Tondela, veio posteriormente corrigir o erro. Vide respostas aos quesitos enunciadas nestas alegações de recurso.

9-Não é de todo compreensível que tratando-se de um campo de futebol, e tendo o tribunal a quo conhecimento disso, venha para efeitos de indemnização subscrever o laudo maioritário dos peritos do tribunal, que descabidamente se agarram à 1º certidão camarária emitida, com base em documentos que não correspondiam à realidade, e que até posteriormente foram corrigidos.

10-Ainda assim, considerando-se o campo de futebol inserido em espaço agrícola ou florestal, o mesmo teria que ser avaliado como terreno apto a construção e não como terreno agrícola (como subscreveram os peritos do tribunal ao atribuírem-lhe aptidão para cultura de olival) ou florestal (como o fez o perito da entidade expropriante ao atribuir-lhe aptidão para cultura de pinheiro bravo).

11-O terreno em causa tem capacidade edificativa atribuída pela câmara municipal (vide docs juntos aos autos ) e a sua aptidão há mais de 60 anos era a prática de futebol.

12-Nos termos do artigo 26º do CE, nº1, o valor do solo apto para construção, calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar, não tivesse sido objeto de expropriação.

Refere ainda o mesmo artigo, no seu nº 12, que sendo necessário expropriar solos classificados como de lazer (de que o campo de futebol é um exemplo), o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar.

13-O laudo emitido quer pelos peritos do tribunal, quer pelo perito da entidade expropriante viola nitidamente este preceito legal, entre outros.

14-O campo de futebol existia efetivamente e é necessariamente solo apto para construção e não solo apto para outros fins. Vide ACORDÂO ARBITRAL citado nas alegações.

15- Entendeu o Sr. Juiz a quo fixar a indemnização tendo em conta o laudo maioritário elaborado pelos peritos do tribunal.

No entanto, o laudo por estes elaborado assenta em pressupostos de facto errados e viola legislação, jurisprudência e doutrina, aplicável ao caso concreto.

Pelo que entendemos que tal laudo deve ser considerado nulo, porque viola a lei e não corresponde á realidade do caso concreto.

16-Ora, estabelece a lei, doutrina e jurisprudência que o expropriado tem direito a receber uma indemnização correspondente ao valor real do bem no mercado, tendo em conta a sua capacidade edificativa à data da DUP.

17-Uma indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu e, por isso, não pode ser irrisória ou simbólica, mas também não pode ser desproporcionada a perda do bem expropriado para fins de utilidade pública (Ac. Tribunal Constitucional, 23-01-04, in DR II, 19, 1197).

18- Sendo um equipamento desportivo, trata-se de prédio urbano e deve ser avaliado como tal.

19-A não ser assim, estamos perante uma situação de esbulho ou de confisco, mas não de expropriação !

20-Não há dúvidas que se trata de um campo de futebol, e como tal, ao abrigo do disposto no artigo 25º do CE, é solo apto para construção e não solo apto para outros fins. Tese defendida pela expropriada, pelos três árbitros, pela Câmara Municipal (resposta ao quesito 8), pelo perito da expropriada e pelos 3 juízes desembargadores, no recurso de apelação em separado, interposto pela entidade expropriante e pela própria juiz a quo, no despacho em que concede a expropriação total do prédio ((anteriormente citado nas alegações deste recurso).

DA JUSTA INDEMNIZAÇÂO

21-Foi feita a avaliação arbitral, da qual, expropriante e expropriada recorreram (vide alegações de recurso da expropriada, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas).

22-Foi feita a peritagem.

23- O perito indicado pela expropriada redigiu individualmente o seu relatório de avaliação, tendo em conta as informações prestadas pela Câmara.

Quanto ao valor da parcela, sem benfeitorias, atribui-lhe o valor de €21.987,44.

E, ao valor total do prédio, sem benfeitorias, atribuiu-lhe o valor de €29.279,61.

24-Os restantes peritos decidiram ignorar as respostas aos quesitos, dadas pela Câmara.

25- Em separado, o perito indicado pela entidade expropriante e os três peritos do tribunal elaboraram laudo de peritagem.

Foram os 4 unanimes em atribuir o valor de € 4080, às benfeitorias que à data da DUP, existiam no campo de futebol. Vide ponto 4.3 do respetivo laudo.

26- Não concordamos com a avaliação e posição quer do perito da entidade expropriante, quer dos peritos do tribunal, no que respeita á avaliação da parcela e do terreno na sua totalidade e consideramos que os mesmos violam a lei, doutrina e jurisprudência já referenciada anteriormente em sede deste recurso.

27-Apenas concordamos com o valor atribuído às benfeitorias, o qual deve acrescer ao valor indicado pelo perito da expropriada, porque este não se pronunciou quanto ao valor das mesmas.

