Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46/20.2GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO LIMA
Descritores: PERDÃO
CÚMULO SUPERVENIENTE;
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 77º DO CÓDIGO PENAL; 3º, N.ºS 1 E 4, DA LEI N.º 38-A/2023, DE 2.8
Sumário:
I – Nos termos do art. 3.º/4, da Lei 38-A/2023, de 02/08, o perdão de pena de um ano nesta previsto incide, em caso de cúmulo jurídico, sobre a pena única determinada, sendo porém que no caso de alguma das penas parcelares nessa única agregadas ser em si mesma excluída de tal perdão, se torna necessário compatibilizar a dita norma com aquela de que resulte a exclusão – o que se vem fazendo, nomeadamente, com redução da medida de um ano dele ao que seja necessário para impedir que da respectiva aplicação à pena única resulte diminuição efectiva da pena parcelar imperdoável.

II – Independentemente do acerto desse específico procedimento, se o mesmo foi tomado no errado pressuposto de com efeito uma das penas parcelares ser excluída do perdão, quando na verdade e à luz das pertinentes normas daquela lei nenhuma o estava, então aquela solução, melhor ou pior, é aplicada a um problema inexistente, e é por isso em todo o caso indevida.

III – Se para mais é reconhecido, na própria decisão, que nenhuma das penas parcelares está excluída do perdão, sendo a despeito disso que, adiante erroneamente pressupondo o contrário, se sustenta a necessidade da dita solução, então é irrelevante configurar-se com isso uma contradição de fundamentação (enquanto vício relevante do art. 410.º/2-b, do CPP), ou um mero erro na aplicação do direito (a conhecer e corrigir nos termos do art. 412.º/2, do CPP).

IV – Na verdade, pela segunda via chegar-se-ia simplesmente à mera aplicação correcta da norma pelo tribunal de recurso, com a aplicação do perdão sobre a pena única na medida legal de um ano; e pela primeira sempre teria de concluir-se que o putativo vício não impossibilitaria ao tribunal de recurso a decisão da causa, obrigando ao reenvio do processo, pelo contrário bastando igualmente e naqueles termos a correcta aplicação da norma.

Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:

*


Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No Juízo Central Criminal de Viseu (J3), do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi a 06/12/2023 e após audiência de julgamento com intervenção de tribunal colectivo e nos termos do art. 471.º/1, do Código de Processo penal (CPP), proferido acórdão que, conhecendo supervenientemente concurso de crimes determinou, quanto ao condenado

AA, solteiro, desempregado, natural de ..., nascido a ../../2000, filho de AA e de BB, residente na Rua ..., Bairro ..., ..., actualmente recluso no Estabelecimento Prisional ..., 

e em cúmulo jurídico das penas ao mesmo aplicadas nestes autos a 30/11/2021 [um ano de prisão, por crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º/1, do Código Penal (CP), e dois anos de prisão, por crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º/1, do CP], e nos do processo 287/21...., a 28/07/2021 [um ano e seis meses de prisão, por crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art. 203.º/1, 204.º/2-e, 202.º/d-e, 22.º e 23.º, do CP], a pena única de dois anos e oito meses de prisão, sobre ela fazendo incidir o perdão previsto na lei 38-A/2023, de 02/08, de forma a reduzi-la em oito meses, ficando por cumprir dois anos de prisão.    

2. O Ministério Público (MP) interpôs contra esse acórdão recurso, limitado a matéria de direito e concretamente aos termos da aplicação do perdão, que reputa indevidos por não caber aquela limitação a oito meses, antes se lhe impondo a medida legalmente prevista de um ano. Das correspondentes motivações extrai a final as conclusões seguintes:

« I – Vem o presente recurso interposto do acórdão cumulativo (…) na parte em que decidiu conceder ao arguido o perdão de oito meses na pena única de dois anos e oito meses de prisão aplicada, nos termos da Lei 38-A/2023, de 02/08;

