Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS TEIXEIRA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS | ||
Data do Acordão: | 12/13/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 3º JUÍZO CRIMINAL DAS VARAS DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 61º, Nº 1, ALÍNEA C) E 358º, Nº 1, AMBOS DO CPP E 32º, NºS 1 E 5, DA CRP. | ||
Sumário: | 1.- A comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada, concretizando os novos factos indiciados e respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os seus direitos de defesa; 2.- A alteração/comunicação pode ocorrer até à leitura da decisão/sentença, pois só com esta se encerra a audiência. | ||
Decisão Texto Integral: | 1. Nos autos de processo comum nº 878/07.7TACBR do 3º Juízo Criminal das Varas de competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, foi o arguido
A… , residente na R. .., Coimbra, Julgado e condenado pela prática, como autor de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art.º 143º n.º 1 do Código Penal, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de €: 50,00, o que perfaz €:11 500,00 e fixando a prisão subsidiária em 153 dias.
2. Desta sentença recorreu o arguido apresentando as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo que condena o ora Recorrente pela prática como autor de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143 ° do Código de Processo Penal e respectivas custas criminais, julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil condenando o arguido ao pagamento da quantia de € 7 000 00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e de € 2 500 00 a título de indemnização por danos não patrimoniais bem como nas custas civis respectivas e condenou o arguido a pagar ao demandante civil HUC a quantia de € 143,50 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos bem como ao pagamento das respectivas custas cíveis. 2.1. Recurso de fls. 916 e seguintes dos autos interposto da decisão que indeferiu o requerimento de invalidade da audiência de discussão e julgamento de dia 9 de Abril de 2010 porquanto a mesma não encontra qualquer justificação processual para a sua realização inexistindo fundamento e necessidade para a inquirição da demandante cível tanto mais que a prova requerida do pedido cível lá havia sido produzida sendo esta uma matéria entregue a livre disponibilidade das partes por violação do disposto nos artigos 450º, n°2, 61°, nº 1, alínea c), 74º, 97º, nº 5, 328º, nº 6 e 340º, todos do Código de Processo Penai e do disposto no artigo 205°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. 3. A decisão que constitui objecto do presente recurso assenta por um lado na consideração de um conjunto de factos que não poderiam ter sido considerados provados e por outro lado na desconsideração acrítica de outros que cuja consideração impunha juízo diferente quer quanto aos factos quer quanto ao Direito aplicáveis. 6. Sucede porém que dos depoimentos das testemunhas E... e C... nenhuma prova foi produzida que nossa sustentar a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo Tribunal. 21. Da mesma forma o depoimento e esclarecimentos prestados pela Dra. F... devem ser considerados como prova pericial porquanto incidem sobre um relatório pericial. 27. Deste modo a decisão do Tribunal viola, de forma grosseira o disposto no artigo 163° do Código de Processo Penal e bem assim o disposto nos artigos 32° da Constituição da República Portuguesa na interpretação que é dada ou tenha sido dada à norma do artigo 27°do Código de Processo Penal. pelo que se argui expressamente o respectivo incidente de inconstitucionalidade. 31. Desta forma andou mal a decisão recorrida face à prova produzida e a todos os esclarecimentos prestados pelos vários peritos ao longo das sessões de julgamento ao se ter guiado única e exclusivamente pelo teor literal dos relatórios de fls. 147 e ss, olvidando a circunstância fundamental de os mesmos terem partido de pressupostos incompletos e assentes em informação falsa prestada pela própria Queixosa que a terem sido fornecidos aos peritos implicariam necessariamente conclusões diversas às que os mesmos chegaram. 