28-No entanto, em sede resposta a pedido de esclarecimentos, em 2 de Abril de 2013, veio o perito da expropriada, tendo em conta o parecer camarário, reformular a avaliação do prédio, atribuindo-lhe o valor de €29.727,76 sem benfeitorias.

29- Discordamos deste valor, não pelo critério utilizado na determinação do mesmo, que julgamos ser o adequado, mas porque por lapso, o senhor perito não comtemplou a existência de luz elétrica junto à parcela, o que, segundo os seus critérios, valeria mais um ponto percentual.

Assim, em vez de 8%, a incidência do valor do terreno, sobre a construção, deverá ser 9%.

A estimativa do valor do terreno da parcela expropriada deverá ser então, não € 371597x0.08= € 29727,76, mas € 371597x0.09= € 33443,73. A esta quantia, deverá acrescer o valor das benfeitorias, € 4080, indicado pelo perito da entidade expropriante e pelos peritos do tribunal, perfazendo o total de € 37.523,73.

30- Assim, o valor total do prédio, objecto de expropriação, deverá ser de € 37.523,73. A este, acresce ainda o valor dos respetivos juros legais vencidos, que desde a data da DUP (23-06-2006), até á data de 13-11-2013, perfazem a quantia de € 11.102,91 e dos vincendos até integral pagamento.

Deve pois a entidade expropriante ser condenada a pagar à expropriada ARCHVNR, a quantia global de € 48.626,64, á qual deverá acrescer os juros vencidos desde 13-11-2013 até á presente data (21-01-2014) e os vincendos até integral pagamento.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

• Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber, perante os elementos que constam dos autos, se o prédio expropriado está inserido em zona classificada pelo PDM em “espaços agrícolas” (como considerou a sentença recorrida) ou se está inserido em zona classificada como “espaços florestais”, como pretende a Apelante;

• Saber se o solo deve ser classificado e avaliado como solo para outros fins e atendendo à sua aptidão agrícola (como se considerou na sentença recorrida) ou se, como pretende a Apelante, deve ser classificado como solo apto para construção e avaliado em função da possibilidade de construção de um equipamento desportivo;

• Apurar, em função da decisão da questão anterior, o valor da indemnização devida pela expropriação;

• Saber se a Expropriada tem direito a juros moratórios, calculados sobre o valor da indemnização, desde a data da DUP.


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III.

Matéria de facto
A Apelante começa por questionar a matéria de facto que consta do ponto 4. da matéria de facto, dizendo que, de acordo com os elementos que constam dos autos, a parcela expropriada está inserida em espaço florestal e não em espaço agrícola.
Vejamos se assim é.
Encontra-se junta aos autos uma certidão do Município de Tondela, datada de 25/01/2007, da qual consta que a parcela aqui em causa está inserida em espaço agrícola, de acordo com o PDM que estava em vigor.
Entretanto, na sequência de pedido que lhe foi dirigido pelos peritos com vista à resposta a determinados quesitos que haviam sido formulados, o Município de Tondela, através do seu Vereador de Urbanismo, por delegação do Presidente da Câmara, veio satisfazer o solicitado, afirmando, designadamente, que a parcela expropriada estava inserida em área classificada como “espaço florestal”, sendo que, nesses espaços e de acordo com o Regulamento do PDM era possível a instalação de equipamentos de recreio e lazer, como era o caso do campo de futebol amador que estava instalado na parcela expropriada.
Não obstante essa informação, os peritos – com excepção do perito da Expropriada – consideraram que a parcela estava inserida em “espaço agrícola”, tal como constava da informação que, inicialmente, havia sido prestada pelo Município e procederam à sua avaliação de acordo com essa potencialidade, por terem entendido que a última avaliação prestada pelo Município teria decorrido de um equívoco.
A pedido da Expropriada e no sentido de esclarecer todas as dúvidas e a contradição existente entre as duas informações que constam dos autos, foi solicitada nova informação ao Município que, em 22/06/2012, veio reafirmar que a parcela em causa estava inserida em “espaço florestal”. Não obstante esse facto, os peritos do Tribunal – e o próprio Tribunal – procederam à avaliação da parcela de acordo com as suas potencialidades agrícolas, considerando que a mesma estava inserida em “espaço agrícola”, aludindo, para o efeito, às informações contraditórias que estavam nos autos.
Mas, na verdade, não encontramos razões para duvidar da exactidão e da credibilidade das últimas informações prestadas pelo Município.
De facto, o Município é uma entidade oficial a quem é reconhecida competência para certificar ou prestar informações sobre a classificação da parcela de acordo com o PDM em vigor, importando notar que foram os próprios peritos a considerar a necessidade de ser o Município a esclarecer esses factos (eventualmente, porque tinham dúvidas sobre os mesmos). É certo que o Município prestou informações contraditórias, mas, salvo o devido respeito, não nos parece que tais contradições legitimassem a opção pela primeira informação que havia sido prestada. O que se justificava, perante essas contradições, era que o Município fosse chamado a esclarecê-las e foi o que sucedeu. Ora, se o Município veio esclarecer que a informação correcta era a segunda e não a primeira, não encontramos razões que legitimem a opção pela primeira informação, quando é certo que não existem nos autos quaisquer elementos que nos permitam afirmar, de forma inequívoca, que a parcela se insere em espaço agrícola (como constava da primeira informação) e não em espaço florestal (como consta das últimas informações). De facto, ao que nos é permitido colher das plantas juntas aos autos, a parcela expropriada situar-se-á numa zona limite dos espaços agrícolas e dos espaços florestais e se o Município afirma agora – rectificando a informação inicialmente prestada – que já se encontra nos espaços florestais, nada justifica que não se tenha por correcta essa afirmação, tanto mais que são os próprios peritos a afirmar que a envolvente da parcela se caracteriza, a sul, por uma ocupação florestal (circunstância compatível com a sua inclusão em zona florestal).
Afigura-se-nos, pois, em face do exposto, dever concluir-se – de acordo com a informação prestada pelo Município – que a parcela se insere em “espaços florestais” e não em “espaços agrícolas”, nesse sentido se alterando o ponto 4. da matéria de facto.