II – Ao decidir desta forma, o tribunal recorrido incorreu numa contradição insanável entre a fundamentação e decisão, nos termos do art. 410.º/2-b, do CPP;

III – De facto, o tribunal recorrido fez constar da fundamentação da aplicação da medida de clemência de perdão que estavam verificados todos os pressupostos legais para a sua aplicação, nomeadamente que não se verificava in casu nenhuma das exceções plasmadas no art. 7.º da Lei 38-A/2023, de 02/08;

IV – Após, decidiu limitar a medida do perdão a oito meses de prisão por entender que o crime de burla informática que integrou o cúmulo jurídico efectuado era imperdoável;

V – Ora, atendendo ao teor da fundamentação e da decisão é patente a contradição insanável, que se invoca;

VI – Caso se entenda, o que se admite por mero exercício de raciocínio, que não se verifica tal vício, sempre se terá de concluir que a decisão recorrida padece de erro de julgamento/de aplicação do direito;

VII – Na verdade, resulta da matéria de facto dado como provada nos autos que:
- os factos foram praticados em 14/01/2020 e ../../2020 (nestes autos) e em 16/05/2021 (no processo 287/21....);
- o arguido nasceu a ../../2000;
- o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º/1, do CP, de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º/1, do CP, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º/1, 204.º/2-e, 202.º/d-e, 22.º e 23.º, todos do CP, na pena única de dois anos e oito meses;
- o arguido não foi condenado a pagar quaisquer indemnizações ou a reparar terceiro.

VIII – Daqui resulta que os ilícitos penais pelos quais o arguido foi condenado ocorreram antes das 00h00m do dia 19/06/2023 (art. 2.º/1) e antes de o arguido completar 30 anos (art. 2.º/1), que a pena única aplicada é inferior a oito anos de prisão (art. 3.º/1/4), que nenhum dos crimes que integrou o cúmulo jurídico é excepcionado de perdão, nem o arguido apresenta qualidades tipificadas na Lei para afastar tal perdão (art. 7.º).

IX – Pelo que se impunha que a medida do perdão aplicada fosse de um ano de prisão e não de oito meses conforme decidido;

X – Assim, a decisão recorrida fez uma errada aplicação do disposto nos art. 2.º/1, 3.º/1/4, e 7.º, a contrario, da Lei 38-A/2023, de 02/08, impondo-se a sua revogação e a sua substituição por outra que perdoe um ano de prisão na pena única de dois anos e oito meses de prisão aplicada ao arguido, passando o arguido a ter de cumprir um ano e oito meses de prisão efectiva, o que se pugna. »

3. Respondeu o condenado, simplesmente aderindo à pretensão do recorrente e respectivos argumentos, sendo que, subidos os autos, o Sr. procuradora-geral adjunto emitiu parecer em que, igualmente acompanhando os argumentos expressos no recurso, a final se pronuncia pelo correspondente provimento – e cumprido depois o disposto no art. 417.º/2, do CPP, nada mais se acrescentou, sendo que após exame preliminar a que se não patentearam dúvidas relevantes, sem vicissitudes se colheram os vistos e foram os autos à conferência.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, nenhuma destas últimas se postando, a partir daquelas conclusões pode sem mais, com a singeleza que o caso reclama, apontar-se como única questão, estritamente de direito, a de saber se resultou indevida a redução, a oito meses, do perdão aplicado, e se pelo contrário era devido que tivesse sido de um ano, designadamente porque nenhuma das penas cumuladas estava dele excluída e nenhuma desse modo cabia na respectiva integralidade preservar.

1.2. No mais, não cabendo renovação de provas, que não foi requerida e nem se lobriga necessária, e de igual modo não sendo caso de realização de audiência, que o recorrente também não requereu, sempre o recurso deveria ser julgado em conferência (art. 419.º/3-b, do CPP), como foi.

