Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
830/15.9T8ACB-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
EQUIVALÊNCIA AO DIREITO DE PREFERÊNCIA
REQUISITOS DO REQUERIMENTO PARA EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO
VENDA POR LEILÃO ELECTRÓNICO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 145.º, 3; 570.º, 3; 811.º, 2; 825.º, 3; 827.º; 837.º; 842.º; 843.º E 844.º, DO CPC
ARTIGOS 408.º, 1; 578.º, 1; 874.º E 879.º, A), DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O direito de remição consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução.

2- Sendo exercido o direito de remição, porque tem a mesma estrutura do direito de preferência, subsiste a alienação executiva do bem, verificando-se apenas uma substituição no que concerne à pessoa do adquirente 

3- Trata-se de um direito de preferência, qualificado ou especial, porque prevalece sobre o direito de preferência em sentido estrito, seja ele legal, seja de origem convencional, embora neste caso apenas se estiver dotado de eficácia real, falando-se a seu respeito de um direito de preferência legal de formação processual.

4 - A remição faz-se por requerimento ao agente de execução, no qual há-de ser alegada e comprovada a ligação de parentesco, na sequência do que o agente de execução deve informar o potencial remidor de todas as condições de venda.

5 - Na venda por leilão electrónico a remição pode ser exercida até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do titulo que a documenta.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

            I – Em  execução, em que é  exequente o Banco 1..., SA., e são executados, entre outros, AA e BB, procedeu o Exmo Agente de Execução à penhora do prédio urbano sito em ..., ..., o qual corresponde a casa de cave, rés-do-chão e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...23 da mesma freguesia, concelho ....

             Procedeu-se à sua venda por leilão eletrónico, tendo sido aceite, pelo Exmo A E, por decisão de 24/9/2020, a proposta de aquisição/licitação de € 98.671,52, apresentada por CC.

             Veio, então, DD, filho dos acima referidos executados,   manifestar a intenção de exercer o direito de remição, na sequência do que o  Exmo AE o notificou, por carta de 27/10/2020, para proceder, no prazo de 15 dias, ao pagamento/depósito do preço oferecido e ao dos emolumentos a pagar à Conservatória do Registo Predial pelo registo de aquisição (€ 250,00), fazendo-o à ordem do Agente de Execução, através da Entidade e Referência Multibanco constantes dessa notificação, tendo procedido de igual modo relativamente à licitante, a quem deu conhecimento de que fora manifestado interesse no exercício do direito de remição.

            A 10 e 11 de Novembro de 2020, CC procedeu ao depósito de € 98.921,52, correspondente ao valor da proposta que havia feito, acrescida do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e Imposto de Selo.

            1 - Em 13 de Novembro de 2020, DD apresentou requerimento, em que invocou o seguinte:

            «Na presente execução são executados os pais do ora requerente AA e BB.

            Tendo o ora requerente, tomado conhecimento da venda por leilão electrónico do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...23 da mesma freguesia, concelho ..., pelo preço de € 98.671,52, propriedade dos seus pais.

             Por ser filho dos executados veio exercer, nos termos do disposto no art 842º e ss do CPC, o direito de remição relativamente ao referido prédio, junto do Sr AE.

            Tal direito foi-lhe reconhecido, tendo sido dado o prazo de 15 dias para proceder ao pagamento (doc 1,2 e 3).

            Acontece que para fazer o referido pagamento, o ora requerente teve que pedir empréstimo bancário e foram-lhe exigidas várias formalidades, uma vez que se tratava de uma aquisição em processo judicial.

            O empréstimo foi aprovado e o banco disponibiliza de imediato o dinheiro, mediante a emissão no mesmo dia do titulo de transmissão a favor do ora requerente, para também no mesmo dia e de seguida se possa realizar a escritura de mútuo e hipoteca que garanta o dinheiro já adiantado pelo banco.

