Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/16.1PTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
Data do Acordão: 09/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE VISEU – SECÇÃO CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º E 69.º, N.º 1, AL. A), E 71.º, DO CP
Sumário: I - O arguido tem passado criminal, tendo sido condenado por quatro vezes desde 2004, sendo três das condenações por crimes de condução em estado de embriaguez e, uma outra, por crime de desobediência.

II - Considerando os factos provados e a personalidade do arguido que daqueles resulta, as finalidades da pena acessória, e os critérios da jurisprudência seguidos por este Tribunal da Relação, entendemos que a pretensão do arguido/recorrente de redução da pena acessória aplicada para um período substancialmente inferior, ou inferior, não seria adequada aos factos, nem proporcional à sua perigosidade que resulta do seu passado criminal e da condução com uma TAS de pelo menos 1,94 g/l, e punha em causa as necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes.

III - Não se reconhecendo a violação pela decisão recorrida dos critérios de determinação da pena acessória, enunciados no art.71.º do Código Penal e tendo respeitado os que resultam ainda dos artigos 40.º e 69.º, n.º1, al. a) do mesmo Código e o princípio da proporcionalidade na graduação da mesma pena ínsito no art.18.º da C.R.P., impõe-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter a douta sentença recorrida.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

Pela Comarca de Viseu – Instância Local de Viseu, Secção Criminal – J3, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido

            A..., filho de (...) e de (...) , solteiro, nascido em 14-07-1982, na freguesia de (...) , concelho de Viseu, e residente na Rua (...) , Viseu,

imputando-se-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al a) do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 17  fevereiro de 2016 decidiu julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência:

- Condenar o arguido A... , pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, sujeita a regime de prova mediante plano individual de reinserção social a realizar pela DGRSP, donde conste a obrigação de o arguido se sujeitar a programa de sensibilização relativa a condução perigosa e a consultas de despiste de alcoolismo e tratamentos que, na sequência das mesmas, venham a ser determinados e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- Afigura-se ao Recorrente que a douta sentença, objecto do presente recurso, não pode manter-se e isto no que tange à pena acessória de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados, aplicada.

2- A pena acessória aplicada ao recorrente, consubstancia uma solução desajustada e manifestamente excessiva, sendo não rigorosa e irrazoável.

3- Face aos factos dados como provados, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada ao arguido, afigura-se desproporcionada.

4- Tanto assim que, o ora recorrente é quem provem ao sustento da família e da casa de morada de família, auferindo um salário de 600 Euros mensais.

5- É pai de um filho menor de 3 anos que frequenta o infantário e tem a seu cargo uma enteada com 6 anos a frequentar a segunda classe escolar.

6- Contribuindo ainda monetariamente para o pagamento da prestação bancaria relativa ao empréstimo que a sua mãe contraiu para comprar a casa onde habitam.

7- Por outro lado e mais relevante é o facto de desempenhar a profissão de gerente de uma oficina automóvel, sendo da sua exclusiva competência, ir buscar e entregar os veículos aos clientes objecto de reparação. Levar os veículos às inspecções periódicas, fazer a gestão de stock da oficina (comprar peças e todos os elementos necessários às reparações).

8- Sendo estas tarefas atrás designadas dependem única e exclusivamente do arguido uma vez que no âmbito da sua organização profissional não tem outra pessoa que as possa fazer. Tarefas que são essenciais ao desenvolvimento do escopo comercial da sociedade que gere e sem as quais a sociedade não pode subsistir.

9- O recorrente é tido como pessoa trabalhadora, bem comportada e não é dado ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, consubstanciando a situação em apreço, uma malograda excepção. (relevando para tal o facto tal como ficou demonstrado em julgamento que o Arguido cometeu o crime numa sexta feira a noite quando depois de um jantar com um amigo de longa data ter insistido levá-lo a casa devido ao facto de estar a chover), tendo nestes termos pecado pelo excesso de humanidade que interiormente lhe subsiste.

10- A sanção acessória decorre, assim, da conduta ilícita do arguido, como censura adicional pela prática do ilícito, procurando-se obter um efeito dissuasor em relação a futuras prevaricações e contribuir para a emenda do condutor que prevaricou.

11- E porque, de uma verdadeira pena (acessória) se trata, a proibição de conduzir veículos motorizados, há-de constituir um sacrifício real para o condenado.

