Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4886/19.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
ANULAÇÃO
RESTITUIÇÃO DA COISA
POSSUIDOR
DEGRADAÇÃO DO IMÓVEL
DANOS
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 483.º, 492.º, 487.º, 493.º, 563.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Após a anulação de um contrato de compra e venda de um imóvel, a coisa deve ser devolvida ao seu proprietário original, como parte do processo de restituição, e o possuidor tem o dever de conservar a coisa para devolvê-la nas condições primitivas, evitando a ocorrência de danos ou a sua degradação, inexistindo, todavia, qualquer responsabilidade objectiva do possuidor no que tange ao estado de conservação do imóvel.

2. Se enquanto perdurou a ocupação e utilização do imóvel, pelo possuidor, este realizou várias intervenções e promoveu as necessárias obras de manutenção da coisa, não se verificando qualquer incúria na sua utilização ou a ocorrência de qualquer acção de danificação ou deterioração deliberadas, tendo o imóvel ficado devoluto em 2008, inexiste qualquer responsabilidade civil a imputar ao possuidor pela degradação que o imóvel sofreu nos anos subsequentes àquele abandono, sendo certo que não estava vedada aos proprietários a possibilidade de exercerem os seus direitos e deveres de vigilância sobre o imóvel devoluto.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

AA e BB instauraram acção declarativa, sob a forma do processo comum, contra A..., Lda., pedindo a final que a ré seja condenada:

1. Reconhecer que recebeu o prédio identificado no art. 1º da p.i, em bom estado de conservação, asseado, com paredes limpas e rebocadas, bem pintado e alcatifado, com estabelecimentos comerciais em funcionamento e que actualmente se encontra em estado de ruína adiantado, carecendo de obras de recuperação para o devolver ao estado em que se encontrava à data da celebração da escritura pública referidas no art. 1º da p.i, descritas no art.º 57º e 58º da p.i.

2. Que o prédio carece de obras de recuperação do montante de 89.900,00€ para repor no estado em que se encontrava à data da escritura anulada, desde 24 de Fevereiro de 1997, obras estas descritas nos artºs 57º e 58º da p.i.

3. Não sendo a restituição em espécie possível, ser a quantia que os Autores têm que devolver à Ré em consequência do identificado negócio relativa ao preço, benfeitorias e respectivos juros constantes da sentença identificada no art.º 31º desta p.i, ser deduzida daquele valor das obras de 89.900,00€.

4. A reconhecer, que na liquidação de restituição a efectuar em consequência da anulação do negócio referido, deve ser deduzido ou abatido, o valor do proveito que os Autores foram privados e não poderam retirar do prédio em consequência do uso e fruição que deles fez a Ré nos últimos 20 anos, valor de proveito que se computa em quantia correspondente ao valor dos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i. e que se vierem a liquidar em execução de sentença.

5. Para o caso improvável de se entender que os pedidos anteriores não podem proceder, deverá Vª. Exª condenar a Ré na liquidação da restituição, abatendo à quantia do preço pelos Autores a devolver, a quantia de 89.900,00€ relativa às obras referidas e a quantia (valor do proveito que os Autores não poderam retirar do prédio do seu uso e fruição em 22 anos) correspondente aos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i., estes que se vierem a liquidar em execução de sentença.


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Os autores invocaram, para tanto e em síntese, que a ré está na posse de um prédio objecto de um contrato anulado desde 24 de Fevereiro de 1997, tendo-o usado e fruído de modo inadequado, causando-lhe danos, alterando divisões, estragando e sujando pinturas, inutilizando e destruindo alcatifas, tendo arrancado até o papel de parede, e que o estado de degradação se agravou ao longo dos anos, não valendo o prédio mais que € 75 000,00 (setenta e cinco mil euros).

Referem, também, que o prédio carece de obras de reparação e conservação para o repor no estado em que a ré o recebeu em 1997, cujo valor estimam em € 89 900,00 (oitenta e nove mil e novecentos euros) sem IVA.

Invocam os autores, outrossim, que se tivessem de receber o prédio mencionado no estado em que este se encontra, tendo eles que devolver o preço de € 130 685,05, juros no valor de € 44 321,88 e demais juros vincendos, e ainda, € 19 952,00 a título de benfeitorias, estar-se-ia perante um enriquecimento sem causa.

Por conseguinte, não sendo possível a restituição do prédio no estado e que se encontrava, sustentam que: (i) a ré terá que restituir o valor correspondente, ou seja, a quantia de € 89 900,00 (oitenta e nove mil e novecentos euros), a deduzir no preço que os autores têm que devolver à ré; (ii) deve ainda ser deduzido ou abatido o valor do proveito de que os autores foram privados nos últimos 20 anos em que a ré fruiu do prédio, valor que computam em quantia correspondente ao valor dos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço da venda e das benfeitorias.


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            A ré contestou, invocando, por um lado, a excepção de caso julgado com o Proc. n.º nº 684/11...., e, por outro, impugnando a factualidade alegada na petição inicial.

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Foi exarado despacho saneador-sentença parcial (13-05-2020 e 24-11-2020) no qual se decidiu:

“Assim, e por força da autoridade de caso julgado, soçobram os pedidos seguintes – que pretendiam repercutir-se no normal andamento da execução mencionada:

Nestes termos, e nos mais de direito, absolvo a ré da instância relativamente aos seguintes pedidos:

“3 – Não sendo a restituição em espécie possível, ser a quantia que os Autores têm que devolver à Ré em consequência do identificado negócio relativa ao preço, benfeitorias e respectivos juros constantes da sentença identificada no art.º 31º desta p.i, ser deduzida daquele valor das obras de 89.900,00€.

4 – A reconhecer, que na liquidação de restituição a efectuar em consequência da anulação do negócio referido, deve ser deduzido ou abatido, o valor do proveito que os Autores foram privados e não puderam retirar do prédio em consequência do uso e fruição que deles fez a Ré nos últimos 20 anos, valor de proveito que se computa em quantia correspondente ao valor dos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i. e que se vierem a liquidar em execução de sentença.

5 - Para o caso improvável de se entender que os pedidos anteriores não podem proceder, …condenar a Ré na liquidação da restituição, abatendo à quantia do preço pelos Autores a devolver, a quantia de 89.900,00€ relativa às obras referidas e a quantia (valor do proveito que os autores não puderam retirar do prédio do seu uso e fruição em 22 anos)correspondente aos juros vencidos e vincendos do capitalcorrespondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i., estes que se vierem a liquidar em execução de sentença.” (sic);

sendo que e relativamente aos pedidos 1 e 2 sobrantes decidiu-se que “... só após a entrega [do imóvel] e caso entendam [os autores] que lhes assiste fundamento fáctico e jurídico para responsabilizar a Exequente por qualquer dano, têm fundamento para a pretensão indemnizatória dos danos dos imóvel. Neste particular, e sendo desde logo desconhecido o resultado da execução da transação efetuada na mencionada ação pauliana, os autores virão informar se ocorreu já a entrega do imóvel.” (sic).


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Inconformados, os autores recorreram, em separado, desta decisão e, por Acórdão deste Tribunal da Relação, de 24-05-2021 (Apenso A), expendeu-se, entre o mais: “A questão da consideração da desvalorização do imóvel e da privação do respetivo uso para efeitos de definição do valor a restituir pelos executados à exequente, constituiu um dos fundamentos de oposição à execução, e foi neles julgada improcedente, constituindo tal decisão caso julgado (na vertente negativa, de exceção) impeditivo da formulação de um novo pedido autónomo a tal respeito. / Tal questão ficou definitivamente decidida. /Isto, independentemente de os autores terem, ou não, direito a obter da Ré alguma indemnização compensatória pelo estado atual do imóvel a restituir ou pela privação do uso durante 22 anos – questões estas que não fizeram parte do objeto da ação de anulação cuja sentença se executou na execução 884/11”, tendo-se decidido a final: “Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, confirmar a decisão recorrida”.

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Produzida prova pericial e realizada audiência final foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos (1 e 2).

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            Inconformados com esta sentença, os autores recorrem e, nas suas alegações de recurso, formulam as seguintes conclusões:

1 – Consta-se a existência de erro, tanto na matéria de facto, como na aplicação do Direito, pelo que a Recorrente recorre de facto e de direito, com vista a obter a revogação da decisão fundada em tais erros.

2 - Deve ser dado como provado a matéria dada “não provada em 5” e com a seguinte redação:

A Ré fez do imóvel “…uma utilização imprudente e inadequada…”, onerando-o pelo menos desde que o recebeu em 24 de Fevereiro de 2011 até Novembro de 2018 com hipotecas e penhoras, não procedendo a obras de conservação desde que o recebeu dos Autores de que resultaram “…avultados danos nas paredes, com uma alteração de uma divisão no R/C (fecho da mesma e aplicação de PVC como revestimento), tendo sim que se efetuar uma intervenção ao nível do telhado, por forma a que as infiltrações deixem de ocorrer…” (da peritagem dos autos), e com isso “…tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizou e destruíu alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.”

3 – No que concerne à prova documental junta aos autos e não impugnada e até acolhida na sentença, veja-se o conteúdo dos seguintes documentos

a) vale todo o acervo documental- constituído mormente: o documento extraído de anterior processo nº 745/11....- perícia que é doc. 10…. que “as paredes no seu geral, estão degradadas…”, “…O estado em que o imóvel se encontra actualmente deve-se a utilização do mesmo e a falta de manutenção”…. “- o doc. 11 de declaração de ruina-….um conjunto de 13 fotografias…obtidas aquando da visita ao prédio com o empreiteiro….aquando pela primeira vez os autores visitaram o espaço,…

b) - acresce ainda o relatório pericial emanado nos presentes autos:… imóvel encontra-se devoluto, num estado avançado de degradação e/ou ruína, mostrando em certas divisões sinais de possível mau uso…e denotando completa ausência de manutenção;… enquanto no 1.º andar estão em mau estado geral de conservação,… algumas telhas encontram-se desencaixadas, fendilhadas ou mesmo partidas (fruto da idade das mesmas);…. as alcatifas e papel decorativo do 1.º andar estão também deteriorados, arrancados e/ou estragados,… Os danos verificados são compatíveis com o facto de o edifício estar desocupado há vários anos…. o estado actual do referido imóvel é devido à falta de utilização e respetiva manutenção nos últimos 20 anos”.

4 – As respostas dos Senhores peritos constantes do relatório pericial dos presentes autos de fls… aos quesitos dos Autores e Ré:

“R: O valor atual do imóvel no estado em que se encontra será da ordem dos 75.000,00 euros. As obras e reparações necessárias para repor o imóvel com condições de habitabilidade são, no essencial, as descritas na proposta da B..., em março de 2019, agravadas por dois anos em que nada foi feito e houve continuidade de infiltração de águas pelas coberturas. Os custos de reparação/reabilitação serão analisados no final deste relatório.

R: O imóvel encontra-se devoluto, num estado avançado de degradação e/ou ruína, mostrando em certas divisões sinais de possível mau uso (portas de alumínio partidas, cozinha/móveis inexistentes e papel de parede arrancado) e denotando completa ausência de manutenção após abandono.

R: Sim, as paredes do prédio mencionado encontram-se danificadas, apresentando diferentes níveis de degradação consoante a divisão, isto é, no R/C as paredes encontram-se em mediano estado de conservação, enquanto no 1.º andar estão em mau estado geral de conservação, necessitando de substituição de massas de acabamento e pintura integral (interior e exterior de ambas as fachadas). Relativamente à cobertura do edifício principal, algumas telhas encontram se desencaixadas, fendilhadas ou mesmo partidas (fruto da idade das mesmas). Os anexos na parte posterior do logradouro, não sabendo se fazem parte do objeto desta peritagem, encontram-se em total estado de ruína, com desabamento de parte das coberturas.

R: Sim, as suas madeiras (janelas, portas e estruturas) e guarnições encontram-se deterioradas e a carecer de uma intervenção e beneficiação geral profunda, devendo estas levar tratamento antifúngico, processo de lixamento e posterior envernizamento e algumas peças substituídas.

R: Sim, as alcatifas e papel decorativo do 1.º andar estão também deteriorados, arrancados e/ou estragados, pois o facto de o telhado apresentar zonas destelhadas e telhas fendilhadas/partidas, permitiu infiltrações graves que provocaram a danificação das paredes, nomeadamente danificação do reboco do tecto (tanto do 1.º andar como por arrasto o tecto do R/C), danificação das pinturas e danificação (arrancamento) do papel decorativo (1.º andar).

R: Sim, as alcatifas e papel decorativo do 1.º andar estão também deteriorados, arrancados e/ou estragados, pois o facto de o telhado apresentar zonas destelhadas e telhas fendilhadas/partidas, permitiu infiltrações graves que provocaram a danificação das paredes, nomeadamente danificação do reboco do tecto (tanto do 1.º andar como por arrasto o tecto do R/C), danificação das pinturas e danificação (arrancamento) do papel decorativo (1.º andar).

R: Sim, no nosso entender o estado actual do referido imóvel é devido à falta de utilização e respetiva manutenção nos últimos 20 anos.

R: O referido prédio encontra-se com avultados danos nas paredes, com uma alteração de uma divisão no R/C (fecho da mesma e aplicação de PVC como revestimento), tendo sim que se efetuar uma intervenção ao nível do telhado, por forma a que as infiltrações deixem de ocorrer e solucionar as patologias decorrentes dos anos sem manutenção/utilização. Posteriormente terão que se lavar todas as paredes interiores e proceder à respetiva aplicação de reboco (se necessário) e ainda a aplicação de massas de acabamento e subsequente pintura. Quanto às portas interiores danificadas (as de madeira, pois existem também portas de alumínio anodizado), estas deverão ser substituídas (se necessário) e dever-se-á intervir nas madeiras (janelas/portas e madeiras estruturais) nomeadamente ao nível de tratamento antifúngico, lixamento e envernizamento. Também deverão ser substituídas as madeiras de pavimento do 1.º andar, ser feito o reboco no tecto, aplicar-se de novo papel de parede (integral respeitante ao 1.º andar) e substituírem-se as alcatifas (integral respeitante ao 1.º andar) pois estas encontram-se inutilizadas e parcialmente destruídas. Os pavimentos revestidos a tacos de madeira são irrecuperáveis. Os danos verificados são compatíveis com o facto de o edifício estar desocupado há vários anos.

6 – E carece de profundas obras de reparação e conservação para o repor no estado anterior, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum?

R: Sim, conforme respondido no quesito anterior.

R: Sim, o mapa de quantidades do orçamento da B... datado de 5 de março de 2019, de uma forma geral, menciona as obras de conservação e reparação.”

5 – Resulta da fundamentação da sentença que o Tribunal a quo omitiu a seguinte passagem das respostas do relatório pericial dos presentes autos de fls… supra indicado de onde consta:

“…avultados danos nas paredes, com uma alteração de uma divisão no R/C (fecho da mesma e aplicação de PVC como revestimento)”

6 – Os depoimentos prestados em julgamento em nada abalam a prova pericial e documental.

7 - Os factos que vem dados por não provados nenhum interesse têm para a boa decisão de mérito devendo ser desconsiderados atenta factualidade que vem e é dada como provada no seu conjunto, devendo tomar-se por não escrita, pois não pode significar, nem resultar dela o seu contrário tanto mais que ela consta da matéria provada.

8 - Na presente acção não está em causa conhecer de qualquer pedido de indemnização, de restituição em espécie ou de liquidação em restituição ou de abater qualquer quantia relativa a obras a efectuar no prédio objecto do negócio anulado para o repor ao estado em que a Ré Recorrida o recebeu em 24 de Fevereiro de 1997.

9 - Tal matéria foi conhecida e decidida no despacho saneador e no Acórdão da 1ª Secção deste Venerando Tribunal de 25 de Novembro de 2021, relativo aos pedidos 3., 4. e 5. da presente acção e sido entendido que assiste aos Autores Recorridos a “…possibilidade de obtenção da repetição do indevidamento cobrado na acção executiva com base em fundamento não invocado em oposição à execução.”

10 – E foi igualmente decidido na presente acção que os pedidos 3., 4. e 5. A “apreciação destes pedidos depende de facto desconhecido, isto é, o estado do imóvel n.º ...21 – ... na data em que lhes for entregue pela Exequente, pois como igualmente mencionado, só após a entrega- e caso entendam que lhes assiste fundamento fáctico e jurídico para responsabilizar a Exequente por qualquer dano, têm fundamento para a pretensão indemnizatória dos danos dos imóvel.”

11 – Com a presente acção pretende-se que seja declarado o estado actual do imóvel ou seja, à data da sua entrada em juízo e o conhecimento relativo à privação do seu uso por parte dos Autores durante 22 anos e para que em acção autónoma lhe ser reconhecido o direito a obter da Ré indemnização compensatória.

12 – Da matéria provada resulta inequivocamente que a Ré recorrida teve sempre a posse do prédio objeto do anulado negócio, a sua posse material e jurídica desde 24 de Fevereiro de 1997 e que “W) A ré recebeu o prédio com os ditos estabelecimentos em laboração e asseados, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum, com o forno da lenha da padaria em perfeito estado de laboração; “(factos provados nº W) e N).

13 – Como consta do facto provado R) “A ré, até ao momento (da contestação) nunca entregou aos autores o referido imóvel, (facto provado em R).

14 – A Ré beneficiando da posse jurídica do prédio teve-o sempre registado na respectiva Conservatória em seu nome e pelo menos até Novembro de 2018, onerando-o com penhoras para garantia de dívidas que tinha para com terceiros, e os Autores lho entregaram completamente livre de quaisquer ónus ou encargos, de quaisquer penhoras ou hipotecas.

15 – A Ré em 26 de Março de 2012 notificou os Autores de que só lhes entregaria as chaves do imóvel em causa mediante a entrega por estes do cheque visado de 288.096,96€, quantia esta que como também decorre e vem provado em E) e F) da matéria assente não tinha direito na restituição, que tinha de ser simultânea – artº 290º do CC – disposição que a Ré violou.

16 – Tendo já antes, em 12 de Julho de 2011 dado à execução a sentença anulatória referida em B) dos factos assentes e a quantia exequenda de 288.096,96€.

17 – Os Autores alegaram no artº 76º da p.i. que: “E ao invés, o prédio a restituir por falta de conservação e utilização imprudente está degradado, danificado, em estado de adiantada ruina e muito desvalorizado, mesmo no seu valor patrimonial e de mercado, prédio que a Ré nunca lhes entregou, registado em seu nome e onerado e em claro abuso de direito, que aqui se invoca”, abuso do direito invocado que a douta sentença recorrida ignorou não emitindo pronúncia.

18 – O abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude, cuja consequência tem de ser a mesma de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito (Jorge M. Coutinho de Abreu, Do abuso de direito, 1983, pág 76-77).

19 – A Ré teve consigo a posse material e jurídica do imóvel do negócio anulado e referido nas alíneas A) e B) em matéria assente em abuso do direito, tendo exigido na restituição mais do que aquilo a que tinha direito.

20 – A factualidade no seu conjunto que vem apurada e dada por provada nas alíneas U), V), N), K), E), G), H), J), L) além de outras, dos factos assentes por si só abrange a factualidade dada por não provada, que com esta conflitua.

21 – Face a toda esta factualidade e matéria provada terão de proceder os pedidos e a respectiva ação na sua totalidade, julgando-se totalmente procedente, incorrendo a douta sentença recorrida em erro de julgamento, violando o artº 607º, nº 3 do CPC.

22 – A lei determina no artº 89º, nº 1 do Dec. Lei 555/99 - RJEU que os proprietários de imóveis deverão realizar obras de conservação a cada 8 anos, obras de conservação que se destinam a manter o prédio nas condições existentes à data da referida entrega e negócio anulado, obras de conservação que a Ré desprezou e não realizou no tempo, como decorre da matéria provada e perícias realizadas.

