Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
231/19.0PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: INSTITUTO DA PERDA DE VANTAGENS
DESISTÊNCIA DE QUEIXA
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA – J3
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 110.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 51.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:

I – O instituto da perda de vantagens decorre da necessidade de impedir que o crime compense, reconhecendo-se que o delinquente, no mínimo, deve ser restituído à situação patrimonial que tinha antes da prática do crime, perdendo todas as vantagens que tenha podido alcançar por intermédio do facto ilícito.

II – A perda de vantagens, no que concerne às vantagens pecuniárias, é limitada pelo valor pecuniário directa ou indirectamente resultante do facto criminoso, quer esse facto tenha beneficiado em primeira linha o agente, quer tenha beneficiado um terceiro.

III – A declaração de perda de vantagens pressupõe a verificação judicial de um facto ilícito típico.

IV – Desde que judicialmente verificado o facto típico, é irrelevante, para a declaração de perda de vantagens, que haja condenação, podendo essa declaração ter lugar ainda que o facto seja declarado prescrito ou amnistiado, ou que o arguido seja julgado inimputável.

V- Se o facto típico não tiver sido judicialmente verificado em audiência de julgamento não haverá como estabelecer uma relação entre o facto ilícito e a vantagem dele decorrente, pelo que a declaração de perda não poderá ter lugar.

VI – A desistência de queixa homologada por sentença preclude a possibilidade de pronúncia quanto à responsabilidade criminal.

VII – Terminando o procedimento criminal por desistência de queixa, não prevê o Código de Processo Penal o prosseguimento do processo exclusivamente para verificação dos pressupostos da declaração de perda de vantagens ou o recurso a meios cíveis para essa declaração.

VIII – O direito de queixa tem natureza pessoal.

IX – Estando em causa procedimento criminal respeitante à prática de dois crimes que admitem desistência de queixa e sendo distintos os ofendidos em cada um dos ilícitos, se apenas um dos ofendidos desistiu da queixa, a decisão que declara extinto o procedimento criminal na sua totalidade enferma de excesso de pronúncia na parte em que abrange o crime relativamente ao qual não houve válida desistência de queixa.


Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral:
Relator: Jorge Jacob
1.ª Adjunta: Alexandra Guiné
2.º Adjunto: José Eduardo Martins

*

…, foi proferida sentença homologatória, consignada em acta, cujo teor é o seguinte:

 (…)

Nos presentes autos, deduziu o Ministério Público acusação contra a …, imputando-lhe factos suscetíveis de integrar a prática em autoria material e na forma consumada, em concurso real, de um crime de burla na forma consumada, previsto e punível pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de burla na forma tentada previsto e punível pelo art.º 217.º, n.º 1 e 2 por referência aos artigos 22.º n.º 1 e 2 al. a) do Código Penal.

Os referidos crimes têm natureza semipública, nos termos dos artigos 217.º, n.º 3 do Código Penal, admitindo a extinção da responsabilidade criminal por desistência de queixa, conforme determina o artigo 116.º, n.º 2 do Código Penal.

O ofendido em sede de audiência de julgamento veio desistir da queixa apresentada contra a arguida, tendo a mesma aceitado aquela desistência (artigo 51.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).

Deste modo, atendendo à natureza semipública dos crimes sub judice, a declaração de vontade do ofendido de desistir da queixa apresentada contra a arguida, bem como a não oposição desta a uma tal desistência, e, ainda, a posição assumida pelo Ministério Público, julga-se válida e legal a desistência de queixa apresentada, que se homologa, nos termos do artigo 51.º, n.º 1 e 2 e 49.º do Código de Processo Penal, declarando-se, consequentemente, extinto o procedimento criminal contra a arguida …

Recorre o M.P., formulando as seguintes conclusões:

4 - Com a acusação, o Ministério Público efetuou pedido de declaração de perda de vantagens, resultantes da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida, a favor do Estado Português, no montante de 1.360€, quantia essa de que a arguida se apoderou em detrimento do ofendido AA.

5 - Contudo, “Face à sentença homologatória e à extinção do procedimento criminal, o tribunal julgou extinta a instância relativa ao pedido de declaração de perda de vantagens da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida a favor do Estado Português.”

6 - No caso em apreço, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do crime, neste caso o de burla, a pagar ao Estado do valor correspondente à quantia de que se apropriou ilegitimamente, por ter sido requerido pelo Ministério Público (art.º 110º, nº1, alínea b), do Código Penal).

