Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/19.4PFVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: COVID-19
PROCESSO URGENTE
PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL
PRAZO
Data do Acordão: 10/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 7.º, N.ºS 1, 5, 8 E 9, DA LEI N.º 1-A/2020, DE 19-03, ART. 103.º, N.ºS 1 E 2, DO CPP
Sumário: I – A previsão do n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 (versão original), ao determinar a aplicação aos actos processuais a praticar do regime de férias judiciais, tem de ser complementada com o regime decorrente dos n.ºs 1 e 2 do art. 103.º do CPP.

II – O n.º 5 do artigo 7.º daquele diploma prevê uma excepção ao estatuído no referido n.º 1, porquanto, tendo por objecto processos urgentes, os subtrai, em regra, ao regime do n.º 2 do art. 103.º do CPP.

III – Porém, o mesmo art. 7.º, n.º 5, prevê, em simultâneo, um desvio à regra geral que contempla, determinando, no âmbito de processos urgentes, nas circunstâncias descritas nos seus n.ºs 8 e 9, a prática de actos processuais.

IV – Assim, na vigência da dita Lei 1-A/2020, em processo de natureza urgente, sempre que existem condições técnicas para o efeito, nomeadamente correio electrónico, o acto processual – no caso concreto, a dedução de pedido de indemnização civil –, sob pena de preclusão, deve ser praticado no prazo legalmente fixado.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. No Processo comum colectivo nº 10/19.4 PFVIS que corre termos na comarca de Viseu, juízo central criminal – Juiz 1, foi proferido despacho com data de 13/05/2020, que indeferiu, por extemporâneo, o pedido de indemnização civil apresentado em 27 de Abril de 2020 pela assistente M., considerando ter decorrido o prazo normal previsto no art.º 77º do CPP, na sua aplicação conjugada com as normas das leis n.º 1-A/2020 de 19-03 e n.º 4-A/20 de 07-04.

2. Não se conformando com tal decisão, a assistente interpôs recurso, concluindo:

“1º Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu, por extemporâneo, o pedido de indemnização civil apresentado pela ora recorrente.

2º Deve ser modificado o despacho proferido e considerar-se que a apresentação do PIC deu entrada a tempo, nos termos dos diplomas legais que estabeleceram medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19.

3º Porquanto, consideramos que a interpretação dos mesmos pelo Mmº Juiz do tribunal a quo, é manifestamente contrária ao vertido naqueles diplomas, bem assim de diversas interpretações doutrinais, quer de magistrados, juízes, advogados e demais agentes conceituados da justiça.

4º Acresce a circunstância de os fundamentos elencados pelo Tribunal a quo, e com base nos quais propugnou e amparou a convicção para indeferir a apresentação do PIC, não serem minimamente aferíveis no escopo da lei.

5º O sentido da lei é, claramente, o da paralisação generalizada dos processos e procedimentos nela referidos – pelo menos, é o que se intui da previsão relativa à suspensão de prazos para a prática de actos processuais.

6º Com efeito, se estão suspensos os prazos para a prática de actos em processos e procedimentos, nos termos definidos na diversa legislação aplicável, daí resulta que a tramitação respectiva não tem desenvolvimento.

7º Compulsada a legislação que estabeleceu medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, é inequívoco que regime aplicável aos processos urgentes, será o da redacção original entre 09.03.2020 e 06.04.2020 e o da redacção da Lei n.º 4-A/2020 desde 07.04.2020.

8º Veio a Lei 1-A/2020, de 19 de Março, no seu art. 7º/1 sujeitar os actos processuais e procedimentais que devessem ser praticados nas diversas jurisdições ao regime das férias judiciais.

9º No entanto, estabeleceu no nº5 daquele preceito legal um desvio à solução das férias judiciais, no que se refere aos processos urgentes, na medida em que estabelecia igualmente a suspensão dos mesmos.