23 – A Ré na sua posse material e jurídica do prédio dele fruindo, utilizando-o exclusivamente, onerando com hipotecas e penhoras até por recurso e aplicação do disposto no artº 1472º do CC – encontra-se vinculada à realização de obras de conservação de forma a manter o prédio como do pedido consta “…em bom estado de conservação, asseado, com paredes limpas e rebocadas, bem pintado e alcatifado…” e não em “…em estado de ruína adiantado…” conforme consta em L) dos factos provados, procedendo às obras para o ”…repor no estado em que se encontrava à data da escritura anulada …” e do “…montante de 89.900,00€…”

24 – Constitui obrigação e dever de agir em obras de conservação do prédio no caso o detentor da posse material e jurídica, a Ré, também por força do artº 807º do Código Civil.

25 – A “…utilização imprudente e inadequada…” alegada e peticionada na p.i. como se demonstrou não tem de ser para o êxito da acção e procedência dos pedidos uma “acção delituosa” ou de a Ré não efectuar no prédio “benfeitorias necessárias a evitar a perda, destruição ou deteoriação da coisa” como se escreve na fundamentação da douta sentença (pág. 29).

26 – Tal matéria de que o Tribunal assim conheceu e fundamentou na sua decisão constitui excesso de pronúncia e não importa para o mérito da acção face ao dever de conservação e manutenção do prédio que impende sobre a Ré, detentora da posse material e jurídica do prédio.

27 – É obrigação da Recorrida atenta a qualidade de possuidora material e jurídica do imóvel, dele retirando todo o proveito, de proceder à sua conservação para o poder entregar aos Recorrentes e no estado em que o recebera, em 24 Fevereiro de 1997, independentemente da sua acção ser ou não delituosa.

28 – No ordenamento jurídico português conforme invocado no Acórdão do STJ, Proc. n.° 456/14.4TVLSB.L1.S1., de 6 de Dezembro de 2018, entendeu-se que “...para que se justifique a atribuição de uma indemnização ao lesado, e apesar de não comprovado o nexo causal entre o facto e o dano final, necessário e que da ocorrência de um determinado evento se divisa que em resultado dele, é real, séria e considerável a probabilidade de obtenção de uma vantagem ou de uma prevenção de um prejuízo...”, o que tem por como consequência a sua relevância jurídica e, por conseguinte, a ressarcibilidade da sua perda, independentemente do seu nível de seriedade.

29 – Não tem interesse para a apreciação dos pedidos e da presente acção a consideração da actuação da Ré ser ou não ser delituosa, danosa ou com culpa grave, devendo ter-se por presente ainda o que foi entendido e decidido no despacho saneador proferido em 02 de Novembro de 2020 dos presentes autos de que “a apreciação destes pedidos depende de facto desconhecido, isto é, o estado do imóvel n.º ...21 – ... na data em que lhes for entregue pela Exequente, pois como igualmente mencionado, só após a entrega- e caso entendam que lhes assiste fundamento fáctico e jurídico para responsabilizar a Exequente por qualquer dano, têm fundamento para a pretensão indemnizatória dos danos dos imóvel.”, e bem assim a “…possibilidade de obtenção da repetição do indevidamente cobrado na acção executiva com base em fundamento não invocado em oposição à execução.”, conforme o Acórdão e Sumário do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proferido nesta acção.

30 – O Tribunal incorre em erro de julgamento violando, entre outros os artºs 607º, 421º, nº 1, 615º, nº 1 alíneas c) e d) do CPC, 290º, 807º, 1472º, 334º e 389º do CC e 89º, nº 1 do RJEU.

Termos em que e nos melhores de direito deve ser julgado procedente o presente recurso e a douta sentença ser revogada, assim se fazendo Justiça.”


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo as seguintes as questões a dirimir:

1. Impugnação da matéria de facto: (conclusões 1 a 20).

1.1. Se deve ser dada como provada a matéria dada “não provada em 5” e com a seguinte redação: A Ré fez do imóvel “…uma utilização imprudente e inadequada…”, onerando-o pelo menos desde que o recebeu em 24 de Fevereiro de 2011 até Novembro de 2018 com hipotecas e penhoras, não procedendo a obras de conservação desde que o recebeu dos Autores de que resultaram “…avultados danos nas paredes, com uma alteração de uma divisão no R/C (fecho da mesma e aplicação de PVC como revestimento), tendo sim que se efetuar uma intervenção ao nível do telhado, por forma a que as infiltrações deixem de ocorrer…” (da peritagem dos autos), e com isso “…tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizou e destruiu alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.” (conclusões 1 a 6).

1.2. Se a factualidade não provada deve ser desconsiderada por, por um lado, não ter interesse para a boa decisão de mérito e, por outro lado, conflituar com a factualidade que é dada como provada no seu conjunto – em especial com as alíneas U), V), N), K), E), G), H), J), L) – devendo tomar-se por não escrita (conclusões 7 a 20).

2. Omissão de pronúncia e excesso de pronúncia (conclusões 17 a 19 e 25 e 26).

3. Errada aplicação do direito: (conclusões 21 a 30).

- Do dever de conservação e manutenção do prédio que impendia sobre a ré, detentora da posse material e jurídica do prédio, independentemente da sua acção ser ou não delituosa.


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A. Fundamentação de facto.

Na sentença consignou-se:

“São factos assentes, assim já enunciados em sede de despacho de enunciação de objecto do litígio:

A. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 24 de Fevereiro de 1997, a ré adquiriu aos autores, o prédio urbano sito na Rua ..., no lugar e freguesia ..., do concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o nº ...69 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...35.

B. A ré intentou no Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho acção de anulação do referido negócio, titulado pela dita escritura pública, que veio a ser julgada improcedente, por sentença proferida em 1ª instância; interposto recurso, foi julgado procedente, mas esta decisão foi anulada por acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de Fevereiro de 2010 e por ter sido oficiosamente alterada a matéria de facto, sem previamente ouvir os aqui autores, entendendo por isso ter sido violado o princípio do contraditório; dando cumprimento ao decidido, a 2ª instância notificou os autores da alteração oficiosa da matéria de facto, proferindo em 02 de Fevereiro de 2010 novo acórdão, decidindo-se de igual forma e definitivamente que:

“Nestes expostos termos, julga-se o presente recurso de apelação procedente e, mercê de tal, revoga-se a douta sentença recorrida, em razão do que se julga a acção parcialmente procedente e, em consequência:

-anula-se o contrato de compra e venda celebrado entre a A. (ora, ré) e os RR.(ora, autores), no dia 24-02-97, mediante escritura pública da mesma data e exarada de fls 78vº a fls 84vº do Livro nº ...70-D, do cartório Notarial ...;

e condena-se os RR. (ora, autores)

- a restituir-se à A.(aqui ré) a quantia de €199.519,00 (correspondente a Esc. 40.000.000$00), acrescida de juros à taxa anual de 7% (Port. Nº 263/99) desde 5-03-2003, e à taxa de 4% (Port. Nº 291/2003), desde 1-05-2003;

e ainda

- a pagar à A. (ora, ré) a quantia de €19.952,00 (correspondente a Esc. 4.000.000$00)…”,(cf. Doc. nº 3 da pi).

acórdão este transitado em julgado em 02/06/2011 (ordenou a restituição do que foi pelas partes prestado- respectivo preço e juros respectivos, a um (à ali autora) e o imóvel ao outro (os ali réus), face aos efeitos da anulação e a quantia de €19.952,00, relativa a (benfeitorias) “obras no minimercado” e “noutras dependências anexas no referido estabelecimento…”, “reformulou(ção) (d)as instalações eléctricas do rés-do-chão”, as quais “ascenderam a 4.000.000$00”, como se vê dos pontos 14, 15, 16 e 17 da matéria provada da referida sentença condenatória (Doc. n.º 3).

C. Por notificação judicial avulsa concretizada em 26 de Março de 2012, a ré deu conhecimento aos autores que só entregaria as chaves do imóvel em causa “mediante a entrega de cheque visado” de €288.096,96€ (cf. Doc. n.º 4).(liquidando os juros de mora à data em 67606,88 €- assim, € 199519,00+€ 67606,88 +19952,00)

D. Em 12 de Julho de 2011, a ré deu à execução aquele acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Doc. n.º 3), que ainda tramita na 1ª secção da extinta Vara Mista, hoje Instância Central de Coimbra – Juízo de Execução – Juiz 1 e sob o processo n.º 684/11....; os aqui autores deduziram oposição contra a referida execução, tendo por despacho de 23 de Novembro de 2011 (Doc. n.º 5) sido liminarmente indeferida quanto à quantia de €19.952,00 relativa a benfeitorias no imóvel então realizadas e não já quanto à quantia de €199.519,00 relativa à restituição do preço, decidindo-se:

“As obrigações recíprocas de restituição estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo, designadamente à aplicação da “exceptio non adimpeti contratus” (artº 290.º) - cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 475. É certo que a relação contratual é por força da sua dissolução convertida numa “relação de liquidação" mas não pode olvidar-se, quanto à quantia …que se executa decisão judicial nesta parte perfeitamente líquida, certa e exigível. Outrossim, a correspectividade e reciprocidade estabelecem-se entre a obrigação de devolução do referido valor do preço e bem assim da obrigação de restituição da coisa: o referido valor de € 19.952,00 indicado na condenação, mostra-se imbuído de tal certeza, liquidez e exigibilidade, exorbitando tal sinalagma. Assim, indeferindo liminarmente a oposição à execução relativamente à sub-parcela exequenda de € 19.952,00 (correspondente ao preço de Esc. 4.000.000$00)…” a titulo de benfeitorias””.

E. interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, deste último segmento do despacho que, nessa parte, não admitiu a oposição (da quantia relativa a benfeitorias de 19.952,00€), e bem assim, do despacho saneador que entretanto veio a ser proferido em 14 de Março de 2012, o qual julgou “improcedente a oposição, considerando que os autos continham já todos os elementos necessários” (Doc. n.º 6), deles, dum e doutro recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra, por seu Acórdão de 11 de Dezembro de 2012 decidiu:

“Julgar procedentes as apelações interpostas pelos executados/oponentes e, em consequência revogam-se as decisões apeladas, devendo a oposição prosseguir os devidos termos” (Doc. n.º 7); prosseguindo a oposição à execução, foi proferida sentença que entendeu que: “… não é possível afirmar que a exequente (ora, ré) tenha já cumprido a sua parte do sinalagma restitutório”(Doc. n.º 8). Mais entendendo, “…o que se exige à Exequente é não só uma restituição material e possessória do imóvel, como também a sua restituição jurídica e nas mesmas circunstâncias em que o recebeu, isto é, livre de quaisquer ónus ou encargos” (Doc. n.º 8).“Por parte da Exequente não há qualquer dúvida que o montante a haver seria de €199.519,00, correspondente ao preço, acrescido de juros moratórios desde 05-03-2003 até obter pagamento”(Doc. n.º 8). “Quanto aos Executados(ora autores), teriam os mesmos a haver da Exequente o imóvel e os dois estabelecimentos nele instaurados e que venderam pelo preço global de €199.519,00” (Doc. n.º 8). “Sendo manifesto que a Exequente apenas está em condições de restituir em espécie o imóvel, não poderá a mesma exigir a restituição do valor correspondente aos estabelecimentos (artigo 289º, nº 1, do Código Civil)” (Doc. n.º 8)“… na data da celebração do contrato anulado, sem os estabelecimentos, o imóvel valia €130.685,05…”(Doc. n.º 8).“…a Exequente apenas pode exigir dos Executados a quantia de €130.685,05, acrescida de juros moratórios desde 05-03-2003” (Doc. n.º 8). “…a Exequente (ora ré) tem ainda a haver dos Executados, já fora da lógica do sinalagma restitutório, a quantia de €19.952,00 acrescida de juros moratórios vincendos desde a data da propositura da acção executiva (12-07-2011)” (Doc. n.º 8).

F. Nessa oposição foi proferida a seguinte sentença, de 22 de Abril de 2016:

            G. E com a seguinte fundamentação: em consequência da declarada nulidade, cada um dos outorgantes do dito contrato, deve restituir tudo o que lhe tiver sido prestado; os autores devem restituir à Ré a quantia relativa ao preço de 130.685,05€, a quantia de 44.321,88€ relativa a juros vencidos daquele capital e os juros vincendos, e ainda a quantia de 19.952,00€, relativa a obras e benfeitorias efectuadas no dito prédio….a ré, por sua vez, deve restituir o prédio nas mesmas circunstâncias em que o recebeu, no mesmo estado de conservação e de forma a proporcionar o seu gozo e fruição como lhe foi entregue e ainda como se escreve na sentença referida nos artºs 23º e seguintes Doc. n.º 8): fazer “regressar a situação registral do imóvel ao “status quo ante” à celebração do contrato, de forma a que do registo predial do imóvel passe a constar que a propriedade do mesmo se encontra inscrita a favor” dos Réus “…e sem que sobre o mesmo recaiam quaisquer ónus ou encargos” (Doc. n.º 8). (Na verdade, “…obrigações recíprocas de restituição estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo, designadamente à aplicação da “exceptio non adimpleti contratus”.)

H. A ré intentou uma acção pauliana - Proc. nº 745/11.... do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, que entretanto transitou para o Tribunal Judicial de Coimbra – Juízo Central J2 - contra os aqui autores, à qual puseram fim por transação nele efectuada e homologada por sentença de 28 de Maio de 2018 (Doc. n.º 9….), nos seguintes termos: “Autora e Réus acordam em suspender a entrega material e jurídica do prédio referido na alínea A) dos factos assentes (imóvel sito na Rua ..., ..., concelho ...), para providenciarem pela venda do mesmo a terceiro, no prazo de 12 meses contados desta data, e pelo valor do crédito da Autora ( a aqui ré) consignado no ponto 1 do dispositivo da sentença proferida no Processo n.º 684/11.... e a dar conhecimento aos autos 684/11.... do presente acordo” – Cláusula I (Doc. n.º 9). Consignando também que “A Autora ( a ora ré) entregará uma cópia das chaves aos Réus ou à pessoa que acompanhar o seu Ilustre Mandatário, para lhes permitirem também promover activamente a venda do imóvel, na data que vier a ser agendada por mediadores indicados e contactados por ambas as partes, para irem ao local examinar e avaliar o imóvel, o que deve ocorrer no prazo de 15 dias” -Cláusula VIII (Doc. n.º 9).

I. Consta ainda de tal clausulado de transação:

“Cláusula II - Caso o preço da venda seja inferior ao crédito referido na Cláusula I deverá sempre haver acordo das partes quanto ao valor da venda.

Cláusula III Caso o preço da venda seja superior ao crédito referido na Cláusula I, o valor que venha a ser obtido em excesso caberá aos Réus;

Cláusula IV Caso o valor obtido seja o do crédito referido na Cláusula I, a Autora dá-se por paga integralmente;

Cláusula V Caso o valor obtido seja inferior ao do crédito referido na Cláusula I, a Autora executará as garantias constantes no Processo n.º 684/11...., provenientes do arresto referido na alínea A) dos factos assentes.;

Cláusula VI -Os valores eventualmente obtidos por força de sinal serão entregues à Autora, que se compromete a liquidar os débitos que tem com o credor CC (no âmbito do Proc.º512/11.... da Secção de Execução da Comarca de Coimbra - J1), cuja penhora está inscrita no prédio, no prazo de 8 dias subsequentes ao recebimento do sinal.

Cláusula VII-Com os recebimentos acima aludidos, as partes dão-se por integralmente ressarcidas dos valores a receber/pagar entre elas, nada mais tendo a exigir uma da outra.

….Custas em dívida a juízo em partes iguais, prescindindo ambas de custas de parte.

J. A ora ré, em consequência da referida compra e venda recebeu, ocupou, fruiu e utilizou os estabelecimentos industriais e o mini mercado em funcionamento no prédio e nele instalados, os quais, também mantiveram, fruíram e exploraram por vários anos, exploração, ocupação, fruição e utilização que também fizeram da sua parte habitacional, cedendo-o inclusive para habitação a terceiros, inclusive prometendo vender uma sua parte de que receberam o respectivo preço (15.000,00€), a título de sinal e integral pagamento, fazendo a respectiva entrega material - venda que efectuaram à Santa Casa da Misericórdia local, que depois anularam, devolvendo a ré o preço acordado e a Santa Casa a parte que ocupou em razão dessa venda anulada e da entrega material dessa parte do prédio.

K. Em peritagem ao prédio efectuada nos autos com o Proc. n.º 745/11.... do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede – Acção Pauliana – os Srs. Peritos, em Fevereiro de 2013, referiam que “as paredes no seu geral, estão degradadas, com exepção das áreas dos sanitários do pessoal, cama frigorifica e depósito de farinha. As madeiras e guarnições estão deterioradas e a carecer de intervenção ou beneficiação geral profunda, para nele funcionar e laborar um estabelecimento padaria e mini- mercado.”(Doc. n.º 10), respondendo afirmativamente, que no 1º andar, para além do reboco das paredes e pinturas, as alcatifas estão também deterioradas e estragadas; concluindo ainda os Srs. Peritos e em resposta a quesito formulado pela ré que “O estado em que o imóvel se encontra actualmente deve-se a utilização do mesmo e a falta de manutenção”.

L. Promovida a certificação energética do dito prédio, para a celebração do contrato de mediação e para a sua comercialização, foi emitida em vez deste certificado, “Declaração de Ruína”, em 20 de Agosto de 2018, declaração esta referenciada ...35- cf. Doc. n.º 11 da pi.

M. Conforme avaliação de peritos efectuada em peritagem judicial e também consta do processo 684/11.... (Doc. n.º 8), o prédio em causa, sem os estabelecimentos comerciais, “valia €130.685,05”.

N. Na sentença proferida na oposição à execução (Doc. nº 8), processo n.º 684/11.... supra referido, (o tribunal deu como provado que):

“6. A Exequente recebeu o prédio referido em 3. a 24 de Fevereiro de 1997.

7. Com um estabelecimento industrial (padaria) e um comercial (mercearia) em laboração.

8. Asseado, com paredes limpas e rebocadas.

9. Bem pintado e alcatifado.

10. Com forno de padaria em perfeito estado de laboração.

11. Com casa de cozedura, adega, máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas, produtos para venda, bancas, estaleiros, estantes e banca de atendimento ao público.

… 23. Por contrato reduzido a escrito (fls. 61) a Exequente vendeu à Santa Casa da Misericórdia ...” parte do prédio referido em 3., e, posteriormente, as partes acordaram dar sem efeito tal negócio (fls 220 a 227).

24. E foi restituído à “Santa Casa da Misericórdia ...” o preço pago mais juros (fls.220 a 227 e 311 a 313).

25. Tendo recuperado o gozo e fruição da totalidade do prédio.”

O. Em 11-01-2018 junto do processo nº 684/11...., A..., Lda., Exequente, notificada da decisão proferida – definitivamente transitada em julgado – que condicionara o prosseguimento do processo executivo para cobrança coativa das quantias de 130.685,05 €, 44.321,88 €, 19.952,00 € e, ainda, dos juros de mora vincendos sobre o capital de 130.685,05 € até efetivo e integral pagamento, à prévia entrega material e jurídica do imóvel aos executados, requereu fosse designada data e hora para que ela Exequente procedesse à referida entrega material aos executados nesse Tribunal e na presença do juiz.

P. Junto do Processo nº 684/11.... os autores, aí executados deduziram em 22-1-2018 reqº do seguinte teor: “AA e mulher, executados nos autos à margem, tendo sido notificados pelo requerimento da exequente “…para que a exequente proceda à referida entrega material aos executados nesse Tribunal e na presença de V. Exª”, vem dizer o seguinte:

1 – Os exequentes receberam o prédio que “dizem agora” pretender fazer entrega material, em 24 de Fevereiro de 1997, há já portanto mais de 20 anos.

2 – Tendo-o utilizado, explorado, dele ficado exclusivamente com os respectivos “frutos” e com isso o degradando, nunca nele tendo feito qualquer obra de conservação, encontrando-se hoje sem condições de poder ser utilizado – como então quando lhes foi entregue - em adiantado estado de degradação – carecendo de ser reabilitado, para o repor como estava, à data de 24 de Fevereiro de 1997.