35. Face à prova produzida apenas se devem dar corno provados os seguintes pontos do pedido cível: pontos 18, na parte em que se refere que nos quinze dias subsequentes a Ofendida cancelou marcações para os seus clientes; 20, com excepção da parte em que se refere o debilitado estado físico e emocional; 27, na parte em que se refere que a ofendida tem sido clinicamente acompanhada; 28, 32, 33 e 34, apenas na parte em que se refere que a Ofendida cancelou as consultas que tinha marcadas para os dias 29 de Janeiro até 9 de Fevereiro de 2007, ficando por ver 33 doentes que estavam marcados para esses dias; 30 na parte em que se refere que a Ofendida dava consultas regularmente às segundas terças e quintas-feiras de cada semana; 36 a 38. Nestes termos e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente recurso julgado procedente e em consequência: 3. A este recurso respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese, que a sentença não incorre em erro de julgamento, pelo que deve o recurso ser julgado improcedente. O MºPº respondeu também a todos os recursos intercalares, sempre se pronunciando pela improcedência dos mesmos. 4. Respondeu a recorrida I..., pugnando pela improcedência do recurso bem como dos recursos intercalares. 5. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 6. Foi proferido o acórdão de fls. 2250 e seguintes deste Tribunal tendo sido julgado improcedente o recurso. 7. Deste acórdão reclamou o arguido, invocando nomeadamente a nulidade por omissão, com o fundamento na não apreciação dos recursos interlocutórios, nos termos legalmente exigidos, com a respectiva fundamentação. 8. Por acórdão proferido de novo por este Tribunal (com composição diferente uma vez que o Ex.mo Relator do acórdão reclamado se encontra de baixa médica por doença prolongada) foi julgada procedente a nulidade e, em consequência, anulado o dito acórdão. 9. E foram os autos redistribuídos, devido à dita baixa médica do Ex.mo relator inicial. 10. Foram colhidos novos vistos e realizou-se a conferência. II Nos termos legalmente exigidos, passamos a apreciar, de forma lógica e cronológica, os recursos interlocutórios com as devidas consequências da sua apreciação na tramitação do processo e decisão final. III 1º Recurso interlocutório a apreciar: 1. Sem prejuízo da bondade da cronologia escolhida pelo recorrente arguido para apreciação dos recursos interlocutórios[1], parece-nos que esta cronologia deve ser alterada por obediência à própria tramitação do processo, correspondendo a mesma ao momento processual em que os diferentes actos ocorreram, sendo pois os que primeiro ocorreram condicionantes dos que se lhes seguiram. Pelo que, sendo assim, o primeiro recurso a apreciar será desde logo o da apreciação pelo tribunal a quo da nulidade invocada sobre o despacho que procedeu à comunicação da alteração não substancial dos factos na medida em que não reconheceu que tal despacho de alteração e respectiva comunicação sofra de qualquer vício.
2. São as seguintes as conclusões do recorrente: 1. A audiência considera-se encerrada após o cumprimento do disposto no artigo 361º do Código de Processo Penal, isto é, após as últimas declarações do Arguido. 8. A alteração não substancial dos factos traduz-se numa modificação do objecto do processo como tal definido pela Acusação do Ministério Público e a cujo conteúdo factual se encontra o Tribunal vinculado.
“O Tribunal, produzida a prova, julga indiciado que a queixosa em consequência da agressão de que foi vítima sofreu stress pós traumático. Comunica-se tal alteração dos factos ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal”.
4. No seguimento da invocação da nulidade desta alteração não substancial dos factos pelo recorrente arguido, foi proferido, por sua vez, o despacho recorrido que tem o seguinte teor: “O despacho que procedeu a alteração não substancial dos factos que constam da acusação é, julga-se, bastante claro, dele constando que da prova produzida em audiência de julgamento resulta que a ofendida, em consequência da agressão de que foi vítima, sofreu stress Pós traumático. Não se pretende que do referido despacho constasse também a fundamentação da causalidade entre a agressão e a situação de stress pós traumático em termos mais exaustivos do que aqueles que constam do despacho em causa, até mesmo porque estamos perante prova indiciária: tal causalidade, como se refere no despacho em causa, resultou indiciada depois de produzida toda a prova documental e testemunhal que consta do processo. Custas do incidente pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC- art.