10º Considerando as excepções previstas nos números 8 e 9, do citado artigo, as mesmas não têm aplicabilidade no caso em apreço, pois que, a dedução do PIC, não se enquadra em nenhuma circunstância aí prevista.

11º Finalmente, a Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, alterou em diversos pontos o art.7º da Lei 1-A/2020 relativamente aos prazos e actos processuais.

12º Assim, cronologicamente:

- A Lei 1-A/2020, de 19.03, entrou em vigor a 20 de Março, mas, no art.10º fez retroagir os seus efeitos à data da produção de efeitos do DL 10-A/2020, de 13 de Março, estabelecidos no art.37º deste último diploma, ou seja 9 ou 12 de Março consoante os casos;

- A Lei 4-A/2020, de 06.04, no seu art.5º, vem estabelecer uma norma interpretativa do art. 10º da Lei 1-A/2020, no sentido de retroagir os efeitos do art.7º, nesta nova redação, a 9 de Março, exceptuando, no art.6º/2, as normas aplicáveis aos processos urgentes (a partir desta nova versão do art.7º), que só produzem efeitos à data de entrada em vigor da Lei 4-A/2020, isto é, a 7 de Abril.

13º Concordamos, assim, que o regime aplicável aos processos urgentes é:

- Entre 09.03.2020 e 06.04.2020, o da redação original do artigo 7º, aprovada pela Lei 1-A/2020;

- Desde 07.04.2020, o da nova redação do artigo 7º, conferida pela Lei 4-A/2020.

14º

Pelo que, tendo sido efectuada a notificação a 9 de Março – data em que se suspenderam os prazos, também quanto aos processos urgentes, o prazo de 20 dias para apresentar o PIC começou a contar apenas a 7 de Abril, data que entrou em vigor a Lei 4-A/2020.

15º Portanto, tal prazo terminou a 26 de Abril, mas como foi domingo, nos termos do disposto no art.113º/2 do CPP, o prazo para a prática do acto transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja 27 de Abril, data em que foi enviado o PIC pelo correio electrónico profissional da mandatária.

16º Em virtude da inobservância das disposições legais, que foram interpretadas de forma imprecisa pelo Tribunal a quo – o que, apenas se poderá dever à sucessão de diplomas ambíguos - tal não deixa ter efeitos adversos no exercício de direitos por parte da ofendida, nomeadamente, no direito de deduzir pedido de indemnização civil, inviabilizando o ressarcimento pelos danos físicos e morais causados por um acto ilegítimo e violento por parte do arguido, tanto mais que o próprio julgamento já está marcado para o próximo dia 13 de Julho de 2020, podendo ver preterido o seu direito.

17º Importa, pois, aferir pela obediência aos princípios constitucionalmente consagrados, da Igualdade (art.13º CRP), da Força Jurídica (art.18º CRP), do Acesso ao direito e à Justiça (art.20º CRP) bem como os princípios gerais que se devem reger os tribunais (art.202ºss CRP) - os quais foram sonegados pela análise e decisão contra o escopo da lei – para que a ofendida não seja, por isso, penalizada.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, aceite o Pedido de Indemnização civil apresentado pela ofendida, seguindo-se os ulteriores termos processuais e legais consequências.

Só assim se fará justiça!”


*

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

*

4. Ao recurso respondeu o MP, concluindo:

“(…)

Dúvidas não existem de que à situação dos autos é aplicável o disposto no artigo 7 nºs 1, 5, 8 e 9 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redação original – do qual serão todas as normas doravante citadas sem indicação expressa de diploma - e de que a regra, até 7/4/2020, foi a de que, mesmo nos processos urgentes, os prazos estavam suspensos e só excepcionalmente corriam (cfr. artigo 7, nº5), encontrando-se essas excepções previstas nos citados nºs 8 e 9 do artigo 7, nos seguintes termos:

«8 - Sempre que tecnicamente viável (sublinhado nosso), é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.