7 - Nos casos em que a perda de vantagens corresponda à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico pode e deve ser decretada se o titular dos danos causados por aquele facto se desinteressar pela reparação do seu direito.

8 – Na realidade, o instituto de “perda de vantagens” constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança com intuitos exclusivamente preventivos, através do qual o Estado exerce o seu ius imperuim por forma a demonstrar que “o crime não compensa”. A “perda de vantagens” tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral.

9 - Esta perda de vantagens deverá ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, o que aconteceu no caso vertente.

10 – Com efeito, não havendo pedido cível, tem lugar a aplicação do regime do art.º 110º, nº1, al. b), do Código Penal, uma vez que subsiste uma situação patrimonial antijurídica.

11 - A desistência de queixa (como aconteceu nestes autos) não implica a extinção da responsabilidade civil ou extinção do pedido de perda de vantagens a favor do Estado na medida em que a conduta aqui em causa (burla) continua a ser criminalmente punida e, como tal fundamento para responsabilidade extra- contratual.

14 - Assim sendo, não poderia o tribunal a quo ter julgado extinta a instância relativa ao pedido de declaração de perda de vantagens da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida, a favor do Estado Português.

15 - A sentença recorrida enferma da NULIDADE que vem prevista no art.º 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, em virtude do tribunal não se ter pronunciado sobre promoção do Ministério Público formulada na acusação, no sentido do arguido ser condenado a pagar ao Estado a quantia de 1.360€, nos termos do art.º 110º, nº1, al. b), do C. Penal.

            A arguida respondeu, …

           

            Nesta instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela nulidade da sentença na parte sob recurso, por manifesta falta de fundamentação, notando ainda inexistir nos autos manifestação de vontade de desistência da queixa por parte da ofendida …

            Foram colhidos os vistos legais.

O âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido. No caso vertente, as questões a conhecer são apenas duas:

- A primeira, que constitui o cerne do recurso interposto, prende-se com a licitude da declaração de extinção da instância relativamente ao pedido de declaração de perda de vantagens da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida a favor do Estado Português, como consequência da desistência de queixa pelo ofendido …, assacando o recorrente à sentença homologatória o vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1, al c), do CPP, em virtude do tribunal não se ter pronunciado sobre promoção do Ministério Público formulada na acusação, no sentido do arguido ser condenado a pagar ao Estado a quantia de 1.360€, nos termos do art.º 110º, nº1, al. b), do C. Penal.

- A segunda, suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, prende-se com o excesso de pronúncia, de oficioso conhecimento pelo tribunal ad quem, decorrente da extinção do procedimento criminal no que toca ao crime em que é ofendida …, por não constar dos autos declaração de desistência de queixa proveniente desta ofendida.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

           

            Com relevo para a decisão a proferir resulta dos autos o seguinte:

            1) … e … apresentaram queixa contra a arguida por factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de burla em que seria ofendido … e de um crime de burla na forma tentada, em que seria ofendida ….

            2) O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida …, imputando-lhe a prática de um crime de burla, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 217º nº1 do Código Penal e de um crime de burla na forma tentada, p. e p. pelo artigo 217º nºs 1 e 2, por referência ao artigo 22º nºs 1 e 2 al. a), todos do Código Penal, crimes em que teriam a posição de ofendidos os referidos … e …, formulando ainda Pedido de Declaração de Perda de Vantagens, requerendo que sejam declaradas perdidas a favor do Estado Português as vantagens obtidas pela arguida com a prática dos factos descritos na acusação, condenando-se esta a pagar ao Estado Português o valor de 1.360,00 € (mil trezentos e sessenta euros), correspondente à vantagem que obteve com a prática de tais factos.

            - O ofendido … declarou em audiência de julgamento desistir da queixa apresentada contra a arguida …, tendo a arguida declarado aceitar a desistência de queixa.

            - Nessa ocasião, o Magistrado do M.P. promoveu a homologação da desistência de queixa, e quanto à perda de vantagens, pronunciou-se no sentido de que uma vez que inexiste pedido de indemnização civil nos autos, deverá o mesmo prosseguir a favor do Estado nos termos dos artigos designados no respetivo requerimento.

            - De seguida, a Mmª Juiz proferiu a sentença homologatória supratranscrita.