3 – E, como doutamente entendeu o Acórdão do STJ de 17.10.2002 (proc. nº 02B22010) a mera recuperação do imóvel não traduz a restituição in natura. O mesmo é dizer que o douto Acórdão da Relação carece de ser liquidado para poder servir de título executivo e assim entendeu o Tribunal e a sentença recorrida da 1ª instância da oposição à execução, como de novo se transcreve nessa parte: Quanto aos Executados, teriam os mesmos a haver da Exequente o imóvel e os dois estabelecimentos nele instalados e que venderam pelo preço global de €199.519,00. Sendo manifesto que a Exequente apenas está em condições de restituir em espécie o imóvel, não poderá a mesma exigir a restituição do valor correspondente aos estabelecimentos (artigo 289º, nº 1, do Código Civil). No caso, demonstrou-se que na data da celebração do contrato anulado, sem os estabelecimentos, o imóvel valia €130.685,05, pelo que o preço relativo aos estabelecimentos é de €68.833,95. Deste modo, a Exequente apenas pode exigir dos Executados a quantia de €130.685,05, acrescida de juros moratórios desde 05-03-2003 até obter pagamento, os quais, na data da propositura da acção executiva, 12-07- 2011, ascendiam a €44.321,88, num total de €175.006,93”.

4 – Na verdade, o douto Acórdão dado à execução gerou obrigações recíprocas de restituição, que estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 617) (cfr. artigo 290º do C. Civil).

5 – Como foi aliás decidido no despacho saneador de 12 de Janeiro de 2012 de fls… dos autos executivos em causa…

6 – E face àquele estado adiantado de degradação do imóvel que os executados receberam em perfeitas condições de utilização em 24 de Fevereiro de 1997 e que utilizaram e utiliza até ao presente, os executados não podem deixar de invocar, como invocam a excepção de não cumprimento, como o prevê a parte final do art. 290º, nº 1 do Cod. Civil.

7 – Instituto que opera mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, impondo-se ter em conta o princípio da boa-fé, podendo inclusive, fazer-se apelo ao abuso do direito e instituto de enriquecimento sem causa, um e outro, que no caso se verificava a ser deferido o requerido.

8 – Isto para se dizer que, não é no processo executivo, que deve ser feita a entrega material do imóvel em causa e antes em acção própria de liquidação.

9 – Assim, o douto Acórdão, para poder servir de título executivo carece de ser liquidado, e só após, os exequentes estão em condições de fazerem a sua entrega material, fazendo-se então “a restituição in natura” (ou o “valor correspondente”), conforme prevê o artº 289º, nº 1 do C. Civil. Na verdade, a nulidade de um contrato exclui os efeitos queridos pelas partes, mas não exclui os relacionados com as relações de liquidação.

Termos em que deve ser indeferido o requerido pelos exequentes.”

Q. Em 12-02-2018 foi junto dos autos Proc. nº 684/11.... proferido o seguinte despacho- recaindo sobre tais pretensões:

“Na presente acção executiva, como é manifesto, não existe qualquer liquidação a fazer. § Os Executados antecipam factos futuros que são de todos desconhecidos, isto é, o estado do imóvel n.º ...21 – ... na data em que lhes for entregue pela Exequente. § Após a entrega, e caso entendam que lhes assiste fundamento fáctico e jurídico para responsabilizar a Exequente por qualquer dano, terão os Executados que intentar a necessário acção declarativa de condenação. § Contudo, conforme consta da decisão da sentença da Oposição à Execução, caso a Exequente pretenda obter, na presente acção executiva, a cobrança coactiva das quantias constantes dos pontos 1.1), 1.2) e 1.3) da decisão terá que efectuar, nos presentes autos (embora sem prejuízo se vir a ser responsabilizada por eventuais danos ressarcíveis em acção própria, conforme “supra” se referiu), a entrega material do imóvel n.º ...21 – ... acompanhada da sua entrega jurídica, conforme consta da decisão da sentença da Oposição à Execução. § Para tal terá a Exequente que juntar aos autos certidão do registo predial no qual conste a propriedade do prédio inscrita a favor dos Executados e a ausência de qualquer ónus ou encargo com excepção de eventual arresto/penhora a favor da Exequente.§ Caso a Exequente possa juntar tal certidão do registo predial e caso os Executados não aceitem voluntariamente a entrega material do prédio acompanhada da entrega de tal certidão comprovativa da sua entrega jurídica, deverá a Exequente comprovar tal tentativa de entrega no Processo Executivo (se necessário com a colaboração do Sr. Agente de Execução) e efectuar a entrega do imóvel mediante sua consignação em depósito, tal como consta da decisão da sentença da Oposição à Execução. Feita essa entrega jurídica e material (por qualquer das referidas vias), a acção executiva prosseguirá para cobrança coactiva das quantias previstas nos pontos 1.1), 1.2) e 1.3) da decisão através da penhora e liquidação do imóvel n.º ...21 – ... e/ou, se necessário for, de outros bens penhoráveis dos Executados….

.Notifique o Sr. Agente de Execução que – conforme consta de forma inequívoca da decisão da sentença da Oposição à Execução – nada obsta ao prosseguimento do Processo Executivo para cobrança coactiva da quantia prevista no ponto 1.4) da decisão da sentença da Oposição à Execução mediante a penhora e liquidação de qualquer património penhorável dos Executados, inclusive, através da penhora e liquidação do imóvel n.º ...21 – ... desde que previamente a Exequente efectue a devida entrega jurídica do mesmo aos Executados. § O prosseguimento do Processo Executivo para a cobrança coactiva das quantias previstas nos pontos 1.1), 1.2) e 1.3) da decisão da sentença da Oposição à Execução está condicionado nos termos constantes dessa mesma decisão e que se encontram reproduzidos no 1.º despacho “supra” proferido”.

R. A ré, até ao momento (da contestação) nunca entregou aos autores o referido imóvel, como também os autores nunca restituíram aquela quantia de €199.519,00 (correspondente ao preço), nem restituíram a quantia de €19.952,00 (correspondente àquelas benfeitorias no prédio então realizadas pela Ré conforme consta do dito acórdão).

Do processado da execução, por consulta, factos relevantes para a boa decisão:

S. Por despacho de 24-06-2024, proferido na referida execução 684/11...., na qual foi penhorado, foi autorizada a venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... com o art.º ...69 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21, pelo preço de 90.000,00 €, a C..., Lda., pessoa colectiva n.º ...88, com sede na Zona Industrial ..., pelo preço de 90.000,00 € (noventa mil euros). ( por consulta dos autos de execução)

T. Ouvidos a exequente e executados, declarou aquela a sua aceitação ( reqº Refª: 48983450 de 22-5-2024) e declaram estes ( reqº Refª: 49116065 de 5-06-2024 ): “não aceitaram a entrega do prédio que veio a ser dado à venda judicial e por o mesmo se encontrar altamente degradado relativamente ao estado em que o entregaram à exequente aquando da data da celebração da escritura anulada pela douta sentença que serve de título executivo…. no processo judicial nº 4886/19...., do Juiz 2 do Juízo Central Cível de Coimbra haviam alegado que o prédio no estado em que se encontrava não tinha valor superior a cerca de 75.000€, valor semelhante ao que atribuído pelos Senhores peritos que o averiguaram. Assim sendo o preço de 90.000€ de quantia superior ao supra referido, nada têm a opor à aceitação da venda e adjudicação do mesmo à C..., Lda.”

Da matéria controvertida:

U. Com as limitações decorrentes da falta de licenciamento e consequente funcionamento ilegal da padaria, desde 24 de Fevereiro de 1997, a ré possuiu, fruiu, e utilizou o prédio, dele retirando ao menos parte das suas utilidades como se seus donos fosse, até 2008, altura em que abandonou o prédio; e permitiu que fosse onerado com penhoras para garantia de créditos da sua responsabilidade, sejam da Autoridade Tributária, da Segurança Social ou de terceiro, até ao cancelamento, tendo sobre o mesmo recaído os seguintes ónus:

--- constituição de hipoteca em 7-07-2006, cancelada a 13-2-2007; penhora da Fazenda Nacional de 3-08-2007, cancelada a 15-10-2007; penhora da Fazenda Nacional de 27-07-2009, cancelada a 26-04-2010; penhora de CC de 9-11-2011, cancelada a 26-11-2018, no valor de € 19 619,38; penhora de D... de 25-06-2013, cancelada 3-09-2015, no valor de € 1231,91; penhora da Fazenda nacional no valor de 1013,83, cancelada a 4-04-2018; hipoteca legal do IGFSS de € 6674,76, de 17-5-2017, cancelada a 20-04-2018.

V. A ré entregou aos autores cópia de chave no dia 3 de Julho de 2018 (data em que os autores e representantes da ré se deslocaram ao prédio) em cumprimento do clausulado na transacção judicial lavrada no processo nº 745/11....;

W. A ré recebeu o prédio com os ditos estabelecimentos em laboração e asseados, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum, com o forno da lenha da padaria em perfeito estado de laboração;

X. carecendo hoje o prédio de profundas obras de reparação e conservação para o repor no estado em que se encontrava - à data de 24 de Fevereiro de 1997, face ao longo tempo decorrido e sua desocupação desde 2008, assim bem como aos efeitos do fenómeno Leslie - e este estado de degradação adiantada que foi verificado in loco, na diligência efectuada no dia 3 de Julho de 2018 e na sequência da transação judicial efectuada no Proc. n.º 745/11.... - quando a ele se deslocaram com os representantes legais da ré e dos autores- e acompanhados de agentes imobiliários que cada um, autores e ré encarregaram de promover a sua venda.

Y. Pelo menos desde o ano de 2008 os Estabelecimentos Comerciais foram fechados pela ASAE, tendo a ré deslocado a sua atividade para outro local, não usando desde então imóvel, nem retirando do mesmo qualquer proveito;

Z. sendo o mesmo até hoje fonte de despesa, nomeadamente, no que toca ao pagamento do IMI;

AA. na presente data – e ao menos desde 26-11-2018, o imóvel já não se encontra onerado com qualquer ónus ou encargo, tendo a Ré diligenciado pelo cancelamento de todas as penhoras;

BB. já após o prédio ter sido alvo de visita por agentes imobiliários foi acordado entre as partes que o mesmo seria vendido pelo valor mínimo de 125.000,00 €- valor este não atingido, tendo recentemente sido aceite proposta de € 90.000.

CC. O imóvel carece no mínimo de pelo menos, das seguintes obras de conservação e reparação, e conforme mapa de quantidade de trabalhos que aqui se junta e reproduz para todos os legais efeitos (Doc. n.º 12):

           

Factos não provados:

1. A deterioração que o imóvel apresentava à data de 3 de Julho de 2018 decorria de actuação dolosa, de danificação ou negligente da sua banda, no respeitante à sua normal utilização;

2. A ré entregou aos autores cópia de chave no dia 3 de Julho de 2018 (data em que os autores e representantes da ré se deslocaram ao prédio) em cumprimento do clausulado na transacção judicial lavrada no processo nº 745/11.... e tão só para os autores, com a ré, promoverem a respectiva venda.

3. A ré recebeu o prédio sem defeito algum, com a casa de cozedura, adega, com as instalações elétricas e canalizações de água em perfeitas condições de funcionamento, etc ;

4. e durante aqueles anos de fruição e utilidade do prédio objecto do contrato anulado, a ré nunca lá gastou um cêntimo que fosse com despesas de manutenção, conservação ou reparação (para além das benfeitorias referidas nos art.ºs 8º e 33º da p.i.);

5. A ré fez dele uma utilização imprudente e inadequada, tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras portas, pavimentos, inutilizou e destruíu alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.

6. Que à data de Fevereiro de 1997 o prédio apresentava o estado a que se chegara por via das obras peritadas nos presentes autos para “reposição”.


*

B. Fundamentação de Direito.

Recapitulando, são as seguintes as questões a analisar neste recurso:

1. Impugnação da matéria de facto: (conclusões 1 a 20).

Mostram-se cumpridos os requisitos processuais e legais para apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, maxime os previstos no art. 640.º do Código de Processo Civil (CPC).

1.1. Se deve ser dada como provada a matéria dada “não provada em 5” e com a seguinte redação: A Ré fez do imóvel “…uma utilização imprudente e inadequada…”, onerando-o pelo menos desde que o recebeu em 24 de Fevereiro de 2011 até Novembro de 2018 com hipotecas e penhoras, não procedendo a obras de conservação desde que o recebeu dos Autores de que resultaram “…avultados danos nas paredes, com uma alteração de uma divisão no R/C (fecho da mesma e aplicação de PVC como revestimento), tendo sim que se efetuar uma intervenção ao nível do telhado, por forma a que as infiltrações deixem de ocorrer…” (da peritagem dos autos), e com isso “…tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizou e destruiu alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.”.

Para estribar a sua pretensão os recorrentes suportam-se, em 1.º lugar, na prova documental junta ao processo e não impugnada, mormente do documento n.º 10, perícia realizada no Proc. n.º 745/11...., da qual resulta que “as paredes no seu geral, estão degradadas…”, “…O estado em que o imóvel se encontra actualmente deve-se a utilização do mesmo e a falta de manutenção”; do documento n.º 11, declaração de ruina; de um conjunto de 13 fotografias obtidas aquando da visita ao prédio com o empreiteiro aquando da primeira vez os autores visitaram o espaço.  

Valem-se, em 2.º lugar, do teor do relatório pericial e das respostas dos senhores peritos, em especial das seguintes passagens do mesmo: imóvel encontra-se devoluto, num estado avançado de degradação e/ou ruína, mostrando em certas divisões sinais de possível mau uso…e denotando completa ausência de manutenção;… enquanto no 1.º andar estão em mau estado geral de conservação,… algumas telhas encontram-se desencaixadas, fendilhadas ou mesmo partidas (fruto da idade das mesmas);…. as alcatifas e papel decorativo do 1.º andar estão também deteriorados, arrancados e/ou estragados,… Os danos verificados são compatíveis com o facto de o edifício estar desocupado há vários anos…. o estado actual do referido imóvel é devido à falta de utilização e respetiva manutenção nos últimos 20 anos”.

Por fim consideram que os depoimentos prestados em julgamento em nada abalam a prova pericial e documental (sic).

Para avaliar a justeza da impugnação de facto apresentada, é importante reproduzir, na parte aqui pertinente, o modo como o tribunal a quo fundamentou a sua convicção (apesar da extensão dessa reprodução):

“No que concerne ao estado do imóvel - mormente nas datas em que vistoriados ou examinados, e causas do estado de degradação - mormente se imputável ou não a acção ou inação dolosa ou negligente da ré, ónus sobre o mesmo incidente e duvida quanto ao necessário à sua reposição decorre da articulação e concatenação de toda a demais prova de declarações e pericial - assim todos os factos provados e não provados:

a) vale todo o acervo documental- constituído mormente:

- o documento extraído de anterior processo nº 745/11....- perícia que é doc. 10- na qual se refere a permanência dos equipamentos de padaria, ainda que desactivada, estando estes degradados; a nível de 1º andar alcatifas deterioradas e estragadas, alem de reboco de paredes e pinturas; o desgaste de utilização e falta de manutenção; confirma o encerramento e maquinaria selada- nomeadamente o forno, amassadeira e prensa; tais Srs. Peritos, em Fevereiro de 2013, referiam que “as paredes no seu geral, estão degradadas, com exepção das áreas dos sanitários do pessoal, cama frigorifica e depósito de farinha. As madeiras e guarnições estão deterioradas e a carecer de intervenção ou beneficiação geral profunda, para nele funcionar e laborar um estabelecimento padaria e mini-mercado.”(Doc. n.º 10), respondendo afirmativamente, que no 1º andar, para além do reboco das paredes e pinturas, as alcatifas estão também deterioradas e estragadas; concluindo ainda os Srs. Peritos e em resposta a quesito formulado pela ré que “O estado em que o imóvel se encontra actualmente deve-se a utilização do mesmo e a falta de manutenção”.

- o doc. 11 de declaração de ruina - na definição legal de diploma aplicável: pelo estado de degradação da sua envolvente ficam prejudicados total ou parcialmente da utilização para os fins a que se destinam;

- um conjunto de 13 fotografias de que o autor se fazia acompanhar - na sua prestação de declarações de parte - obtidas aquando da visita ao prédio com o empreiteiro, testemunha DD, a que se refere os documentos 12, 13 e 14 da pi - nos princípios do ano de 2019 e aquando pela primeira vez os autores visitaram o espaço, no âmbito da transacção judicial verificada em anterior processo, - constantes dos do processo eletrónico sob a refª 90532079, números 3,4,5,6,7,8,9 e 10.

b) - acresce ainda o relatório pericial emanado nos presentes autos: entendem os Srs. Peritos que o valor atual do imóvel no estado em que se encontra será da ordem dos 75.000,00 euros e as obras e reparações necessárias para repor o imóvel com condições de habitabilidade são, no essencial, as descritas na proposta da B..., em março de 2019, agravadas por dois anos em que nada foi feito e houve continuidade de infiltração de águas pelas coberturas; o imóvel encontra-se devoluto, num estado avançado de degradação e/ou ruína, mostrando em certas divisões sinais de possível mau uso (portas de alumínio partidas, cozinha/móveis inexistentes e papel de parede arrancado) e denotando completa ausência de manutenção; as paredes do prédio mencionado encontram-se danificadas, apresentando diferentes níveis de degradação consoante a divisão, isto é, no R/C as paredes encontram-se em mediano estado de conservação, enquanto no 1.º andar estão em mau estado geral de conservação, necessitando de substituição de massas de acabamento e pintura integral (interior e exterior de ambas as fachadas); relativamente à cobertura do edifício principal, algumas telhas encontram-se desencaixadas, fendilhadas ou mesmo partidas (fruto da idade das mesmas); as anexos na parte posterior do logradouro, encontram-se em total estado de ruína, com desabamento de parte das coberturas; as suas madeiras (janelas, portas e estruturas) e guarnições encontram-se deterioradas e a carecer de uma intervenção e beneficiação geral profunda, devendo estas levar tratamento antifúngico, processo de lixamento e posterior envernizamento e algumas peças substituídas; algumas das telhas do edifício principal encontram-se partidas e fendilhadas e em certas zonas desencaixadas, possivelmente agravado devido ao furacão Leslie; as paredes interiores/exteriores encontram-se degradadas necessitando de reparação e substituição de massas de acabamentos, seguidas de pintura geral; as alcatifas e papel decorativo do 1.º andar estão também deteriorados, arrancados e/ou estragados, pois o facto de o telhado apresentar zonas destelhadas e telhas fendilhadas/partidas, permitiu infiltrações graves que provocaram a danificação das paredes, nomeadamente danificação do reboco do tecto (tanto do 1.º andar como por arrasto… o tecto do R/C), danificação das pinturas e danificação (arrancamento) do papel decorativo (1.º andar). Os danos verificados são compatíveis com o facto de o edifício estar desocupado há vários anos…. o estado actual do referido imóvel é devido à falta de utilização e respetiva manutenção nos últimos 20 anos

c) - e por fim a apreciação dos seguintes depoimentos e declarações de parte - devendo desde já afirmar-se que os depoimentos das testemunhas da ré se afiguraram mais circunstanciados e seguros, corroborando-se entre si e na sua globalidade; ao invés, os depoimentos das testemunhas dos autores que depuseram quanto à utilização dada pela ré mostraram-se ressabiados e belicosos: extrai-se desde logo que apos o negócio, a ré ainda fez obras tendentes a legalizar os espaços - mormente os estabelecimentos, nunca o conseguindo, quanto à padaria, o que - dada a ausência de licenciamento - levou ao seu encerramento pela ASAE:

--- declarações de parte:

1 EE, única gerente da ré: refere que apos compra, tiveram de fazer obras antes de abrir- o fiscal obrigou a colocar azulejo na zona de minimercado- e pintar paredes e colocar hall de entrada da cozinha para lá; começaram a cair as multas; eram obras porque não reunião as condições; na padaria fez wc e colocou câmara frígorifica; fez pastelaria- com mosaico, mármore e lava louça e pintou; na frente colocou alumínios…- conseguiram legalizar- foi delegado de saúde que reconheceu boas condições mas exigiu azulejos na parede e retirar madeiras substituindo por inox; não teve dinheiro e não conseguiu fazer todas; a ASAE fechou em 2008 os dois espaços- por falta de licenças- trabalhava ilegalmente - ainda hoje selado a lacre; pediram a anulação do negócio e quis devolver o prédio logo em 2004- ainda antes da ASAE fechar porque estava ilegal; e não tinha dinheiro para as obras; quiseram voltar ao antigo estabelecimento; era um projecto para os 2 filhos; nunca conseguiu funcionar com a padaria mas arranjou a mercearia e trabalhou vários anos até a ASAE encerrar; deixou o prédio, ainda foi muitas vezes fazer limpeza; nunca usou de forma danosa- fez até instalação eléctrica nova antes da ASAE mandar encerrar; nunca entregou as chaves do prédio porque queria o seu dinheiro; entretanto a entrega ocorreu- a sua filha; entregou o prédio sem qualquer penhora- tinha alguns ónus - e pediu dinheiro emprestado para poder entregar livre de ónus e encargos; desde 2008, fechou e ia lá limpar de vez em quando; logo no inicio tentou entregar mas os autores não aceitam; eles trabalharam ilegalmente muitos anos; as instalações electricas estavam mal- electricista disse que estava mal e teve de as reparar; teve de pintar paredes porque não estava bem .- saíra a cunhada do autor e fez limpeza; colocou os alumínios na padaria ( portas e janelas), bancadas de mármore; havia forno de lenha- também selado, com amassadeira, tabuleiros; na casa de cozedura colocou uma camara frigorífica - não tendo dinheiro para as obras; trabalhava ilegalmente e sem alvará; fez obras na adega- tinha telhado vão - tudo antes de 2008; apesar das despesas não conseguiu legalizar- pediu dinheiro emprestado também para essas obras; tinha gasto muito dinheiro só com as despesas de aquisição; julga eu fez obras - 50 contos para wc, 1000 contos para a pastelaria e 40 000 contos para a mercearia….; nunca conseguiu legalizar a padaria mas o minimercado, mesmo ilegal, ainda laborou até 2008; trabalhou lá com ao marido e filhos; não alteram divisões ou compartimentos que causassem dano, sendo impostos pelos fiscais; refuta qualquer actuação danificadora; entretanto esteve fechado com a degradação inerente de estar fechado; o prédio é antigo, de 1950, e o telhado de telha que assenta em vigas de cimento; o furacão Leslie causou muitos danos- foi alertada pelos vizinhos; souberam que houve destelhamento mas não fez qualquer obra; disse à Provedora para avisar os autores dessa situação ( ruina parcial que a SCM reparou); quando fecharam- começou a fazer obras no antigo espaço para poder ai trabalhar- feitas pelo Sr. CC;

2 AA, autor, refere que desde 1997 ate hoje os compradores fruíram e só teve acesso à chave num acordo para fazerem a venda; que o prédio tem estado onerado com penhoras para pagar Segurança social e impostos, sendo que o vendera livre de ónus; tinha pago credito ao banco e pouco lhe sobrou; antes desse acordo, não teve chave; confirma a NJA para pagamento de € 280 000 e o conhecimento da dedução pelo tribunal - a essa quantia- do valor dos estabelecimentos….; refere que a ré conhecia o prédio e confirma que houve quantia de obras de benfeitoria que foi condenado a pagar - 19 000 euros (já transitado); refuta que tenham efectuado obras- . só na casa deles; e que está muito degradado sendo que quando entregou estava tudo rebocado, azulejos… em bom estado…e funcional - agora, vê-se que nunca levou reparação…; não foi gasto um tostão em obras… ; que o prédio tem licença de utilização - só desde 16-2012 eles tiveram licença para o estabelecimento que tinham; não aceitou o prédio devido ao desgaste de laboracão e para evitar concorrência; no 1º andar estava tudo impecável, tinha wc no 1º andar, com salao de cabeleireiro; as paredes revestidas a papel de parede; agora está tudo arrancado; na visita ao imóvel achou coisas de emigrantes que lá viviam…; refere ainda que a ré vendera parcela do prédio por 15000 euros à SCM e recebera dinheiro e cheque mas não conseguem escriturar….; que outras pessoas usaram - tendo a ré . arrendado o 1º andar com emigrantes; para repor, carece imensas obras; quando vendeu tinha todas condições pra trabalhar - padaria a funcionar - e estava legal ( há 20, 30 a 40 anos…); a ASAE fechou mas tinha licença de utilização em seu nome; assim não sabe porque o tribunal anulou a venda; a 3 de Julho /2018 foi devolvida a chave; a ré pagou 200 000 euros e ao fim de 12 anos - em 2012 - a ré encerra o espaço; depois apenas lá se deslocou em 2019, com o empreiteiro; nega que tenha a ré colocado Azulejos no supermercado - julga que são os mesmos, não se recorda; ou que tenham posto azulejos novos em lado nenhum, nem camaras frigorificas em 2019…; em 2007 ficou tudo, mesmo as camaras frigorificas….

--- Testemunhas dos autores

1) FF, que exerce funções na área imobiliária como Consultora, desde 2017, tendo recebido varias formações (de avaliação de imoveis) e recorrendo a plataforma informática; foi contactada pelo Autor através do Advogado do mesmo- que conhece há vários anos-, por o ter acompanhado na promoção da venda- publicitação- do imóvel ajuizado, em Setembro de 2018, então na imobiliária GAHP (encerrou e saiu cerca de um ano depois); fez o certificado energético- sendo indicado pelos técnicos estar em ruína- deslocou-se com outra pessoa de imobiliária indicada pela parte contrária; mais tarde também lá foram uns peritos, na sequência desse mesmo acordo das partes; colocou cartaz “vende-se”; pediram os elementos de venda- caderneta predial, identificação pessoal do dono; antes de promover a venda entraram e fotografaram o imóvel- muito degradado e considerado ruina - o certificado foi pedido pelas imobiliárias e reencaminhado aos clientes; embora tenha a parede exterior, entrava agua no telhado e havia degradação, partes do telhado caídas, mas não soube precisar de paredes caídas; havia zonas em que o chão não oferecia segurança, estando degradado; mais um Inverno e seria só terreno; as ofertas eram muito baixas, de 60 a 70 000 euros; precisa de obras para reposição, estando inabitável; a sua visita foi anterior ao Leslie; a declaração de ruina foi emitida por quem iria dar o certificado energético; obteve fotos nessa ocasião; entregou a chave aos peritos- tinha a chave embora já tivesse saído da GAPH em 2019; o valor actual do imóvel- cerca de 75000 € euros referido pelos peritos é consentâneo com o que ela própria daria; a chave foi-lhe entregue a si, julga que por alguém do outro lado….; o certificado foi pago pelos autores - seus clientes; hoje continua com a chave, não se recordando de a ter devolvido.

2) GG, conhecido dos autores desde sensivelmente 1976, altura em que estava emigrado na Suíça e lhes arranjou trabalho naquele país, conhecer o prédio de discussão nos autos enquanto cliente do estabelecimento, conhecendo os legais representantes da ré como sendo os Srs. HH por frequentar o dito estabelecimento na qualidade de cliente- prestou um depoimento inflamado e pouco isento: em 1969 e anos seguintes até 1976 deslocava-se e era explorado pelos anteriores proprietários - que venderam aos autores; esteve ausente de 1976 a 1990; regressou e continuou a ir e a comprar no estabelecimento, já com a ré- até à cerca de 6 anos- fazia parte da sua passagem- comprava pão e broa e por vezes produtos de mercearia; e como vendedor da IPAC- até 1976 visitava o estabelecimento; em 1976 emigrou para a Suiça onde esteve 9 meses, e foi para os USA trabalhar 6 anos; formou negocio e veio dos USA em 1992-1993; então retomou a passagem porque tem casa em ... e tinha propriedades na zona de ...; então eram os autores que lá estavam; ia regularmente ao estabelecimento; o estabelecimento tinha padaria/pastelaria e mercearia; a dada altura estava a funcionar num outro local o ponto de venda, a cerca de 100, 120 metros- mas continuaria a funcionar a parte de fabrico no prédio em causa- até há 11-12 anos atras- as portas fechadas mas com pessoas no interior; continuou a fabricar como fabrico, embora não abrissem a porta; desde inicio conheceu o prédio por dentro e por fora como amigo dos antepossuidores dos autores e destes; depois deixou de entrar no interior, só entrando nos estabelecimentos de venda ao público (assim, desde 1997); ao balcão era possível ver que tinha boas condições de conservação… ; deixou de ter acesso ao interior do estabelecimento- quando fecham ao publico- ainda que mantivessem fabrico; no tempo do Sr. AA, o prédio estava impecável - neste momento, de há cinco anos a esta parte- já sem indícios de fabrico- o edifício continuou a degradar-se – e começaram lá a viver uns estrangeiros- pedreiros e trabalhadores rurais que estragaram tudo- colocaram uns jornais nas vitrines do rés do chão, mas no 1º andar as janelas estavam partidas e tudo degradado; a porta de entrada estava sempre aberta e via-se um grupo de pessoas a beber na rua, que ali estavam; no tempo do Sr. AA, quando vendeu à ré, tudo tinha aspecto condigno e limpo; não sabe se a ré fez obras no prédio - nunca viu aspecto de obras; a ré fez obras no outro prédio onde passaram a fazer a venda- num novo estabelecimento; enquanto não teve licença de utilização no novo, continuou a fabricar no antigo ( com a porta fechada, era perceptivel do exterior, não sabe durante quanto tempo, talvez mais de um ano ) e a vender porta a porta…; a ultima vez que entrou para lá do balcão foi antes da ré comprar; quando estes compraram, não voltou a entrar para lá do balcão; no tempo do AA nunca foi ao primeiro andar; mas entrou no forno, casa de cozedura e adega, bem como ao logradouro no tempo do Sr. AA (mas nunca depois de comprado pela ré); no tempo da ré, no minimercado não sabe se revestiram com azulejos- estava exactamente igual, em seu entender, muito antes a zona do minimercado- não sabe se os azulejos eram os mesmos; não sabe se o chão foi alterado; as portas eram as mesmas - não sabe se eram de alumínio; não se apercebeu de mudanças; no tempo do AA não sabe se as portas eram de madeira; descreveu o rés do chão, no tempo em que os autores foram proprietários, sendo que nunca acedeu ao 1º andar, parte de habitação; o prédio está em degradação há mais de 10 anos; confrontada com as fotografias constantes do relatório pericial junto aos autos em 10-08-2021 com a ref.ª 6648952; antes da venda à ré o irmão dos autores também explorou; depois da ré comprar continuou cliente durante mais de 3 anos….; ao aperceber-se do fecho, batia à porta e via que havia fabrico- mas não havia atendimento ao publico e a dada altura percebeu que foi instalada lá residência de grupo de trabalhadores emigrantes- que recrutava para as suas propriedades- via-se para o interior estado de degradação - vidros das janelas partidos, vitrines fechadas com jornais- a partir da porta de entrada do prédio- de acesso aos fundos- há 13-14 anos, já cessara o fabrico; a ré enquanto explorou manteve o bom estado das instalações, desconhecendo se fez obras- nunca viu sinais de obras até transferirem para a outra casa; quanto ao outro espaço que entretanto abriram falava-se na feira que fizeram obras para mudar o negócio para lá- mas nunca lá entrou; tinham apenas casa- de habitação- e ouviu dizer que abriram ali estabelecimento novo; sabe que continuaram a produção no prédio porque batia à porta e vinha empregado sujo de farinha que referia dever deslocar-se para compra à outra loja (há cerca de 12 anos); por duas vezes bateu à porta para comprar pão e não conseguiu e depois deslocou-se para contactar alguns trabalhadores estrangeiros; no tempo do AA, não sabe se havia as licenças legalmente exigidas- mas durante vários donos sempre trabalhou sem problemas; não sabe porque a ré fechou o estabelecimento- tiveram problemas com a ASAE, julga que por falta de limpeza; soube descrever- do tempo em que os autores eram donos - antes da venda, a composição interior do res-do-chão- alem dos espaços dos estabelecimentos de venda ao publico; não reconheceu a generalidade das recentes reproduções fotográficas;

3) II, residente em ..., irmão do Autor e cunhado da Autora, também conhecido dos legais representantes da ré, proprietário de uma padaria, mas frequenta a zona diariamente pois fazia distribuição; quando o autor AA era dele proprietário, deslocava-se ao mesmo quase diariamente; estava em estado impecável, com boa clientela, afirmando o bom estado de conservação do imóvel; não subiu nunca à parte de cima, mas ia à parte interior no rés do chão; depois da venda à ré, nunca mais lá entrou; não sabe como está actualmente por dentro; foi-lhe dito que agora estará para obras; em 2008 foi fechado pelo legal representante da ré- tinha uma placa que dizia encerrado para obras, não sabe se pela ASAE, não ouvindo falar; não sabia que o seu irmão não tinha licença; no tempo do seu irmão- já não se recorda como as coisas eram, a nível de revestimentos vg. do minimercado- apenas sabe que estavam com bom aspecto no tempo do seu irmão- nada sabendo concretizar quanto à descrição de materiais: havia umas prateleiras no minimercado de alumínio ou lacadas, mas não recorda; as portas e janelas eram ultimamente de alumínio- julga, sem certeza, que já do tempo do irmão- e eram de cor cinza clara; pouco sabe concretizar quanto à padaria os revestimentos e divisórias- havia um balcão a dividir- não sabe de que material; não sabe de certeza se as paredes de padaria eram revestidas a azulejo- por ser obrigatório; o chão era mosaico, não sabendo concretizar; não sabe se a padaria tinha balcão de inox ou alumínio; a padaria não tinha porta e janela; havia camara frigorifica na padaria- era uma mas não sabe as dimensões - era “normal”; a padaria tinha maquina de amassar, de dividir, tapete rolante…; havia uma cozinha - não sabendo concretizar como revestida- eram brancas- pintadas, so com azulejo até à banca, a toda a volta; não sabe da adega; não sabe se o filho dos legais representantes chegou a trabalhar- dois anos antes da venda para aprender o oficio de padeiro; depois de saírem, fizeram uma pastelaria, a 250 metros num prédio onde viviam- não sabe se já tinham antes de comprar ao AA- mas fizeram lá obras; ao passar na rua, nada viu de estranho - depois de a ré passar usar o prédio ( que nunca frequentou nestes 25 anos); o seu irmão nunca visitou o prédio;

4) JJ, Motorista de pesados, actualmente reformado, residente em ..., a cerca de 8 km de ..., sogro de uma filha dos autores, compadre dos autores desde há cerca de 10 anos; anteriormente já tinham relação de proximidade- colegas de tropa; entrou na padaria 3 a 4 vezes entre 1999 e 2001 ( já não era o AA), nas viagens de associação de cicloturismo e visitava familiar na Santa Casa da Misericórdia- ao lado deste prédio; foi lá, já no tempo da ré - só entrou na parte de atendimento ao publico da padaria (também havia mercearia); refere que nesta visitas viu que a casa tinha bom aspecto, com azulejo e paredes em boa condições- estava uma senhora a atender- a ré fruía o estabelecimento- estava tudo em bom estado; não sabe como estava antes; hoje está mais degradado- de ouvir dizer; entrou na porta do meio e entrou na padaria, estando asseado e limpo; depois de fechar não sabe se continuou a haver actividade no interior; no exterior não havia problema- tinha três portas envidraçadas e tudo em bom estado, mas não se percebia o estado do telhado; não recorda a cor dos azulejos e não sabe se havia armários; não sabe se as paredes eram pintadas mas estavam limpas, tendo chão com ladrilho, não sabendo a cor; quando lá entrou a 1ª vez, já a ré estava a explorar e só entrou até ao balcão; hoje, exteriormente está mais degradado- está pior do que evidencia a fotografia n.º 1 constante do relatório pericial junto aos autos em 10-08-2021 com a ref.ª 6648952; não entrou no interior do rés do chão, para lá dos balcões;

5) KK, mulher da anterior testemunha, sogra da filha dos Autores, refere que por ocasião de 2019 a 2001- no Verão, participando de actividade cicloturismo- entrou no estabelecimento de padaria- e já com os anteriores - irmão do autor; só comprava pão e nunca se deslocou ao 1º andar; ao fim de semana e também por vezes à semana; refere que tudo estava arranjado e limpo ( a padaria- zona de venda, único espaço em que entrou); a ultima vez que lá entrou foi por volta de 2002- hoje não sabe como estão o interior; na parte exterior, a casa está desabitada, com mau aspecto; no interior, as paredes tinham mosaicos floridos- azulado; as paredes eram pintadas de beje ou branco - claras; o mosaico do chão era claro e não se recorda de armários; mesmo no tempo do irmão do AA estava bem arranjado; já então as portas eram de alumínio amarelo- não era de madeira; comprava ao balcão; o irmão do autor explorou antes da ré, mas não consegue concretizar temporalmente – antes de 1998; entretanto morreu - LL; desde sempre viu bem limpo e arranjado o estabelecimento; tem ideia que não houve alterações desde o irmão do autor enquanto explorado pela ré.

6) DD, Encarregado Geral da empresa B..., Lda, a pedido dos autores efectuou um levantamento para executar um orçamento para obras, solicitado em 2019- e era objectivo remodelar para ficar habitável; foi acompanhado de orçamentista- que apresentava degradação no telhado, por infiltrações, antigo e com aspecto de estar devoluto há muitos anos, vazio e sem móveis, nem habitantes e sem condições de ser habitado; prédio sito ao lado da Santa casa da Misericórdia; assim percorreram a totalidade do prédio; confrontado- confirma os docs. 12 ( resumo dos trabalhos- sendo um valor de 89900 € orçado, sem IVA), 13 ( proposta e indicação de alvará) e 14 (orçamento discriminado dos trabalhos); e confirma mormente as reproduções fotográficas do relatório pericial; refere que também tirou algumas fotos; dado o tempo decorrido, hoje acresceria 20% a mais; no seu doc. 14 procede a descrição dos trabalhos- eram os trabalhos essenciais; não sabe se teria sido vandalizado, era uma casa abandonada e devoluta; e o telhado estava muito degradado - também por acção do Leslie- devido ao levantamento de telhas; e após o Leslie não houve qualquer intervenção; Estando fechada desde 2008 - 15 anos- era uma degradação justificada de não estar habitada apesar de alguns sinais de maus tratos - porta fora do sitio, cabos arrancados….; sendo o maior valor é a rede de aguas, esgotos e rede elétrica, a que se segue a cobertura (telhado) e fachadas exteriores- tal resulta da degradação normal- julga, nada detectando de anómalo nesse particular (destruição)- tendo de ser observadas novas normas para certificação- estando o mínimo contemplado neste orçamento;

---testemunhas arroladas pela ré:

7) Dra. MM, Advogada, exerceu o mandato relativamente à aqui ré até finais de 2012, e na altura substabeleceu no Dr. NN; os únicos contactos posteriores que teve foram única exclusivamente uma ida da Dona OO ao escritório, pensa que acompanhada pelo filho, não se recordando se a filha estava, por uma questão de honorários, mas não teve mais nenhum contacto; ressalvou que está a coberto do sigilo profissional; nunca se deslocou ao imóvel.