A matéria de facto provada (com a alteração efectuada) é a seguinte:

1- Por Despacho do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, publicado no Diário da República, II Série, nº 120, de 23/06/2006, n º 13297-J/2006 de 2 de Junho de 2006, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da parcela nº 2 A da planta parcelar anexa ao processo de expropriação, com vista à realização da obra EN 230 – Tondela – Carregal do Sal, sendo que tal Declaração de Utilidade Pública foi posteriormente alvo de rectificação através do Despacho n º 22177/2008 (2ª Série) do Senhor Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações de 19 de Agosto de 2008, publicado no Diário da Republica n º 165 – II Série de 27 de Agosto de 2008

2- Tal parcela é constituída por uma faixa de terreno com a área de 2994 m2, a destacar do prédio sito na freguesia de Vila Nova de Rainha, concelho de Tondela, inscrito na matriz sob o artigo 2869 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número, sob o número 1418/20110224, com a área global de 3.897 m2, pertencente à expropriada.

3- No auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” foi descrita tal parcela da seguinte forma: “(…)Trata-se de um terreno plano, utilizado como campo de futebol da respectiva associação, com o campo em terra batida(…) o terreno apresenta as seguintes benfeitorias: - 2 balizas (…)”.

4- A propriedade de onde é destacada a parcela encontrava-se classificada no Plano Director Municipal de Tondela à data da DUP, como “Espaço Florestal”.

5 – No dia 26 de Setembro de 2008 a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada (conforme documento de fls. 120/121 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 – A decisão arbitral, fixou à parcela expropriada o montante de € 17.710,71 (dezassete mil, setecentos e dez euros e setenta e um cêntimos).

7 – A decisão arbitral aludida em 6) no cálculo do montante fixado teve em conta a classificação do solo, a configuração do terreno e as condições de acesso. Tendo considerado na avaliação o valor das benfeitorias, bem como o valor da parte sobrante.

8 – Por despacho de fls. 173/174 dos autos, proferido em 21/02/2011, a parcela expropriada foi adjudicada à entidade expropriante.

9 – Em 30/03/2011 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: “Nos termos do artigo 52º, n º 3 do Código das Expropriações, atribuo aos expropriados o montante de € 7.794,00, deduzidas as custas prováveis” (fls. 193/194).

10 – O despacho aludido em 9) foi notificado aos expropriados e à entidade expropriante.

11 – Nos termos da descrição predial o prédio afectado pela expropriação tem a área total de 3897 m2.

12 – Por despacho de fls. 212 a 217 dos autos, proferido em 20/05/2011, já transitado em julgado foi decretada a expropriação total do prédio rústico onde se inseria a parcela a expropriar, o qual se encontra inscrito na matriz sob o artigo 2869, com a área total de 3.897 m2, a confrontar do norte com Adriano Ferreira Lopes, do sul com Fábrica da Igreja, do nascente com António Chaves Tavares e do poente com Maria Teresa Sande Leitão Ribeiro e Constantino dos Santos Lopes Rodrigues.

13 – Os Senhores peritos subscritores do laudo maioritário consideraram que a parcela em causa se encontra em zona definida como “Espaço Agrícola” e que face ao teor do laudo de fls. 274 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consideraram para efeitos de atribuição de valor ao solo o valor de um olival com compasso médio corrente na região com um nível de produtividade de cerca de 20 Kg/árvore, chegando assim ao valor de € 2,41 por m2. Calcularam ainda o valor da perda de edificabilidade, considerando o índice de 10x10 de utilização o custo unitário de construção para arrumos de alfaias agrícolas de € 250/m2, atribuindo a percentagem de 12% à localização, qualidade ambiental e equipamentos e mediante a introdução do factor correctivo de 15%. Por último, atribuíram às benfeitorias o valor de € 4.080,00 (valor este que não foi posto em causa pelos peritos da entidade expropriante, nem expropriada).