            Todavia, apesar do banco disponibilizar o dinheiro para pagar o valor em causa, antes da escritura de mútuo e hipoteca, é necessário que o agente de execução, repete-se, emita o termo de transmissão no mesmo dia em que o dinheiro é disponibilizado, porque o banco tem que ver outorgada no mesmo dia a escritura de mútuo com hipoteca do imóvel.

             Tal só é possível fazendo chegar o termo de transmissão emitido pelo Sr AE ao notário, que prova a propriedade do imóvel pelo requerente

             Acontece que o Sr AE não prescinde do prazo de 10 dias, que a lei lhe confere, para emitir tal titulo e afirma que não o passará no dia do pagamento.

            Ora, assim, o banco também não adiantará o dinheiro, uma vez que vai ter que esperar 10 dias pelo documento que permite a realização da hipoteca do imóvel para garantia do dinheiro emprestado

            Resumindo, apesar do banco disponibilizar ao requerente o dinheiro para poder exercer o direito de remição, como o Sr AE não passará o termo de transmissão da propriedade para o Requerente  no próprio dia,  uma vez que tem 10 dias para o fazer  e não prescinde de tal prazo, o que permitiria, de imediato a realização da escritura de mútuo e hipoteca, já marcada em notário pelo banco financiador, o requerente fica impossibilitado de adquirir a casa dos pais, por questões meramente formais.

            Ficando assim, aqueles sem a sua casa de habitação, desalojados e sem ter para onde ir.

             Ora dispõe o art 827º do CPC:

            Adjudicação e registo

            «1 – Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o titulo de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço  ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.

            2 – Seguidamente o agente de execução, comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respectivo titulo, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do art 824º do CC».

            Ora se o requerente paga o preço, cumpre as obrigações fiscais, não se entende por que não lhe pode ser entregue de imediato o titulo de transmissão que prova a propriedade e que permite que o notário possa realizar a escritura de mútuo e hipoteca.

             Sem a posse de tal titulo o requerente não prova a aquisição e como tal não pode ser constituída a hipoteca, logo o banco, assim, não poderá adiantar o dinheiro.

            Termos em que se requer a V. Excia, atento o circunstancialismo descrito, o grave prejuízo resultante da não emissão pelo Sr AE  do titulo de transmissão no mesmo dia  em que o pagamento é efectuado, por não prescindir do prazo de 10 dias  que tem para o fazer,  e que se consubstancia na perda da casa de habitação de uma família  que ficará desalojada e sem ter para onde ir, se digne determinar a emissão do Titulo de Transmissão  pelo Sr AE no dia do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações fiscais, por forma a que no mesmo dia possa o Banco realizar a escritura de mútuo e hipoteca, para garantia do dinheiro previamente adiantado».

            Por despacho de 13/11/2020, foi ordenada a notificação deste requerimento do remidor, ao exequente e ao Exmo AE,  para se pronunciarem em 5 dias.

            Por despacho de 25/11/2020, foi ordenado que se desse conhecimento ao remidor do depósito de € 98.921,52 efectuado por CC.

            2 - Em 26/11/2020, EE foi notificado do despacho de 25/11/2022 e dos documentos juntos pela licitante, e ainda da seguinte comunicação do Exmo AE dirigida ao Mm Juiz do processo, datada de 17/11/2020, na qual, este refere:

            «(…) não poderá emitir um titulo de transmissão sem o prévio pagamento e depósito disponível do preço. Porquê ?:

            A interpretação de que foi concedido o prazo de 15 dias é deturpada, porque a norma é bem clara quanto ao prazo em que pode ser exercido tal direito;

             Coisa diferente é a que o signatário faz: emite duas refª MB, uma para o proponente e outra para o titular do direito de remição, pois só assim este poderá, no tempo que a lei lhe confere, efectuar o depósito do preço.