8) PP, residente em ..., vizinha da legal representante da ré, vive também em ... num Largo, próxima da casa da legal representante da ré; era cliente da padaria, e ultimamente ia lá comprar o pão; e antes da ré comprar- no tempo da D. QQ –tios dos autores- ia lá cozer os pasteis porque trabalhava numa padaria e coziam os pasteis no forno da padeira; nunca trabalhou para a ré; conheceu o autor em particular; era muito amiga da OO e passava uns tempos a conversar com ela; a última vez que lá entrou foi pouco antes de selarem, por estar ilegal- antes já as actividades económicas tinham aplicado coimas, acabando por ficar fechada; não voltou a entrar no seu interior; depois do autor comprar só lá ia ao pão; ia só ate ao balcão - não se apercebendo de obras feitas pelo Sr. AA; a ré comprou antes de 2000 e fez obras- estava muito mal- a padaria com um poço e em vez de wc tinha só um buraco; tinha padaria - sala de confecção - onde cozera pasteis, entrando pelo portão; havia cozinha muito degradada e velha e parque onde lavava roupa- que a ré desfez e reformou; teve de fazer tudo em azulejos, banca em mármore ( sala de trabalho) e ao lado tinha vidro a dividir a padaria; o minimercado foi todo restaurado pela ré- e recolocam as estantes; na sala de venda de pão fez obras no minimercado contiguo- não sabendo já concretizar; na sala de confecção de pão é que as obras foram maiores; confrontado com o relatório pericial de 10-08-2021, com a ref.ª 6648952 e com as fotos 1, 4, - soube identificar os locais em referência; as divisórias em alumínio- julga que foram colocadas pela ré quando fez a sala grande; a pagaria (zona de fabrico) foi também arranjada pela OO; nega que continuassem a trabalhar apos selado- estavam já escaldados por força de multas; anteriormente tinha uma casa de fabrico de pasteis havia muitos anos ao lado da sua casa- a 100 metros- já tinha havia muitos anos e faziam ali pastéis; como os filhos não queriam estudar, decidiu adquirir este prédio para eles gerirem; ainda hoje existe essa casa de fabrico; depois de selarem o prédio em causa, fazem obras na parte de baixo- não sabe- mas se fizeram foram para fazer face à fiscalização; enquanto foi explorado pela ré, o prédio ajuizado - rés-do-chão - estava bem; por cima não usava porque não precisava, nem nunca lá foi; no rés do chão estava tudo arranjado; não voltaram a entrar lá; as paredes e chão limpos e cuidados, portas e janelas não partidas, o pátio estava arranjadinho- cimentado; ela tinha uma camara frigorífica onde punha o que necessitava- julga que colocada por ela para fazer os pais, mas não sabe se a retirou; não sabe de obras da ré de canalização e instalação eléctrica; nunca viu fazerem uso imprudente e danos, a partir ou estragar….; começaram a trabalhar na de cima, mas vinham fazer a massa dos pasteis ao antigo espaço fabril; ajudou a pagar algumas das multas aplicadas e a OO teve de vender terrenos para pagar; eles faziam pasteis junto à casa de habitação - e deviam estar licenciamento; foi tesoureira da SCM em 2008- já estava o edifício selado;

9) RR, com domicílio em ..., é irmã da legal representante da ré, D. OO; conhece o Sr. AA e a esposa e que se dá bem com eles apesar desta questão, sendo que é raro vê-los e falar com eles; vive pegado ao prédio ajuizado, tendo um relação intima com a D. QQ, e depois com cunhada do AA ( que trabalhava já por conta do AA) assando lá a sua carne e fruta, no forno a lenha da padaria ( onde fabricavam o pão); tia - QQ e marido Sr. AA vendem as autores e estes à ré; descreveu a composição do local; foi confrontada com a foto 4 constante do relatório pericial de 10-08-2021, com a ref.ª 6648952; referiu as obras que ostentam, feitas pela sua irmã (ré): fez divisão nova (sala de trabalho ) com portas em alumínio, rebaixou poço para arranjar chão e colocou azulejos; a sua irmã cimentou; a irmã colocou camara frigorifica, um forno electrico na sala de trabalho; fez um WC; o forno a lenha sempre foi aquele; confrontadas com as fotos, juntas na anterior sessão de julgamento e constantes dos do processo eletrónico sob a refª 90532079, números 3,4,5,6,7,8,9 e 10- explica os locais; intervencionados pela ré; conhecia também o 1º andar; com a humidade e tempo, o papel de parede foi-se descolando; no minimercado, sua irmã colocou azulejos e chão- os azulejos são azulado, renovou a parte eléctrica; na altura em que era dos autores e apos a ré comprar- houve essas obras; enquanto esteve aberto ao publico ela manteve e melhorou; a ASAE encerrou o espaço em 2008- e a sua irmã foi para o espaço fabril de baixo; a ASAE é que pode tirar os lacres- avisou; apareceram sem contar - e não foi para deslocalizar para o antigo estabelecimento; era para ser explorado pelos filhos e não foi possível; não podiam trabalhar à porta fechada; morava pegada - tem muro meeiro; nunca se apercebeu que destruíssem ou danificassem ou fizessem mais uso; desde que a ASAE selou, não houve mais obras de remodelação; uma casa fechada durante tanto tempo degradou-se; o Leslie destruiu parte do telhado- metendo agua para um quarto da sua filha; nem o autor nem a ré fizeram qualquer obra apos o Leslie; a casa da OO é na mesma rua- a algumas dezenas de metros; o estabelecimento funcionou até ao encerramento pela ASAE- apesar de terem recebido multas de quando em vez; em 2008 retomam o edifício fabril junto à casa- e obteve alvará- licença- para a altura estava mas teve de adaptar- melhorar,, para colocar forno eléctrico- e só fazia pasteis, deixou de fabricar pão; a massa dos pasteis era feita lá em baixo e o resto era no prédio em causa; ambos precisavam de alvará; referiu que em 2008- a ré veio laborar para o estabelecimento que fica mais a baixo, na mesma rua – não referindo que tal se deve ao facto de ter obtido alvará; tendo referido que a foi obrigada a regressar a anterior regressando a um estabelecimento que já tinha antes do negócio que celebrou com os Autores porque a ASAE encerrou, por ilegal aqueles adquiridos aos autores;

10) SS, residente em ..., filho da actual socia gerente OO e do falecido marido, sendo que antes do pai falecer eram os dois gerentes, sendo coherdeiro da quota do falecido Sr. TT, anterior co- gerente da aqui Ré OO; trabalhou no estabelecimento- no imóvel - e já conhecida antes porque ia lá comer pão quente de madrugada- ainda era da D. QQ e também já sob gerência do autor- conhecia o rés do chão- iam comer pão e ficavam a conviver; explicou a configuração do local e as obras realizadas pela ré; na altura do Sr. AA, entrava pela garagem; foi ainda confrontado com a foto 4 constante do relatório pericial de 10-08-2021, com a ref.ª 6648952 e com as fotos, juntas na anterior sessão de julgamento e constantes dos do processo eletrónico sob a refª 90532079, números 10,9,8,7,6,5,4,3,2,1.- que confirma; explica as alterações levadas a cabo pela ré- cimentação da garagem, colocou ainda no lugar do poço uma área de trabalho, com chão novo- mosaico, azulejo na parede, tampa nova no poço, ficando nivelada; instalações electricas para um forno electrico, e fez bancadas de inox para trabalharem; ademais, na padaria - na porta havia local de estrado de madeira e fez camara frigorifica; no fundo da padaria, raspou as paredes, tirou humidade e pintou tudo; fez um WC- pois não tina condições; arranjou o forno a lenha já existente e substituiu partes, telas novas, chão arranjado, e pintou a estufa ao lado do forno; fez obras no minimercado: chão novo, paredes novas em azulejo e colocou mais lâmpadas….e substituiu prateleiras- obras feitas a seguir à compra - não todas ao mesmo tempo; na parte de cima não houve obras; nega o arrancamento do papel de parede- caiu por humidade e muito tempo fechada ( cf. foto alusiva); em 2008 deixaram a camara e funcionar e estava tudo direito; chegou a Asae em 2008 e selaram tudo- até então já tinham apanhado coimas- e apesar das obras de conservação e melhoramento feitas; tem um diverso estabelecimento ao lado da sua casa, mas não tinha a parte fabril instalada- tinham já fabrico de pasteis junto a esse local; compraram o prédio para que ele e sua irmã explorassem- para ajudar os filhos; não podiam fazer pao porque nem tinha - nem tem forno de pão, sendo mera pastelaria; nunca mais trabalharam, depois da ASAE selar- colocaram fio e ataram toda a maquinaria( o forno da lenha, amassadora, cortadora de massa….) e lacraram tudo; se tivessem usado, teriam de violar o lacre- sendo a violação geradora de responsabilidade criminal; retirou de lá o forno eléctrico; sabe que a chave foi entregue aos autores - não foi consigo; quando compraram ao Sr. AA- 1-2-1997 - tiveram de fazer obras na garagem por causa de esgotos- a rebentar chão e colocar caixas novas e electricidade nova para poder laborar e foram melhorando aos poucos; trabalhava lá com padeiro e ajudante e a irmã no minimercado; enquanto estiveram, estava tudo limpo, e quando fecham em 2008 saem e começam a trabalhar lá em baixo; não fizeram mais qualquer utilização do imóvel; antes de começar, fez um período de aprendizagem com os antecessores; no outro espaço, faziam a massa de pasteis- não fazendo venda no espaço antigo;

11) UU, residente em ..., filha da Sr. OO e do seu marido, entretanto falecido que eram os gerentes da sociedade; é coherdeiro da quota do falecido Sr. TT, anterior co- gerente da aqui Ré OO; entrou no imóvel em 1-02.1997- so conhecia de brincar com o neto da D. QQ, no interior- a qual vendeu ao Sr. AA; em 1997 estava tudo na mesa desde a sua infância; relata a composição à data de 1997, dos 2 pisos- e relata as obras realizadas- colocação de janelas em alumínio e vedação em alumínio para descer para o minimercado junto ao WC; no minimercado fizeram aplicação de azulejo até meio- brancos e azuis e não mexeram no chão e o resto das paredes pintaram; arranjaram parte electrica; fizeram obras num corredor que transformaram numa casa de fabrico- faziam pasteis e queijadas ( azulejos, bancas de mármore, paredes de inox, colocaram forno electrico….), remodelam também a zona de fabrico de padaria colocando camara frígorifica e fazem wc- fizeram um wc na padaria- colocação de sanita e poliban; confrontado com a foto 4 constante do relatório pericial de 10-08-2021, com a ref.ª 6648952 e com as fotos, juntas na anterior sessão de julgamento e constantes dos do processo eletrónico sob a refª 90532079, números 8,9,10,11,12,13, 3,2,1.- explicou os espaços e obras realizadas; houve obras de electricidade e esgotos; nunca usaram a parte de cima do prédio; a dada altura foi fechado- tinham tido varias intervenções das actividades económicas - em 1997 e 1998, até que fecham em 2008; as obras feitas foram para legalizar os estabelecimentos, mas a ASAE sela as maquinarias e mandam fechar por falta de licença, lacrando- não usaram depois; foram para a pastelaria antiga que tinham já há muito; o objectivo desta compra era para futuro dos filhos; depois de fecharem em 2008, voltou em 2018/2019 (julho de 2018- termo de entrega) para entrega de chaves- foi com o AExecução e com dois advogados para torarem fotos; entregou a chave ao AE; ainda fizera limpezas e abriram estores, mas não fizeram obras; não entregaram a chave mais cedo porque eles não quiseram; desde que a ASAE selou não afectaram o imóvel a outros usos.” (sic).

A reprodução é longa mas eloquente para demonstrar, desde já o adiantamos, o acerto absoluto da avaliação crítica da prova documental, pericial e dos depoimentos testemunhais e de parte antes esmiuçados, emergindo da motivação de facto da 1.ª instância, com toda a clareza, que não há qualquer fundamento para alterar a decisão da matéria de facto que foi considerada provada e não provada pela 1.ª Instância, a qual se revela correcta e proficiente.

Diga-se, aliás, que os recorrentes, em bom rigor, nem sequer põem em causa no seu recurso, em nenhum momento, a avaliação da prova testemunhal e das declarações de parte, cingindo-se a afirmar, em sede de alegações – que não nas conclusões do recurso – que a “prova pericial que é de valor reforçado não é abalada em momento algum pelos depoimentos e declarações e o mesmo se diga da prova documental junta aos autos acolhida na douta sentença e supra transcrita” – cf. p. 27, ponto 2.[2]

Salvo o devido respeito, a alegação não procede, desde logo porque a valoração das provas testemunhal e pericial merecem, no caso em apreço, a mesmíssima ponderação.

As provas, conforme ensina Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, pp. 47/48 –, são os meios a utilizar para o apuramento dos factos deduzidos pelas partes, podendo as normas relativas a esta matéria constituir (i) direito probatório material, que regula, principalmente, a admissibilidade das provas que poderão ser empregues, determinando quais os meios de prova que poderão ser utilizados e o seu valor, ou (ii) direito probatório formal, que regula o modo da produção das provas em juízo, determinando quais os actos a praticar para a utilização dos diversos meios de prova.

O art. 607.º, n.º 5, do CPC, em linha com o estatuído pelo art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização – exceptuando os limites que se reportam à prova tarifada ou legal –, fixando a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido, em conformidade racional com a prova produzida e com as regras da lógica e as máximas da experiência.

No que tange aos meios probatórios, o citado art. 607.º, n.º 5, do CPC, distingue claramente a prova de livre apreciação e a prova legal/tarifada:

(i) Estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova: a prova testemunhal, a prova por inspecção e a prova pericial – cf. arts. 396.º, 391.º e 389.º do Código Civil (CC) –, bem como as declarações de parte não confessórias e as verificações não judiciais qualificadas feitas por entidades privadas – cf. arts. 466.º, n.º 3, e 494.º, n.º 2, do CPC.

(ii) Têm o valor probatório fixado na lei (prova legal): os documentos escritos, autênticos, autenticados e particulares – cf. arts. 371.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do CC –, a confissão escrita ou reduzida a escrito, seja feita em juízo, seja em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente – cf. arts. 358.º, n.ºs 1 e 2, do CC e 463.º do CPC [nos restantes casos, a confissão fica sujeita à regra da livre apreciação – art. 361.º do CC], as presunções legais stricto sensu – cf. art. 350.º do CC – e a admissão por acordo – cf., v.g., arts. 567.º, n.º 1, 574.º, n.º 2, 587.º, n.º 1, do CPC.

Tal como expendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2019, p. 720, o juiz deve “expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados”.

Ou seja, o juiz tem, necessariamente, de fazer uma análise crítica e integrada das declarações e/ou dos depoimentos produzidos, com os documentos e outros meios de prova oportunamente contraditados, insertos nos autos ou que lhe sejam oferecidos.

Foi isso que a 1.ª Instância fez… e bem.

Nas palavras de Antunes Varela, “[a] prova tem (…) atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade de facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidade do Mundo e as regras da experiência que nele se colhem) da verificação ou realidade do facto” – Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 116.º, p. 339.

 Enfatiza, por sua vez, Rita Lynce Faria que “a demonstração da realidade dos factos que se pretende com a prova traduz-se na convicção subjectiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida” – Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, p. 810.

Deste modo, para que se altere a decisão da matéria de facto da 1ª Instância não basta divergir da leitura que esta fez da factualidade, ao considerar determinados factos provados e outros não provados, impondo-se demonstrar que ocorreu erro (manifesto) que contrarie, de forma evidente, as regras da ciência da lógica e da experiência, apontando, de modo inequívoco, para o julgamento do facto num sentido diverso.

Não se olvide que por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz a quo, este está numa posição privilegiada para valorar os meios probatórios produzidos em sede de julgamento, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas e das partes elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação.

Como desenvolve Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas”, Volume I, p. 591:“O Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância”.

A mesma autora salienta – op. cit., p. 609 – que, em caso de dúvida, “face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.

Em sede de recurso, e segundo o estatuído no art. 662.º, n.º 1, do CPC, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.[3]

O preceito legal em apreço abrange quer as situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material – v.g., regras substantivas atinentes ao ónus de prova, admissibilidade dos meios de prova e sua força probatória –, quer, evidentemente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A autonomia decisória do Tribunal da Relação, no julgamento da matéria de facto, mediante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo – sem prejuízo dos temas de conhecimento oficioso está confinada, no que toca à identificação da matéria objecto de discordância, à observância do princípio do dispositivo: essa sindicância (da decisão de facto), a realizar pela 2.ª Instância, não tem como objectivo efectuar um segundo julgamento da causa, mas sim proceder à reapreciação dos juízos de facto impugnados – cf., entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-09-2017, Proc. n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1: “O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.[4]

Não cabe, por conseguinte, à Relação proceder a um novo julgamento, competindo-lhe antes reapreciar os pontos de facto que deverão ser enunciados pela(s) parte(s), nos termos do art. 640.º, n.º 1, al. a), mantendo-se também em vigor, na instância de recurso, o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 607.º, n.º 5, do CPC, estando a Relação adstrita a, por um lado, aferir sobre a razoabilidade da convicção do juiz da 1.ª instância, averiguando e decidindo se tal convicção foi formada segundo as regras da ciência, da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida, e, por outro, formar a sua própria convicção.

Evidentemente, na sua tarefa de reapreciação da prova, o Tribunal da Relação não poderá negligenciar as situações em que o tribunal a quo pura e simplesmente ignora determinado meio de prova ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludiram aos mesmos, ou afirmaram o contrário daquilo que o juiz da primeira instância exarou na sua motivação, não sendo esse, manifestamente, o caso.

Realce-se, porém, que o controlo do tribunal de recurso sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, em que a atribuição de maior credibilidade a uma fonte de prova sobre outra se baseia em opção assente na imediação e na oralidade, embora exija a avaliação dessa prova e não apenas a mera sindicância do raciocínio lógico, deve restringir a modificação da factualidade – provada e não provada –, por regra, aos casos de desconformidade entre os elementos de prova e a decisão de facto, não se podendo descurar que a prova testemunhal é notoriamente mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da sua credibilidade tem que se reconhecer que o tribunal a quo está em melhor posição.

Feitas estas observações, e tendo-se procedido nesta sede recursiva à análise e avaliação integral dos meios de prova oferecidos, e sua concatenação, salientaremos, apenas, em complemento do que a 1.ª Instância consignou na sua motivação, os seguintes aspectos quanto aos depoimentos testemunhais:

a) Testemunhas arroladas pelos autores:

- FF, consultora imobiliária, foi contactada para fazer a promoção do imóvel objecto do litígio em 2018. Corroborou que, nessa data, o imóvel estava em estado de «ruína», bastante degradado, inabitável, com paredes e telhado danificados, existindo partes do telhado caídas no interior do imóvel. Esclareceu que manteve a chave do imóvel em sua posse desde o primeiro dia e que foi contactada para abrir a porta a peritos mais tarde (em Julho de 2019).

- GG, conhece os autores desde 1976. Demonstrou um estado de exaltação, perceptível na gravação, o que foi notado e referido pela Meritíssima Juíza, expressando opiniões pessoais e por vezes críticas sobre o estado do imóvel e as pessoas envolvidas, chegando a classificar algumas afirmações como “mentira”, apresentando um tom defensivo e exasperado perante a insistência das perguntas, sentindo-se obrigado a responder a coisas que não sabia com certeza. Concorda-se com a 1.ª Instância ao apodar o depoimento em causa de “inflamado e pouco isento”.

- II, irmão mais velho do autor, utilizou termos como “impecável” e “espectacular” para descrever o bom estado do prédio no tempo do seu irmão, mas mostrou dificuldade em concretizar detalhes específicos sobre materiais ou cores, o que levou a advogada da ré a questionar a profundidade do seu conhecimento. Afirmou que o estabelecimento do seu irmão funcionou pelo menos 5 anos sem alvará – “pelo menos até 2008”. Reconheceu que a sua memória era de há 25 anos atrás e que era difícil recordar detalhes específicos. O testemunho denotou falta de conhecimento directo sobre o que se passou no interior do imóvel após a venda à família TT, ou sobre os detalhes do seu fecho e posterior degradação.