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IV.

Analisemos agora as demais questões suscitadas no recurso.

A sentença recorrida – aderindo ao laudo maioritário dos peritos – fixou a indemnização devida pela expropriação aqui em causa no valor global de 14.465,51€ (9.391,77€ referente ao valor do solo, 993,74€ relativo à perda de edificabilidade e 4.080,00€ a título de benfeitorias).

E, para chegar a esse valor, considerou – conforme se havia considerado no laudo maioritário dos peritos – que o terreno aqui em causa deveria ser considerado como “solo apto para outros fins” e atendeu – subscrevendo o aludido laudo – à sua potencialidade agrícola e ao seu aproveitamento como olival.

  A Apelante discorda dessa decisão, dizendo que o prédio em causa nunca foi um olival, sendo que aquilo que nele existia era um campo de futebol e que, como tal, é essa a utilização que deve ser considerada para efeitos de avaliação, devendo o solo ser classificado e avaliado como “solo apto para construção”.

É essa, portanto, a primeira questão que importa analisar.


O direito a receber uma justa indemnização pela expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos encontra-se consagrado na Constituição e é concretizado no art.º 23º do C.E., aprovado pela Lei nº 168/99 de 18/09[1], onde se determina que a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação e que corresponde ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Não obstante determinar, no art. 62º, nº 2, que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”, a CRP não estabelece o critério que deve ser adoptado para alcançar a justa medida dessa indemnização e, como tal, esse critério terá que ser encontrado nas demais disposições legais que regulam essa matéria, sendo certo, porém, que “…os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado” – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pág. 336.
Com efeito, a indemnização só será justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu; tal indemnização não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Por outro lado, a indemnização a pagar ao expropriado deverá ter em vista e realizar a igualdade dos expropriados entre si e a igualdade destes com os não expropriados. A fixação da indemnização deverá, pois, observar os princípios de igualdade e de proporcionalidade de forma a concretizar aquele princípio de justiça que deverá estar subjacente ao “quantum” da indemnização a pagar ao expropriado.
Com vista a determinar o valor da justa indemnização, o legislador veio estabelecer, nos arts. 25º e segs. do Código das Expropriações, um conjunto de critérios, começando por estabelecer que, para efeitos de cálculo da indemnização, o solo classifica-se em “solo apto para construção” e “solo para outros fins”, de acordo com os critérios ali definidos.
Temos, porém, como certo que estes critérios têm uma função orientadora – não sendo, por isso, de aplicação rígida e automática – com vista à determinação da justa indemnização, sendo que essas disposições legais terão que ser lidas e interpretadas em conjugação com os princípios constitucionalmente impostos (igualdade e proporcionalidade) e com as demais disposições legais que regulam essa matéria e, designadamente, o art. 23º do Código das Expropriações. Assim sendo, os aludidos critérios apenas poderão ser aplicados se e na medida em que, através deles, for possível chegar ao valor real e corrente do bem, numa situação normal de mercado e atendendo ao seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, já que, como resulta do disposto no art. 23º, nºs 1 e 5, é este o critério básico e orientador na fixação da justa indemnização.