9 - No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.»

A questão que se coloca ao Venerando Tribunal de recurso é, afinal, a de saber se a apresentação de PIC no âmbito de processo de arguido preso se enquadra, ou não, nas excepções supra citadas. Entende a recorrente que não, afirmando que: «Por um lado, não se trata de acto que seja viável ser praticado, nos termos elencados no nº8 do supra citado artigo. Por outro lado, não estavam em causa actos referentes a direitos fundamentais, estatuídos no nº9 do referido artigo.» (sic). Salvo o devido respeito não podemos deixar de discordar.

O PIC pode seguramente ser deduzido nos autos por via electrónica, ou seja, através de meios de comunicação á distância, sem dependência de quaisquer outros, assim como podem ser obtidos por meios de comunicação á distancia os elementos necessários á sua formulação (a não ser assim, por qualquer razão excepcional, sempre a recorrente teria de o vir dizer aos autos, o que não fez). Ou seja, é seguramente tecnicamente viável a apresentação de PIC por meios de comunicação à distância.

Foi, aliás, por essa forma (concretamente por e-mail), que a recorrente apresentou o PIC nos autos. Por outro lado, é de linear evidência que a designação de data para julgamento (imposta ao juiz nos processos com arguido preso, com as limitações previstas no nº9 cuja ponderação se lhe exige) depende de que os prazos para dedução do PIC não estejam suspensos, pois que, só após a apresentação do PIC ou o decurso do prazo para a sua apresentação, o juiz poderá designar data para julgamento.

Ora, o entendimento sufragado pela recorrente de que os prazos para apresentação de PIC em processos de arguido preso estiveram suspensos, levar-nos-ia á conclusão absurda de que o legislador teria, afinal, deixado nas mãos do demandante cível a decisão sobre se o arguido poderia, ou não, ser julgado antes do termo da situação excepcional (ou da eventual revogação da norma que, na altura, nem era de ponderar, face ao que prescrevia o nº2 do artigo 7).

Se entendesse deduzir o PIC antes do mencionado termo, o arguido poderia vir a ser julgado, senão, teria de aguardar até que se verificasse o termo da situação excepcional. Ou seja, ficaria nas mãos do demandante cível a salvaguarda, ou não, de direitos fundamentais, como o direito á liberdade; o que, salvo o devido respeito, é impensável.

Ora, concluindo-se, que é tecnicamente viável a apresentação do PIC por meios de comunicação á distância (aliás, foi por esse modo que a recorrente o apresentou), cabendo tal acto na previsão do no nº8 do artigo 7, para além de se tratar de acto processual que interfere com direitos fundamentais do arguido, nos termos que ficaram expostos, e visto o preceituado no nº 5 do mesmo artigo, falecem todos os demais argumentos invocados pela recorrente para a suspensão do prazo para dedução do PIC nos presentes autos, os quais assentavam expressamente no pressuposto contrário.

Em suma, não tem razão a recorrente quando alega que o prazo para apresentação do PIC só se iniciou em 7 de Abril, com a entrada em vigor da Lei 4-A/2020, pelo contrário, á data de entrada em vigor de tal lei, já o prazo se encontrava esgotado.

De sublinhar ainda que a recorrente não invocou, oportunamente, qualquer justo impedimento para a prática tardia do acto, apenas o tendo feito depois de ter sido notificada do indeferimento do PIC, para além do que, mesmo então, os motivos que invocou não são de atender, sendo certo que a recorrente não precisava de sair de casa para conferenciar com a sua constituinte (também ela advogada), podendo fazê-lo por diversas maneiras, via telefone ou internet, que hoje em dia todos, sobretudo quando se trata de profissionais do foro, têm disponíveis, o que a recorrente não contraria.

Em suma, bem andou o Tribunal a quo quando indeferiu o PIC por extemporâneo.”