º 84° do CCJ”. IV Apreciando: 1. Está em análise uma situação qualificada pelo tribunal a quo de alteração não substancial dos factos, que foi comunicada ao recorrente em audiência de julgamento, antes de lida a sentença final. Ora, a alteração dos factos, quer seja substancial quer seja não substancial, traduz-se sempre numa alteração do objecto inicial do processo definido ou delimitado pelo teor da acusação (pública ou particular). Com efeito, o nosso processo penal tem natureza/estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório – nº 5, do artigo 32º, da CRP/76. O que significa que o objecto do processo a discutir e a apreciar pelo tribunal, ou dito de outro modo, os factos em apreciação e o seu enquadramento jurídico, estão delimitados pelo teor da acusação. Define o legislador, no artigo 1º, alínea f), do CPP, o conceito de “alteração substancial dos factos” como sendo aquela situação que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. A estas situações responde o legislador no artigo 359º, nº 1, do CPP, dizendo que esta alteração não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, a não ser que, como se ressalva no nº 3 do preceito, que exista acordo entre MºPº, arguido e assistente, com a continuação do julgamento pelos novos factos. Não definindo o legislador o conceito de “alteração não substancial dos factos”, o mesmo terá de resultar de uma interpretação a contrario, do conceito da alteração substancial. Com o esclarecimento ou ajuda do disposto sobre a matéria no artigo 358º, nº 1, do CPP ao dizer e exigir que só deverá ser atendida um alteração dos factos que, não se traduzindo numa imputação de crime diverso ao arguido nem agravando os limites máximos das sanções aplicáveis (de acordo com o teor da acusação), tal alteração tem, contudo, algum relevo para a decisão final a proferir. Assim, se surgir, com a discussão em audiência, matéria factual diferente ou diversa da acusada, mas que não releve em nada para a decisão final, não faz sentido falar de uma alteração não substancial dos factos. Tudo se passará como se essa matéria não tivesse surgido na discussão. Se porventura essa diferente matéria factual implicar qualificação diversa ou agravamento dos limites das sanções previsíveis e aplicáveis, será a dita situação de alteração substancial, pelo que também não poderá ser levada em conta a não ser que exista o tal acordo dos sujeitos processuais na continuação do julgamento pelos novos factos. Quando o tribunal entende[3], pois, que existe uma alteração não substancial, de relevo, e entende ainda que a deve levar em conta na decisão a proferir, surge então a necessidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 358º, nº 1, do CPP, que se traduz em comunicar esta alteração ao arguido. Esta exigência ou necessidade de comunicação surge por dois motivos: - Desde logo porque, vigorando o apontado princípio do acusatório, qualquer alteração à acusação deve ser comunicada ao arguido, no sentido de esclarecê-lo que, para além dos factos que já constam da acusação, o tribunal apreciará ainda mais os que se traduzirem em tal alteração. - Em segundo lugar porque vigora também o princípio do contraditório, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que o arguido não seja condenado por factos dos quais não se defendeu, que não seja sujeito de uma decisão/surpresa. Pelo que se exige que, para além da comunicação, seja concedido ao arguido, se o requerer, o tempo estritamente necessário[4] para a preparação da defesa.
2. Antes de nos pronunciarmos sobre o exacto teor do despacho objecto da nulidade, cumpre apreciar como questão prévia o momento processual em que foi comunicado ao arguido esta alteração não substancial dos factos, uma vez que o mesmo entre outros fundamentos, também invoca a inoportunidade processual para esta alteração e consequente comunicação.
E para dizer que, neste particular não lhe assiste razão, pois a jurisprudência dos nossos tribunais superiores é praticamente uniforme quanto ao entendimento de que a alteração/comunicação pode ocorrer até à leitura da decisão/sentença, pois só com esta se encerra a audiência. Entre muitos outros[5], v.: - Ac. do TRC de 26.10.2011, proferido no processo nº 157/07.0TAMMV.C1, onde se decidiu: A expressão "no decurso da audiência" utilizada no art.º 358°, n.° 1, do C. Proc. Penal "abrange todo o período que vai da respectiva abertura até à leitura da sentença. Só com tal leitura fica precludida a possibilidade de o tribunal proceder à alteração dos factos, nos termos dos art.ºs 358° e 359 °, do C. Proc. Penal". - Ac. TRL de 7.9.2010, proferido no processo nº 1511/04.PBSXL.L1-5, com o seguinte teor (sumário): I - A expressão do art. 358º, nº 1, do CPP - «no decurso da audiência» - abrange todo o período que vai da respectiva abertura até à leitura da sentença. Só com tal leitura é que fica precludida a possibilidade de o tribunal proceder à alteração dos factos nos termos dos arts. 358º e 359º, do CPP. IV - A lei não indica um momento específico e preciso para o cumprimento da comunicação referida nos artigos 358º e 359º, ambos do CPP. Por isso, os mecanismos previstos naqueles preceitos legais podem ser desencadeados até à publicação da sentença, pois só com esta se encerra a audiência.