            O titular do referido direito bem sabe o que tem feito para evitar esta venda e pelos vistos continua, pena é que não tenha no requerimento que se está a responder, esclarecido das manobras que anteriormente fez e tem vindo a fazer com contactos sucessivos de bancos eventuais financiadores, junto do Agente de Execução.

              A emissão do titulo de transmissão é-o no próprio sistema informático, com assinatura electrónica do AE;

            O que o ali requerente pretende é que o signatário emita o titulo, sem ter na conta de penhoras do processo o dinheiro referente ao preço, depois poderá passar pelo tribunal, pedir a emissão de certidão do titulo e sem efectuar o pagamento, a transmissão acontece. Seria bonito!

            Por outro lado, o AE ao emitir o título de transmissão e declarar que recebeu o preço sem o ter recebido está a cometer um crime de falsificação de documento e de falsas declarações.

             Legalmente, e isso já foi bem explicado por diversas vezes e em diversos momentos, o AE não pode emitir o titulo sem que o produto do deposito do preço esteja disponível na conta do processo.

            Outra solução não resta, do ponto de vista do signatário, emitir o titulo de transmissão a favor da licitante.

            Face ao exposto, requer-se a V Excia se digne ordenar do que tiver por mais conveniente à regularidade desta instância de venda».

           

            3 -Em 4/12/2020, EE apresentou novo requerimento, em que refere:

            « Efectivamente não se entendem as intenções que movem esta resposta do Sr AE;

             É totalmente falso que alguma vez tivesse sugerido ao Sr AE, que emitisse o titulo de transmissão antes de recebido o pagamento;

             É verdade que tem havido contactos sucessivos com o Sr AE, inclusivamente pelo banco financiador e não de “bancos eventuais financiadores”.

             E por isso, não terá esquecido o Sr AE o email enviado em 28/11/ 2020 – portanto muito antes dos 15 dias, que foram concedidos em 27/11, ao ora requerente, para o depósito do preço pelo Gerente do banco onde está aprovado o crédito de habitação - com o seguinte teor :

            “From: FF

            Data: qua, 28/10/2020, às 11:14

            Assunto: Pedido de Informação – 83015.9TT8ACB

            Para: ... Cc: Banco 2..., DD

            Bom Dia

            Conforme falado via telefone com a sua colaboradora GG, somos a informar que temos devidamente instruído um processo de Crédito Habitação – Aquisição em nome do Sr. DD e que neste momento esta pronto para escriturar.

             Segundo informações o imóvel tem de ser pago via MB, todavia, esta forma de pagamento “inibe” a realização da escritura de hipoteca pelo facto de não ficarmos com um documento que comprova a adjudicação do imóvel ao Sr. DD, para que possamos efetuar a hipoteca junto da Conservatória.

            De salientar que todo o processo tem de ser feito em ato continuo, isto é, o pagamento e a escritura de aquisição e hipoteca.

             Neste contexto, agradecemos o v/ apoio, no sentido de verificarem se existe possibilidade de entregarmos cheque bancário referente a aquisição no v/ escritório ou depositarmos o mesmo na v/ conta contra a entrega do referido documento que comprova a adjudicação do imóvel ao Sr. DD. Com o referido documento, iríamos à conservatória efetuar o registo do imóvel em nome do proponente e a hipoteca do imóvel.

            Esta sugestão era a ideal para o banco, todavia, caso não seja possível ou caso tenha outra opção, agradecemos informação para possamos concluir o processo com sucesso.

            Obrigado

            FF

            GERENTE Agência de ... e Agência da ...”

             Ora de todo o conteúdo do email, ressalva-se o seguinte trecho:

            Neste contexto, agradecemos o v/ apoio, no sentido de verificarem se existe possibilidade de entregarmos cheque bancário referente a aquisição no v/ escritório ou depositarmos o mesmo na v/conta contra a entrega  do referido documento que comprova a adjudicação do imóvel ao Sr. DD. Com o referido documento, iríamos à conservatória efetuar o registo do imóvel em nome do proponente e a hipoteca do imóvel.