*

5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

“(…)

 3. … o Ministério Público vem na sua resposta defender o despacho recorrido no sentido de que não há violação de qualquer norma processual penal, concretamente das normas do art.º 7º, n.º 1 e 5 da lei n.º 1-A/20.

Na verdade, esta última norma legal consagra situações de excepção ao que fica previsto no n.º 1, isto é, prevê-se que, mesmo aplicando-se o regime legal das férias judiciais aos processos urgentes, os prazos ficavam suspensos, ou melhor, diremos nós, alguns dos prazos ficavam suspensos. De facto, o n.º 5 do citado art.º 7 contém, por sua vez, excepções à regra que aponta no sentido da suspensão dos prazos nos processos urgentes as quais remete para os pontos n.ºs 8 e 9.

É neste ponto que se encontra a questão a dirimir, na medida em que a recorrente afirma, em defesa da sua tese, que compulsadas as circunstâncias previstas nos citados 8 e 9 as mesmas não têm aplicabilidade no caso em apreço.

Ora, salvo o devido respeito pela opinião expressa não se aceita esta argumentação na medida em que à prática de acto processual que consiste na apresentação de um articulado, este podia ser apresentado nos termos em dispõe o n.º 8 do citado art.º 7, dado ser tecnicamente viável a sua apresentação por meios de comunicação à distância, como bem já destaca o Ministério Público na 1ª instância, na sua resposta.

Não há dúvidas de que as redações das leis temporárias e sucessivas sobre a mesma matéria no caso em apreço apresentam alguma ambiguidade que podem tornar difícil a sua aplicação.

Contudo, não poderá perder-se de vista a natureza e mesmo a génese das normas legais em causa, tendo em vista o que as mesmas pretendem proteger e salvaguardar.

Se, por um lado, se pretendia evitar a presença física e os contactos entre os diversos intervenientes processuais que a situação de pandemia impunha num determinado período de tempo, por outro, o prazo para entrega nos autos de uma peça processual que era entregue por meios de comunicação eletrónica, à distância, tal não implica qualquer presença ou contacto físico dos mesmos intervenientes processuais, pelo que a não suspensão do prazo processual no caso em apreço, não viola o que as apontadas leis pretendem proteger e, assim, considerar que ao caso era aplicável o n.º 8 do art.º 7, na sua interpretação conjugada com os nºs 1 e 5 do mesmo artigo.

Para concluirmos, perante o exposto e por tudo o mais já referido pelo Ministério Público na 1ª instância, afirmando que nos parece que a decisão recorrida fez uma adequada da lei, não admitindo a peça processual em causa, por extemporaneidade.


*

Assim, acompanhando o Ministério Público somos de parecer que o recurso não deve ser julgado procedente, mantendo-se o despacho recorrido.”

*

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Objecto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objecto do recurso, no caso em apreço importa decidir se a apresentação do PIC em 27 de Abril de 2020, foi ou não atempada.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho em crise (transcrição]):

“Refª 4109226 de 28.04.2020: Notificada em 9 de Março de 2020, a ofendida, Ilustre Advogada M., deduziu em 28 de Abril de 2020, pedido de indemnização civil contra o arguido e contra o Estado Português.

Sustenta que está em prazo porque nos processos urgentes todos os prazos se suspenderam à luz da versão original do artigo 7º da lei 1-A/2020, de 19 de Março, desde o dia 9 de Março e retomaram a sua contagem no dia seguinte ao da publicação da lei 4-A/2020, de 6 de Abril, pelo que o prazo de 20 dias para deduzir o pedido civil começou a contar do dia 7 de Abril de 2020.

Será assim? Não.

Dispõe o n.º 1, do artigo 7º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais (…), aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.”.

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aprovou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica que nos assola, estando entre elas as referentes aos prazos processuais e diligências que devem ou não ser praticadas no âmbito dos processos e procedimentos, que correm termos, para além do mais, nos tribunais judiciais e no Ministério Público – artigo 7.º.

