Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
771/10.6TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: COMPETÊNCIA PARA A FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO AO ENCARREGADO DA VENDA EM ACÇÃO EXECUTIVA
RECLAMAÇÃO PARA O JUIZ
FORMA DA ENTREGA DO REQUERIMENTO
RECORRIBILIDADE DA DECISÃO JUDICIAL QUE FIXA TAL REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, 1; 4.º E 5.º, 1, DA PORTARIA 280/13, D 26/8
ARTIGO 17.º, 1 E 6, DO RCPROCESSUAIS
ARTIGOS 3.º, 3; 9.º; 132.º, 1 E 2; 138.º; 139.º, 1 E 3; 144.º, 1, 7 E 9; 195.º; 199.º; 613.º, 1 E 3; 619.º, 1, D); 719.º 1 E 2 E 723.º, C) E D), DO CPC
Sumário: 1. - Não é ao agente de execução, mas ao juiz, que cabe a competência para decidir quanto à remuneração do encarregado da venda em ação executiva.
2. - Se, não obstante, for o agente de execução a tomar tal decisão, pode o encarregado da venda reclamar para o juiz, nos termos das al.ªs c) ou d) do n.º 1 do art.º 723.º do NCPCiv., designadamente para arguir a incompetência do agente de execução, invocar nulidades processuais e/ou pedir a fixação de valor superior pelo juiz.

3. - Não arguindo tal incompetência, o reclamante tem de conformar-se com o prazo legal de dez dias para reclamar, sob pena de extemporaneidade, judicialmente declarada, do seu requerimento/reclamação.

4. - Um interveniente processual (como o encarregado da venda) que, não patrocinado, pretenda formular requerimentos em ação executiva, designadamente para obtenção ou correção de remuneração, tem de apresentar os seus requerimentos – assim praticando os respetivos atos processuais – através de uma das formas previstas no n.º 7 do art.º 144.º do NCPCiv., isto é, mediante entrega na secretaria judicial, remessa por correio postal registado ou envio por telecópia (via “fax”).

5. - Se, em vez disso, aquele interveniente processual optou pela apresentação de requerimentos via “e-mail”, os mesmos não deveriam ser atendidos, por os respetivos atos processuais serem praticados por via irregular, não admissível.

6. - A decisão judicial em matéria de reclamação contra decisão do agente de execução referente à remuneração do encarregado da venda não está sujeita à nota da irrecorribilidade a que alude o art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., por a reclamação ter por objeto um ato vinculado, devendo essa remuneração conformar-se com as normas legais aplicáveis (art.º 17.º, n.ºs 1 e 6, do RCProc.).

7. - A norma daquela al.ª c), quanto à dita irrecorribilidade, deve ser objeto de interpretação restritiva, no sentido de se admitir o recurso para a Relação da decisão da reclamação desde que esteja em causa ato ou decisão vinculados do agente de execução, sob pena de colisão com o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º, n.º 1, da Constituição).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

Em execução para pagamento de quantia certa, movida pelo “Banco 1..., S. A.”, com os sinais dos autos,

contra os executados AA e BB, também com os sinais dos autos,

tendo sido penhorado um imóvel, foi posteriormente decidida a respetiva venda mediante negociação particular, para o que foi nomeada encarregada da venda a sociedade “A..., S. A.” (doravante, EV), também com os sinais dos autos, a qual logrou obter uma proposta de aquisição pelo valor de € 50.000,00.

Porém, a venda não se concretizou, por entretanto os Executados terem acordado com o Exequente a liquidação da dívida exequenda, motivo pelo qual a execução veio a ser declarada extinta pelo pagamento voluntário.

Por isso, os autos tiveram visto em correição em 18/12/2013.

Todavia, em 16/02/2023, mediante comunicação por via e-mail, a EV veio aludir a “Liquidação do Valor em Dívida”, apresentando requerimento em anexo, dirigido ao Tribunal, onde argumentou assim:

- foi nomeada e mandatada como EV no processo em 09/08/2013;

- desenvolveu as diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, as quais implicaram custos, tanto a nível administrativo, como a nível das diligências efetuadas junto do imóvel penhorado;

- em consequência, foi enviada nota de despesas a 14/07/2014, junto do Agente de Execução (doravante, AE), cabendo a este a responsabilidade de dar conhecimento das despesas e honorários correspondentes, sendo que, porém, nada foi pago.

Por isso, solicitou ao Tribunal «que ordene o pagamento do documento contabilístico em divida (…), no valor de € 3.075,00», bem como «respectivos juros comerciais no montante de € 1.005,57 permitindo deste modo, por termo a este assunto, seja pelo lapso temporal decorrido, seja, pelos enormes prejuízos que esta situação acarreta à presente data, nomeadamente, tendo em consideração todos custos e despesas suportadas à época por este Entidade para fazer face a todos os desenvolvimentos levados a cabo nas diligências executadas», perante um «Valor total em dívida à data: € 4.080,57».

O AE, na sequência, proferiu “decisão” (datada de 25/02/2023) nos seguintes termos:

«(…) Processo extinto e arquivado, 10 anos após vem a encarregada de venda requerer que lhe sejam pagos o valor de- 4.080,57€ título de comissão de venda.

Encarregada de venda foi nomeada em 09.08.2013 para conseguir potencias compradores para o bem imóvel penhorado.

Apresentou 1 relatório das diligências que efetuou por deslocação ao local do imóvel, tendo conseguido lograr por 1 proposta no valor de 50.000,00€.