            Assim, propõe o banco, fazer deslocar alguém ao escritório do Sr AE, ou depositar na conta indicada pelo Sr AE, cheque bancário contra a entrega do titulo de adjudicação do imóvel.

             Pergunta-se, em que momento é  sugerido que o Sr AE  passe o titulo antes de ter disponível o pagamento  referente ao valor do imóvel ?

             Note-se que o banco até emite cheque bancário para entrega em mão ao Sr AE, ou depósito na conta de processo.

             Ora um cheque bancário é um cheque emitido pelo banco, a favor de uma terceira pessoa, a pedido do titular da conta de onde o dinheiro é originário.

            Ao receber um cheque bancário o beneficiário da quantia sabe que existe o dinheiro.  O banco transfere o dinheiro da conta do emitente para uma conta do próprio banco, e emite um cheque dessa conta, que é entregue ao beneficiário.  O banco serve de intermediário do pagamento, garantindo que o cheque tem provisão!  um cheque bancário representa “dinheiro vivo!”

             E nada na lei diz que o pagamento tem de ser feito por via de referência multibanco.

             É verdade que o Sr AE nunca se mostrou disponível para resolver a questão,  vindo agora a alegar que estaria a emitir  o titulo de transmissão antes do pagamento !?

            Quando o que disse pelo telefone foi que não emitia porque tinha 10 dias para o fazer ?

             E de facto só podemos concluir que não tem o Sr AE razão no que diz.

             Manifesta-se de forma pouco respeitosa relativamente a um filho, falando de “manobras”, que nada mais quer, que não permitir que os pais fiquem sem aquela que é a sua casa de habitação e evitar o desespero de não terem por onde ir.

            E tudo por razões que não existem, ou sequer alguma vez foram propostas! “Bonito”, como afirma o Sr AE, era que o Sr agente de execução, não afirmasse a existência de factos que nunca ocorreram.

            Pelo que reitera o requerente o seu pedido:

            Termos em que se requer a V. Excia, atento o circunstancialismo descrito, o grave prejuízo resultante da não emissão pelo Sr AE  do titulo de transmissão no mesmo dia  em que o pagamento é efectuado, por não prescindir do prazo de 10 dias  que tem para o fazer,  e que se consubstancia na perda da casa de habitação de uma família  que ficará desalojada e sem ter para onde ir, se digne determinar a emissão do Titulo de Transmissão  pelo Sr AE  no dia do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações fiscais, por forma a que no mesmo dia possa o Banco realizar a escritura de mútuo e hipoteca, para garantia do dinheiro previamente adiantado» .

            Este requerimento foi notificado à proponente, que, por requerimento, alegou que o remidor não efectuara o depósito do preço, pelo que deveria o Sr AE dar cumprimento ao disposto nos nº 1 e 2 do art 827º CPC, emitindo o respectivo titulo de transmissão a favor dela.

           

            4 – Após, foi proferido despacho, em 3/3/2021, com o seguinte teor:

            “Requerimento de 13-11-2020

             DD veio requerer que seja determinada a emissão do Título de Transmissão pelo Agente de Execução no dia do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações ficais, por forma a que no mesmo dia possa o Banco realizar a escritura de mútuo e hipoteca, para garantia do dinheiro previamente adiantado.

            Compulsados os autos, verifico que o Agente de Execução procedeu à notificação do remidor para proceder ao depósito do preço por notificação expedida em 27-10-2020, não tendo este procedido ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do incidente.

            Verifica-se, pois, que, mesmo a entender-se que o requerimento em apreço configura uma reclamação de ato do Agente de Execução, este é manifestamente extemporâneo (mesmo para além do limite temporal permitido pelo artigo 139.º, n.º 5, do CPC), nem foi liquidada a taxa de justiça devida.

             Face ao exposto, indefiro o requerimento em apreço, por intempestivo.”