Aquela lei foi publicada em 19 de março e entrou em vigor no dia seguinte (artigo 11.º), devendo produzir efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (artigo 10.º), e veio a ser alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril - através do seu artigo 2.º, alterou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, contendo um novo conjunto de normas aplicáveis aos prazos processuais e actos processuais e o artigo 7.º da Lei n.º 1- A/2020/nova redacção, produz os seus efeitos a 09.03.2020, com excepção das normas aplicáveis aos processos urgentes, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor dessa lei [07.04.2020] – artigo 6.º, n.º 2.

O regime aplicável aos processos urgentes, será o da redacção original entre 09.03.2020 e 06.04.2020 e o da redacção da Lei n.º 4-A/2020 desde 07.04.2020.

Ora, o presente processo tem natureza urgente (cfr. artigo 104º, n.º 2, e 102º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal), correndo os prazos nas férias judiciais, pelo que não se suspenderam os prazos processuais, contrariamente ao defendido pela demandante, o que também resulta do citado n.º 1, do artigo 7º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, ao prescrever que se aplica o regime das férias judiciais.

E, não tendo exercido o seu direito (dedução de pedido civil) no prazo em que o deveria fazer (artigo 77º, do Código de Processo Civil), ou seja, até ao dia 2 de Abril de 2020, considerando a data em que foi notificada da dedução de acusação (cfr. notificação com a referência 85875861 de 09.03.2020 – considerando-se notificada nessa data como se referiu atrás), apenas o tendo feito em 28 de Abril de 2020, não é de admitir o pedido civil por extemporâneo.

Pelo exposto, indefere-se por extemporâneo, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Srª Drª M.. Notifique-se. “


*

3. Apreciação

O prazo para dedução do pedido de indemnização civil, difere conforme o pedido seja apresentado pelo MP (na acusação), pelo assistente (em requerimento articulado) - estes no prazo em que a acusação deve ser formulada - ou pelo lesado (em requerimento articulado) no prazo de 20 dias - art 77º do CPP.

Com efeito, resulta de disposto no artigo 77º, nº 2, do Código de Processo Penal, que “o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do nº 2, do artigo 75º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ela houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias”.

Por outro lado, decorre do disposto no artigo 71º, do mesmo diploma legal, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo…”.

Assim, sendo o pedido civil emergente da prática de um crime, terá, em princípio, de ser deduzido no respectivo processo penal. Só poderá ser apresentado em acção declarativa a propor nos tribunais cíveis se for um dos casos previstos no art 72º als a) a i) de excepção à obrigatoriedade da adesão.

Como o pedido civil deve fundamentar-se no essencial no objecto do processo penal, delimitado nos termos legais, pela acusação formulada, o prazo legal para a dedução daquele pedido, em processo penal, tem o seu termo inicial, com a notificação do referido acto processual.

São claras e inequívocas as consequências da não formulação do pedido civil, no prazo de 20 dias, subsequentes à notificação da acusação deduzida, redundando na sua não admissão. Pelo que se for inadmissível o pedido em separado, preclude o direito de formular tal pedido civil.

Revertendo aos autos.

O processo tem natureza urgente por se tratar de processo com arguido preso - arts 104º, n.º 2, e 102º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal),

A assistente foi notificada da acusação pública em 9 de Março de 2020.

Deduziu em 27 de Abril de 2020, via e-mail, o pedido de indemnização civil contra o arguido e contra o Estado Português.

Entendeu o tribunal recorrido que a assistente tinha 20 dias para deduzir o PIC, o que merece concordância da assistente.

Assim sendo o prazo para dedução do PIC terminou a 30 de Março de 2020, a que acrescem três dias nos termos do art 107º, nº 5 do CPP e 145º, nº 5 do CPC, pelo que terminou a 2 de Abril de 2020. Lembrar que a contagem do prazo obedece a regra da continuidade - art 104º do CPP.