            Apreciando e decidindo:

            A evolução da conceptualização do combate ao crime, em especial, o crime movido pelo intuito de angariar proventos avultados – que constitui, aliás, uma parcela considerável dos ilícitos com que se defrontam as sociedades contemporâneas – clarificou a necessidade de dotar o ordenamento penal de mecanismos que permitam privar o delinquente que se dedica a este tipo de crime dos proventos ilicitamente obtidos através da actividade criminosa. Movido pela ideia fundamental de que a condição primeira para um eficaz combate ao crime é o estabelecimento de instrumentos que obstem à percepção de que o crime compensa, vários instrumentos jurídicos internacionais, recolhendo o exemplo já iniciado por algumas legislações nacionais pioneiras, abriram portas ao estabelecimento de normas e procedimentos  dirigidos à apreensão, confisco ou perda de bens e vantagens provenientes da actividade criminosa ou com ela directamente conexionados, rompendo definitivamente com o arquétipo iluminista da intocabilidade do património individual. Portugal não foi excepção e, ainda que tardiamente, deu sequência às recomendações internacionais e europeias nesse sentido, estabelecendo normas e procedimentos tendentes à apreensão de bens provenientes da actividade criminosa, quer modificando e agilizando procedimentos já existentes, quer implementando soluções apontadas no direito internacional, em particular, no direito europeu, ainda que nem sempre as tenha acolhido com a formulação mais ajustada.

            O desenvolvimento do tema extravasa o âmbito da decisão reclamada pelo caso concreto, havendo apenas que registar que a ideia fundamental que preside ao instituto da perda de vantagens decorre da necessidade de impedir que o crime compense, reconhecendo-se que o delinquente, no mínimo, deverá ser restituído à situação patrimonial que tinha antes da prática do crime, perdendo assim todas as vantagens que tenha podido alcançar por intermédio do facto ilícito.

            Dando sequência a este princípio de referência, o art. 110º do Código Penal, sob a epígrafe “Perda de produtos e vantagens”, dispõe actualmente nos seguintes termos:

            1 - São declarados perdidos a favor do Estado:

             a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e

             b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

             2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.

            3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.

            4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

            5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.

            6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido. 

            Como claramente decorre do disposto na al. b) do nº 1 supratranscrito, a perda de vantagens está dependente da prática de um facto ilícito típico e, no que concerne às vantagens pecuniárias – aquelas que interessam ao caso – é limitada pelo valor pecuniário directa ou indirectamente resultante do facto criminoso, quer esse facto tenha beneficiado em primeira linha o agente, quer tenha beneficiado um terceiro. São, pois, requisitos da declaração de perda:

            - A verificação de um facto ilícito típico;

            - A existência de vantagens, directas ou indirectas, beneficiando o agente ou um terceiro, decorrentes do facto ilícito típico.

            É certo que para a declaração de perda de vantagens é absolutamente irrelevante que tenha ou não havido uma condenação. Aquela declaração basta-se com a verificação do facto ilícito típico, pelo que a perda pode ter lugar mesmo quando não possa haver responsabilização criminal, como sucede nos casos em que tenha havido amnistia ou em que tenha decorrido o prazo de prescrição. Ponto é, ainda assim, que esteja verificado o facto ilícito típico, porquanto a declaração de perda pressupõe o estabelecimento de uma relação entre a prática de um facto ilícito e a vantagem dele decorrente. Se o facto típico não tiver sido estabelecido, ou seja, se, ainda que tenha sido deduzida uma acusação, não tiver havido a posterior determinação judicial do facto,[1] a declaração da perda de vantagens não poderá ter lugar. Como refere João Conde Correia, ao contrário da perda dos instrumenta ou “producta sceleris”, a perda das vantagens pressupõe que tenham sido recolhidos indícios que, a manterem-se em julgamento, determinem a aplicação de uma pena ou medida de segurança (…) ao arguido ou a um terceiro. Não é possível decretar a perda sem a comprovação judicial do facto, em audiência de discussão e julgamento, na sequência do impulso processual prévio do Ministério Público [2]; em nota de rodapé acrescenta que isto não significa, obviamente, que a decisão final tenha que ser sempre condenatória. O arguido pode ser absolvido e, ainda assim, as recompensas ou vantagens do crime declaradas perdidas a favor do Estado (non-conviction based asset confiscation). É o que acontece se o facto for declarado prescrito, amnistiado ou o arguido for julgado inimputável. Já se a absolvição ocorrer porque o facto ilícito típico não se provou, será (…) impossível equacionar qualquer confisco: falta um pressuposto legal imprescindível ao mesmo [3].