- JJ, a sua filha é casada com o filho do autor, com quem já convivia há bastante tempo. Quando frequentou o estabelecimento em ..., entre 1999 e 2001, o mesmo “tinha bom aspecto” e apresentava-se “em bom estado”, sendo explorado pela família TT. Foi objectivo nas suas respostas e admitiu não ter conhecimento sobre as partes do prédio onde não entrou.

- KK, sogra do filho do autor. Esforçou-se por ser descritiva e precisa, designadamente ao especificar a cor dos mosaicos (“floridos em tons de azul”) e ao comparar distâncias com a sala de audiências. Mencionou que não viu diferença no estado de limpeza e de conservação entre o tempo do autor AA (ou do seu irmão LL) e o tempo dos TT, referindo que o exterior do imóvel, presentemente, está “um bocado desagradável”, com “mau aspecto” devido a estar desabitado e degradado.

- DD, E..., Lda.. Fez um levantamento do estado do imóvel, em 2019, para elaborar um orçamento de obras no prédio. Depôs de forma objectiva, descrevendo o prédio como devoluto, antigo, vazio e em estado de degradação. Sublinhou a deterioração normal do imóvel ao longo do tempo, embora com alguns sinais de vandalismo ou “mau uso”. Enfatizou a degradação no telhado, que considerou antigo e danificado pelo furacão Lesley, com muitas telhas levantadas, causando infiltrações de água e danos nas paredes.

b) Testemunhas arroladas pela ré:

- MM, advogada da gerente da ré, OO, até 2012. Nunca foi ao imóvel, nem lá entrou.

- PP, irmã da gerente da ré. Revelou-se uma defensora acérrima da sua irmã, descrevendo pormenorizadamente o estado do imóvel antes e após a sua utilização pela ré, considerando que o imóvel foi mantido “impecável” com paredes, chão, portas e janelas limpos e arranjados. Desconhecia quando o imóvel foi entregue.

- RR, irmã da gerente da ré. Disse conhecer o prédio “com as palmas das minhas mãos” (sic), defendendo energicamente a actuação da ré enquanto ocupou o imóvel e descrevendo os trabalhos que a mesma efectuou para melhorar a sua utilização. Asseverou que a degradação do imóvel resultou do decurso tempo e do facto do mesmo estar fechado por tantos anos, afirmando que foi o Furacão Leslie que danificou o telhado do prédio.

- SS, filho da gerente da ré. Minuciou, com pormenor e clareza, os trabalhos realizados pela ré no imóvel. Disse que as obras de beneficiação foram feitas pela ré logo após a compra (a maior parte em 1997) e que o imóvel estava 100% funcional em 2008 quando o estabelecimento foi fechado pela ASAE, detalhando que as máquinas – forno de lenha, amassadeira, cortadora de pão – foram lacradas e o lacre ainda lá está, nunca mais lá tendo trabalhado a família TT.

- UU, filha da gerente da ré. Entrou no imóvel, pela primeira vez, em 1997, aquando da compra. Depôs de forma factual e descritiva, especialmente ao relatar as obras realizadas no imóvel pela ré e o processo de selagem pela ASAE. Afirmou, ainda, que entregou a chave do imóvel em Julho de 2018 a um agente de execução.

Do exposto emerge, como muito bem salientado na sentença recorrida, que os depoimentos circunstanciados das testemunhas da ré mostram que enquanto perdurou a ocupação e utilização do imóvel foram realizadas intervenções para tentar legalizar o estabelecimento, fazendo a ré as necessárias obras de manutenção, não se identificando, da parte dela, qualquer incúria na utilização do imóvel ou a ocorrência de qualquer acção de danificação ou deterioração coeva do período em que a ré deteve o imóvel na sua posse, sendo certo que entretanto, em 2008, o imóvel ficou devoluto, aí cessando quaisquer trabalhos da ré.

Ademais, os próprios peritos acentuaram que “o estado actual do referido imóvel é devido à falta de utilização e respetiva manutenção nos últimos 20 anose que os danos verificados são compatíveis com o facto de o edifício estar desocupado há vários anos” (sic).

Por outro lado, como também é pertinentemente mencionado na sentença: “Foi detectado o estado de degradação adiantada in loco, na diligência efectuada no dia 3 de Julho de 2018 e na sequência da transação judicial efectuada no Proc. n.º 745/11.... – quando a ele se deslocaram com os representantes legais da ré e dos autores – e acompanhados de agentes imobiliários que cada um, autores e ré encarregaram de promover a sua venda; obras de conservação e reparação necessárias à reposição do prédio e seu valor; pretendendo a obtenção, isenção ou inexigibilidade da licença de utilização, por se tratar de um prédio construído antes de 7 de Agosto de 1951, foi emitida pelo respectivo perito o certificado de ruína – mais uma vez os autores protelaram a entrega recusando receber no estado. Dos depoimentos das testemunhas filhos da ré e cotejo documental – que houve “… entrega da chave do referido imóvel...à dita agente mediadora imobiliária, que acompanhou o Sr. Mandatário dos autores – e claramente da sua confiança – pois ainda a detinha à data do julgamento para promover a venda do imóvel, conforme Cláusula VIII da transacção efectuada no dia 28 de Maio de 2018, no proc. 745/11..... – ou seja, a chave foi entregue à agente mediadora imobiliária, e testemunha – FF, casada, para que pudesse proceder à sua venda – mas a mesma ficou do mesmo modo acedível aos aqui autores.

Decorre assim que os autores – que nunca requereram entrega, e desde a definição operada em sede executiva aludindo ao estado degradado e em “ruínas” em que se encontra (note-se que a definição de ruína do documento junto é somente jurídica e não física), apesar de reconhecida a actual libertação dos ónus e encargos que impendiam e tendo a ré entretanto já procedido a registo na respectiva Conservatória em nome dos executados, continuaram a não aceitar a sua entrega (mediante devolução dos valores de restituição entretanto fixados) – o que foi sendo protelado ao longo de mais de uma década – e pretendem ser indemnizados do valor necessário de reposição no estado em que pretensamente se encontrava à data do negócio dissolvido – negócio esse havido no longínquo ano de 1997.

Largos anos volvidos, o estado do imóvel, um prédio de meados do seculo XX- de 1950, o não uso e a passagem do tempo, a falta de manutenção justificam o seu estado, que não pode claramente ser assacado a conduta negligente ou dolosa da ré – o contrato de compra e venda foi anulado por falta de licença para padaria – por sentença há muito transitada, e a ré deixou de utilizar o imóvel no ano de 2008, na sequência de intervenção da ASAE que selou a sua padaria” (sic).

Por fim, no que tange ao facto do tribunal a quo ter omitido a transcrição da passagem das respostas do relatório pericial onde consta “…avultados danos nas paredes, com uma alteração de uma divisão no R/C (fecho da mesma e aplicação de PVC como revestimento)”, considera-se que tal questão é absolutamente lateral e secundária, não influindo na análise relevante que se impõe – e que os recorrentes balizaram nas conclusões –, qual seja de verificar se o facto não provado n.º 5 deve transitar para a factualidade provada.

Por tudo o exposto, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto, mantendo-se a redacção do facto não provado n.º 5 nos seus precisos termos.

1.2. Se a factualidade não provada deve ser desconsiderada por, por um lado, não ter interesse para a boa decisão de mérito e, por outro lado, conflituar com a factualidade que é dada como provada no seu conjunto – em especial com as alíneas U), V), N), K), E), G), H), J), L) – devendo tomar-se por não escrita.

Entendem os recorrentes, outrossim, que “os factos que vem dados por não provados nenhum interesse têm para a boa decisão de mérito devendo ser desconsiderados atenta factualidade que vem e é dada como provada no seu conjunto, devendo tomar-se por não escrita, pois não pode significar, nem resultar dela o seu contrário tanto mais que ela consta da matéria provada”, salientando que “a factualidade no seu conjunto que vem apurada e dada por provada nas alíneas U), V), N), K), E), G), H), J), L) além de outras, dos factos assentes por si só abrange a factualidade dada por não provada, que com esta conflitua”.

Recapitulando, o tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:

1. A deterioração que o imóvel apresentava à data de 3 de Julho de 2018 decorria de actuação dolosa, de danificação ou negligente da sua banda, no respeitante à sua normal utilização;

2. A ré entregou aos autores cópia de chave no dia 3 de Julho de 2018 (data em que os autores e representantes da ré se deslocaram ao prédio) em cumprimento do clausulado na transacção judicial lavrada no processo nº 745/11.... e tão só para os autores, com a ré, promoverem a respectiva venda.

3. A ré recebeu o prédio sem defeito algum, com a casa de cozedura, adega, com as instalações elétricas e canalizações de água em perfeitas condições de funcionamento, etc;

4. e durante aqueles anos de fruição e utilidade do prédio objecto do contrato anulado, a ré nunca lá gastou um cêntimo que fosse com despesas de manutenção, conservação ou reparação (para além das benfeitorias referidas nos art.ºs 8º e 33º da p.i.);

5. A ré fez dele uma utilização imprudente e inadequada, tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras portas, pavimentos, inutilizou e destruíu alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.

6. Que à data de Fevereiro de 1997 o prédio apresentava o estado a que se chegara por via das obras peritadas nos presentes autos para “reposição”.

No que tange à invocada irrelevância da matéria de facto não provada é evidente que não assiste qualquer razão aos recorrentes, tendo-se o tribunal de 1.ª instância limitado a apreciar, como era devido, a matéria de facto relevante que foi alegada no articulado da petição inicial apresentada pelos autores, designadamente:

- no artigo 41.º (“… há mais de 22 anos, com as chaves do mesmo, pois nunca as entregaram aos Autores, senão uma cópia no dia 3 de Julho de 2018 (data em que os Autores e Réus se deslocaram ao prédio) e tão só para os Autores, com a Ré promoverem a respectiva venda, e em cumprimento do clausulado na transacção judicial supra referida (art.º 38º e 39º desta peça de justiça) – facto não provado n.º 2;

- no artigo 45.º (“… a Ré recebeu o dito prédio objecto do negócio anulado, como se disse, com os já ditos estabelecimentos em laboração e asseado, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum, com o forno da padaria em perfeito estado de laboração, a casa de cozedura, adega, com as instalações elétricas e canalizações de água em perfeitas condições de funcionamento, etc. – facto não provado n.º 3;

- no artigo 46º (“E durante aqueles longos anos de fruição e utilidade do prédio objecto do contrato anulado, a Ré nunca lá gastou um cêntimo que fosse com despesas de conservação ou reparação para além das benfeitorias referidas nos art.ºs 8º e 33º desta p.i.”) – facto não provado n.º 4;

- no artigo 47.º (“a Ré fez dele uma utilização imprudente e inadequada, tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizaram e destruíram as alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.” – facto não provado n.º 5;

- no artigo 51.º (“Estado de degradação que se agravou ao longo dos anos, ou seja, desde a data da referida peritagem até ao presente momento, sem que nunca a Ré nele tenha efetuado qualquer tipo de manutenção, conservação ou reparação e de forma a repor e manter o imóvel no estado em que o recebeu em Fevereiro de 1997”), no artigo 52.º (“Carecendo hoje o prédio de profundas obras de reparação e conservação para o repor no estado em que se encontrava e o recebeu no dia 24 de Fevereiro de 1997, ou seja, no dia em que os Autores o entregaram à Ré e lhe transferiram a sua posse e propriedade mediante a referida escritura anulada e que serviu e serve de título executivo na acção executiva referida nos artºs 16º e 17º da p.i.) e no artigo 57.º (“O prédio para apresentar o mesmo estado com que a Ré o recebeu na data da escritura pública, ou seja em 24 de Fevereiro de 1997, carece no mínimo de pelo menos, das seguintes obras de conservação e reparação, e conforme mapa de quantidade de trabalhos que aqui se junta e reproduz para todos os legais efeitos (…)”” – facto não provado n.º 6;

- no artigo 76.º (“o prédio a restituir por falta de conservação e utilização imprudente está degradado, danificado, em estado de adiantada ruina e muito desvalorizado, mesmo no seu valor patrimonial e de mercado, prédio que a Ré nunca lhes entregou (…)”)facto não provado n.º 1 (no que se refere à utilização imprudente).

Acresce referir, também, não se verificar que ocorra qualquer contradição entre os factos provados e os não provados, sendo certo, ademais, que constitui entendimento prevalecente que só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente inconciliáveis entre si.

Lendo as conclusões regista-se que os recorrentes apenas aduzem, na 20.ª conclusão que, “[a] factualidade no seu conjunto que vem apurada e dada por provada nas alíneas U), V), N), K), E), G), H), J), L) além de outras, dos factos assentes por si só abrange a factualidade dada por não provada, que com esta conflitua” (sic).

Todavia, os recorrentes coibiram-se de indicar nas conclusões em que consiste essa contradição, sendo pacífico o entendimento jurisprudencial que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objecto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, o que resulta da leitura concertadas dos arts. 635.º, n.º 4 [“, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, ex vi art. 679.º todos do CPC – a este respeito, entre muitos outros, cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-04-2023, Proc. n.º 1088/09.4TBCTX-A.E1.S1.

Em consonância, poder-nos-íamos cingir a dar por prejudicado o conhecimento desta concreta questão, sendo certo, em todo o caso, não se vislumbrar qualquer contradição relevante dos factos provados e não provados que inquine a decisão de facto do tribunal a quo.

Mas mesmo que assim não se entendesse, e se tentasse remediar esta pecha do recurso, não assiste qualquer razão aos recorrentes, como emerge da leitura do corpo das alagações da sua impugnação recursiva; vejamos:

a) Dizem os recorrentes que no que se refere à alínea U) da matéria assente, ao dar como provado: “…a ré possuiu, fruiu, e utilizou o prédio, dele retirando ao menos parte das suas utilidades como se seus donos fosse, até 2008, altura em que abandonou o prédio; e permitiu que fosse onerado com penhoras para garantia de créditos da sua responsabilidade, sejam da Autoridade Tributária, da Segurança Social ou de terceiro, até ao cancelamento...”, e à alínea R) da matéria assente, ao dar como provado: “…A ré, até ao momento (da contestação) nunca entregou aos autores o referido imóvel…”, que essa factualidade está em contradição com o facto n.º 1 não provado: “A deterioração que o imóvel apresentava à data de 3 de Julho de 2018 decorria de actuação dolosa, de danificação ou negligente da sua banda, no respeitante à sua normal utilização”  (cf. ponto IV, 1, a), p. 11, das alegações).

Salvo o devido respeito, lendo a factualidade supra reproduzida, não se antolha onde radica a contradição entre as alíneas U) e R) dos factos provados e o facto não provado n.º 1, pelo que improcede tal questão.

b) Referem os recorrentes, de seguida, que a alínea W) da matéria assente ao dar como provado: “A ré recebeu o prédio com os ditos estabelecimentos em laboração e asseados, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum, com o forno da lenha da padaria em perfeito estado de laboração”, e a alínea N) ao dar como provado “Na sentença proferida na oposição à execução (Doc. nº 8), processo n.º 684/11.... supra referido, (o tribunal deu como provado que):

“6. A Exequente recebeu o prédio referido em 3. a 24 de Fevereiro de 1997.

7. Com um estabelecimento industrial (padaria) e um comercial (mercearia) em laboração.

8. Asseado, com paredes limpas e rebocadas.

9. Bem pintado e alcatifado.

10. Com forno de padaria em perfeito estado de laboração.

11. Com casa de cozedura, adega, máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas, produtos para venda, bancas, estaleiros, estantes e banca de atendimento ao público.

… 23. Por contrato reduzido a escrito (fls. 61) a Exequente vendeu à Santa Casa da Misericórdia ...” parte do prédio referido em 3., e, posteriormente, as partes acordaram dar sem efeito tal negócio (fls 220 a 227).

24. E foi restituído à “Santa Casa da Misericórdia ...” o preço pago mais juros (fls.220 a 227 e 311 a 313).

25. Tendo recuperado o gozo e fruição da totalidade do prédio”; está em contradição com o facto não provado n.º 3, onde consta: “A ré recebeu o prédio sem defeito algum, com a casa de cozedura, adega, com as instalações elétricas e canalizações de água em perfeitas condições de funcionamento, etc.” (cf. ponto IV, 1, b), p. 12, das alegações).

Sem qualquer razão.

Recorde-se que os autores alegaram, no art. 45.º da petição inicial: “[A] Ré recebeu o dito prédio objecto do negócio anulado, como se disse, com os já ditos estabelecimentos em laboração e asseado, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum, com o forno da padaria em perfeito estado de laboração, a casa de cozedura, adega, com as instalações elétricas e canalizações de água em perfeitas condições de funcionamento, etc.”

Do ali alegado provou-se, apenas, a primeira parte da alegação: A ré recebeu o prédio com os ditos estabelecimentos em laboração e asseados, com paredes e pavimentos limpos, rebocados, bem pintado e alcatifado, com as suas carpintarias envernizadas, as portas e janelas, os seus aros sem defeito algum, com o forno da lenha da padaria em perfeito estado de laboração”; por sua vez não se provou, a segunda parte da alegação: “A ré recebeu o prédio sem defeito algum, com a casa de cozedura, adega, com as instalações elétricas e canalizações de água em perfeitas condições de funcionamento, etc.”

Não se vislumbra, assim, que corra qualquer contradição.

c) Dizem os recorrentes, outrossim, que a alínea U) dos factos provados: “…a ré …e permitiu que fosse onerado com penhoras para garantia de créditos da sua responsabilidade, sejam da Autoridade Tributária, da Segurança Social ou de terceiro, até ao cancelamento, tendo sobre o mesmo recaído os seguintes ónus: --- constituição de hipoteca em 7-07-2006, cancelada a 13-2-2007; penhora da Fazenda Nacional de 3-08-2007, cancelada a 15-10-2007; penhora da Fazenda Nacional de 27-07-2009, cancelada a 26-04-2010; penhora de CC de 9-11-2011, cancelada a 26-11-2018, no valor de € 19 619,38; penhora de D... de 25-06-2013, cancelada 3-09-2015, no valor de € 1231,91; penhora da Fazenda nacional no valor de 1013,83, cancelada a 4-04-2018; hipoteca legal do IGFSS de € 6674,76, de 17-5-2017, cancelada a 20-04-2018....”, e a alínea J) dos factos provados: “A ora ré, em consequência da referida compra e venda recebeu, ocupou, fruiu e utilizou os estabelecimentos industriais e o mini mercado em funcionamento no prédio e nele instalados, os quais, também mantiveram, fruíram e exploraram por vários anos, exploração, ocupação, fruição e utilização que também fizeram da sua parte habitacional, cedendo-o inclusive para habitação a terceiros, inclusive prometendo vender uma sua parte de que receberam o respectivo preço (15.000,00€), a título de sinal e integral pagamento, fazendo a respectiva entrega material - venda que efectuaram à Santa Casa da Misericórdia local, que depois anularam, devolvendo a ré o preço acordado e a Santa Casa a parte que ocupou em razão dessa venda anulada e da entrega material dessa parte do prédio.” [e bem assim o que consta do “…relatório pericial emanado nos presentes autos…” que refere que o imóvel encontra-se devoluto, num estado avançado de degradação e/ou ruína, mostrando em certas divisões sinais de possível mau uso (portas de alumínio partidas, cozinha/móveis inexistentes e papel de parede arrancado) e denotando completa ausência de manutenção; … enquanto no 1.º andar estão em mau estado geral de conservação, … as alcatifas e papel decorativo do 1.º andar estão também deteriorados, arrancados e/ou estragados (etc.) concluindo que “Os danos verificados são compatíveis com o facto de o edifício estar desocupado há vários anos…. o estado actual do referido imóvel é devido à falta de utilização e respetiva manutenção nos últimos 20 anos”; estão em contradição com os factos não provados n.º 1:“A deterioração que o imóvel apresentava à data de 3 de Julho de 2018 decorria de actuação dolosa, de danificação ou negligente da sua banda, no respeitante à sua normal utilização”, e n.º 5: “A ré fez dele uma utilização imprudente e inadequada, tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizou e destruíu alcatifas, e no 1º andar habitacional, até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.”] está em contradição com o facto não provado n.º 1: “A deterioração que o imóvel apresentava à data de 3 de Julho de 2018 decorria de actuação dolosa, de danificação ou negligente da sua banda, no respeitante à sua normal utilização” e em 5) “A ré fez dele uma utilização imprudente e inadequada, tendo nele causado enormes danos, nas suas paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizou e destruíu alcatifas, e no 1º andar habitacional,até o papel decorativo das suas paredes foi arrancado, rasgado ou deteriorado, etc.” (cf. ponto IV, 1, c), pp. 12/13, das alegações).