A venda não se concretizou, uma vez que executados acordaram com exequente liquidar a divida exequenda.

Aquando nomeação da referida entidade veio a mesma apresentar um orçamento que se anexa e definia os como únicos honorários a cobrar pela prestação de serviços apenas comissão (%) a receber por aquela encarregada de venda aquando da concretização do processo na respetiva venda do bem, não existindo mais nenhum custo a debitar, ficando desde já a A..., SA disponível para qualquer diligência necessária.

Ora,

Não existiu venda tendo o processo sido extinto pela liquidação da divida por parte dos executados.

Na altura da apresentação da nota o exequente aceitou pela boa fé propalada pela encarregada de venda, suportar despesas que a encarregada de veda possa ter tido na angariação, mas não comissão de uma venda que não teve lugar.

Assim entende o AE que, a referida entidade tem direito a remuneração sendo certo que, no presente caso, os bens imóveis não chegaram a ser vendidos, mas tal não deve afastar o direito à remuneração de quem colaborou para o andamento do processo.

Considerando valor referente à deslocação ao imóvel, ou seja:

Aveiro- Praia Vitória-Pataias-288KM Ida e volta- *0.41€- = 118.08€ € acresce ainda o iva, perfaz- 145.24€.

Não terá direito a juros uma vez que não se encontrava definido o valor a ser pago.

Assim, não se considerando em desconformidade e pelas diligências efetuadas, decide o valor a liquidar à encarregada de venda ser de- 145.24€

Assim, deverá o Exequente liquidar esta quantia por ser da sua responsabilidade, atento o disposto nos artigos 532º n.º1 e 2, 541.º e 721º n.º1, todos do CPC.».

Em 24/03/2023 (novamente, via e-mail), veio a EV deduzir «Resposta à Notificação da Decisão do Agente de Execução», dirigida ao Tribunal, afirmando ter sido «notificada, no transato dia 25 Fevereiro de 2023» e oferecendo as seguintes conclusões e decorrente pedido:

«17. A A... foi mandatada com base nas condições enviadas e aceites pelo Sr. Agente de Execução e Exequente a 09 de Agosto de 2013.

18. A 04 de Setembro de 2013 apresentou uma proposta de €50.000,00.

a. Proposta essa que foi aceite pela Exequente no dia 15 de Outubro de 2013, pelas 9H51.

19. Atenta a proposta enviada e aceite pela Exequente, veio o Mandatário do Executado tentar acordo junto da mesma.

20. Veio o Sr. Agente de Execução, informado do pedido de acordo, pedir prazo que facilmente se depreende ser medida dilatória para lograr o dito acordo, forçando esta Entidade a comunicar a situação ao proponente.

21. Após várias insistências quanto ao estado do processo, veio o Sr. Agente de Execução informar da extinção do processo a 12 de Fevereiro de 2014, ultrapassados que estavam 5 meses.

22. Nesta sequência foi dada a conhecer a Nota de Honorários desta Entidade, em conformidade.

23. Dada a ausência de resposta por parte do Sr. Agente de Execução, foi enviada e reiterado o pagamento da Nota de Honorários a 14 de Julho de 2014.

24. Decorridos quase 10 anos em foram enviadas para o Sr. Agente de Execução e Exequente, múltiplas interpelações para liquidação dos montantes peticionados, sem qualquer sucesso, viu-se esta Encarregada de Venda Judicial forçada a requerer junto do Tribunal, pela liquidação dos valores em dívida.

25. Foi esta Entidade notificada do Requerimento submetido junto do Tribunal por parte do Sr. Agente de Execução, onde aquele entende liquidar somente o valor de €145,24, ainda que não se compreenda a que título.

26. Não obstante tais considerações apresentadas pelo Sr. Agente de Execução, esta Encarregada de Venda Judicial discorda na sua totalidade do exposto por aquele senhor, e considera, com base nas condições apresentadas, tendo em conta o bom resultado alcançado no processo e pelo tempo decorrido dos valores em cobrança, solicitar a substituição da Nota de Honorários remetida a 14 de Julho de 2014 e não liquidada, pelos valores agora aqui discriminados:

i) Despesas de Deslocação - €145,24

ii) Serviços Administrativos prestados pela obtenção de boa cobrança - €350,00

iii) Percentual (5%) a calcular sobre o valor de causa €78.052,79 - €3.902,64

*Em substituição da Nota de Honorários enviada a 14/07/2014, no montante de €3.075,00 + IVA à taxa legal, que havíamos calculado com base na proposta apresentada e aceite pela Exequente, no valor de €50.000,00.

iv) Juros de mora calculados sobre o valor da Nota de Honorários enviada a 14/07/2014, até à presente data – €1.891,53

Todos os valores aqui discriminados perfazem um total de €6.289,41 acrescido de IVA à taxa legal em vigor, resultando num valor final a liquidar de €7.735,98

Face ao exposto, REQUER a V/Exa.,

Se digne comunicar junto do processo e informar o que entender por conveniente.».

O AE pronunciou-se a respeito, considerando que a EV veio reclamar da decisão (do AE) de atribuição de valor às deslocações efetuadas, reclamação essa que é extemporânea (por ter sido ultrapassado o prazo de dez dias), pelo que a decisão do AE se estabilizou/consolidou definitivamente, com a consequência de ser o valor por este fixado o que deve ser pago, e não outro.

Proferiu, então, o Tribunal despacho, datado de 16/05/2023, com o seguinte teor:

«Por requerimento de 24-03-2023 veio a encarregada da venda reclamar da decisão tomada pelo Agente de Execução em 25-02-2023 e que lhe foi notificada em 2-03-2023.

