Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/16.6GDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRIZIDA MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LEIRIA (JL CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.43.º E 56.º DO CP
Sumário: I - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

II - A lei não se basta, contudo, com a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da pena; é ainda necessário que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão.

III - A indiferença repetida do arguido pela anterior condenação, praticando crime da mesma natureza (condução sem habilitação legal), mostra-nos com clareza que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram alcançadas e, portanto, se impunha a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

IV - As penas de substituição são aplicadas na decisão condenatória, pelo que o trânsito em julgado da respectiva decisão impede o julgador de, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada.

V - Se tal solução é de aplicar ao regime de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação mostra-se contudo discutível.

VI - Se entendermos estar perante uma “forma de execução” da pena, nada obsta a que o tribunal pondere a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão.

Decisão Texto Integral:










Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


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I – Relatório.

1.1. A... , arguido já devidamente identificado nos autos, não se conformando com o despacho que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão que antes aí lhe fora aplicada/facultada, recorre para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com a formulação das conclusões seguintes:

1.ª Diz-nos o art.º 56.º do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada quando no seu decurso, o condenado viola “grosseiramente” ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostas.

2.ª Ora, o aqui recorrente não violou “grosseiramente” ou repetidamente as injunções a que foi condenado, nem sequer violou a injunção a que foi condenado aquando da suspensão da pena de prisão.

3.ª No entanto, é certo que, havendo tal violação há que aferir a culpa do arguido.

4ª É entendimento da jurisprudência, concretamente da acolhida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, in Processo 63/96.1 TBVLF.C1 de 04.06.2008, sendo Relator Jorge Gonçalves que “Ocorrendo uma situação de incumprimento das condições da suspensão, haverá que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências: uma primeira quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; (…)”.

5.ª Temos que o tribunal deve avaliar se houve incumprimento dos deveres ou das regras de conduta e se o mesmo foi grosseiro e/ou repetido [como consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in Processo n.º 183/07.9 GTCBR.C1 datado de 11/05/2011].

6.ª No caso em apreço, não se pode afirmar de forma alguma que o aqui recorrente tenha violado “grosseiramente” a injunção que lhe foi imposta. Torna-se mister avaliar o grau de culpa do arguido, havendo incumprimento, o que não aconteceu no presente caso.

7.ª Para o processo não foram carreados elementos, nos quais se possa afirmar que o recorrente não cumpriu, e havendo incumprimento qual foi o seu grau de culpa [“Essa culpa não se pode presumir. Tem de resultar de factos ou elementos concretos.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in Processo n.º 15/07.8 GCGRD.C2 de 06/03/2013)]

8.ª Como consta na jurisprudência, que seguimos de perto, in Processo do TRL n.º 5380/04-3.ª Secção, Desembargadores: Rodrigues Simão - Carlos Sousa - Miranda Jones -, “Havia pois que a considerar, no seu conteúdo e que a conjugar com os demais elementos do processo, em ordem a poder depois formular um juízo fundado e seguro sobre os motivos e razões de ser da detectada atitude de incumprimento. Impunha-se assim um novo “julgamento” do dito e comprovado incumprimento.”

9.ª Ora, tal não se verificou, manifestamente, no despacho recorrido.

10.ª Que, por isso, violou o disposto nos art.ºs 55.º e 56., ambos do Código Penal.

11.ª A solene advertência ou a prorrogação do período da suspensão da execução da pena revelam-se, in casu, suficientes e adequadas às finalidades da punição.

12.ª A capacidade para não delinquir e para se reintegrar socialmente só pode ser aferida quando a pessoa (o recorrente) não está cortada dos seus movimentos.

13.ª Só em liberdade é possível fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento em sociedade.

14.ª Pelo que deverá o tribunal ponderar se a revogação da suspensão ao recorrente constitui a única forma de conseguir as finalidades da punição.

15.ª Tanto que, o recorrente já realizou exame de condução, conforme documento que se anexa, tendo logrado obter aproveitamento.

Terminou pedindo que no provimento do recurso seja revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que lhe comine uma solene advertência ou a prorrogação da suspensão da pena de prisão.

1.2. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, contra-alegou o Ministério Público junto do Tribunal a quo, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

1.3. Proferido despacho admitindo o recurso, ordenada e efectuada a sua instrução, foram os autos remetidos a esta instância.