            No caso dos autos, o procedimento criminal pelo crime de burla em que era ofendido … foi declarado extinto por desistência de queixa, que a arguida aceitou, portanto, sem que tenha havido decisão sobre a responsabilidade criminal desta relativamente ao crime de burla que lhe era imputado.

            Havendo desistência de queixa e proferindo o tribunal sentença homologatória resulta precludida a possibilidade de pronúncia quanto à responsabilidade criminal, cessando a intervenção do Ministério Público no processo, como decorre do art. 51º, nº 1, por referência ao art. 49º, ambos do Código de Processo Penal [4].

            Contrariamente ao que sucede em outras legislações, o Código de Processo Penal Português não prevê o prosseguimento do processo penal, em situações como a descrita, exclusivamente para verificação dos pressupostos da declaração de perda de vantagens, ou o recurso a meios cíveis para essa declaração [5]. Nessa medida, a pretensão do M.P. de ver revogada a sentença recorrida na parte em que omitiu a pronúncia sobre a promovida perda de vantagens e sua substituição por outra, que condene a arguida nos termos do disposto no art.º 110º, nº1, al. b), do Código Penal, a pagar ao Estado a quantia de 1.360€, conforme promovido aquando da prolação da acusação, está irremediavelmente condenada ao fracasso.

            Concomitantemente, decorre do exposto a falta de verificação da apontada omissão de pronúncia, porquanto o tribunal a quo retirou da sentença homologatória a correspondente consequência jurídica no que concerne ao pedido de declaração de perda de vantagens, consignando que face à sentença homologatória e à extinção do procedimento criminal, julga-se extinta a instância relativa ao pedido de declaração de perda de vantagens resultantes da prática dos factos ilícitos cometidos pelos arguidos a favor do Estado Português.

           

            Subsiste, não obstante, a questão do excesso de pronúncia relativamente à extinção do procedimento criminal. Como pertinentemente notou o Exmº Procurador-Geral Adjunto no douto parecer que exarou, não consta dos autos declaração de desistência de queixa por parte da ofendida BB.

            Como é sabido, o direito de queixa tem natureza pessoal, pressupondo a desistência da queixa que originou o procedimento penal uma declaração do titular do respectivo direito e a correspondente aceitação pelo arguido.

            No caso vertente a sentença homologatória julgou extinto o procedimento criminal contra a arguida … pela prática dos crimes de burla na forma consumada e burla na forma tentada, consequência processual que retirou da declaração de desistência de queixa verbalizada pelo ofendido … e da sua aceitação pela arguida. Simplesmente, a condição de ofendido de … advinha-lhe dos factos integradores do crime de burla na forma consumada, não já dos factos susceptíveis de integrar o crime de burla na forma tentada, em que é ofendida ….

            Ocorre assim manifesto excesso de pronúncia, enfermando a sentença homologatória da nulidade decorrente do previsto no art. 379º, nº 1, al. c), 2ª parte, vício este susceptível de oficioso conhecimento pelo tribunal de recurso, pelo que deverá a sentença recorrida ser parcialmente revogada e proferido despacho que determine o prosseguimento dos autos para conhecimento da responsabilidade da arguida pelo crime relativamente ao qual não houve desistência de queixa.

           

III – DISPOSITIVO:

            Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso do Ministério Público quanto à nulidade da sentença homologatória decorrente da omissão de declaração de perda de vantagens, declarando-a nula, não obstante, na parte em que declarou extinto o procedimento criminal pelos factos em que é ofendida …, nos termos previstos no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, devendo o tribunal a quo proferir despacho que determine o prosseguimento dos autos para conhecimento da responsabilidade da arguida pelo crime relativamente ao qual não houve desistência de queixa.

            Sem tributação.


*


                                                                           Coimbra, 13 de Dezembro de 2023

                                            (Processado e revisto pelo relator a assinado electronicamente)


[1] - Cfr. João Conde Correia, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, pág. 95.
[2] - Idem, págs. 134 e 135.
[3] - Nota 292.
[4] - Cessa a intervenção por deixar de ter legitimidade para promover o processo penal, como decorre do art. 48º do CPP.
[5] - Expedientes que o ora relator preconizou de iure constituendo nas reuniões preparatórias da divulgação pública do Projecto Fénix – Recuperação de Activos Provenientes da Actividade Criminosa, em que participou a convite dos respectivos promotores.