Resulta claramente dos autos e do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam que, na parcela expropriada, estava instalado um campo de futebol (terreno plano em terra batida, com duas balizas) que como tal era utilizado pela Associação/Expropriada e resulta da matéria de facto provada que o prédio em causa está inserido em área que o PDM em vigor à data da DUP classificava como “espaço florestal”.
Resulta do disposto no art. 22º do Regulamento do PDM que, além de outras construções (que aqui não relevam directamente), são admitidas, nos espaços florestais, as construções destinadas a equipamentos de lazer, recreio e turismo, sendo que tais construções deverão respeitar os seguintes parâmetros: índice de impermeabilização máximo – 0,10 da parcela, cércea máxima de 2 pisos ou 7m até à cumeeira, índice de construção – 0,30.
De acordo com o disposto no nº 2, do citado art. 25º, considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º”.
E, dispõe o nº 3 da mesma disposição legal:
“Considera-se solo apto para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior”.
Parece, portanto, que o solo aqui em causa deverá ser considerado como “apto para construção”, porquanto, apesar de não dispor de todas as infra-estruturas a que alude a alínea a) da norma citada, poderá vir a adquiri-las dada a circunstância de o PDM permitir a sua utilização para a construção de equipamentos de lazer e recreio, designadamente, equipamentos desportivos e, nessa medida, poderá ser qualificado como solo apto para construção, face ao disposto na alínea c) do nº 2 do referido art. 25º.
Importa dizer, além do mais, que, no prédio expropriado, já estava instalado um campo de futebol que, como tal, era utilizado.
Era essa, portanto, a utilização que lhe era dada à data da expropriação e, numa utilização económica normal, esse era também o seu destino possível, face às disposições do PDM em vigor e, como tal, essa potencialidade não poderia deixar de atendida na determinação do valor real e corrente do bem em situação normal de mercado, sendo certo que, como se referiu, é este o critério básico e orientador na fixação do valor da justa indemnização devida pela expropriação.
É certo que o campo de futebol ali existente não tinha quaisquer infra-estruturas, já que apenas correspondia a um terreno plano em terra batida com duas balizas. Mas, sendo essa a utilização que lhe era dada e sendo possível – em face do PDM – a construção de um equipamento desportivo, com as necessárias infra-estruturas, desde que respeitados os parâmetros impostos pelo aludido instrumento de gestão territorial, parece-nos claro que essa potencialidade não poderá ser ignorada, não se justificando, na nossa perspectiva, que o terreno seja avaliado de acordo com as suas potencialidades agrícolas ou florestais, quando é certo que não era essa a utilização que lhe era dada e quando é certo que, num aproveitamento económico normal, era possível a sua utilização para a construção de um equipamento de lazer ou recreio e, designadamente, para a construção de um equipamento desportivo.
Sabendo-se que a indemnização devida pela expropriação deve corresponder ao valor real do bem em situação normal de mercado abstraindo de factores especulativos e sendo certo que, como refere Salvador da Costa[2], o valor real e corrente do bem corresponderá, tendencialmente, ao valor de compra e venda num mercado normal ou normalizado e sem a influência de elementos especulativos, podendo dizer-se, em suma, como diz o citado autor que “…a justa indemnização pela expropriação deve corresponder ao montante que um comprador não especialmente motivado, face aos elementos globais de facto, incluindo o aproveitamento económico normal, em obediência à lei lato sensu, à data da publicação da declaração de utilidade pública, aceitaria pagar pelos bens a título de preço”, parece-nos que aquela concreta utilização (para equipamento desportivo, de lazer ou recreio) não deixaria de ser ponderada pelo comprador prudente e não especialmente motivado no apuramento do preço que estaria disposto a pagar pelo terreno.
 Concluímos, portanto, em face do exposto, que o terreno aqui em causa pode e deve ser avaliado de acordo com aquela aptidão construtiva e tendo em conta a possibilidade de nele construir um equipamento desportivo. Sendo já utilizado como campo de futebol, era possível e era expectável que, no futuro, viesse a ser utilizado para a construção de um equipamento desportivo que, com melhores condições e melhores infra-estruturas, pudesse prosseguir as finalidade recreativas e desportivas a que já havia sido destinado, sendo certo que a sua utilização como mero olival (como pressupõem os peritos maioritários e a sentença recorrida) não corresponde àquela que era a sua utilização efectiva e tão pouco corresponde àquela que seria a sua possível e expectável utilização futura, num aproveitamento economicamente normal.