12- No entanto, quando da sua aplicação resultem consequências gravosas, ou seja, desnecessárias para o arguido, bem como para terceiros que dele dependam, uma vez que a restrição de direitos deve limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo ainda a restrição ser apta para o efeito (art° 18° da CRP).

13- A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71° do Código Penal - cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15a ed., p. 237.

14- Por outro lado, o art.71° do Código Penal estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Critério que é precisado depois no n°2 do mesmo preceito: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.

15- A determinação do quantum da pena é ainda enformada pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40° do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1 A aplicação da pena. Visando assim a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

16- Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respectiva definição haverá, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso.

17- Ora a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232.

18- Tendo como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução.

19- E por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.

20- Todavia, na determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71° do Código Penal.

21- Certo é que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral — cfr., entre outros, Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.

22- Com efeito a pena acessória incide sobre o instrumento da condução automóvel, privando o agente de exercer temporariamente a actividade em cujo exercício praticou a infracção, considerando-se excessiva a aplicação de 18 meses de inibição de conduzir manifestamente excessiva, atenta a perigosidade e culpa do agente.

23- No caso em apreço, foi o arguido autuado em operação de rotina sem que tendo dado causa a qualquer acidente.

24- Assim, tendo em atenção as circunstancias do caso concreto e as anteriores condenações em pena acessória, designadamente a condenação pelo mesmo tipo de crime o grau de culpa doloso, tendo em vista o critério definido, tem-se por ajustada a redução da pena acessória.

25- Por outro lado, há ainda que considerar a confissão integral dos factos aliada ao arrependimento sincero que sempre norteou a conduta do recorrente em audiência de julgamento.

26- Ademais a pena principal aplicada de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por o período de um ano, é por si adequada e suficiente a responder às finalidades da punição, mormente da prevenção especial do agente.

27- Tanto mais que, a pena de prisão aplicada é para todos os efeitos e atenta a personalidade do recorrente adequada a cumprir o efeito dissuasor e reintegrador pretendido e, bem assim medida suficiente para o imbuir do necessário espírito conformador com os princípios jurídicos aplicáveis.

28- Pelo que, a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses é manifestamente excessiva e importa sacrifícios incomportáveis para si e para a sua família, com óbvios prejuízos para a sociedade comercial que gere de onde provem o sustento de todo o seu agregado familiar.

29- Tendo em conta as funções que o arguido desempenha na sociedade comercial e que dependem exclusivamente de si, pelo que e como facilmente se compreende a carta de condução é um instrumento fundamental para a sua vida, mormente a profissional.

30- Sendo a carta de condução imprescindível para o cumprimento dos compromissos profissionais, de onde como acima se referiu redra o seu sustento e o da sua família.

31- Assim, deverá haver uma proporcionalidade entre a pena principal aplicada e a pena acessória, por não existirem razões objectivas que afastem no caso concreto a correspondência entre as molduras de uma e outra pena.

32- Devendo a pena acessória ser reduzida ou limitada a um período substancialmente inferior ao fixado pelo Tribunal Ad Quo.

33- A Douta sentença violou o disposto nos arrigos 71.° e 40.° do Código Penal e o artigo 18.° da CRP. 

Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o Mui Douto suprimento dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores, deve a sentença ser parcialmente revogada, devendo, em consequência, ser reduzida a proibição de conduzir veículos motorizados, dando-se provimento ao presente Recurso.

O Ministério Público na Comarca de Viseu, Instância Local de Viseu, Secção Criminal, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer  no sentido de que o recurso deverá improceder.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto provada e não provada, constante da sentença recorrida, é a seguinte:

            Factos provados

- No dia 23 de janeiro de 2016, cerca das 05:55 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula (...) LT, na via pública, mais concretamente no Largo de Santa Cristina, Viseu.

- Naquelas circunstâncias de tempo e lugar viria o arguido a ser fiscalizado por elementos da Policia de Segurança Pública, que ali se encontravam, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções.

- Posteriormente, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, através do aparelho quantitativo, tendo revelado uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de , pelo menos, 1,94 gramas por litro, correspondente à T.A.S. de 2,11 gramas por litro registada, deduzido o erro máximo admissível e perante essa taxa de álcool no sangue que apresentou declarou que não desejava ser submetido a exame de contraprova.

- O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem querendo e sabendo que conduzia um veículo automóvel, na via pública, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida (1,20 g/l).