Sendo o prazo de reclamação de dez dias (artigo 149.º, n.º 1, do CPC), verifica-se que a reclamação apresentada é manifestamente extemporânea.

Face ao exposto, não admito a reclamação apresentada pela encarregada de venda em 24-03-2023, por intempestiva.».

Tal despacho foi notificado à EV, constando «Certificação Citius em: 16-05-2023» (cfr. fls. 14 e v.º dos presentes autos, em suporte de papel). 

Em 09/06/2023, a EV – já patrocinada por Exm.º Mandatário subscritor – apresentou, por via eletrónica, novo requerimento ao Tribunal ([1]), mostrando o seu inconformismo com o teor do despacho judicial de 16/05/2023, aludindo, no essencial, a:

a) «(…) lapso/nulidade de precedente despacho, por omisso quanto a decisão a competir em exclusivo a V/ Exa no que contende com a fixação de honorários e despesas, devidamente fundamentada nos termos e para efeitos do art. 17º/6 do RCP»;

b) «Não se verifica ainda qualquer decisão transitada legal e regularmente em julgado, carecendo para tanto de prolação, e prévia e legal notificação a si para todos os efeitos»;

c) «Pois que, como se requer, exigivel em acrescento material a apreciação e fixação de remuneração fixa nos termos e para efeitos do art.º 17º/6 do RCJ, por V/ Exa, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo. Omissão decisória que compete suprir.».

Por sequente despacho judicial de 12/09/2023 – o aqui recorrido – foi assim decidido:

«Requerimento de 9-06-2023 – Com a prolação do despacho de 16-05-2023 mostra-se esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal relativamente à questão suscitada no requerimento em apreço, pelo que nada temos a ordenar – artigo 613.º, n.º 1 e 3, do CPC.

Consigna-se ainda que, mesmo que se entendesse estar em causa a arguição de nulidade do processado anterior, nomeadamente do despacho de 16-05 (que na mesma data foi notificado à encarregada de venda), tal arguição sempre seria manifestamente extemporânea, atento o decurso do prazo supletivo legal para o efeito.».

Inconformada, a EV veio então interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([2]):

«I – Verifica-se a falta de determinação por despacho de procedimentos e moldes a adoptar, e respectiva notificação de tudo o quanto concernente à matéria em apreço, para contraditório à EVJ.

II - Não obstante a determinação decisória no que contende com o previsto no art.º 17º/6 do RCJ não é de alçada de competência do Sr Agente de Execução, mas de competência exclusiva do Meritissimo Juiz a Quo.

III - O despacho recorrido decide erroneamente reconduzir para precedente despacho de 16-05-2023, e para a figura do Sr. Agente de Execução, e suposto esgotamento de poder jurisdicional, e nada decidir nos termos e para efeitos do art.º 17º/6 do RCJ conforme foi requerido.

IV – Verifica-se omissão de pronuncia e decisão que entende o Juiz a Quo com tal despacho não suprir.

V - Verifica-se a inalienabilidade de poder e obrigação decisória, que de exclusiva competência do Sr. Juiz, no que concerne ao previsto no art. 17º/6 do RCJ, e a sua omissão de pronuncia, sustentada e fundamentada, sendo exigivel tal apreciação e determinação.

VI – É violado, ao eximir-se de decisão, de forma correcta e equitativamente ajustada, o quanto previsto no 17º/6 do RCJ.

VII – Atente-se o recente Acórdão do TRC, Processo: 1551/10.4TBCBR-C.C1, de 28-03-2023.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., deverá ser dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, e, em consequência, a final, ser apreciado e determinado o quanto a fixação cfr previsto no CPC e art. 17º/6 do RCJ.

ASSIM SE FAZENDO A SÃ, MATERIAL, EQUITATIVA E DESEJADA JUSTIÇA».

Contra-alegou o Exequente, concluindo pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo ([3]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados ([4]).

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento da matéria da apelação, cumpre apreciar e decidir.

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II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais, como é consabido, definem o objeto e delimitam o âmbito recursório ([5]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor ([6]) [doravante, NCPCiv.] –, o thema decidendum consiste em saber ([7]), no essencial, se:

a) Aquando do requerimento datado de 09/06/2023 já estava esgotado o poder jurisdicional do juiz da execução, esgotamento esse ocorrido com a prolação do despacho datado de 16/05/2023, em matéria de remuneração da EV, e que considerou extemporânea, assim a indeferindo, a reclamação nessa matéria;

b) Não tendo sido sujeito a impugnação recursiva, era tempestiva a arguição de nulidade desse despacho mediante requerimento de 09/06/2023 ou, diversamente, seria a eventual invalidade de considerar como sanada e a decisão como transitada em julgado (caso julgado formal);

c) Ocorreu violação do princípio do contraditório ou outra irregularidade de tramitação (prática de atos processuais);

d) A competência para, na ação executiva, fixar a remuneração do encarregado da venda cabe ao juiz e não ao AE;

e) Não decidindo sobre tal remuneração, incorreu o Tribunal em nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, com as legais consequências, invocando a parte recorrida/exequente, já no plano da apreciação de meritis, a prescrição da remuneração (prazo de cinco anos, ao abrigo dos art.ºs 37.º do RCProc. e 306.º, n.º 1, do CCiv.).