2. A decisão recorrida

À boa apreciação da causa, nos termos acima melhor enunciados, e designadamente tendo em conta que não cabe conhecer da graduação e escolha da concreta pena única,  basta que se faça aqui presente, do acórdão recorrido, apenas o essencial dos factos provados (somente no que tange à descrição das penas em concurso) e a parte da fundamentação de direito relativa aos termos da aplicação do perdão. Assim delimitado, é o seguinte o teor respectivo:

« (…)

II – 1. Factos provados

1. O arguido foi condenado em 30/11/2021 nestes autos:

[1] pela prática em 14/01/2020 de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º/1, do CP, na pena de um ano de prisão;

[2] pela prática, entre ../../2020 e ../../2020, de um crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.º/1, do CP, na pena de dois anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de dois anos e seis meses de prisão .

(…)

3. No processo 287/21.... o arguido foi condenado:

[4] em 28/07/2021, por decisão transitada em julgado em 01/10/2021, na pena de um ano e seis meses de prisão, pela prática em 16/05/2021 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º/1, e 204.º/2-e, por referência às als. d) e e) do art. 202.º, 22.º e 23.º, todos do CP.

(…)

10. O arguido está preso desde ../../2021 e encontra-se em cumprimento sucessivo de penas (…), estando o termo da prisão previsto para 09/10/2026.

11. No processo 287/21.... foi já tomada posição relativamente à aplicação da Lei 38-A/2023, de 02/08, tendo-se decidido

“Assim, em face do exposto, declaro perdoado um ano à pena de prisão aplicada nos presentes autos ao arguido AA, e assim, nessa medida extinta (art. 128.º/3, do CP), sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor daquela Lei (01/09/2023) – art. 8.º/1, da citada Lei. Remanesce, pois, a pena de seis meses de prisão”.

(…)

II – 4. Fundamentos de direito

(…)

Assim sendo, e depois de tudo ponderado, julga-se adequada a pena única de dois anos e oito meses de prisão.

(…)

Assim, a pena de prisão resultante do cúmulo haverá de ser efetivamente cumprida.

5. Aplicabilidade da Lei 38-A/2023, de 02/08

Como se prova, no processo 287/21.... foi já tomada posição relativamente à aplicação da Lei 38-A/2023, de 02/08, tendo-se decidido perdoar um ano de prisão à pena que aí havia sido aplicada.

A Lei 38-A/2023, de 02/08, previu:

[1] a amnistia das infrações penais puníveis com prisão até um ano ou multa até cento e vinte dias;

[2] o perdão para sanções penais sob as condições resolutivas previstas no art. 8.º, se:

[3] o(s) crime(s) tiver(em) sido praticado(s) até às 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023;

[4] o agente tiver entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos;

[5] o crime(s) praticado(s) e/ou o agente não façam parte da lista das exceções previstas no art. 7.º/1/2.

Nos termos do art. 3.º da Lei é perdoável:

[6] um ano à pena de prisão até oito anos, aplicada singularmente ou em cúmulo jurídico;

[7] a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;

[8] a pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição;

[9] as demais penas de substituição – com a exceção da suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova;

[10] as penas de multa até cento e vinte dias;

Nos casos de cúmulo jurídico:

[11] o perdão incide sobre a pena única resultante do cúmulo;

[12] a pena parcelar mais grave, por crime não perdoável, não pode sofrer diminuição efetiva em virtude do perdão, caso em que o perdão não pode deixar de ter como limite, em concreto, aquele que deixe intocada essa pena parcelar mais grave.

Regressando aos autos, verificamos que a pena única que resultou do cúmulo, não excede os oito anos [6] + [11]; os factos foram praticados antes de 10 de junho de 2023 [3]; os crimes pelos quais foi condenado são puníveis com penas de prisão superiores a um ano pelo que nenhum deles é amnistiável; o arguido nasceu em ../../2000, não tendo, por isso, completado 30 anos à data dos factos pelos quais foi julgado [4] e nenhum dos crimes pelos quais foi condenado, nem a pessoa do arguido, integram a lista das exceções previstas no art. 7.º/1/2 [5].