- O arguido sabia que aquela sua conduta era proibida e punida pela Lei penal e ainda assim não se absteve de a praticar,

Mais se provou:

- Do teor do CRC do arguido constante de folhas 27 a 34 dos autos resulta que foi já condenado:

a) - no processo sumário n.º 55/04.9GTVIS – 2.º Juízo Criminal, do TJ de Viseu, por sentença de 6/2/20041, pela prática em 5/2/2004, de um crime de condução em estado de embriaguez,  na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

b) - no processo abreviado n.º 177/05.9GTVIS – 2.º Juízo Criminal, do TJ de Viseu, por sentença de 8/3/2007, pela prática em 9/6/2005, de um crime de desobediência,  na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de €6,00;

c) -  no processo comum singular n.º 9/08.6PTVIS, do 1.º Juízo Criminal, do TJ de Viseu, por sentença de 30/10/2008, pela prática, em 5/2/2008, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa , à taxa diária de €7,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses;

d) - no processo sumário n.º 211/12.6GTVIS – 1.º Juízo Criminal, do TJ de Viseu, por sentença de 11/1/2013, pela prática em 23/12/2012, de um crime de condução em estado de embriaguez,  na pena de 8 meses de prisão, suspensa na execução com sujeição  deveres, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses.

- O arguido é o mais novo de dois irmãos. Perdeu o pai em tenra idade, quando tinha 5 anos. Iniciou o percurso escolar na idade própria e concluiu o 11.º ano de escolaridade. Concluiu o curso técnico de oficial de justiça. Vive com uma companheira e 2 menores, um filho comum e um filho de uma relação anterior.

Explora por conta própria uma oficina automóvel, que emprega quatro funcionários.

Habita habitação pertencente a familiar.

- Confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vem acusado.

- Motivou-se por mera gratuitidade no transporte de um amigo, na condução.

            Factos não provados

            Não há factos provados.
                                                                         *
             O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... a questão a decidir é a seguinte:

- se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, fixada em 12 meses, deve ser reduzida a um período substancialmente inferior.


-

Passemos a conhecer da questão.

            O recorrente A... defende que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, fixada em 12 meses é excessiva e violadora do disposto nos artigos 71.º e 40.º do C.P. e 18.º da C.R.P..

Alega para o efeito e em síntese:

- A pena acessória que lhe foi fixada tem consequências gravosas e desnecessárias para si, para a sua família e para a sociedade comercial em que desenvolve a atividade profissional. É pai de um menor de 3 anos, que frequenta o infantário e de uma enteada de 6 anos de idade, que frequenta o 2.º ano. É gerente de uma sociedade comercial que explora uma oficina automóvel, em que desempenha atividades essenciais à mesma e que tem de ser o próprio a fazer, sem as quais a sociedade não pode subsistir. Aufere um salário de € 600,00 com que provem ao sustento da família e da casa de morada de família, contribuindo monetariamente para pagamento de empréstimo para compra da casa;

- É tido como pessoa trabalhadora, bem comportada e não é dado ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, consubstanciando a situação em apreço, uma exceção, que resultou da insistência de um amigo após um jantar ter insistido em que o levasse a casa por estar a chover;

- O arguido foi autuado numa operação de rotina, sem que tenha dado causa a qualquer acidente;

- Confessou integralmente os factos e mostrou arrependimento sincero; 

- Considerando a identidade de critérios para a determinação da medida da pena principal e da pena acessória, as condenações pelo mesmo tipo de crime e o grau de culpa, bem como a personalidade do arguido, deverá haver uma proporcionalidade entre aquelas penas.

Vejamos se assim é.

É pacífico que o ora recorrente A... , com a sua conduta dada como provada, praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al a) do Código Penal.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, imputado ao arguido, é punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

Trata-se de um crime de perigo abstrato, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para o bem jurídico protegido, que no caso é a segurança rodoviária e, indiretamente, a segurança das pessoas e património de quem se cruza na via pública com o condutor portador de uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l.

O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º.

Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º, do Código Penal, da sua inserção sistemática e do elemento histórico (Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41), traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado. 

No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória está ligada a “um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa.”.[4]

A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele.

Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

A culpabilidade ali referida não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência; é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. O facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”[5].

O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.

De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.[6]

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, «…por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1[atual art.71.º]; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.».

Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”. [7]

Podemos agrupar, nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

No presente caso, temos a considerar, no âmbito dos “Fatores relativos à execução do facto”, um grau de ilicitude do facto elevado, pois conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros, na via pública, em Viseu com uma T.A.S. de pelo menos 1, 94 g/l, portanto bem acima do mínimo legal e a motivação para agir aproxima-se do fútil.