***

III – Fundamentação fáctico-jurídica
A) Base fáctica e dinâmica processual a considerar

O quadro fáctico e a dinâmica processual a atender são os enunciados no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B) Direito aplicável

1. - Da intempestividade e do esgotamento do poder jurisdicional em matéria de reclamação

No despacho judicial recorrido foi entendido que, aquando do requerimento da EV datado de 09/06/2023, já estava esgotado o poder jurisdicional do juiz da execução, esgotamento esse ocorrido com a prolação do anterior despacho, datado de 16/05/2023, em matéria de remuneração daquela EV, que considerou extemporânea, assim a indeferindo, a reclamação (da EV) nessa matéria remuneratória.

Aquela EV/Recorrente dissente, inconformada.

Terá razão?

Adiantamos – salvo sempre o devido respeito – que não.

Vejamos.

É certo que, no atual figurino legal da ação executiva – o aplicável à matéria incidental em discussão –, há competências que cabem ao AE, até de forma ampla/alargada, o que não impede (antes obriga a) que subsista uma “reserva” de competência do juiz ([8]).

É ao agente de execução que cabe a competência para decidir, amplamente, quanto às matérias a que alude o art.º 719.º, n.º 1, do NCPCiv., incluindo, especificamente, «liquidações e pagamentos», mas também, de modo mais genérico, «todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz».

E, mesmo «após a extinção da instância, o agente de execução deve assegurar a realização dos atos emergentes do processo que careçam da sua intervenção» (n.º 2 do mesmo art.º), como, por exemplo, os aludidos «pagamentos» (que não tenham sido realizados antes).

Assim, pode dizer-se que a competência residual na ação executiva (quanto a todas as diligências do processo não atribuídas à secretaria ou da competência do juiz) é do AE ([9]).

Ao Tribunal cabe, por seu lado, em regra, a competência prevista no art.º 723.º do NCPCiv., importando aqui a que respeita a julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução ([10]).

Assim é que compete ao juiz – e a mais ninguém – tomar as decisões a que alude o art.º 723.º do NCPCiv., entre elas estando a de julgar as reclamações e impugnações de ato/decisões do agente de execução.

Em tal julgamento – de reclamações, se tempestivas/admissíveis, de atos e impugnações de decisões do AE –, que legalmente lhe compete, tem o Julgador de decidir em plenitude, regulando cabal e definitivamente o conflito de interesses que lhe seja suscitado na reclamação/impugnação.

Ou seja, quanto ao que aqui importa, poderia entender-se, à primeira vista, caber ao AE fixar a remuneração da EV, âmbito em que o art.º 17.º do RCProc. apenas definiria critérios para fixação de montantes (de remunerações), a deverem ser observados por quem fixa a remuneração devida, mas não definiria competências quanto a quem deve fixar a remuneração.

Tais competências seriam definidas exclusivamente pelo NCPCiv., no confronto/conjugação entre os art.ºs 719.º e 723.º, ambos da lei adjetiva.

Poderia, pois, ser-se levado a entender que, embora já extinta a execução in casu, a competência para, em matéria incidental, decidir sobre a remuneração da EV caberia ao AE (mesmo que o requerimento que deu início ao incidente fosse dirigido, não ao AE, mas ao Tribunal).

Porém, vem sendo enfatizada pela Jurisprudência uma distinta perspetiva, atribuindo a competência para fixação da dita remuneração ao juiz da execução.

Assim, no Ac. TRL de 24-01-2023 ([11]), exarou-se nos seguintes termos:

«(…) como é fácil de compreender, efetuar “pagamentos”, não é exatamente a mesma coisa que fixar a remuneração devida ao encarregado de venda.

O ato a que o Art.º 719.º n.º 1 “in fine” do C.P.C. se refere, traduz-se unicamente no cumprimento, mais ou menos mecânico, de “pagamentos” que decorram de decisões judiciais produzidas no processo executivo ou que decorram diretamente da aplicação direta da lei.

(…)

Considerando que o pagamento dos honorários devidos a encarregado de venda, bem como o reembolso devido pelas despesas havidas com o exercício dessa função, são um encargo do processo de execução, não pode ser reconhecida competência própria ao Agente de Execução para fixar o seu valor.

(…) é ao Tribunal, através do Juiz da Execução, que compete fixar a remuneração devida ao encarregado de venda (cfr. Art. 723.º n.º 1 do C.P.C., conjugado com o Art.º 17.º n.º 6 do R.C.P.) e não ao Agente de Execução, que só pode efetuar o correspondente pagamento (cfr. Art.º 719.º n.º 1 “in fine” do C.P.C.) depois dele ser decidido pelo Tribunal».

No mesmo sentido, o anterior Ac. TRE de 28/03/2019 ([12]), com o seguinte sumário:

«A sociedade nomeada, na execução, encarregada da venda, tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, até 5% do valor do processo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 6 do art.º 17.º do Regulamento das Custas processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, tendo recebido 16 propostas de compra, a qual não se realizou por facto que não lhe é imputável.».

Também Salvador da Costa refere, a propósito do art.º 17.º do RCProc., que «a remuneração, em regra, é fixada pelo juiz», acrescentando que o n.º 6 desse art.º alude à remuneração «fixada pelo tribunal».

E assim é, efetivamente. O dito n.º 6 do 17.º do RCProc. é explícito em afirmar que as entidades encarregadas da venda «recebem a quantia fixada pelo tribunal» (destaques aditados).

Assim, este comando legal deveria considerar-se norma especial, que prevaleceria sobre a disciplina geral do NCPCiv., se dispusesse de forma diversa.