3. Regressando agora ao teor do despacho de alteração não substancial dos factos, no seguimento do que se disse sobre a natureza acusatória do nosso processo penal, do direito do arguido ao exercício efectivo da sua defesa perante novos factos que o tribunal entenda apreciar na sentença, no pressuposto de que, se o tribunal entende proceder à dita alteração não substancial é porque tal alteração se reveste de interesse ou, no dizer da lei, de relevo, significa que a comunicação a que se refere o artigo 358º, deve obedecer a determinados requisitos, nomeadamente formais e substanciais, sob pena de, a não se entender assim, o princípio do contraditório não ser observado e respeitado na sua plenitude e o arguido acabar por ser surpreendido com uma decisão diferente do expectável. É deste modo que no ac. do STJ de 16.1.2003, proferido no proc. nº 02P4424[6] se afirma que “ a obrigação de advertência ou comunicação de alteração, substancial ou não, dos factos, imposta pelos artigos 358º e 359º, do CPP, implica que tal comunicação seja feita com todo o rigor, já que tal diligência se destina a permitir que o visado exerça, em plenitude, o seu direito de defesa, que não resultaria salvaguardado se o tribunal, afinal, pudesse ultrapassar, unilateralmente, os limites daquela alteração nos termos precisos em que lhe foi transmitida” – sublinhado nosso. Também Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 2009, Coimbra Editora, 17ª Edição, fls. 814, entende que os dispositivos do artigo 358º, do CPP “são um imperativo do princípio do contraditório e da salvaguarda de uma defesa eficaz por parte do arguido”.
4. É agora o tempo de analisar se no concreto, pelo tribunal a quo foi observado este rigor na comunicação, de modo a permitir ao arguido o pleno exercício do contraditório, logo, da sua defesa. Entende-se que o não foi. Por um lado, o despacho limita-se a afirmar muito sinteticamente, um facto que mais é uma conclusão, quando diz que se indicia que a ofendida “em consequência da agressão de que foi vítima sofreu stress pós traumático”. Como refere o recorrente na sua peça processual de fls. 1027v e 1028, “ a expressão stress pós traumático encerra um conceito médico, que valora o conjunto de factos em que se revela a sintomatologia associada à patologia com aquele nome no foro médico, caracterizado pela sua perdurabilidade ou mesmo permanência e que compreende, entre outras, a reexperienciação persistente do evento traumático, evitamento de estímulos associados com o trauma, embotamento ou arrefecimento emocional geral e sintomas persistentes de activação psicofisiológica, causador de prejuízo e sofrimento clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo”.
Assim é, na verdade. O designado stress pós traumático é uma consequência, um efeito, um resultado. Se se compulsar o teor da perícia psiquiátrica médico-legal de fls. 147 a 158, referente à ofendida I...Rodrigues, verifica-se que a fls. 157 consta a descrição da avaliação clínica, aí se referenciando sintomatologia ansiosa e depressiva, entendível num contexto reactivo (adaptativo) pós traumático, que se objectiva, por entre outros sintomas, em humor triste e depressivo (com sentimentos de culpa e auto-estima), ansiedade e angústia, revivescências da experiência traumática sob a forma de memórias intrusas, comportamentos de evitamento, tendência ao isolamento, sensação subjectiva de prejuízos amnésicos e alteração do padrão normal do sono. Serão estes e eventualmente outros, os sintomas, os factos objectiváveis, que poderão determinar ou qualificar determinada situação de stress pós traumático. E deveriam ser estes ou aqueles que o tribunal a quo entendeu indiciarem-se provados nos autos, que deveriam ter sido transmitidos ao arguido para, com base neles, se pronunciar e exercer a sua defesa. Sendo determinados ou concretos factos que definem o quadro clínico da ofendida com base nos quais se pode concluir pela afirmação do dito stress pós traumático, com certeza que serão esses factos que importará ao arguido impugnar. A verificação ou ocorrência de determinados factos/sintomas, poderá qualificar uma situação de stress pós traumático. Mas se se poderá falar de uma taxatividade de sintomas para esta qualificação, com certeza que esses mesmos sintomas poderão variar de indivíduo para indivíduo, de doente para doente, podendo existir um núcleo comum mas podendo divergir em muitos outros, sem deixarem de, no seu todo ou globalmente, enquadrar-se na sintomatologia do dito stress pós traumático. Pelo que, no caso, importará averiguar e contraditar os exactos sintomas da ofendida/assistente, que levem a qualificar a sua situação de stress pós traumático. Partir dos factos para a conclusão final e não partir desta para a procura e descoberta dos factos.