Entre as consequências do crime não consta qualquer acidente rodoviário, tendo o arguido sido fiscalizado no âmbito de uma fiscalização de rotina.

Podendo o crime ser cometido com negligência, resulta dos factos provados que o arguido agiu com dolo, pois «… agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem querendo e sabendo que conduzia um veículo automóvel, na via pública, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida (1,20 g/l).»

No que respeita aos fatores relativos à personalidade do arguido e aos relativos à sua conduta anterior e posterior ao facto realçamos as circunstâncias do mesmo se mostrar integrado na família e no trabalho, pois vive com uma companheira e 2 menores, sendo  um filho comum e um filho de uma relação anterior, e explora por conta própria uma oficina em que emprega quatro funcionários.

O Tribunal da Relação não tem dúvidas que a pena acessória de inibição de conduzir, vai contender com a sua vida, incluindo a familiar e a atividade laboral, mas inibição temporária de conduzir é um importante meio de salvaguarda da sociedade, de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial, tutelada pela lei.

A condução de veículo automóvel na via pública, com capacidades intelectuais diminuídas, nomeadamente a nível de atenção, rapidez de reflexos e coordenação motora, por o agente estar influenciados por elevados níveis de álcool ingerido, constitui um elevado risco para a sociedade. E da sociedade também faz parte, no caso concreto, a própria família do arguido, os clientes e os seus trabalhadores, cuja segurança também urge proteger através da aplicação de adequada pena acessória para evitar a reincidência neste crime rodoviário.

Beneficia da confissão integral e sem reserva dos factos, mas esta é uma circunstância quase irrelevante uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito, não desconhecendo assim que a prova se mostrava praticamente feita.

Embora tenha sido dado como provado que o arguido se motivou na condução por mera gratuitidade no transporte de um amigo, da factualidade dada como provada não consta o arrependimento sincero.

O arguido tem passado criminal, tendo sido condenado por quatro vezes desde 2004, sendo três das condenações por crimes de condução em estado de embriaguez e, uma outra, por crime de desobediência.

Não vislumbramos assim como pode o recorrente afirmar que tem bom comportamento, que  não é dado ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas e que a situação em apreço consubstancia uma exceção.

Se as razões de prevenção especial são, face ao exposto, prementes, também as exigências de prevenção geral o são, pois este tipo de crime encontra-se massificado, sendo praticado diariamente nas nossas estradas.

A culpa, enquanto juízo de censura dirigido ao arguido pelo facto de ter conduzido na via pública um veículo automóvel ligeiro de passageiros com uma T.A.S. de pelo menos 1, 94 g/l, quando podia e devia assim não ter atuado, é elevada.

O limite mínimo e máximo da pena acessória aplicável ao arguido é de 3 meses e 3 anos, pelo que a pena acessória de 12 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, que lhe aplicada pelo Tribunal a quo, situa-se cerca de 1/3 acima do limite mínimo legal.

Já a pena de prisão, fixada em 8 meses e suspensa na execução, situa-se acima do limite médio da pena prevista no art.292.º do Código Penal, que é de 1 ano de prisão.

Considerando os factos provados e a personalidade do arguido A... que destes resulta, as finalidades da pena acessória, e os critérios da jurisprudência seguidos por este Tribunal da Relação, entendemos que a pretensão do arguido/recorrente de redução da pena acessória aplicada para um período substancialmente inferior, ou inferior, não seria adequada aos factos, nem proporcional à sua perigosidade que resulta do seu passado criminal e da condução com uma TAS de pelo menos 1,94 g/l, e punha em causa as necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes.

Não se reconhecendo a violação pela decisão recorrida dos critérios de determinação da pena acessória, enunciados no art.71.º do Código Penal e tendo respeitado os que resultam ainda dos artigos 40.º e 69.º, n.º1, al. a) do mesmo Código e o princípio da proporcionalidade na graduação da mesma pena ínsito no art.18.º da C.R.P., impõe-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter a douta sentença recorrida.

            Decisão

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                          *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).                                


*

               Coimbra,  21 de Setembro de 2016

              

               (Orlando Gonçalves – relator)

               (Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]  “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Notícias Editorial , § 205. 

[5]  Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230. 

[6] Cf. Prof. Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374. 
[7]  “As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 210 e 245 e seguintes.