O arguido não foi condenado a pagar indemnizações ou quantias a terceiros, nomeadamente por ter havido dedução de pedido de indemnização civil.

Todavia, a pena concreta mais elevada englobada no cúmulo foi de dois anos, aplicada nestes autos pelo crime de burla informática. Considerando que a pena única que resultou do cúmulo foi de dois anos e oito meses, a consideração do perdão de um ano levaria a uma efectiva diminuição da mais elevada das penas concretas englobadas, uma vez que ao arguido restaria cumprir a pena um ano e oito meses.

Assim, haveremos de concluir que, por imperativo legal, incidindo o perdão sobre a pena única que resulte do cúmulo e tendo em conta a moldura concreta da pena parcelar mais grave, são perdoáveis à luz da Lei 38-A/2023, de 02/08, oito meses de prisão da pena única.

(…) »       

    

3. Enfim apreciando

3.1. Como acima deixámos sinteticamente referido, a única questão que o recurso coloca em apreço é a da concreta medida do perdão que incidiu sobre a pena única aplicada em cúmulo das impostas pelos três crimes em concurso, nos termos dos art. 77.º/1/2, e 78.º/1/2, do CP. As matérias da determinação dos crimes em concurso, da graduação da pena única a impor por eles e da sua não substituição, essas, nem sendo atacadas pelo recorrente, nem de resto pelo próprio condenado, nem com elas brigando o problema com efeito suscitado e nem ainda das mesmas ressumando vicissitude alguma que importasse conhecimento oficioso, são aqui e por isso o intangível ponto de partida das apreciações que cumprem. Breve: ao condenado foi mediante a decisão recorrida imposta a pena única de dois anos e oito meses de prisão, em cúmulo das de um ano de prisão (por crime de furto simples – art. 203.º/1, do CP), de dois anos de prisão (por crime de burla informática – art. 221.º/1, do CP) e de um ano e seis meses de prisão (por crime de furto qualificado tentado – art. 203.º/1, 204.º/2-e, 202.º/-d-e, 22.º e 23.º, todos do CP), mais se determinando a não substituição dessa pena, por conseguinte a cumprir efectivamente.

3.2. De igual modo, não cabe duvidar, e com efeito não vem problematizada, a susceptibilidade de nessa pena o condenado beneficiar do perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 02/08 (a que adiante se referem os normativos citados sem outra indicação): à data da prática de todos os crimes não tinha ainda mais de trinta anos de idade (art. 2.º/1), todos foram cometidos antes das 00.00 horas de 19/06/2023 (art. 2.º/1), todos são em abstracto puníveis com penas superiores a um ano (o que afasta a amnistia – art. 4.º), a pena única não excede os oito anos de prisão (art. 3.º/1), e nenhum dos crimes ou qualquer qualidade pessoal do condenado correspondem às causas de exclusão do perdão na lei previstas (art. 7.º). Em caso de condenação em cúmulo jurídico, como aqui sucede, incidindo o perdão sobre a pena única, segundo dispõe o art. 3.º/4, então, e sendo a medida legal do perdão de um ano (art. 3.º/1), dir-se-ia que essa pena, graduada em dois anos e oito meses, teria de ficar reduzida a um ano e oito meses – e enfim, a única questão a dirimir é na verdade e simplesmente a de saber se foi adequado limitar o perdão a oito meses, como no acórdão recorrido se fez.