            5-  A 9/3/2021, procedeu o Exmo AE à emissão do Título de Transmissão à  Proponente.

            5- DD interpôs recurso do despacho de 3/3/2021, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra decidido por acórdão de 5/4/2022:

            “Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso, e em consequência revogam o despacho recorrido, devendo ser proferido outro que aprecie o requerimento do apelante de 13.11.2020.” 

            6 - Na sequência do assim decidido, foi proferido o seguinte despacho na 1ª instância:

            «I -  DD, veio requerer que seja determinada a emissão do Título de Transmissão pelo Agente de Execução no dia do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações ficais, por forma a que no mesmo dia possa o Banco realizar a escritura de mútuo e hipoteca, para garantia do dinheiro previamente adiantado.

            O Agente de Execução considerou não poder emitir o título de transmissão sem ter na conta de penhoras do processo o dinheiro referente ao preço, sob pena de a transmissão ocorrer sem ter sido efetuado o pagamento.

            Ao contrário do que refere o Agente de Execução, o requerente não pretende que o título de transmissão seja emitido antes de efetuado o respetivo pagamento. Ambiciona, sim, que o título seja emitido no mesmo dia em que é realizado o pagamento do preço e das obrigações fiscais, por forma a que na mesma data seja possível realizar escritura de mútuo e hipoteca com a instituição de crédito mutuante.

            O artigo 827.º, n.º 1, do CPC dispõe que “mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados”.

            O Agente de Execução não aponta qualquer razão que obste à emissão do título de transmissão no mesmo dia em que for efetuado o pagamento do preço e das obrigações fiscais, pelo que, em conformidade com o normativo supra transcrito, o requerido deve proceder, fixando-se o prazo de quinze dias para o requerente efetuar o depósito do preço e demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais.

             Face ao exposto, defiro o requerido, concedendo ao requerente o prazo de quinze dias para efetuar o depósito do preço e demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais, devendo o título de transmissão ser emitido pelo Agente de Execução no mesmo dia em que tal pagamento ocorrer (desde que o mesmo seja levado ao seu conhecimento dentro do horário de expediente).

             Notifique».

            7-  Na sequência desta decisão, veio o Remidor proceder ao pagamento do preço e demais impostos, a 30 de junho de 2022.

            II – Inconformada com o decidido, veio CC apelar, tendo concluído, do seguinte modo, as respectivas alegações:

            A) O processo executivo de que se recorre, foi instaurado pelo Banco 1..., S.A., a 11 de novembro de 2015, face ao incumprimento dos Executados no contrato de empréstimo de crédito, celebrado a 25 de março de 2013.

             B) A 12 de janeiro de 2016, por Despacho Liminar com referência n.º 79925749, ordenou o Tribunal a quo, a citação dos executados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 726.º, n.º 6 do C.P.C.

            C)Após várias consultas às entidades competentes, mormente, o Registo Automóvel, o Instituto de Segurança Social, I.P., Registo Comercial, Autoridade Tributária e Aduaneira, Identificação Civil, Caixa Geral de Aposentações, foram os Executados devidamente citados para, querendo, se oporem à Execução.

            D) O que nunca fizeram!

            E) Pelo que, procedeu o Exmo. Agente de Execução à penhora de vencimentos de alguns Executados.

            F) Continuando os Executados inertes ao processo executivo!

            G) Após, datada a 20 de julho de 2017, procedeu o Exmo. Sr. Agente de Execução à penhora do prédio urbano sito em ..., ..., o qual corresponde a casa de cave, rés-do-chão e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...23 da mesma freguesia, concelho ..., registada pela AP. ...7, conforme consulta pelo código de acesso ...09, conforme Auto de Penhora com certificação Citius n.º 4059422.

            H) Notificando os Executados AA e BB, proprietários do imóvel, para, se pretendessem, oporem-se à penhora de tal imóvel, com a cominação de, não sendo deduzida oposição à mesma, o bem seria vendido ou adjudicado para pagamento da dívida exequenda.