5. No desenvolvimento deste raciocínio, afigura-se um tanto estranha a fundamentação da decisão recorrida quando afirma que do despacho não consta, nem se pretendeu que constasse, os factos em que se concretiza a existência de stress pós traumático, omissão esta que, julga-se, não inquina o despacho de qualquer espécie de invalidade.
Não se alcança o exacto sentido ou intenção decisória, sendo no entanto certo que a mesma não tem nem apoio legal nem apoio nos elementares princípios do processo penal vigente. É razão para perguntar: se não devem constar os factos em que se concretiza o stress pós traumático, qual então o sentido da comunicação? Contrariamente ao afirmado no despacho, tal omissão de factos com certeza que inquina de invalidade a decisão. O arguido, ora recorrente, apenas se pode defender de factos de que tenha efectivo conhecimento, os da acusação e os que lhe forem comunicados, ou seja, os novos factos surgidos da discussão da causa. A comunicação dos novos factos não pode ser um faz de conta. Esta comunicação tem de ser rigorosa e transparente. Não se podendo confundir uma defesa que obedeça às garantias que assistem a qualquer arguido com o seu eventual envolvimento e responsabilidade na prática dos factos.
6. Mas o despacho afirma ainda o seguinte: Não se pretende que do referido despacho constasse também a fundamentação da causalidade entre a agressão e a situação de stress pós traumático em termos mais exaustivos do que aqueles que constam do despacho em causa, até mesmo porque estamos perante prova indiciária: tal causalidade, como se refere no despacho em causa, resultou indiciada depois de produzida toda a prova documental e testemunhal que consta do processo.
Digamos que o teor do despacho insiste na violação do mais elementar princípio que deve assistir ao arguido neste momento e fase processual, com vista à sua defesa: o exercício do contraditório. Ora, para que este princípio possa ser exercido, é vital que o arguido saiba os exactos factos que, naquele momento, lhe são imputados. O juiz não representa a acusação. Também não é mero árbitro. Está vinculado ao princípio da verdade material e deve desenvolver todas as diligências possíveis, em busca da mesma. Mas não pode significar, muito menos confundir-se, com a acusação. Está, sim, fiel, ao garante das liberdades e à igualdade de armas ou tratamento no contraponto entre a acusação e a defesa. Sendo a iniciativa desta alteração não substancial dos factos do juiz de julgamento, na comunicação que fizer ao arguido dos novos factos, ainda que estes não alterem a qualificação jurídica, tem de abrir todo o jogo, ser claro, dar a conhecer ao arguido todos esses factos constitutivos da não alteração substancial, que sempre tem algo de substancial ou relevante, pois caso contrário não seriam atendidos na sentença pelo que não se justificaria tal comunicação. Quando é ainda verdade que os factos objecto desta alteração, acabaram por relevar na determinação da medida concreta da pena, podendo ler-se na sentença proferida, na parte respeitante à determinação da pena, a fls. 1474, que o tribunal valorou e ponderou, em desfavor do arguido, “ a dimensão das lesões provocadas à ofendida, que demandaram 5 dias de doença e uma situação de stress pós traumático, que a arguida anda a tratar, o que a obriga a acompanhamento psiquiátrico”. 7. Também no que respeita à indicação dos meios de prova de onde resultam tais indícios, manifestamente a decisão não deu cumprimento ao exigido nem ao cumprimento fiel do que deve se feito: a concretização dos meios de prova de onde resulta esta indiciação dos novos factos com relevo para a decisão. Afirmar que tais indícios resultam de toda a prova documental e testemunhal que consta do processo, não é aceitável segundo o rigor da fundamentação que deve estar subjacente a qualquer despacho judicial. Entendemos mesmo que esta questão deve ser linear e considerada evidente, pois a força de uma decisão judicial deve assentar na força da razão e não na razão da força. Com esta afirmação queremos dizer que a decisão do juiz, ao ser