3.3. Na fundamentação do acórdão, o tribunal recorrido parte do pressuposto de que da incidência do perdão sobre a pena única não pode resultar diminuição efectiva da mais grave das penas parcelares que não sejam em si mesmas perdoáveis – hipótese em que a medida legal do perdão, de um ano, teria de sofrer a limitação necessária para preservá-la. Discutível como seja uma tal solução, resulta em rectas contas inútil versá-la, segundo nas suas motivações certeiramente refere o recorrente: nenhuma das penas em concurso está excluída do perdão, o que aliás no acórdão recorrido se reconhece, resultando por isso na verdade contraditória a decisão, nos seus próprios termos, quando a final e por aquela razão, isto é, para preservar a mais alta das penas parcelares (a de dois anos, imposta pelo crime de burla informática – art. 221.º/1, do CP), reduz o perdão de um ano para oito meses, de modo a com isso chegar aos ditos dois anos como pena restante (que, aplicado o perdão na medida legal de um ano, ficaria em um ano e oito meses). Verdadeiramente, esse passo do decidido não podemos senão atribuí-lo a algum erro de encadeamento de raciocínio que a final lhe contamina a substância.

3.4. Por outras palavras, ainda concedendo no acerto daquela solução para o problema da integração, no cúmulo sobre que o perdão incide, de penas parcelares que dele não pudessem beneficiar, certo é que não cabia adoptá-la, nem essa nem outra qualquer, porque nenhuma pena parcelar está do perdão excluída; o tribunal recorrido aplicou uma solução, má ou boa, a um problema inexistente, quando não lhe competia mais do que, verificados os pressupostos do benefício do perdão, aplicá-lo nos precisos termos directamente resultantes da lei – na medida de um ano e a incidir sobre a pena única de dois anos e oito meses, que assim ficaria reduzida a um ano e oito meses. Dilucidar se com não fazê-lo o tribunal recorrido fez o acórdão incurso no vício de contradição da fundamentação, relevante do art. 410.º/2-b, do CPP (como em primeira linha postula o recorrente), ou se meramente decidiu em erro de direito, a corrigir nos termos do art. 412.º/2, do CPP (hipótese no recurso prevista em via subsidiária), é coisa que igualmente resulta em última análise inútil. A esta segunda luz (que diríamos a mais pertinente), cabe apenas aplicar correctamente as normas relativas ao perdão; sob a primeira, o putativo vício seguramente não impossibilitaria decidir a causa, assim se afastando o reenvio do processo (art. 426.º/1, do CPP), bastando igualmente aplicar com correcção aquelas normas aos dados de facto que já constam do acórdão.

3.5. Temos pois que, seja como for, afinal importa é extrair, na aplicação do perdão à pena única do concurso, as consequências impostas pela evidência, todavia desconsiderada, de que nenhuma das penas parcelares naquela englobadas está excluída do perdão, desse modo não cabendo a este limitação alguma de extensão, nem do jeito proposto no acórdão recorrido nem de outro qualquer que fosse. E assim, e já encerrando, o que a final sobra é para tanto impor-se a modificação do decidido em termos de, concedendo provimento ao recurso, agora e em obediência aos art. 2.º/1, 3.º/1/4, e 7.º, a contrario, aplicar à pena única determinada, de dois anos e oito meses de prisão, e segundo é devido, um ano de perdão, medida em que parcialmente se extingue tal pena (art. 127.º/1, e 128.º/3, do CP), desse jeito ficando reduzida a um ano e oito meses de prisão. Vale dizer, declarar perdoado um ano de prisão àquela pena única, obviamente mantendo-se em tudo o mais o decidido, incluindo a subordinação do perdão à condição resolutiva de o condenado não praticar crime doloso no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 02/08, caso em que à pena por esse crime superveniente aplicada acrescerá o cumprimento da parte desta que agora fica perdoada (cfr. art. 8.º/1).                            

III – Decisão

À luz do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, nessa conformidade, mantendo em tudo o mais o acórdão recorrido, declarar que na pena única de dois anos e oito meses de prisão nele imposta ao condenado AA, fica perdoado um ano, nos termos dos art. 2.º/1, e 3.º/1/4, da Lei 38-A/2023, de 02/08, dela assim restando a cumprir um ano e oito meses.

Sem custas.

Notifique


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Coimbra, 20 de Março de 2024
Pedro Lima (relator)

Cristina Branco (1.ª adjunta)

Isabel Valongo (2.ª adjunta)

Assinado eletronicamente