             I) Procedendo à afixação de edital de penhora, conforme registo com certificação Citius n.º 4414143, datado 05 de dezembro de 2017.

            J) A 26 de outubro de 2018, procedeu o Exmo. Sr. Agente de Execução à notificação dos Executados, bem como da Exequente para se pronunciarem quanto ao pagamento da dívida exequenda, podendo, em todo o caso, optar pela venda executiva do imóvel supramencionado.

            K) Pelo que, o Ilustre Mandatário da Exequente optou pela venda mediante leilão eletrónica.

            L) Nos termos do artigo 812.º do C.P.C., declarou o Exmo. Agente de Execução a decisão sobre a modalidade de venda do imóvel em apreço, tendo escolhido leilão eletrónico. Decisão esta com referência Citius n.º 5373256, datada 20 de novembro de 2018.

            M) Continuando os Executados, como ocorreu em todo o processo executivo, inertes a qualquer notificação!

            N) O imóvel penhorado, fora submetido na plataforma e-Leilões com referência ...19, a 11 de janeiro de 2019, pelo que, o Leilão teve inicio a 27 de janeiro de 2019, e fim 21 de fevereiro de 2019, com o valor base de €116.084,14 (cento e dezasseis mil, oitenta e quatro euros e catorze cêntimos), valor de abertura €58.042,07 (cinquenta e oito mil, quarenta e dois euros e sete cêntimos) e valor mínimo €98.671,52 (noventa e oito mil, seiscentos e setenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), conforme notificações aos Executados e Exequente juntas aos autos com referências no Citius n.os, 5564583, 5564600, 5564611, 5564628, 5564631, 5564632 e 5564639, datadas 30 de janeiro de 2019.

            O) A 21 de fevereiro fora encerrado o Leilão, decidindo o Exmo. Sr. Agente de Execução na aceitação da proposta de aquisição/adjudicação/licitação do bem/direito em venda pelo valor de € 99.990,00 (noventa e nove mil, novecentos e noventa euros), conforme decisão com referência Citius n.º 5633305.

            P) A 07 de março de 2019, foi manifestado direito de remição, com base no artigo 842.º e seguintes do C.P.C., pelo Interveniente DD, descendente dos Executados AA e BB.

            Q) Tendo sido a melhor proposta apresentada a do Licitante Sr. HH, foi este notificado, a 26 de março de 2019, para proceder, no prazo de 15 dias, ao pagamento/depósito do preço oferecido, e os emolumentos a pagar à Conservatória do Registo Predial pelo registo de aquisição (€ 250,00), à ordem do Agente de Execução, através da Entidade e Referência Multibanco constantes na mesma.

            R) Na mesma data, procedeu também o Exmo. Sr. Agente de Execução à notificação de DD, Remidor, para proceder, no prazo de 15 dias, ao pagamento/depósito do preço oferecido, e os emolumentos a pagar à Conservatória do Registo Predial pelo registo de aquisição (€ 250,00), à ordem do Agente de Execução, através da Entidade e Referência Multibanco constantes na mesma.

            S) Não obstante, ninguém procedeu ao depósito do preço oferecido!

            T) Pelo que, o Exmo. Sr. Agente de Execução, dando cumprimento ao disposto no artigo 825.º do C.P.C., decidiu repetir o Leilão Eletrónico, conforme decisão com referência Citius n.º 6014681, datada 10 de julho de 2019.

            U) A 02 de agosto de 2019, e com referência Citius n.º 6070002, requereu o Sr. DD, que lhe fosse o imóvel adjudicado, explanando que pedira empréstimo bancário, mas que, face ao formalismo, o mesmo não conseguira ter o valor que pretendia, para que, posteriormente, o depositasse junto do Sr. Agente de Execução.

            V) Não juntando qualquer elemento probatório, nomeadamente da entidade bancária, a corroborar o que fora alegado em tal requerimento!