Aqui, continuados com vista, nos termos e para os efeitos do art.º 416.º, do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer sufragando da nulidade do despacho em crise, por falta de fundamentação, e donde que a deverem os autos ser remetidos à 1.ª instância para realização das diligências prévias à decisão de meritis.

1.4. Acatado o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.

1.5. Aquando do exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se que nenhuma circunstância determinava a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento, donde que a dever o mesmo prosseguir, com a recolha de vistos, o que se verificou, e submissão dos autos a conferência.

Dos trabalhos desta emerge a presente apreciação e decisão.


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II. Fundamentação.

2.1. Matéria de facto.

O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):

«No âmbito dos presentes autos, foi o arguido A..., condenado, por sentença proferida em 10 de março de 2016, transitado em julgado (fls. 40) na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano (fls. 33 e ss) e subordinada ao cumprimento do dever de entregar à Associação de Paralisia Cerebral de Leiria, a quantia pecuniária de 400€ no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado da decisão.

Decorrido o prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido importa ponderar acerca da eventual extinção da pena ou revogação da suspensão da execução da pena nestes autos.

O arguido não cumpriu com o dever de entregar à Associação de Paralisia Cerebral de Leiria, a quantia pecuniária de 400€ no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado da decisão, não tendo de tal feito prova nos autos, nem voluntariamente, nem após notificação para o fazer conforme decorre de fls. 63.

Outrossim, do compulso do certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 165 e ss, constata-se que o arguido foi condenado pela prática em 20 de maio de 2016, um mês após o trânsito em julgado da decisão, num crime de igual natureza (entre outros, condução sem habilitação legal), ou seja, durante o período de suspensão de execução da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos.

Determinada a notificação do arguido para dizer o que tivesse por conveniente, e notificado o mesmo veio a fls. 144 e ss, pugnar pela não revogação da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada e alegar que se encontra integrado na sociedade e é uma pessoa íntegra e responsável, sendo também o único sustento da sua família e que se encontra a frequentar a escola de condução.

Com efeito, e sem prejuízo do arguido se encontrar inscrito na escola de condução (fls. 155), condição que lhe foi imposta nos autos por sentença proferida a 15 de julho de 2016, já transitada em julgado no âmbito do processo 114/16.5 GDLRA do J3 desta ILCriminal, o mesmo ainda não obteve a respectiva carta de condução e não cumpriu, conforme se deixou dito supra, com a condição que lhe foi imposta nos presentes autos.

Consideremos, assim, que o arguido não aproveitou as oportunidades que lhe foram concedidas sendo que a simples ameaça da pena de prisão não se mostrou suficiente para o afastar da criminalidade, tendo de imediato praticado igual crime.

Destarte, face aos elementos constantes dos autos, bem como o doutamente promovido de fls. 136 e ss, e pelos motivos aí expendidos, com os quais concordamos na íntegra, ao abrigo do disposto no art.º 56.º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal revogo o período de suspensão de execução da pena em que o arguido foi condenado e, em consequência, determino o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

Notifique (com cópia de fls. 136 e v).

Remeta boletim ao registo criminal.»

2.2. Porque elemento adjuvante à boa decisão, como explanaremos, vejamos, por seu turno, a promoção de fls. 136 e ss a que o alude o despacho vindo de transcrever, cujo teor é como segue:

«Por sentença proferida em 10.3.2016, transitada em julgado em 18.4.2016, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano.

Contudo, compulsado o certificado de registo criminal do arguido (cfr. fls.135), constata-se que o mesmo praticou em 20.5.2016, ou seja durante o período de suspensão, um crime idêntico ao dos presentes autos, pelo qual veio a ser condenado.

Assim, verifica-se que o arguido cometeu o mesmo crime pelo qual foi condenado no âmbito dos presentes autos no decurso do período de suspensão da respectiva pena e foi condenado por sentença já transitada em julgado no âmbito do processo 114/16.5 GDLRA (fls.135).

Estabelece o artigo 56.º n.º 1 alínea b) do Código Penal que, a suspensão de execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Assim, a norma do artigo 56.º n.º1 al. b) do Código Penal, é clara ao estabelecer a natureza não automática da revogação da suspensão da pena.