Devendo o terreno expropriado ser classificado – como supra se considerou – como solo apto para construção, determina o art. 26º, nº 1, que o seu valor há-de ser calculado “…por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 23º”.
Importa referir que, ao contrário do que aconteceu na sentença recorrida, o acórdão arbitral já havia avaliado a parcela como solo apto para construção, atendendo ao facto de nela já se encontrar instalado, à data da DUP, um equipamento desportivo. Todavia, no apuramento do respectivo valor, os árbitros limitaram-se a considerar a sua potencialidade para a instalação de um equipamento de características idênticas àquele que lá se encontrava instalado sem considerar a sua potencialidade para a instalação/edificação de um novo equipamento com melhores condições e infra-estruturas.
Ora, como decorre do citado art. 26º, nº 1, o apuramento do valor do solo deverá atender à construção que seria possível efectuar, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e regulamentos em vigor e, portanto, tal como acima assinalámos, deverá ser considerada a possibilidade de construção de um novo equipamento desportivo, nos termos em que tal construção era admitida pelo PDM que estava em vigor.
O único perito que procedeu à avaliação nestes termos foi o perito indicado pela Expropriada, que, para o efeito, considerou a possibilidade de construção de um pavilhão desportivo cujas características e áreas descreve no seu laudo (respeitando as indicações que haviam sido dadas pelo Município, a propósito da edificação que ali seria possível efectuar), sendo que, segundo diz, estabeleceu os valores de custos de obras a partir de dados relativos à construção de outros pavilhões semelhantes existentes no concelho de Tondela.
Considerando os parâmetros definidos pelo Regulamento – que, como acima se assinalou, permite um índice de construção de 30% da área do terreno – o aludido perito admitiu uma construção com as seguintes características, áreas e custos de construção:
- Campo desportivo em betão, com uma área útil de 924m2 e um custo de 30,00€/m2;
- Bancadas num misto de betão pré esforçado e blocos, com uma área útil de 163,80m2 e um custo de 25,00€/m2;
- Pavilhão com cobertura em ferro e alvenarias de blocos, com uma área bruta de 1128,90m2 e um custo de 250,00€/m2;
- Balneários de alvenaria de blocos e laje na cobertura com a área bruta de 67,08m2 e um custo de 650,00€/m2;
- Arranjos exteriores com limpeza e regularização, numa área de 2791m2 e um custo de 5,00/m2.
Com base nesses valores, concluiu pelo custo de construção de 371.597,00€.
E, com base nesse custo de construção, apurou o valor do terreno, em conformidade com o disposto nos nºs 6 e 7 do art. 26º do CE, considerando uma percentagem de 0,5% referente ao acesso rodoviário em caminho de terra batida e uma percentagem de 7,5% no que toca à localização e qualidade ambiental, chegando ao valor de 29.727,76€ que considerou corresponder ao valor do terreno, mais acrescentando que o valor do m2 a que chegou (7,46€) é consentâneo com o mercado fundiário e imobiliário local.
O critério utilizado pelo perito afigura-se-nos perfeitamente adequado para calcular o valor do terreno, sendo que, no essencial, respeita os critérios definidos na lei e a concreta potencialidade edificativa que o PDM admitia e, portanto, em termos gerais, aceitam-se os valores propostos pelo perito, sendo que nada nos permite concluir pela incorrecção desses valores.
Mas, embora se aceite esse critério em termos gerais, importa fazer algumas correcções.
E a primeira relaciona-se com a área do prédio.
De facto, o perito considerou, indevidamente, que o prédio tem a área de 3987m2, quando é certo que a área correcta é de 3.897 m2 (cfr. ponto 2. da matéria de facto). Ora, sabendo-se que, nos termos do Regulamento do PDM, o índice de construção admitido é de 30% da área do terreno, a construção admissível é apenas de 1.169m2 e não de 1.196m2, como considerou o perito.
Existe, portanto, uma diferença de 27m2 que importará abater à área de construção e que iremos imputar à área de balneários, sendo que a área dos balneários passará a ser de 40,08m2 (com o custo de construção de 650,00€/m2, como acima se referiu). Por outro lado, a área não ocupada com a construção e sujeita aos arranjos exteriores (com o custo de 5,00€/m2) será de 2.728m2 (3.897m2 – 1.169m2).
Assim, recalculando o custo de construção, atendendo aos valores indicados pelo perito, mas considerando as aludidas rectificações, chegamos ao valor de 353.732,00€, assim discriminado:
Campo desportivo – 924m2 x 30,00€/m2 = 27.720,00€;
Bancadas – 163,80m2 x 25,00€/m2 = 4.095,00€;