Uma vez mais, e salvo o devido respeito, não se vislumbra que exista qualquer contradição entre os factos provados e os não provados, sendo inequívoco que o facto não provado antes reproduzido está relacionado com a alegada conduta da ré (dolosa, negligente, imprudente e inadequada) que os autores não lograram provar minimamente.

d) Finalmente, mencionam os recorrentes que os factos provados na alínea CC): “O imóvel carece no mínimo de pelo menos, das seguintes obras de conservação e reparação, e conforme mapa de quantidade de trabalhos que aqui se junta e reproduz para todos os legais efeitos (Doc. n.º 12)”, na alínea L) dos factos provados: “Promovida a certificação energética do dito prédio, para a celebração do contrato de mediação e para a sua comercialização, foi emitida em vez deste certificado, “Declaração de Ruina”, em 20 de Agosto de 2018, declaração esta referenciada ...35- cf. Doc. n.º 11 da pi.”, na alínea K): “Em peritagem ao prédio efectuada nos autos com o Proc. n.º 745/11.... do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede – Acção Pauliana – os Srs. Peritos, em Fevereiro de 2013, referiam que “as paredes no seu geral, estão degradadas, com exepção das áreas dos sanitários do pessoal, cama frigorifica e depósito de farinha. As madeiras e guarnições estão deterioradas e a carecer de intervenção ou beneficiação geral profunda, para nele funcionar e laborar um estabelecimento padaria e minimercado.”(Doc. n.º 10), respondendo afirmativamente, que no 1º andar, para além do reboco das paredes e pinturas, as alcatifas estão também deterioradas e estragadas; concluindo ainda os Srs. Peritos e em resposta a quesito formulado pela ré que “O estado em que o imóvel se encontra actualmente deve-se a utilização do mesmo e a falta de manutenção” e na alínea X): “Carecendo hoje o prédio de profundas obras de reparação e conservação para o repor no estado em que se encontrava- à data de 24 de Fevereiro de 1997, face ao longo tempo decorrido e sua desocupação desde 2008, assim bem como aos efeitos do fenómeno Leslie - e este estado de degradação adiantada que foi verificado in loco, na diligência efectuada no dia 3 de Julho de 2018 e na sequência da transação judicial efectuada no Proc. n.º 745/11.... - quando a ele se deslocaram com os representantes legais da ré e dos autores- e acompanhados de agentes imobiliários que cada um, autores e ré encarregaram de promover a sua venda.”, estão em contradição com o facto não provado n.º 4: “ “…e durante aqueles anos de fruição e utilidade do prédio objecto do contrato anulado, a ré nunca lá gastou um cêntimo que fosse com despesas de manutenção, conservação ou reparação (para além das benfeitorias referidas nos art.ºs 8º e 33º da p.i.)”. (cf. ponto IV, 1, d), pp. 13, das alegações).

Uma vez mais, não se antolha que ocorra qualquer contradição entre os factos em apreço, porquanto, além do carácter conclusivo da expressão – despesas de manutenção, conservação ou reparação –, as testemunhas arroladas pela ré foram categóricas ao depor no sentido da TT, Lda., ter realizado diversíssimas intervenções e melhoramentos no imóvel, enquanto nele permaneceu e laborou – desde 1997 até 2008 –, tendo ainda ficado provado que “face ao longo tempo decorrido e sua desocupação desde 2008, assim bem como aos efeitos do fenómeno Leslie - e este estado de degradação adiantada que foi verificado in loco, na diligência efectuada no dia 3 de Julho de 2018 e na sequência da transação judicial efectuada no Proc. n.º 745/11.... - quando a ele se deslocaram com os representantes legais da ré e dos autores- e acompanhados de agentes imobiliários que cada um, autores e ré encarregaram de promover a sua venda” (alínea X)) e que – facto que os recorrentes omitem, apesar de não terem impugnado essa realidade – “[p]elo menos desde o ano de 2008 os Estabelecimentos Comerciais foram fechados pela ASAE, tendo a ré deslocado a sua atividade para outro local, não usando desde então imóvel, nem retirando do mesmo qualquer proveito” – factualidade assente Y.

Ou seja, a realidade é que desde 2008 até à data da instauração deste processo o imóvel esteve ao abandono, sendo essa desocupação pela ré e a tempestade Leslie as causas da degradação, não olvidando, conforme muito bem se diz na sentença, que os depoimentos circunstanciados das testemunhas da ré mostram que enquanto perdurou a ocupação e utilização houve obras para tentar legalizar os estabelecimentos, fazendo as necessárias obras de manutenção - refutando qualquer acção de danificação ou deterioração coeva; entretanto, em 2008 o imóvel ficou devoluto, aí cessando qualquer trabalhos (sic, sublinhado nosso).

Por fim, tal como se exarou, no âmbito do actual CPC, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-12-2017, Proc. n.º 320/15.0T8MGR.C1, só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não possam coexistir, sendo certo que essa incompatibilidade deve existir entre os próprios factos provados, e já não em relação aos factos dados como não provados, pois que em relação a estes tudo se deve passar como se na verdade não tivessem sido alegados.

De igual modo, e mais recentemente, também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24-02-2025, Proc. n.º 2494/18.9T8PNF.P1, se escreveu: “É jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário e donde resulta que não pode ocorrer contradição entre factos não provados”.

Posto isto, verifica-se que a alegada contradição invocada pelos recorrentes entre os factos provados – factualidade inserta nas alíneas U), V), N), K), E), G), H), J), e L) – e não provados – pontos 2, 3, 4, 5 e 6 – é inexistente.

E nesta parte improcede, igualmente, a pretensão recursiva dos autores.

2. Omissão de pronúncia e excesso de pronúncia (conclusões 17 a 19 e 25 e 26).

Os recorrentes aduzem que a sentença em crise padece igualmente de nulidades cominadas pelo art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC.

Assim, nas conclusões 17.ª a 19.ª, desenvolvem, por um lado, que o tribunal a quo não se debruçou sobre o que foi por eles alegado no art. 76.º da petição inicial, no que tange ao abuso de direito da ré pelo facto da mesma ter consigo a posse material e jurídica do imóvel do negócio anulado, pelo que ocorre omissão de pronúncia; e nas conclusões 25.ª e 26.ª entendem que o tribunal incorreu em excesso de pronúncia, porquanto, sustentam, “A “…utilização imprudente e inadequada…” alegada e peticionada na p.i. como se demonstrou não tem de ser para o êxito da acção e procedência dos pedidos uma “acção delituosa” ou de a Ré não efectuar no prédio “benfeitorias necessárias a evitar a perda, destruição ou deteoriação da coisa” como se escreve na fundamentação da douta sentença (pág. 29)” .

Uma vez mais, sem qualquer razão.

As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no art. 615.º, n.º 1 do CPC, que prescreve que a decisão judicial é nula, além de outras situações, quando:

– alínea c): Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

– alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
  Constituem, pois, vícios formais e tipificados, intrínsecos à decisão, inerentes à formação do silogismo judiciário e à harmonia entre as premissas e a conclusão, que devem ser apreciados em função do texto e do discurso lógico desenvolvidos na sentença, não se confundindo com hipotéticos erros de julgamento – error in judicando – de facto ou de direito.
  Acompanhando Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, p. 735 –, tratam-se de vícios relativos “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”.

Isto dito, detenhamo-nos no caso concreto.

O art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, como se mencionou, sanciona a sentença com nulidade na eventualidade do tribunal deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A nulidade em causa ocorre, ou por omissão ou por excesso de pronúncia, e é “…uma clara manifestação do princípio dispositivo quanto ao thema decidendum: a decisão deve ter por objeto o mesmo objeto que as partes deduziram – nem mais, nem menos, nem outro” – cf. Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, Maio de 2020, p. 21.[5]

Começando pela nulidade por omissão de pronúncia, referem os recorrentes que no art. 76.º da petição inicial invocaram “E ao invés, o prédio a restituir por falta de conservação e utilização imprudente está degradado, danificado, em estado de adiantada ruina e muito desvalorizado, mesmo no seu valor patrimonial e de mercado, prédio que a Ré nunca lhes entregou, registado em seu nome e onerado e em claro abuso de direito, que aqui se invoca”, não se tendo a sentença pronunciado sofre o alegado abuso do direito.  De harmonia, concluem: “O Tribunal deveria conhecer de todas as questões do invocado abuso de direito e não emitiu qualquer pronúncia, violação cominada com nulidade, que aqui se suscita e invoca” (sic) – cf., ainda, ponto 2, pp. 10/11 das alegações.

A falta (ou omissão) de pronúncia está prevista na 1ª parte da referida al. d) do art. 615.º, n.º 1, do CPC, e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os arts. 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cf. a 1ª parte do n.º 2 do art. 608.º).

Trata-se, pois, de uma omissão de julgamento, de forma ou de mérito, a qual não se confunde com uma decisão efectiva de não conhecimento da questão, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais ou quando a apreciação da questão suscitada pela parte fica prejudicada pela solução jurídica a que o tribunal chegou, sendo esse manifestamente o caso em apreço.

Com efeito, a apreciação de uma questão considera-se prejudicada quando o tribunal não se pronunciou, de modo explícito, sobre uma determinada questão, mas essa omissão não constitui uma nulidade, pois a decisão dessa questão ficou afectada pela solução dada a uma outra questão principal: por outras palavras, quando a decisão sobre uma determinada questão se torna desnecessária, pois uma outra decisão a torna irrelevante ou impossível, não se verifica a omissão de pronúncia.

Deste modo, improcede a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Por outro lado, no que tange ao invocado excesso de pronúncia, o mesmo não se regista sendo certo que o tribunal se cingiu a enquadrar juridicamente os factos que deu por provados, aplicando-lhes o direito que julgou adequado, não olvidando, conforme decorre do art. 5.º, n.º 3, do CPC, o tribunal possui liberdade na indagação e aplicação do direito, ou seja, o juiz pode, em regra, escolher, interpretar e aplicar as normas jurídicas, mesmo que essas não tenham sido alegadas pelas partes.[6]

Por conseguinte, a sentença sob recurso não padece de qualquer nulidade.

Entende os apelantes, igualmente, que a sentença é nula por haver contradição entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados, para concluir que a solução jurídica dada ao litígio deveria ter sido outra.
  Como se expôs supra, o art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, comina de nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, porquanto entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: assim, se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição.
  Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta; isto é, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados emana determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é um erro de julgamento e não oposição nos termos antes aludidos – cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, p. 298.
  Por outras palavras, indagar se a decisão é a correcta, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da sentença. Acresce frisar que a contradição entre factos provados e/ou entre factos provados e não provados – que, como antes dissemos, não se vislumbra minimamente no caso concreto – não se confunde com a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615.º do CPC. Nestas circunstâncias poder-se-á estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situação que encontra acolhimento na previsão do art. 662.º do CPC, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual esses casos devem ser avaliados.
  Isto mesmo é frisado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-05-2023, Proc. n.º 960/21.8T8GRD.C1.S1: “A contradição entre factos provados e factos não provados não integra a nulidade do n.º 1, alínea c) do art. 615.º do CPC, já que não se trata de contradição entre os fundamentos e a decisão”.
  Conforme se desenvolve, com acerto, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-06-2023, Proc. n.º 12225/21.0T8SNT.L1-2: “A nulidade da sentença a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença ou quando neste se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna a própria decisão ininteligível, não se estando aqui o legislador a referir à decisão da matéria de facto. Com efeito, quando esta última seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, não é caso para arguição da nulidade da sentença, antes para a impugnação da decisão da matéria de facto e sua modificação, que até pode ser oficiosamente determinada em certas situações, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do CPC”.
  Por conseguinte, improcede a alegada nulidade.

3. Errada aplicação do direito: (conclusões 21 a 30): Do dever de conservação e manutenção do prédio que impendia sobre a ré, detentora da posse material e jurídica do prédio, independentemente da sua acção ser ou não delituosa.

Fixados os factos, analisemos o recurso dos recorrentes no que tange ao direito aplicado pela 1.º Instância.

Recapitulando, os autores/recorrentes, após se referirem ao art. 89.º, n.º 1, do RJEU, sustentam que tendo a ré a “posse material e jurídica do prédio dele fruindo, utilizando-o exclusivamente, onerando com hipotecas e penhoras até por recurso e aplicação do disposto no artº 1472º do CC – encontra-se vinculada à realização de obras de conservação de forma a manter o prédio como do pedido consta “…em bom estado de conservação, asseado, com paredes limpas e rebocadas, bem pintado e alcatifado…” e não em “…em estado de ruína adiantado…” conforme consta em L) dos factos provados, procedendo às obras para o ”…repor no estado em que se encontrava à data da escritura anulada …” e do “…montante de 89.900,00€…”, salientando, ainda: “Constitui obrigação e dever de agir em obras de conservação do prédio no caso o detentor da posse material e jurídica, a Ré, também por força do artº 807º do Código Civil”.

Por outro lado, consideram que “não tem interesse para a apreciação dos pedidos e da presente acção a consideração da actuação da Ré ser ou não ser delituosa, danosa ou com culpa grave”, tendo o tribunal a quo incorrido em erro de julgamento “violando, entre outros os arts. 607.º, 421.º, n.º 1, 615.º, nº 1 alíneas c) e d) do CPC, 290.º, 807.º, 1472.º, 334.º e 389.º do CC e 89.º, n.º 1 do RJEU” (sic).
Vejamos, então, o que dizer do mérito da decisão tomada pela 1.ª Instância.
Após mencionar correctamente os pedidos que subsistiram para apreciar nesta acção, por força do Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 25-05-2021 (Apenso A)[7], escreveu-se na fundamentação de direito da sentença o seguinte (sublinhados nossos):
“Era objecto do litígio saber se a ré fez do imóvel a restituir utilização imprudente e inadequada, danificando paredes, alterando divisões ou compartimentos, estragando e sujando as pinturas, as madeiras, portas, pavimentos, inutilizaram e destruindo as alcatifas, e no 1º andar habitacional, arrancando e deteriorando o papel decorativo das suas paredes, sem que nunca a ré nele tenha efetuado qualquer tipo de manutenção, conservação ou reparação e de forma a repor e manter o imóvel no estado em que o recebeu em Fevereiro de 1997; e se o imóvel carece de obras de reparação e conservação para o repor no estado em que se encontrava e o recebeu no dia 24 de Fevereiro de 1997.
A procedência de um pedido fundado em responsabilidade extracontratual depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos (cf. artº483º, nº1 do CC): a) O facto que se traduz num acto de conteúdo positivo ou negativo traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou agente, no exercício das suas funções e por causa delas). b) A ilicitude, que advém da violação por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios. c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, a título de dolo ou negligência. d) O dano, lesão ou prejuízo de valor patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros. e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano a apurar segundo a teoria da causalidade adequada. Ora, desde logo, não se prova a existência de qualquer facto ilícito praticado pela ré.
A factualidade não provada neste particular impõe decisão de improcedência - não resultando desde logo que que o estado do imóvel à data evidenciada nas perícias resultasse da acção ou inacção delitual da ré, aí exequente.
Ademais, operada a anulação e desocupado o imóvel, a ré não estava obrigada - no âmbito do sinalagma - a prover - cf. art. 216º do CC - às benfeitorias necessárias a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; nem a invocação da exceptio a responsabilizava pelo risco decorrente do perecimento ou deterioração da coisa.- a partir do momento em que cessara a sua utilização. E aos autores não estava vedada a possibilidade de- se necessário - agindo judicialmente - exercerem os seus direitos e deveres de vigilância da coisa.
Não assiste razão aos autores, que pretendem eternizar o litígio. Veja-se em síntese:
-Por acórdão de 02 de Fevereiro de 2010 (na acção 151/2002- instaurada pela ré em 2002) foi anulado o contrato de compra e venda celebrado entre a A. (ora, ré) e os RR.(ora, autores), no dia 24-02-97, e condenados os RR. (ora, autores) a restituir-se à A.(aqui ré) a quantia de €199.519,00 (correspondente a Esc. 40.000.000$00), acrescida de juros à taxa anual de 7% (Port. Nº 263/99) desde 5-03-2003, e à taxa de 4% (Port. Nº 291/2003), desde 1-05-2003; e ainda a pagar à A. (ora, ré) a quantia de €19.952,00 (correspondente a Esc. 4.000.000$00)…”, a titulo de benfeitorias.
- Por notificação judicial avulsa concretizada em 26 de Março de 2012, a ré deu conhecimento aos autores que só entregaria as chaves do imóvel em causa “mediante a entrega de cheque visado” de €288.096,96€ (cf. Doc. n.º 4).(liquidando os juros de mora à data em 67606,88 €- assim, € 199519,00+€ 67606,88 +19952,00)
- Em 12 de Julho de 2011, a ré deu à execução aquele acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e deduzida oposição, por acórdão de 11 de Dezembro de 2012 foi decidido “…não é possível afirmar que a exequente (ora, ré) tenha já cumprido a sua parte do sinalagma restitutório”; mais entendendo, “…o que se exige à Exequente é não só uma restituição material e possessória do imóvel, como também a sua restituição jurídica e nas mesmas circunstâncias em que o recebeu, isto é, livre de quaisquer ónus ou encargos”, e sendo manifesto que a Exequente apenas está em condições de restituir em espécie o imóvel, não poderá a mesma exigir a restituição do valor correspondente aos estabelecimentos – e como o imóvel valia €130.685,05, “…a Exequente apenas pode exigir dos Executados a quantia de €130.685,05, acrescida de juros moratórios desde 05-03-2003” (Doc. n.º 8) e “ tem ainda a haver dos executados, já fora da lógica do sinalagma restitutório, a quantia de €19.952,00 acrescida de juros moratórios vincendos desde a data da propositura da acção executiva (12-07-2011)”. A assim a 22 de Abril de 2016 foi determinado:

Destarte, ficou o prosseguimento da execução para cobrança coactiva de tais valores dependente de prévia entrega material (a comprovar por documento de aceitação dos executados ou consignação em depósito) e jurídica ( a comprovar no processo executivo por junção de certidão predial no qual conste a propriedade inscrita a favor dos executados e a ausência de ónus e encargo, com excepção de eventual penhora para garantia do pagamento da quantia em divida…

- Entretanto na acção pauliana - Proc. nº 745/11.... do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, que entretanto transitou para o Tribunal Judicial de Coimbra – Juízo Central J2 - contra os aqui autores, as partes puseram termo à causa, por transação nele efectuada e homologada por sentença de 28 de Maio de 2018 (Doc. n.º 9….), nos seguintes termos: “Autora e Réus acordam em suspender a entrega material e jurídica do prédio referido na alínea A) dos factos assentes (imóvel sito na Rua ..., ..., concelho ...), para providenciarem pela venda do mesmo a terceiro, no prazo de 12 meses contados desta data, e pelo valor do crédito da Autora ( a aqui ré) consignado no ponto 1 do dispositivo da sentença proferida no Processo n.º 684/11.... e a dar conhecimento aos autos 684/11.... do presente acordo” – Cláusula I (Doc. n.º 9). Consignando também que “A Autora ( a ora ré) entregará uma cópia das chaves aos Réus ou à pessoa que acompanhar o seu Ilustre Mandatário, para lhes permitirem também promover activamente a venda do imóvel, na data que vier a ser agendada por mediadores indicados e contactados por ambas as partes, para irem ao local examinar e avaliar o imóvel, o que deve ocorrer no prazo de 15 dias” -Cláusula VIII (Doc. n.º 9).