Porém, nem sequer é esse o caso, posto o art.º 723.º, n.º 1, do NCPCiv. excetuar/salvaguardar, de forma includente, no campo das competências do juiz da execução, «outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui» (norma de remissão).

Ora, como dito, aquele n.º 6 do art.º 17.º do RCProc. atribui expressamente ao tribunal a fixação da quantia de remuneração a receber pelo encarregado da venda, fixação essa que se conforma com um princípio geral de justiça, segundo o qual, quem intervenha nos processos ou coadjuve em quaisquer diligências, terá «direito às remunerações previstas no presente Regulamento» (cfr. n.º 1 do mesmo dispositivo legal).

Em suma, perante requerimento de fixação à EV de remuneração, não era ao AE, mas ao juiz de execução, que competia proferir decisão a respeito.

Donde que não possa dizer-se que nada houvesse a censurar ao modo de formação e proferimento dessa decisão extrajudicial – datada de 25/02/2023, com fixação do valor de € 145,24 – no processo executivo (não está em causa ainda, obviamente, qualquer juízo sobre a correção/adequação do montante atribuído).

Cabia, pois, à EV, perante a evolução dos autos, se inconformada com o valor de remuneração assim fixado (pelo AE), reclamar para o Tribunal, deduzindo impugnação perante o juiz da execução da decisão extrajudicial do AE [al.ª c) do n.º 1 do referido art.º 723.º].

E foi isso que a EV fez, apresentando, para tanto, o seu requerimento/impugnação datado de 24/03/2023 (denominado «Resposta à Notificação da Decisão do Agente de Execução» (sublinhado aditado) e onde a mesma EV refere ter sido notificada «no transato dia 25 de Fevereiro de 2023» da «intenção dos valores a liquidar a esta Entidade», ou seja, daquela decisão do AE.

É certo que não invocou a EV, então, qualquer questão de incompetência do AE, limitando-se a discordar, de forma fundamentada, do valor remuneratório atribuído e, ademais, a solicitar a substituição da anterior “Nota de Honorários” por uma nova, com montantes acrescidos.

Cabia, então, ao juiz, pronunciando-se, tomar posição decisória, a incidir sobre a dita reclamação/impugnação (da ocorrida decisão do AE), podendo, desde logo, enfrentar expressamente a questão – embora não suscitada – da competência para fixação da remuneração (competência que era sua) ou, se assim não entendesse, aferir da tempestividade da reclamação.

Ora, a al.ª c) do n.º 1 do art.º 723.º do NCPCiv. prevê um prazo de 10 (dez) dias para decisão, pelo juiz, da reclamação/impugnação ([13]).

E idêntico prazo de 10 (dez) dias assiste ao reclamante – um prazo perentório – para deduzir a sua reclamação/impugnação ([14]), sob pena de extemporaneidade e decorrente rejeição (cfr. art.º 149.º, n.º 1, conjugado com os art.ºs 138.º e 139.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv.).

Assim sendo, como diagnosticado pelo Tribunal a quo, a EV deduziu a sua reclamação/impugnação, contra a existente decisão do AE – para tomada de posição decisória pelo juiz –, para além do prazo legal de dez dias a contar da notificação/conhecimento desse conteúdo decisório extrajudicial ([15]). O que determina, logicamente, a extemporaneidade da reclamação/impugnação, nos moldes em que apresentada, e decorrente rejeição, pelo que deve ter-se por correta, nesta perspetiva, a decisão judicial datada de 16/05/2023.

E também é certo que, proferido tal despacho/decisão judicial de rejeição da reclamação/impugnação, ocorreu, sobre essa matéria, o esgotamento do poder jurisdicional do juiz a quo, como logo decorre do disposto no art.º 613.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv.. Por isso, restava à EV reclamar de tal decisão judicial, arguindo alguma inerente nulidade (processual ou outra), ou impugná-la pela via do recurso.

Dúvidas também não podendo haver de que, não admitida a reclamação/impugnação – rejeição por extemporaneidade, com extinção do direito de praticar o ato –, não haveria o juiz de conhecer, logicamente, da sua substância (matéria/conteúdo) e inerente pretensão.

Assim, em vez de um dever de pronúncia judicial – gerador de um vício de omissão de pronúncia a respeito –, pode perspetivar-se termos, ao invés, um dever de não conhecimento/pronúncia (por força do caminho decisório seguido, a sinalizada extemporaneidade).

Donde que, nesta ótica, hajam de improceder as conclusões da Apelante em contrário.

2. - Da (in)tempestividade da arguição de nulidade do despacho de 16/05/2023

Cabe agora saber se, não tendo sido – como não foi – sujeito a impugnação recursiva, era tempestiva a arguição de nulidade daquele despacho de 16/05/2023, mediante requerimento de 09/06/2023.

Com efeito, neste mencionado requerimento, a EV parece aludir a eventuais nulidades (processuais), mormente por omissão de atos ou formalidades (anteriores), bem como a nulidade do «precedente despacho», por omisso quanto à decisão remuneratória, decisão essa (judicial) alegadamente ainda por tomar (omissão de pronúncia).

Ora, cabe dizer que, se nulidade processual existisse, ela integrar-se-ia, como nulidade secundária, no disposto no art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv., isto é, invalidade dependente de arguição, no prazo previsto no art.º 199.º do NCPCiv., o prazo geral de dez dias a contar do dia em que a parte teve intervenção no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste último caso se dever presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela podia conhecer mediante atuação rodeada da devida diligência.