            W) No entanto, sendo da sua competência, o Exmo. Sr. Agente de Execução indeferiu o requerido, decidindo colocar o bem imóvel novamente na plataforma e-Leilões.

            X) O que se veio a concretizar a 17 de fevereiro de 2020, com referência no e-Leilões n.º ...20, conforme notificações com referência Citius n.º 6594176.

            Y) O Leilão teve início a 05 de março de 2020, com data de fim 16 de abril de 2020, com o valor base de €116.084,14 (cento e dezasseis mil, oitenta e quatro euros e catorze cêntimos), valor de abertura €58.042,07 (cinquenta e oito mil, quarenta e dois euros e sete cêntimos) e valor mínimo €98.671,52 (noventa e oito mil, seiscentos e setenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), conforme notificações aos Executados e Exequente juntas aos autos com referências no Citius n.os, 6671264, 6671277, 6671282, 6671284, 6671289, 6671290, 6671294, datadas 11 de março de 2020.

            Z) Embora, voltou o imóvel a ser leiloado, com referência na plataforma eLeilões n.º ...20, com início a 09 de julho de 2020 e fim a 17 de setembro de 2020, com os mesmos valores acima mencionados.

            AA) A 24 de setembro de 2020, foi decidido pelo Exmo. Sr. Agente de Execução, aceitar a proposta de aquisição/adjudicação do bem em venda pelo valor de € 98.671,52 (noventa e oito mil, seiscentos e setenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos) à aqui Recorrente, conforme decisão com referência Citius n.º 7082421.

            BB) A 1 de outubro de 2020, o Interveniente DD, voltou a exercer o seu direito de remição, nos termos do disposto nos artigos 842.º e seguintes do C.P.C., com referência Citius n.º 7103039.

            CC) Nessa confluência, o Interveniente DD fora notificado a 27 de outubro de 2020 para, no prazo de 15 dias, “efetuar o pagamento/depósito do preço oferecido, (juntando o respetivo comprovativo, onde conste o numero da conta de proveniência do preço) e os emolumentos a pagar à CRP pelo registo de aquisição (€ 250,00), à ordem do agente de execução, através da Entidade e Referência Multibanco constantes nesta notificação.”

            DD) A 13 de novembro de 2020, veio o Interveniente DD remeter requerimento igual ao datado a 02 de agosto de 2019, como sobredito com referência Citius n.º 6070002, aditando apenas a questão quanto ao facto de se tratar de casa de habitação.

             EE) Não juntando, novamente, qualquer comprovativo de que a entidade bancária exigia tal formalidade! Conforme se comprova pelo requerimento junto aos autos com referência Citius n.º 7232021.

             FF) Deveras, compreende-se que não podia o Exmo. Sr. Agente de Execução emitir qualquer título de transmissão sem que o depósito tenha sido feito! Tal como decidiu!

            GG) Aliás, o mesmo justificou junto do Tribunal a quo, que não podia emitir qualquer título sem o respetivo depósito, explanando o que se transcreve: “(…) não poderá emitir um titulo de transmissão sem o prévio pagamento e depósito disponível do preço. Porquê ?: g) A interpretação de que foi concedido o prazo de 15 dias é deturpada, porque a norma é bem clara quanto: ao prazo em que pode ser exercido tal direito; h) Coisa diferente é a que o signatário faz: emite duas refª MB, uma para o proponente e outra para o titular do direito de remição, pois só assim este poderá, no tempo que a lei lhe confere, efectuar o depósito do preço. i) O titular do referido direito bem sabe o que tem feito para evitar esta venda e pelos vistos continua, pena é que não tenha no requerimento que se está a responder, esclarecido das manobras que anteriormente fez e tem vindo a fazer com contactos sucessivos de bancos eventuais financiadores, junto do Agente de Execução. j) A emissão do titulo de transmissão é-o no próprio sistema informático, com assinatura electrónica do AE; k) O que o ali requerente pretende é que o signatário emita o titulo, sem ter na conta de penhoras do processo o dinheiro referente ao preço, depois poderá passar pelo tribunal, pedir a emissão de certidão do titulo e sem efectuar o pagamento, a transmissão acontece. Seria bonito ! l) Por outro lado, o AE ao emitir o título de transmissão e declarar que recebeu o preço sem o ter recebido está a cometer um crime de falsificação de documento e de falsas declarações. Legalmente, e isso já foi bem explicado por diversas vezes e em diversos momentos, o AE não pode emitir o titulo sem que o produto do deposito do preço esteja disponível na conta do processo. Outra solução não resta, do ponto de vista do signatário, emitir o titulo de transmissão a favor da licitante.”