proferida, ao chegar aos seus receptores, deve ser percebida quanto ao iter e à lógica do julgador para chegar a essa mesma decisão. O visado, neste caso, o arguido, até poderá discordar do decidido, mas tem o direito de saber que o julgador chegou a tal decisão, segundo umas determinadas provas, valorações e conclusões que deve explicitar no processo[7]. Neste concreto caso da comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda não se está perante uma valoração final da prova com vista a dar os factos que estão “na mente do julgador” como assentes ou não. Este apenas percepciona que, segundo determinados elementos de prova já produzidos, podem e devem ser dados como provados, para além dos factos que já integram a acusação, mais alguns factos com relevo para a sentença. São exactamente esses os factos que devem integrar a tal comunicação. Com certeza que são ainda e apenas factos indiciários, porque sujeitos ainda ao contraditório. A valoração do julgador não é ainda definitiva. Pode acontecer que com a produção de novos elementos de prova, tais indícios percam consistência ou apontem noutro sentido. A comunicação e o exercício do direito de defesa do arguido podem levar a esse efeito. Que pode ser conseguido ou simplesmente manter e reforçar os indícios já existentes. Ora, nos mesmos termos que, na sentença, o julgador deve indicar os meios de prova com o respectivo exame crítico em que se apoiou para dar os factos como provados ou não provados, assim esclarecendo e convencendo da bondade do decidido, para os sujeitos processuais ficarem a saber o raciocínio seguido pelo julgador na valoração da prova produzida – constituindo nulidade esta não explicitação ou fundamentação -, também a quando do cumprimento desta comunicação, tem o julgador o dever de indicar ao arguido, que os factos (novos) se mostram indiciados com base em determinados e concretos meios de prova. Só esta concretização permitirá ao arguido identificar o objecto da sua defesa, contraditando os meios de prova já produzidos e oferecendo quiçá outros que, em seu entender, possam abalar os indícios até então existentes. Mas, mais uma vez, temos que distinguir entre o exercício pleno e efectivo do arguido deste seu direito, do resultado final de toda a sua defesa, que tanto pode abalar os indícios como não os afectar, de todo. Sempre se devendo raciocinar e julgar no sentido de que, apesar de já produzida prova sobre a matéria, o raciocínio feito sobre os novos factos, é sempre um raciocínio provisório, só adquirindo a forma de definitivo, com a prolação da sentença. É neste espaço que medeia entre a comunicação e a sentença, que é dada a oportunidade ao arguido do exercício legítimo da sua defesa, de poder contrariar os indícios, a propensão do julgador para confirmar esses indícios, quer criando dúvida sobre a sua prática quer contrariando mesmo a sua efectiva ocorrência[8].
8. De todos estes considerandos resulta clara a necessidade de o julgador a quo dar cumprimento ao artigo 358º, nº 1, do CPP, não só com rigor mas também segundo uma leal transparência para com a defesa. A qualidade e a posição de arguido, independentemente da responsabilidade e consequências que lhe possam advir da prática dos factos é, por natureza do funcionamento das regras processuais, uma parte mais débil[9], sujeita ao cumprimento de prazos no exercício dos seus direitos, podendo a todo o momento ser surpreendido com novos factos e mesmo prova de que terá que se defender.
Tudo o que se tem dito sobre a forma da comunicação da alteração não substancial dos factos e um efectivo direito de defesa do arguido, ganha relevância na medida em que teve efeitos directos em todos os desenvolvimentos processuais posteriores a esta comunicação que acabaram por traduzir-se em requerimentos atrás de requerimentos e recursos atrás de recursos (interlocutórios, culminando com o recurso da sentença), todos eles apoiados ou motivados pela não concretização dos factos e elementos de prova indiciários na comunicação com o consequente exercício do direito à defesa e contraditório do arguido.