Pavilhão – 1128,90m2 x 250,00€/m2 = 282.225,00€;
Balneários – 40,08m2 x 650,00€/m2 = 26.052,00€;
Arranjos exteriores – 2.728m2 x 5,00/m2 = 13.640,00€.
No que toca à determinação do valor do terreno, tendo por referência o aludido custo de construção, temos como razoáveis e adequadas as percentagens aplicadas pelo perito, ao abrigo dos nºs 6 e 7 do art. 26º (8%), assim se obtendo o valor de 28.298,56€.
Com efeito, ao contrário do que sustenta a Apelante, não encontramos razões para fazer acrescer a percentagem de 1% a que alude o art. 26º, nº 7, alínea e), uma vez que nada permite concluir pela existência de rede de distribuição de energia eléctrica com serviço junto da parcela, já que, como decorre das respostas dadas pelos peritos, a rede de energia eléctrica não se encontra, propriamente, junto da parcela, mas sim a uma distância de 50 a 100 metros.
Mas existe ainda outra correcção que, na nossa perspectiva, deverá ser efectuada ao critério utilizado pelo aludido perito e que se relaciona com a aplicação do factor correctivo a que alude o nº 10 do citado art. 26º (factor que o perito não aplicou).
De facto, calculando-se o valor do solo de acordo com a sua aptidão construtiva e em função do valor da construção que nele seria possível efectuar (como pretendia a Apelante e como concluímos ser o correcto), importará ainda atender ao disposto no nº 10 da citada disposição legal, onde se determina que “o valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação”.
Ora, ainda que se possa dizer que o referido factor correctivo não é de funcionamento automático, a verdade é que, em situações normais, existem riscos inerentes à construção que devem ser tomados em conta no valor da avaliação, riscos esses inerentes à actividade e esforço financeiro que eram necessários para construir e que o expropriado não suporta.
Como refere Salvador da Costa[3], “…em situação normal de mercado, há não raro riscos inerentes à construção, como acidentes, mau tempo, encarecimento da mão-de-obra e dos materiais, bem como inerentes à comercialização, designadamente a depreciação do imóvel, as dificuldades de venda por retracção do mercado em virtude do aumento da taxa de juros, por exemplo (…) Temos, pois, que no cálculo da indemnização deve ser considerado o referido factor correctivo, com o limite máximo de quinze por cento, por virtude de o expropriado não ter desenvolvido qualquer actividade construtiva, sendo certo que, se a tivesse desenvolvido, teria suportado o respectivo custo e o inerente risco empresarial”.
E, acrescenta o referido autor, a aplicação deste factor visa evitar que o expropriado “…obtenha indemnização correspondente ao valor do terreno como solo apto para construção, sem suportar as despesas inerentes ao respectivo aproveitamento construtivo, designadamente de marketing, organização, taxas diversas e impostos”, e que, dessa forma, ficasse beneficiado relativamente a proprietários não expropriados que teriam que suportar o aludido risco, circunstância que violaria os princípios da igualdade e da justa indemnização.
A actividade construtiva implica sempre algum risco, maior ou menor (risco que não será suportado pelo expropriado), e, portanto, não encontramos razões para que o aludido factor correctivo não seja, por regra, aplicado (ressalvando, eventualmente, algumas situações excepcionais em que, comprovadamente, esse risco não existisse). Note-se que o legislador, na redacção dada ao citado nº 10 (ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com a redacção dada ao nº 9), induziu claramente a ideia de que o aludido factor será sempre aplicado, embora em percentagem variável (de acordo, naturalmente, com o maior ou menor grau de risco). Daí que, na nossa perspectiva, o aludido factor deva sempre ser aplicado (sem prejuízo de situações excepcionais em que a sua aplicação se revele desadequada), ainda que a aplicação de percentagens médias ou máximas exija uma efectiva comprovação de que o risco inerente à construção ultrapassa em determinado grau aquele que é inerente a toda e qualquer construção.
Assim e porque não dispomos de quaisquer elementos que nos permitam afirmar que o risco inerente à construção considerada para efeitos de apuramento do valor do solo ultrapasse o risco que é normal e inerente a toda e qualquer construção, parece-nos ajustada a aplicação de um factor correctivo de 5%.
Nestes termos, considerando o valor de 28.298,56€ supra mencionado (a que se chegou por aplicação dos critérios enunciados nos nºs 4 a 7 do art. 26º) e aplicando o aludido factor correctivo de 5%, obtém-se o valor de 26.883,63€ que corresponde ao valor do terreno.