Ora, quanto à notificação da decisão de 16/05/2023, refere a EV que a mesma ocorreu «por comunicação de 16-05-2023», não pondo em causa, assim, a existência e regularidade de tal notificação (aliás, documentada nos autos).

Assim, sendo o requerimento de arguição de nulidade(s) datado de 09/06/2023, largamente se mostrava, então, ultrapassado, como tem de concluir-se, o prazo de dez dias para arguição de nulidades (processuais ou da decisão), no confronto com a data de notificação daquela decisão judicial, sendo certo ainda que, quanto a eventuais nulidades processuais anteriores, as mesmas estariam sanadas perante a não invocação aquando da primeira intervenção da EV no sentido da fixação remuneratória (a de 16/02/2023).

Em suma, quaisquer eventuais nulidades invocadas sempre deveriam considerar-se já sanadas, como entendido pelo Tribunal recorrido, com a consequência de a decisão judicial de 16/05/2023 dever considerar-se transitada em julgado (caso julgado formal).

Ou seja, ainda que se entendesse – como parece certo, salvo o devido respeito – que a competência para fixação da remuneração da EV cabia ao juiz da execução, o despacho, por este proferido, de 16/05/2023, veio, não só convalidar (ao menos, implicitamente, vistos os seus poderes oficiosos) a decisão remuneratória do AE (não vendo ali qualquer infração a regras fixadoras de competência, encarando a situação processual na perspetiva de uma reclamação de decisão da esfera do AE), como ainda decidir, mesmo que em plano formal, quanto à respetiva impugnação – não a admitindo, por extemporaneidade –, decisão esta que deve considerar-se revestida de caráter definitivo.

3. - Da violação do princípio do contraditório (ou outro vício de tramitação)

Do anteriormente exposto, resulta a improcedência da pretendida nulidade processual por violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.), posto, como dito, se vício processual houvesse, o mesmo teria de considerar-se sanado, por não invocado tempestivamente perante o juiz da execução (aludidos art.ºs 195.º e segs. do mesmo Cód.).

Cabe dizer ainda o seguinte:

É certo que ambos os requerimentos iniciais – ao contrário das duas ulteriores peças oferecidas (a última delas, a recursiva), que foram apresentadas, por mandatário judicial, mediante transmissão eletrónica de dados, nos moldes legalmente previstos – chegaram ao processo via e-mail.

Ora, é sabido que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes – e, desde logo, também se reconhece que, in casu, não se tratava de uma parte na execução, mas de um outro interveniente processual – são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do art.º 132.º do NCPCiv. – seja na versão de 2013, seja na decorrente do DLei n.º 97/2019, de 26/07 –, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição [art.ºs 144.º, n.º 1, e 132.º, ambos do mesmo CPCiv., em conjugação com as Portarias n.ºs 280/13, de 26-08, 282/2013, de 29/08, e 170/17, de 25-05].

Assim, a tramitação eletrónica dos processos judiciais é efetuada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (art.º 3.º, n.º 1, da Portaria 280/13), com apresentação de peças processuais e documentos por via eletrónica (art.º 4.º da mesma portaria).

Neste âmbito, é sabido que a “apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes” (art.º 5.º, n.º 1, da mesma portaria).

Era esta a via transmissiva regra, aquela que a lei impunha às partes patrocinadas por advogado.

Porém, também se previa – e continua a prever na atual redação do art.º 144.º do NCPCiv., a dada pelo DLei n.º 97/2019, de 26-07 –, quando “se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada”, a prática de atos processuais nos termos do n.º 7 do dispositivo legal do art.º 144.º, isto é:

a) Mediante entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;

b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;

c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato a da expedição.

Sendo que a atual versão do NCPCiv. (a daquele DLei n.º 97/2019) ainda prevê, nesse caso, a possibilidade de entrega por via eletrónica, por transmissão eletrónica de dados nos moldes do n.º 2 do art.º 132.º do mesmo Cód. [cfr. n.º 7, al.ª d)].

E se, em vez de parte, o requerente for, como no caso dos autos, um outro interveniente processual?

Para essa situação dispõe agora o art.º 144.º, n.º 9, da lei adjetiva que “o disposto no n.º 7 é igualmente aplicável à apresentação de peças processuais e outros documentos por peritos e outros intervenientes processuais não representados por mandatário”.

O NCPCiv. na versão de 2013 – tal como o Cód. Revogado, na versão de 2003 – não previa uma semelhante norma expressamente dirigida aos “outros intervenientes processuais”.

Mas a solução a encontrar pelo aplicador já teria de ser a que agora foi expressamente consagrada no novo n.º 9 do atual CPCiv..

Quer dizer, aqueles outros intervenientes processuais teriam ao seu dispor, como continuam a ter, as vias previstas nas al.ªs do n.º 7 do art.º 144.º do NCPCiv. ([16]), podendo, pois, apresentar peças processuais mediante entrega na secretaria judicial (valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega), por remessa pelo correio, sob registo (valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal), ou por envio através de telecópia (valendo como data da prática do ato a da expedição), sendo de perspetivar ainda o envio por via eletrónica, nos termos legalmente definidos (transmissão eletrónica de dados nos moldes aludidos no art.º 132.º).

O que a lei não previa – nem prevê –, para as partes ou para outros intervenientes processuais (quaisquer que eles fossem ou sejam), era (é) o uso de e-mail (a prática de atos processuais por esta via).