Não se pretendendo fazer uma análise cuidada e exaustiva de todos esses procedimentos, nomeadamente os que foram objecto de recurso – na medida em que, ao considerar-se o presente recurso procedente, julgar-se-ão, como efeito necessário, prejudicados todos os demais, pelo que não faria sentido apreciá-los de mérito – sempre se anotará o seguinte, sem o intuito de, por esta via, decidir tais recursos: - O arguido requereu um prazo inicial de 5 dias para deduzir e preparar a sua defesa, que acabou por não lhe ser concedido, na medida em que o adiamento da leitura da sentença foi designada para data que não observava esse período de tempo. O tribunal foi restritivo na interpretação da posição do arguido (anuência tácita à redução do prazo para exercer a defesa), quando deve ser garantido ao mesmo um período de tempo razoável, não só na perspectiva do julgador mas essencialmente na perspectiva do arguido, com vista à preparação da sua defesa. Certamente que um prazo de 3 dias se afigura insuficiente, quando é ainda certo que o prazo processual normal para a prática de um acto é de 10 dias, nada impedindo que o mesmo possa ser observado até este limite, se necessário e justificado. Se porventura o tribunal pretendeu dar celeridade processual aos autos com a fixação de um prazo mais curto, a verdade é que, na prática, todos os incidentes que se arguiram retardaram o processo muito mais do processualmente desejável[10]. - A não concretização ou delimitação exacta dos factos comunicados foi susceptível ainda de alguns incidentes – v. acta de fls. 947 e ss., de 3 de Maio de 2010 -, que originou o recurso interlocutório de fls. 1158 e seguintes – bem como do incidente de falsidade da respectiva acta e recurso do despacho que o apreciou -, interposto da decisão que limitando o objecto da produção de prova requerida com a defesa apresentada pelo recorrente impediu o mesmo de inquirir as testemunhas por si arroladas. Se a comunicação for concreta e explícita quanto aos factos e aos meios de prova indiciários em que se apoiam, fica desde logo delimitado com rigor o objecto da defesa do arguido, logo não susceptível de interpretações dúbias quanto ao teor da produção da sua nova prova.
9. Em forma de síntese, pode dizer-se que a comunicação feita pelo tribunal a quo ao arguido, da alteração não substancial dos factos, não observou o legalmente exigido quanto à sua fundamentação, que no caso se traduz na explicitação ou concretização dos factos e meios de prova[11] indiciários, nos termos supra referidos, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os direitos consignados no artigo 61º, nº 1, alínea c) e 358º, nº 1, ambos do CPP e 32º, nºs 1 e 5, da CRP/76, violador, pois, dos direitos de defesa e do princípio do contraditório. Nesta medida, pode afirmar-se e concluir-se que a condenação do recorrente – ínsita na sentença -, pelos factos que não integravam a acusação, constitui a nulidade do artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP, pois esta condenação ocorreu fora do caso e condições do artigo 358º, do mesmo diploma.
V Decisão Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação, em: a)- Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido do despacho de comunicação da alteração não substancial dos factos o qual deve ser substituído por outro que efectue a comunicação nos termos supra exarados. b)- Anular todos os actos subsequentes à comunicação da alteração não substancial dos factos do dia 1 de Março de 2010. - Devendo proceder-se a toda a tramitação subsequente à nova comunicação ordenada na alínea a), mas mantendo-se incólumes os actos praticados até tal momento, incluindo a prova até então produzida. c)- julgar prejudicado o conhecimento dos demais recursos interlocutórios bem como o recurso da sentença final. Calvário Antunes
[7] A propósito do dever de fundamentação diz Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 2000, vol. III, fls. 292 e 293: “ A fundamentação é porventura a parte mais complexa da sentença. Também por isso os vícios da fundamentação são causa de nulidade da sentença “. E a fls. 293: “ …um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”. [8] A este propósito decidiu-se no ac. de 20.1.2010, do TRP, proferido no proc. nº 93/07.0GAMTR.P1, o seguinte: I - O artigo 358º/1 CPP, ao prever que o tribunal comunique ao arguido a alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, está a admitir que o tribunal possa fazer um juízo quanto aos factos antes de proferida a decisão final. |