---Em 11-01-2018 junto do processo nº 684/11...., a aqui ré e ali exequente A..., Lda., Exequente, notificada da decisão proferida – definitivamente transitada em julgado – que condicionara o prosseguimento do processo executivo para cobrança coativa das quantias de 130.685,05 €, 44.321,88 €, 19.952,00 € e, ainda, dos juros de mora vincendos sobre o capital de 130.685,05 € até efetivo e integral pagamento, à prévia entrega material e jurídica do imóvel aos executados, requereu fosse designada data e hora para que ela Exequente procedesse à referida entrega material aos executados nesse Tribunal e na presença do juiz.

Não cabe nas decisões inúmeras já referidas qualquer direito a serem indemnizados pelo tempo que a ré usufruiu o imóvel.

Como decorre do despacho saneador, a ré foi absolvida da instância quanto aos demais pedidos, por excepção de caso julgado: foram nos autos executivos e decisão, acima indicada descrita nos factos provados, já definidos os termos do “sinalagma restitutório”, da relação de liquidação, a qual não abarcou a pretendida pretensão indemnizatória (atinente a deteriorações anormais do imóvel) não podendo os autores, por via da presente acção, alterar o aí já definido.

O que se exigia na supra mencionada execução, e já se decidiu, era uma restituição material e possessória do imóvel, como também a sua restituição jurídica e nas mesmas circunstâncias em que a Exequente o recebeu, isto é, livre de quaisquer ónus ou encargos- i. é fazendo regressar a situação registral do imóvel ao “status quo ante” à celebração do contrato, de forma a que do registo predial do imóvel passe a constar que a propriedade do mesmo se encontra inscrita a favor dos Executados e sem que sobre o mesmo recaiam quaisquer ónus ou encargos, com excepção da eventual arresto/penhora para garantir o pagamento da obrigação de restituição do preço por parte dos executados.

E note-se ainda, quanto ao alegado valor pretendido a título de privação dos estabelecimentos, o seu valor foi já deduzido à obrigação restitutória dos executados, ora autores, decisão que se encontra transitada em julgado, inexistindo fundamento legal para sequer equacionar a fixação de qualquer indemnização a este título (perda dos estabelecimentos). E de contrário, dentro da lógica do sinalagma restitutório, seria também necessário equacionar como indemnizar a ré pelos rendimentos (juros remuneratórios) que poderia ter auferido caso não se encontrasse privada desde a celebração do contrato do dinheiro que tem a haver dos autores.

Assim, e por força da autoridade de caso julgado, haviam soçobrado já em sede de despacho saneador os (originários) pedidos seguintes:

“3 – Não sendo a restituição em espécie possível, ser a quantia que os Autores têm que devolver à Ré em consequência do identificado negócio relativa ao preço, benfeitorias e respectivos juros constantes da sentença identificada no art.º 31º desta p.i, ser deduzida daquele valor das obras de 89.900,00€.

4 – A reconhecer, que na liquidação de restituição a efectuar em consequência da anulação do negócio referido, deve ser deduzido ou abatido, o valor do proveito que os Autores foram privados e não puderam retirar do prédio em consequência do uso e fruição que deles fez a Ré nos últimos 20 anos, valor de proveito que se computa em quantia correspondente ao valor dos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i. e que se vierem a liquidar em execução de sentença.

5 - Para o caso improvável de se entender que os pedidos anteriores não podem proceder, …condenar a Ré na liquidação da restituição, abatendo à quantia do preço pelos Autores a devolver, a quantia de 89.900,00€ relativa às obras referidas e a quantia (valor do proveito que os autores não puderam retirar do prédio do seu uso e fruição em 22 anos)correspondente aos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i., estes que se vierem a liquidar em execução de sentença.

Em 19-03-2012 a exequente fez saber aos executados que se encontra na disposição de lhes entregar a posse do imóvel mediante a entrega da quantia de €288.096,96(duzentos e oitenta e oito mil e noventa e seis euros e noventa e seis cêntimos), por entender então ser o valor a haver do executado; como o contrato anulado consistiu na transmissão do direito de propriedade sobre um prédio urbano e sobre dois estabelecimentos nele instalados pelo preço global de €199.519,00 ulterior decisão condenou os ora autores a restituir o preço recebido de apenas €199.519,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal civil, desde 05-03-2003, e a quantia de €19.952,00 a título de benfeitorias realizadas no imóvel; chegados à acção executiva, e uma vez que foi a exequente que tomou a iniciativa de tentar obter o pagamento coactivo da prestação restitutiva de que é credora, conforme também plasmado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra já proferido nos presentes autos, sobre a exequente- agora ré recaiu o ónus de alegar e provar que previamente tinha já cumprimento a sua obrigação de restituir tudo quanto recebeu - o que já sucedeu.

Irreleva para apreciação dos pedidos ajuizados que a ré beneficiando dessa posse jurídica – com o prédio registado em seu nome – o tenha tido - pelo menos até Novembro de 2018, onerado com penhoras, e hipotecas legais para garantia de dívidas suas, dividas que tem para com terceiros. Também irreleva para a matéria decidenda que a ré tenha possuído, detido, fruído e gozando dele retirando todas as utilidades e vantagens desde a data do negócio -24 de Fevereiro de 1997, até à sua anulação.

Não se extrai dos factos provados que o actual estado do imóvel, por referencia à sua entrega em 1997, seja resultante de uma actuação negligente ou dolosa, delitual da banda da ré, não sendo exigível, anulado o negócio e face ao sucedido encerramento dos estabelecimentos em 2008- que providenciassem por obras tendentes a reverter a natural degradação por acção do tempo. (sic)

O entendimento afigura-se totalmente correcto e inabalável!

Os recorrentes insistem, porém, que a ré/recorrida está obrigada “atenta a qualidade de possuidora material e jurídica do imóvel, dele retirando todo o proveito, de proceder à sua conservação para o poder entregar aos Recorrentes e no estado em que o recebera, em 24 Fevereiro de 1997, independentemente da sua acção ser ou não delituosa” (sic).

Salvo o devido respeito, discorda-se desta afirmação.

No direito português, a posse é definida pelo art. 1251.º do Código Civil como o poder que alguém exerce sobre uma coisa, de forma correspondente ao direito de propriedade ou a outro direito real.

É facto que o aproveitamento de uma coisa imóvel pelo titular de um direito real, designadamente por um possuidor, pode interferir com o dever de o conservar, de modo que não cause danos a ninguém, e o Código Civil acaba por conter várias disposições legais que consagram esse dever de conservação, por exemplo, no art. 216.º, n.º 1 – Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa – e nos arts. 492.º e 493.º, ao regular os danos causados por edifícios ou outras obras e os danos causados por coisas, animais ou actividades.

Especificamente, após a anulação de um contrato de compra e venda, a coisa deve ser devolvida ao seu proprietário original ou ao vendedor, como parte do processo de restituição e o possuidor tem o dever de conservar a coisa para devolvê-la nas condições originais, evitando danos ou degradação que possam tornar a devolução mais complexa.

No que tange ao dever de conservação de imóveis este encontra-se densamente regulado no direito do urbanismo, tendo por referência principal o art. 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16-12 (cuja última alteração foi operada pelo DL n.º 43/2024, de 02-07).

Inexiste, todavia, qualquer responsabilidade objectiva do possuidor no que tange ao estado de conservação do imóvel.

Com efeito, o RJUE determina que os proprietários de imóveis deverão realizar obras de conservação a cada 8 anos, destinando-se tais obras de conservação a manter o prédio nas condições existentes à data da sua construção ou reconstrução que se traduzem, nomeadamente, em obras de restauro e limpeza – obras de conservação ordinária.

Sem prejuízo da obrigatoriedade da realização das obras de conservação ordinárias, os proprietários devem realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, higiene e condições estéticas das edificações – obras de conservação extraordinárias.

A par do dever de realização de obras de conservação (dos proprietários), existe a proibição de deterioração dos prédios. Isto quer significar que o proprietário ou outras pessoas não podem provocar ou agravar a situação de falta de segurança ou de higiene, provocar a deterioração do edifício ou prejudicar a sua condição estética. Presume-se que ocorreu deterioração do prédio quando, designadamente, o imóvel encontra-se total ou parcialmente devoluto.

Mais especificamente, o art. 492.º do Código Civil, sob a epígrafe “Danos causados por edifícios ou outras obras” estabelece:

“1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra, responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.”

Por seu turno o art. 493.º do Código Civil, sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades” prescreve:

 “1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

Em nenhum dos normativos antes enunciados se consagra uma responsabilidade objectiva, estabelecendo-se, antes, uma presunção de culpa que implica uma inversão do ónus da prova, mas é ilidível mediante prova em contrário – cf. art. 350.º, nº 1, do Código Civil.

Conforme se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-11-2016, Proc. n.º 472/10.5TBFAF.G1.S2:

“A responsabilidade civil por factos ilícitos, única a poder ser efetivada no caso vertente, encontra-se normativamente regulada nos arts. 483.º e segs. do Código Civil (CC), sobressaindo, pela importância que pode revestir na decisão, o disposto no art. 493.º do CC.

Nos termos desta disposição legal, que estabelece uma presunção de culpa, derrogando a norma do art. 487.º, n.º 1, do CC, prevê-se a responsabilidade civil de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas, móveis ou imóveis, animais, ou exerce uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, pelos danos que a coisa ou os animais causarem. Não excluindo a culpa, esta responsabilidade civil não representa uma responsabilidade pelo risco ou objetiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, pág. 430).

Esta responsabilidade civil especial, designadamente quanto aos danos causados por coisas, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder a coisa, com o dever de a vigiar. Ao atribuir a responsabilidade a quem tiver a guarda da coisa, o legislador admitiu a presunção daquele que guarda a coisa ter culpa no facto causador do dano, quer por ter o dever de providenciar que tal não venha a verificar-se, quer também por estar em melhor posição para fazer a prova da culpa, pois estando a coisa à sua disposição deve saber se realmente foi cauteloso na sua guarda (Vaz Serra, BMJ n.º 101, págs. 130 e segs.).

Nesta situação, enfatiza-se mais a guarda de facto da coisa do que a sua propriedade, como encargo correspondente às vantagens da propriedade, diferentemente do que sucede com o disposto no art. 492.º do CC sobre os danos causados por edifícios ou outras obras, de forma a evitar cair-se num regime de responsabilidade civil objetiva, (Vaz Serra, Ibidem).

Por outro lado, não é necessário um dever específico de vigilância, sendo suficiente que a coisa possa ocasionar danos (Rodrigues Bastos, Das Obrigações em Geral, II, 1972, pág. 103)”.

Mais recentemente, exarou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-10-2021, Proc. n.º 652/18.5T8GMR.G2.S1: “No art. 492.º, n.º 1, a presunção de culpa do proprietário ou do possuidor só funciona se houver ruína total ou parcial do edifício ou da obra tiver sido causada por vício de construção ou defeito de conservação, competindo-lhe provar então que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. No art. 493.º o funcionamento da presunção de culpa não tem como pressuposto qualquer vício de construção ou defeito de conservação, mas tão só o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar”.

Deste modo, a responsabilidade civil por facto ilícito, a que alude o art. 483.º do Código Civil, depende da verificação simultânea de vários pressupostos, como bem assinalado pela 1.ª instância: é, assim, necessário que exista um facto voluntário ilícito imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.

A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico, emergindo do n.º 1 do art. 483.º do Código Civil, que se se pode tratar quer da violação de um direito subjectivo de outrem, quer da violação de lei tendente à protecção de interesses alheios.

Conforme explica Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 68, constituindo o acto ilícito a violação de um dever, implica, em primeiro lugar, a existência desse dever e, portanto, a destinação de um comando a seres inteligentes e livres que podem conhecê-lo e obedecer-lhe; em segundo lugar, a prática voluntária de conduta diferente da devida.

Acresce que para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é necessário que o agente tenha praticado uma conduta culposa, merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído, abrangendo o dolo e da culpa stricto sensu, i.e., a intenção de realizar o comportamento ilícito que o agente perspectivou ou a mera intenção de querer a causa do facto ilícito.

Como esclarece Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 3.ª edição, pp. 463 e segs., a actuação culposa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, sendo que a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo, aferindo-se o padrão pelo qual se deverá medir o grau de diligência exigível do agente segundo o critério legal da culpa em abstracto, de acordo com a figura de um “bonus pater familiae”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso – cf. art. 487.º, n.º 2, do Código Civil.

Por fim, para que o facto ilícito e culposo seja gerador de responsabilidade civil é ainda necessário que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, tendo o art. 563.º do Código Civil acolhido a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.

Centrando-nos na causa adequada esta não tem de ser necessariamente directa e imediata, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que suscite o dano.

Acompanhando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-10-2018, Proc. n.º 2511/10.0TBPTM.E2.S1:“A causa (adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.

Também como considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (p. 08A3747), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».

É o que, em suma, nos transmite o ensinamento do Prof. Vaz Serra ([16]) de que a causa em sentido jurídico se deve restringir àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado, independentemente de este ter sido, exclusivamente, condicionado por tal causa:

«O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.».

Por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.

Todavia, como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009, «Quando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)»”.

Tradicionalmente, o instituto da posse caracteriza-se pela existência de dois elementos, o corpus (elemento objectivo) e o animus (elemento subjectivo), decorrendo do n.º 1 do art. 1257.º do Código Civil, que “[a] posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar”.

Em linha com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-01-2029, Proc. n.º 376/10.1TBLNH.L1.S1: “A noção de corpus que parece mais adequada em face do artigo 1257.º, n.º 1, do Código Civil é a que exige que, mais do que a “materialidade”, a posse se manifeste enquanto “relação social” entre a pessoa e o bem”.

Por seu turno, o abandono da coisa funciona como uma das causas da perda da posse, a que alude a al. a) do n.º 1 do art. 1267.º do Código Civil.

Regressando ao caso concreto, como salientou a sentença recorrida, a factualidade provada não é minimamente suficiente para imputar à ré, seja directa, seja indirectamente, qualquer tipo de responsabilidade, seja por acção, seja por omissão, no que tange ao estado que o imóvel evidenciava à data das perícias.

Acresce que operada a anulação do contrato e desocupado o imóvel (em 2008!), a ré não estava obrigada a realizar quaisquer obras necessárias a evitar a perda, destruição ou deterioração do imóvel, sendo certo, por outro lado, que aos autores não estava vedada a possibilidade de – se necessário, agindo judicialmente – exercerem os seus direitos e deveres de vigilância da coisa, na qualidade de seus únicos e exclusivos proprietários.

Em suma, enquanto perdurou a ocupação e utilização do imóvel pela ré foram realizadas, pela mesma, várias intervenções e promovidas as necessárias obras de manutenção, não se verificando qualquer incúria na utilização do imóvel ou a ocorrência de qualquer acção de danificação ou deterioração deliberadas durante todo período em que a ré deteve o imóvel na sua posse, sendo certo que entretanto, em 2008, o imóvel ficou devoluto, aí cessando a actividade da ré.

Tal como a 1.ª Instância referiu, não cabe no âmbito das várias decisões judiciais já proferidas e transitadas em julgado – que constam da factualidade provada – qualquer direito dos ora recorrentes a serem indemnizados pelo tempo que a ré usufruiu o imóvel, emergindo, aliás, do despacho saneador, confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2021, que a ré foi absolvida da instância quanto aos demais pedidos, por excepção de caso julgado: foram nos autos executivos correspondentes ao Proc. n.º 684/11.... definidos os termos do “sinalagma restitutório”, da relação de liquidação, a qual não abarcou a pretendida pretensão indemnizatória – atinente a deteriorações anormais do imóvel – não podendo os autores/recorrentes, por via da corrente acção, alterar o aí já definido.

Como pertinentemente exarado pelo tribunal a quo: “O que se exigia na supra mencionada execução, e já se decidiu, era uma restituição material e possessória do imóvel, como também a sua restituição jurídica e nas mesmas circunstâncias em que a Exequente o recebeu, isto é, livre de quaisquer ónus ou encargos –- i.e fazendo regressar a situação registral do imóvel ao “status quo ante” à celebração do contrato, de forma a que do registo predial do imóvel passe a constar que a propriedade do mesmo se encontra inscrita a favor dos Executados [aqui autores/recorrentes] e sem que sobre o mesmo recaiam quaisquer ónus ou encargos, com excepção da eventual arresto/penhora para garantir o pagamento da obrigação de restituição do preço por parte dos executados. /E note-se ainda, quanto ao alegado valor pretendido a título de privação dos estabelecimentos, o seu valor foi já deduzido à obrigação restitutória dos executados, ora autores, decisão que se encontra transitada em julgado, inexistindo fundamento legal para sequer equacionar a fixação de qualquer indemnização a este título”.

Por conseguinte é absolutamente correcta a decisão recorrida ao considerar que irreleva para apreciação dos pedidos ajuizados que a ré/recorrida tenha beneficiado da posse jurídica – com o prédio registado em seu nome – e o tenha tido – pelo menos até Novembro de 2018 –, onerado com penhoras e hipotecas legais para garantia de dívidas suas, irrelevando, igualmente, que a ré/recorrida tenha possuído, detido, fruído e gozado dele, retirando todas as utilidades e vantagens, desde a data da celebração do negócio – 24 de Fevereiro de 1997 e até à sua anulação –, porquanto não se extrai da factualidade provada que o actual estado do imóvel, por referencia à data da sua entrega em 1997, seja o resultado de qualquer actuação negligente ou dolosa por parte da ré, não sendo exigível à mesma que, anulado o negócio e face ao encerramento dos estabelecimentos em 2008, providenciassem por obras tendentes a reverter a natural degradação por acção do tempo.

De harmonia com o exposto, improcede o recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

As custas processuais do recurso impendem, assim, sobre os apelantes, nos termos concertados dos arts. 527.º, nºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, todos do CPC.


*

            Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): (…).

Decisão:

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.                                                  

Custas pelos apelantes.


Coimbra, 16 de Setembro de 2025

Luís Miguel Caldas

Cristina Neves

Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Cristina Neves e Dr. Hugo Meireles.
[2] Os recorrentes aduzem, também: “Com efeito, a prova pericial foi realizada por pessoas idóneas, conhecedora dos factos que exigem conhecimento especiais, dos quais fizeram uma apreciação técnica em áreas que nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento é especializada. Pelo que não se descortina porque razão o Tribunal não deu por provado o que resulta das respostas dos Senhores peritos. /Na verdade, embora as perícias estejam sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, a verdade é que não foi produzida qualquer outra que a descredibilize e coloque em causa o juízo técnico, que são de perícias colegiais, o que reforça cada uma das conclusões” (sic) – cf., pp. 26/27 das alegações.
[3] Tal como vertido na “exposição dos motivos” da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil: “[C]uidou-se de reforçar os poderes da 2.ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios…, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.”
[4] Acessível em http://www.dgsi.pt, tal como os restantes Acórdãos que se citarem nesta decisão.
[5] http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamat%C3%B3rios-comuns-da-decis%C3%A3o-civil-Rui-Pinto-v2.pdf).


[6]O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
[7] Isto é, ser a ré condenada a: “1. Reconhecer que recebeu o prédio identificado no art. 1º da p.i, em bom estado de conservação, asseado, com paredes limpas e rebocadas, bem pintado e alcatifado, com estabelecimentos comerciais em funcionamento e que actualmente se encontra em estado de ruína adiantado, carecendo de obras de recuperação para o devolver ao estado em que se encontrava à data da celebração da escritura pública referidas no art. 1º da p.i, descritas no art.º 57º e 58º da p.i. /2. Que o prédio carece de obras de recuperação do montante de 89.900,00€ para repor no estado em que se encontrava à data da escritura anulada, desde 24 de Fevereiro de 1997, obras estas descritas nos artºs 57º e 58º da p.i.”.