A esse valor acresce o valor das benfeitorias (4.080,00€) sendo que, nessa parte, a sentença não foi objecto de recurso, pelo que o valor da indemnização devida pela expropriação é de 30.963,63€.

Sustenta ainda a Apelante que, além da actualização da indemnização (determinada na sentença recorrida), ainda são devidos juros de mora, nos termos do art. 68º do C.E., desde a data da DUP (23/06/2006), computando em 11.102,91€ os juros vencidos até 13/11/2013.
Não lhe assiste, neste ponto, total razão.
De facto, o citado art. 68º, ao dispor que “as quantias em dívida vencem juros, pagáveis anual ou semestralmente, conforme for acordado”, reporta-se, fundamentalmente, às indemnizações que, em conformidade com o disposto no art. 67º, são pagas em prestações, por força de acordo das partes que nesse sentido é celebrado no âmbito das expropriações amigáveis ou em transacção celebrada na pendência de processo de expropriação. Os juros aqui em causa correspondem, em rigor, a juros remuneratórios do capital que é devido ao expropriado e que, por força do acordo de pagamento em prestações, não é pago de imediato e é retido pela entidade expropriante.
Ora, como é evidente, não é isso que está em causa nos presentes autos.
Os juros moratórios que, eventualmente, sejam devidos à Expropriada apenas poderão fundamentar-se no disposto no art. 70º (não no art. 68º que é citado pela Apelante).
A norma citada, sob a epígrafe “Juros moratórios” dispõe, no seu nº 1, que: “os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso”.
Importa notar que a mora, propriamente dita, no que se reporta ao pagamento da indemnização devida pela expropriação, apenas poderá ocorrer após o trânsito em julgado da decisão que fixa a indemnização, tornando certa e líquida a obrigação (cfr. art. 805º, nº 3, do C.C.), e, portanto, os juros moratórios apenas serão devidos se, como acima se mencionou, tiver ocorrido algum atraso, imputável à expropriante, seja no andamento do processo, seja na realização de qualquer depósito que estivesse obrigada a efectuar.
No que respeita a atrasos imputáveis à entidade expropriante, releva, em particular, o atraso na remessa do processo de expropriação ao tribunal, impondo a lei, como mera decorrência de não ter sido respeitado o prazo para tal remessa (e presumindo, portanto, que tal atraso é imputável à expropriante) e independentemente de qualquer pedido do expropriado, que sejam depositados os juros moratórios correspondentes ao período do atraso (cfr. art. 51º, nº 1). Tais juros que, nesse momento, serão, necessariamente, calculados com base no valor fixado no acórdão arbitral, terão que ser, posteriormente, corrigidos em função do valor definitivo da indemnização que venha a ser fixado, já que, de acordo com o disposto no art. 70º, nº 2, tais juros incidem sobre o montante definitivo da obrigação.
Refira-se que, por força do atraso na remessa do processo ao Tribunal, a Expropriante já depositou juros de mora no valor de 799,65€ (cfr. fls. 171), conforme impunha o art. 51º, nº 1; mas, tal como dissemos, tais juros terão agora que ser calculados tendo como base o valor definitivo da indemnização que ora foi fixada e à taxa de juros legais, como determina a norma citada.
No entanto, tais juros moratórios não são devidos – como pretende a Apelante – desde a data da DUP até pagamento; tais juros reportam-se apenas ao período decorrido entre o momento em que a Expropriante deveria ter enviado o processo ao tribunal e aquele em que o enviou.
Assim, sendo certo que, nos termos do citado art. 51º, o processo deveria ter sido remetido ao tribunal no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisão arbitral e resultando dos autos que a Expropriante recebeu tal decisão em 02/11/2009, tendo remetido o processo ao tribunal em 18/01/2011, são devidos juros correspondentes a 412 dias. Tais juros calculados à taxa legal (4%) sobre o valor da indemnização que ora foi fixada (30.963,63€) ascendem ao valor de 1.398,00€.
Além desses juros, não são devidos, por ora, quaisquer outros juros moratórios, porquanto, além do atraso na remessa do processo ao tribunal, não foi invocado qualquer outro atraso e tão pouco a Expropriada formulou, em tempo oportuno, qualquer pedido referente a juros moratórios.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Incidindo a expropriação sobre um prédio onde estava instalado um campo de futebol (ainda que sem quaisquer infra-estruturas, correspondendo apenas a um terreno plano em terra batida com duas balizas), que estava inserido em zona que o PDM em vigor classificava como “espaço florestal” e onde era admitida a construção de equipamentos de lazer e recreio, o respectivo solo deve ser classificado como “apto para construção”, devendo ser avaliado com referência à construção de um equipamento desportivo, já que tal construção, além de dar continuidade à finalidade para a qual o prédio já era utilizado, era admitida pelo instrumento de gestão territorial em vigor, correspondendo, por isso, ao seu destino possível, num aproveitamento economicamente normal.

II – Ressalvando situações excepcionais, a actividade construtiva e o esforço financeiro que lhe é inerente comportam riscos de diversa natureza, pelo que, sem prejuízo de situações excepcionais em que tal se revele desadequado, o cálculo do valor do solo com referência ao valor da construção que nele seria possível efectuar deve incluir a aplicação do factor correctivo a que alude o art. 26º, nº 10, do C.E., na medida em que o expropriado não vai suportar o risco que era inerente à construção com base na qual se apurou o valor do terreno.
III – O art. 68º do C.E. reporta-se às indemnizações que, em conformidade com o disposto no art. 67º, são pagas em prestações, por força de acordo das partes, celebrado no âmbito das expropriações amigáveis ou em transacção celebrada na pendência de processo de expropriação; tais juros correspondem, portanto, a juros remuneratórios do capital que é devido ao expropriado e que, por força do acordo de pagamento em prestações, não é pago de imediato e é retido pela entidade expropriante.

 IV – Por força do disposto nos arts. 51º, nº 1, e 70º do C.E., a entidade expropriante está obrigada ao pagamento de juros moratórios em caso de atraso na remessa do processo ao Tribunal; tais juros, que apenas são devidos pelo período correspondente a tal atraso, devem ser calculados sobre o montante definitivo da indemnização que venha a ser fixada pela expropriação.


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V.
Pelo exposto, concedendo-se parcial provimento ao presente recurso, fixa-se a indemnização devida à Expropriada, Associação B..., em 30.963,63€ (trinta mil, novecentos e sessenta e três euros e sessenta e três cêntimos), a actualizar nos termos que constam da sentença recorrida e à qual acresce ainda a quantia de 1.398,00€ (mil, trezentos e noventa e oito euros) a título de juros de mora decorrentes do atraso no envio do processo ao tribunal.
Custas na proporção do decaimento.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Diploma a que se referem as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[2] Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, 2010, pág. 146.
[3] Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotados e Comentados, 2010, pág. 186.