Com efeito, resulta da citada norma legal que, mesmo verificada a ocorrência da condenação a que a norma se refere, a revogação da suspensão da pena só tem lugar se, num juízo de prognose desfavorável então efectuado, se concluir que o crime pelo qual foi posteriormente condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam por meio delas ser alcançadas. (Neste sentido, Acórdão do TRP, de 8/02/2006, in CJ, Tomo I, Janeiro/Fevereiro, 2006).

A questão centra-se, pois, no especial impacto do crime posteriormente praticado na obtenção das finalidades que estiveram na base da suspensão, tendo que se aferir em face do caso concreto se estão preenchidos os elencados condicionalismos legais determinativos dessa revogação.

Tomando em atenção a factualidade apurada nos autos, verifica-se objectivamente que o arguido adoptou um comportamento que materializa violação da condição positiva de suspensão da execução da pena de prisão (cometeu crime no período da suspensão).

Ora, ponderando todos os elementos que constam dos autos, considera-se que o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão foi abalado, na medida em que este praticou o mesmo crime decorrido cerca de 2 meses após ter sido condenado nos nossos autos, pelo que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam por meio delas ser alcançadas.


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Em face do exposto é parecer do Ministério Público que se revogue a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido. (…)»

2.3. Do objecto do recurso.

Como se mostra por demais consabido, de acordo com o art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem de apreciar [cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 335, bem como a jurisprudência uniforme do STJ - cfr. Ac. de 28 de Abril de 1999, in CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência aí citada -], mas isto sem prejuízo todavia das de conhecimento oficioso.

In casu, uma vez que não emerge fundamento conducente a tal intervenção oficiosa, atentando às conclusões do recorrente, o thema decidendum consistirá, então, em apurarmos se não se justifica a decretada revogação da suspensão da execução da pena prisão.

2.4. Como resulta do despacho recorrido e promoção que o antecedeu que transcrevemos deliberadamente, ao invés do enfoque que o arguido parece colocar no objecto do recurso, a razão essencial fundamentadora da revogação da suspensão da execução da pena foi o facto de, no dia 20.05.2016, ou seja durante o período de suspensão, ter cometido um crime de natureza idêntica ao dos presentes autos, pelo qual veio a ser julgado e condenado no âmbito do processo n.º 114/16.5 GDLRA (fls.135).

Isto o que transparece, appertis verbis, da expressa menção feita no despacho recorrido, ao art.º 56.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal.

Nesta perspectiva, pois, a nossa apreciação.

Nos termos deste concreto normativo, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

A lei não se basta, contudo, com a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da pena; é ainda necessário que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão. Precisamente o fundamento que a decisão recorrida convocou quando escreveu «Consideremos, assim, que o arguido não aproveitou as oportunidades que lhe foram concedidas sendo que a simples ameaça da pena de prisão não se mostrou suficiente para o afastar da criminalidade, tendo de imediato praticado igual crime.»

As finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão consistiam, no essencial, na reintegração plena do agente na sociedade através de um comportamento responsável e sem praticar crimes. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.

No presente caso, a prática de novos crimes (com efeito, no âmbito dos mencionados autos n.º 114/16.5 GDLRA. do J3 da ILCriminal de Leiria o arguido foi condenado pela prática ainda de um outro crime), e mormente um de idêntica natureza, não tem qualquer justificação. Desta circunstância é legítimo inferir que o recorrente foi completamente indiferente à decisão que o condenou. Esta indiferença, assumida na decisão recorrida como a gota de água que fez transvasar o copo, perdoe-se a metáfora, mostra-nos à evidência que as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão não foram de modo algum alcançadas, uma vez que não levaram o arguido a assumir um comportamento responsável relativamente ao tipo de criminalidade em que incorrera. Em rigor, o desprezo reiterado do arguido (aliás, já anterior também, como sobressai da matéria de facto provada e dos seus antecedentes criminais), mostra que a suspensão da pena de prisão não teve qualquer efeito ressocializador e, portanto, a decisão a tomar não poderia ter sido outra senão a assumida pelo Tribunal a quo.