Entende porém a recorrente que, por força da legislação que estabeleceu medidas excepcionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, todos os prazos se suspenderam nos processos urgentes à luz da versão original do artigo 7º da lei 1-A/2020, de 19 de Março, desde o dia 9 de Março e retomaram a sua contagem no dia seguinte ao da publicação da lei 4-A/2020, de 6 de Abril, pelo que o prazo de 20 dias para deduzir o pedido civil começou a contar do dia 7 de Abril de 2020.

Vejamos então o que dispõem tais diplomas legais.

artigo 7º da lei 1-A/2020, de 19 de Março - 1ª versão

Prazos e diligências

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

5 - Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9.

6 - O disposto no presente artigo aplica-se ainda, com as necessárias adaptações, a:

a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;

b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;

c) Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.

7 - Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.

8 - Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.

9 - No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

10 - São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.

11 - Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020.”

Atente-se que no artigo 10.º desta versão da lei se estabelece que:

“Produção de efeitos

A presente lei produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.

artigo 7º da lei 1-A/2020, de 19 de Março -  versão com as alterações da Lei n.º 4-A/2020, de 06/04

Prazos e diligências

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.

6 - Ficam também suspensos:

a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.

7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;

c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.

8 - Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:

a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;

b) O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;

c) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.

9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:

a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;

b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;

c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.

10 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.

11 - Durante a situação excecional referida no n.º 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

12 - Não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.

13 - Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020.”

Haverá ainda que atentar no disposto dos arts 5º e 6 da Lei n.º 4-A/2020, de 06/04

“Artigo 5.º:

Norma interpretativa

O artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

Artigo 6.º

Produção de efeitos

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a presente lei produz efeitos à data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.

2 - O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei.

É pois inequívoco que o regime aplicável aos processos urgentes, será o da redacção original entre 09.03.2020 e 06.04.2020 e o da redacção da Lei n.º 4-A/2020 desde 07.04.2020, data da sua entrada em vigor.

Assim sendo entre 9.03.2020 e 6.04.2020, a regra é de que também nos processos urgentes os prazos se suspendem.

De notar que o nº 1, do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março ao mandar aplicar aos actos processuais o regime das férias judiciais, só pode significar a aplicação do regime resultante dos nºs 1 e 2, do art 103º, do CPP.

Daí que o nº 5 do art 7º do referido diploma prevê uma excepção ao nº 1, uma vez que, tendo por objecto os processos urgentes, os subtrai, em regra, ao regime do nº 2, do art. 103º do CPP.

Porém, o nº 5, do art. 7º, prevê, por sua vez, uma excepção à suspensão dos prazos dos processos urgentes, que são as circunstâncias previstas nos nºs 8 e 9.

Assim, nas circunstâncias previstas no n.º 8 do art 7º da Versão original da lei “Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.”

O que, repete-se, significa claramente uma excepção à dita regra da suspensão dos prazos no processo urgente, sempre que a prática do acto processual seja tecnicamente viável através de meios de comunicação à distância adequados. Caso contrário não faria qualquer sentido contemplar a mera possibilidade de tal prática, apesar da suspensão do respectivo prazo.

Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, o que constitui manifesto acto processual. A apresentação de um articulado, ou de um qualquer requerimento, sujeito a determinado prazo para o efeito, corresponde à prática de um acto processual (nem de outra forma poderia ser dada a remissão operada pelo nº 5, para o nº 8).

Em suma, ainda que com fundamento diferente da decisão recorrida, a entrega do articulado do PIC em 27 de Abril de 2020 é extemporânea.

Só em caso de justo impedimento a assistente poderia praticar o acto fora de prazo. O que não integra o objecto do presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Coimbra, 28 de Outubro de 2020

Processado informaticamente e revisto pela relatora

Isabel Valongo - relatora

Jorge França - adjunto