Com efeito, a transmissão via e-mail não é admitida na nossa lei adjetiva, já que a excluiu – e exclui – dos modos legalmente admissíveis de prática de atos processuais em juízo.

Quer dizer, a Recorrente (então requerente) nem procedeu à entrega na secretaria judicial, nem à remessa por correio postal registado, nem sequer ao envio por telecópia (via “fax”), forma esta de apresentação que se mantém regulada – logo, admissível – em diploma regulamentar, o DLei n.º 28/92, de 27-02 ([17]).

Fê-lo simplesmente por via e-mail, que a lei não permite, quanto a ambos os aludidos requerimentos que elaborou, pelo que era caso, desde logo, de recusar oficiosamente a junção, posto não dever ser admitida a prática de atos pela via irregular, justificando-se o desentranhamento dos autos ([18]).

Porém, se não foi liminarmente recusada a junção, foi recusada/rejeitada a pretensão ali veiculada (por extemporaneidade).

Em suma, a pretensão não deveria merecer acolhimento, desde logo por inadmissibilidade legal de prática dos atos pela escolhida via e-mail, sendo o mesmo, embora por outra senda, o efeito prático da decisão judicial que foi vertida nos autos.

4. - Da nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia

Entende a Recorrente que, não decidindo sobre a sua remuneração, incorreu o Tribunal em nulidade da decisão recorrida (a de 12/09/2023), por omissão de pronúncia, com as legais consequências.

No entanto, como já explanado anteriormente, não procede esta invocada causa de invalidade, a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv..

Desde logo, por existir decisão – efetiva – sobre a sua pretensão remuneratória, decisão essa, tomada pelo AE, de que a Recorrente tomou oportuno conhecimento (há, pois, uma decisão sobre a questão, expressa e fundamentada no processo).

Depois, por também ter sido tomada posição decisória judicial a respeito – com dimensão convalidante, ao menos implícita (como já referido) –, até mediante requerimento da EV e ora Recorrente, tendo o Tribunal considerado, afinal, extemporânea a reclamação deduzida contra a decisão de efetiva fixação remuneratória.

Termos em que houve pronúncia do juiz sobre a matéria, não tendo o Tribunal alterado a fixação remuneratória operada pelo AE, havendo, pois, de inferir-se que é essa a fixação – efetiva – que se mantém e se impõe à EV, que não logra triunfar, vista a dinâmica processual refletida nos autos ([19]), na sua apelação ([20]), não se vislumbrando, por outro lado, qualquer significativa/operante violação de lei, que houvesse de ser agora sancionada, cometida pelo Tribunal de 1.ª instância ([21]) e mostrando-se, ademais, prejudicadas quaisquer outras questões suscitadas por Recorrente e Recorrida.

De notar, por fim – em jeito de clarificação –, que, não obstante o teor literal da norma do dito art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv. – que veda, irrestritamente, a possibilidade de recurso –, no caso é admissível o recurso para a Relação, embora de decisão do juiz sobre uma reclamação/impugnação de decisão do AE.

Como referem ainda Abrantes Geraldes e outros ([22]), deve seguramente proceder-se a uma interpretação restritiva da norma de irrecorribilidade da dita al.ª c) do n.º 1 do art.º 723.º, devendo entender-se «que a decisão judicial proferida na sequência da reclamação de ato ou impugnação de decisão do agente de execução admitirá recurso desde que o ato ou decisão do agente de execução sejam vinculados», visto que «a irrecorribilidade nessas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva» (tratar-se-ia de «uma restrição desproporcional ao direito a recorrer») ([23]).

Ora, a decisão de fixação da remuneração do EV tem natureza vinculada, por dever obedecer a norma legal imperativa, o dito art.º 17.º do RCProc..

Acresce que a situação dos autos também poderia caber na norma da al.ª d) do n.º 1 do art.º 723.º do NCPCiv., horizonte legal em que não é prevista a dita impossibilidade de recurso.

*

(…)


***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão apelada.

Custas do recurso pela Apelante, por nele ficar vencida (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 23/01/2024

Vítor Amaral (relator)