Posição de acolher mesmo pese embora a pena depois cominada também tenha sido (condicionadamente) suspensa na sua execução. Consideramos, com efeito, que este aspecto não é só por si decisivo; determinante é saber [como decorre do citado art.º 56.º, n.º 1, al. b)] se a prática de crime (s) na pendência da suspensão revela ou não a frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão. O que a lei apenas exige é o cometimento de crime por que venha a ser condenado e a demonstração de que as finalidades da suspensão não foram, por essa via, alcançadas. Ora, a indiferença repetida do arguido pela anterior condenação, praticando crime da mesma natureza (condução sem habilitação legal), mostra-nos com clareza que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram alcançadas e, portanto, se impunha a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Aqui chegados, não é porém tempo de concluir, sem mais.

A ilicitude objectiva da conduta do arguido não é muito acentuada, uma vez que não resultou da sua actividade ilícita qualquer dano para terceiro. Por outro lado, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão, constituindo entendimento geral o de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas, por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efectiva do condenado.

Na senda deste pensamento as recentes alterações legislativas introduzidas ao Código Penal, através da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, já entretanto vigentes, nomeadamente com a abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, e com alterações ao regime de permanência na habitação, com previsão no que agora passa a ser o art.º 43.º.

Acresce, sufragarmos o entendimento (acolhido, v.g., no Ac. do TRP, de 2017.06.28, in processo n.º 260/15.2 GAPVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp) segundo o qual em hipóteses como a vertente, é possível admitir que o cumprimento da pena ocorra sob este último regime. 

As penas de substituição são aplicadas na decisão condenatória. Portanto, o trânsito em julgado da respectiva decisão impede o julgador de, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada.

Se tal solução é de aplicar ao regime de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação já se mostra contudo discutível. Na verdade, se entendermos estar perante uma “forma de execução” da pena, nada obsta a que o tribunal pondere a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão.

Como se exarou no último aresto indicado, a questão foi discutida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2016, de 21 de Março, publicado no Diário da República n.º 56/2016, Série I de 2016.03.21, o qual fixou jurisprudência nos termos seguintes:

“Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do C.P, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, do C.P, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.”

Na base deste entendimento, o STJ distinguiu entre penas de substituição e formas de execução da pena. O trânsito em julgado da decisão que aplica uma pena de substituição impede que o Tribunal opte por outra pena de substituição, mas não impede que opte por uma das formas de cumprimento da pena principal prevista na lei. Com efeito, diz o acórdão citado: “ (…) Sendo, pois, o pagamento da pena de multa em dias de trabalho, previsto no artigo 48.º, do CP, uma forma de execução da pena de multa, e não uma pena de substituição, e sendo uma forma de execução antes de o condenado entrar em situação de incumprimento, é aplicável quer se trate de uma pena de multa principal, quer de uma pena de multa de substituição. (…) ”

Com o Ac. do TRP, propendemos a considerar que o regime previsto no anterior art.º 44.º, novel art.º 43.º, deve ser entendido como uma forma de cumprimento da pena de prisão e não como uma pena de substituição, o que, reitera-se, permite a sua aplicação no presente caso. Aplicação reclamada pelas duas razões começadas por indicar [não ser acentuada a ilicitude objectiva da conduta do recorrente, e estar em causa uma curta pena de prisão cujo cumprimento deverá ser tendencialmente evitado], mas que, todavia, demanda a anuência prévia do arguido, elemento não constante dos autos.


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III – Dispositivo.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste TRC em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, consequentemente:

a) Manter a decisão recorrida na parte em que revogou a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão.

b) Determinar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de se apurar do eventual cumprimento dessa pena, sob o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios electrónicos de controlo à distância, isto caso o arguido dê a sua anuência ao efeito, fixando-se também aí o demais regime que for considerado por adequado.

Custas pelo recorrente, fixando-se em quatro UC a taxa de justiça devida (sem prejuízo de eventual concessão de apoio judiciário e/ou de legal isenção) – cfr. art.ºs 513.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.


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Coimbra, 22 de Novembro de 2017

Brizida Martins – relator

Jorge Dias - presidente da 5.ª secção criminal - voto de desempate   

Voto de vencido                                          

Orlando Gonçalves – adjunto (voto a decisão, considerando o art. 43.º, n.º 1, al.c) do Cód. Penal na nova redação que lhe foi dada pela Lei n.º 94/2007 de 23 de Agosto.).