Fernando Monteiro

  Carlos Moreira


([1]) Dizendo-se «notificada [que foi] de precedente despacho por comunicação de 16-05-2023».
([2]) Cujo teor se deixa transcrito.
([3]) Foi ali considerado não ser de fixar o efeito suspensivo requerido pela Recorrente.
([4]) Exarou assim, liminarmente, o relator: «A 1.ª instância fixou efeito meramente devolutivo, ao abrigo do disposto no art.º «853.º, n.º 2, alínea c), e n.º 4» do NCPCiv., sabido ainda que, em geral, no art.º 647.º, n.º 1, do mesmo Cód. prevê-se o regime regra que cabe ao recurso de apelação (cfr. também o art.º 853.º, n.º 1, do mesmo Cód.). A parte recorrente havia requerido a fixação de efeito suspensivo, mas sem invocar qualquer motivo para tanto ou norma jurídica habilitante, nem indicando, sequer, que a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável, nem se oferecendo para prestar caução (cfr. n.º 4 daquele art.º 647.º). // Ora, é sabido que a decisão recorrida foi proferida depois da decisão final (de extinção da execução), com um prazo recursivo, pois, de 15 dias, como decorre do art.º 644.º, n.º 2, al.ª g), ex vi art.º 853.º, n.ºs 2, al.ª a), e 4, do NCPCiv., normas estas de cuja conjugação resulta, por outro lado, que o recurso sobe “imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo”, posto que a decisão recorrida nem põe termo à execução (já finda/extinta há muito) nem suspende a instância. Assim, é de manter o efeito fixado pela 1.ª instância, não se encontrando qualquer motivo para o alterar.».
([5]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([6]) O aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, com entrada em vigor em 01/09/2013 – cfr. art.ºs 6.º, n.ºs 1, 3 e 4, 7.º, n.º 1, e 8.º respetivos. Aquele n.º 4 do art.º 6.º reporta-se, para além do mais, aos “incidentes de natureza declarativa” deduzidos após 01/09/2013, sendo que Abrantes Geraldes e outros – in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 63 – enfatizam estruturar-se a reclamação a que alude o art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., “como um incidente, convocando a aplicação dos arts. 293.º e ss., com as devidas adaptações (…)”.
([7]) Caso nenhuma das questões colocadas – numa perspetiva de ordenação lógico-sistemática – resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([8]) Cfr., nesta senda, quanto à repartição de competências no processo executivo, o disposto nos art.ºs 719.º e 723.º do NCPCiv.. Na doutrina pode ver-se, por todos, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 480 e segs., referindo que o «juiz de execução é o juiz das garantias dos direitos subjetivos». Sobre a matéria, cfr. ainda, na jurisprudência, o Ac. TRC de 12-09-2023, Proc. 818/15.0T8CBR.C1 (relatado pelo aqui Relator), em www.dgsi.pt.
([9]) Sinalizam Abrantes Geraldes e outros – op. cit., p. 55 – que «compete ao agente de execução a prática da quase totalidade dos atos de execução, com exceção dos que sejam materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao juiz», sendo-lhe, pois, «cometido um poder geral de direção do processo de execução, tendo uma competência ampla e não tipificada, embora com natural exclusão dos atos que apresentam natureza jurisdicional (…)». E acrescentam, que, por sua vez, «as competências do juiz são restritas e tipificadas, sem prejuízo da reserva de jurisdição», constitucionalmente prevista, termos em que «apenas pode fiscalizar a legalidade dos atos processuais no âmbito que lhe for solicitado, para além de apreciar questões de conhecimento oficioso» (cfr. ps. 61 e segs.). No mesmo sentido, Rui Pinto, op. cit., ps. 480 e segs., enfatizando que «ficou reservado ao juiz de execução o julgamento das questões em que exista um litígio de pretensões, sempre a pedido do interessado».
([10]) Como também refere Rui Pinto, op. cit., ps. 491 a 493, o “juiz fará o julgamento das reclamações de atos do agente de execução (…), proferindo decisão”, cabendo e prevalecendo aqui a “regra da substituição” (no caso, do juiz ao AE).
([11]) Proc. 902/14.7TBCSC-B.L1-7 (Rel. Carlos Oliveira), em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário: «Nos termos do n.º 6 do Art.º 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, é ao Juiz da Execução que compete a fixação da remuneração devida ao Encarregado de Venda extrajudicial até ao limite de 5% do valor da causa ou dos bens vendidos.».
([12]) Proc. 525/13.8TBLLE.E1 (Rel. Tomé Ramião), em www.dgsi.pt.
([13]) Sendo certo que a al.ª d) do n.º 1 do mesmo art.º 723.º prevê apenas um prazo de cinco dias.
([14]) Veja-se ainda Rui Pinto – op. cit., ps.  490 e 491 –, enfatizando que se trata de um incidente processual, devendo o requerimento de reclamação «ser deduzido no prazo regra de 10 dias (…) a contar da notificação do ato ou do seu conhecimento». No mesmo sentido, Abrantes Geraldes e outros, op. cit., ps. 63 e seg..
([15]) Quer tendo em conta a data que a Recorrente admite como a do seu conhecimento da posição decisória do AE (25/02/2023), quer a data, posterior, de notificação a que se reporta o Tribunal (02/03/2023), o certo é que em 24/03/2023 se encontrava largamente expirado o prazo legal perentório de dez dias.
([16]) Cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 171.
([17]) Cfr., sobre o envio por telecópia e respetiva legislação, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 306.
([18]) Vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, ps. 157 e 158.
([19]) Poderia até perguntar-se (com todo o respeito devido pela Recorrente): se devia a questão remuneratória ser refletida, como visto, em sede de “encargos do processo de execução” – com inerente/repercutida contagem para efeitos de custas em sentido amplo – e se a EV/Apelante entendia (e bem) que se trata de matéria a dever ser objeto de decisão judicial (fixação de remuneração, no âmbito do disposto no art.º 17.º, n.º 6, do RCProc.), que sentido faria esperar quase uma década, com a execução extinta (quase há dez anos), com as custas pagas/resolvidas, para vir, finalmente, pedir a fixação judicial, com a remuneração a dever ser suportada, com tamanha dilação temporal e pretendido montante manifestamente elevado, por uma das partes na execução extinta?
([20]) Questão diversa, em que não se entra – reitera-se –, é a da adequação/correção do montante remuneratório assim fixado, matéria que se encontra, obviamente, prejudicada na economia deste recurso.
([21]) Sendo certo que, de violações de lei em que incorra o AE, sempre caberá (desde que tempestiva) reclamação/arguição para o juiz da causa e não diretamente para a Relação.
([22]) Op. cit., Vol. II, p. 65.
([23]) No mesmo sentido, com que se concorda, a jurisprudência ali citada e, na doutrina, Delgado Carvalho, Jurisdição e Caso Estabilizado, ps. 191, 195-197 (citado também por aqueles Autores).