            HH) Não obstante, a 10 e 11 de novembro de 2020, liquidou a Recorrente o devido Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e Imposto de Selo Verba 1.1., depositando o devido valor de €98.921,52 (noventa e oito mil, novecentos e vinte e um euros e cinquenta e dois cêntimos), a conforme documentos comprovativos junto aos autos com referência no Citius n.º 7244182.

            II) Só após todo este trâmite, o Interveniente/Remidor DD, se dignou a juntar aos autos comprovativo – diga-se, um e-mail trocado com o Banco 2... – a demonstrar que teria ali um processo de Crédito Habitação, conforme requerimento junto aos autos com referência Citius n.º 7292225.

            JJ) Após, decidiu o Tribunal a quo, por Despacho, o que se transcreve, “Requerimento de 13-11-2020 – DD veio requerer que seja determinada a emissão do Título de Transmissão pelo Agente de Execução no dia do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações ficais, por forma a que no mesmo dia possa o Banco realizar a escritura de mútuo e hipoteca, para garantia do dinheiro previamente adiantado. Compulsados os autos, verifico que o Agente de Execução procedeu à notificação do remidor para proceder ao depósito do preço por notificação expedida em 27-10-2020, não tendo este procedido ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do incidente. Verifica-se, pois, que, mesmo a entender-se que o requerimento em apreço configura uma reclamação de ato do Agente de Execução, este é manifestamente extemporâneo (mesmo para além do limite temporal permitido pelo artigo 139.º, n.º 5, do CPC), nem foi liquidada a taxa de justiça devida.

             Face ao exposto, indefiro o requerimento em apreço, por intempestivo.” Negrito nosso Conforme Despacho, assinado a 03 de março de 2021, com referência Citius n.º 95914823

             KK) A 09 de março de 2021, procedeu o Exmo. Sr. Agente de Execução à emissão do Título de Transmissão à aqui Recorrente, conforme Título de Transmissão junto aos autos a 09 de março de 2021, com referência Citius n.º 7518850.

            LL) Vindo o Remidor DD recorrer do Despacho supramencionado.

            MM) Decidindo, os Venerandos Juízes Desembargadores deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o que se reproduz, “Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso e em consequência revogam o despacho recorrido, devendo ser proferido outro que aprecie o requerimento do apelante de 13.11.2020.” Negrito nosso

            NN) Note-se que, esta decisão deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, não pretende que o Tribunal a quo altere a sua decisão, mas somente que aprecie o requerimento do Remidor datado a 13 de novembro de 2020.

            OO) Pois que, em tal requerimento, recapitula-se, veio o Remidor requerer que lhe fosse o imóvel adjudicado, explanando que pedira empréstimo bancário, mas que, face ao formalismo, o mesmo não conseguira ter o valor que pretendia, pois, a entidade bancária exigia um título de transmissão para conceder o empréstimo.

            PP) Ora, face à decisão deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, veio o Tribunal a quo, a 22 de junho de 2022 decidir o seguinte, “Face ao exposto, defiro o requerido, concedendo ao requerente o prazo de quinze dias para efetuar o depósito do preço e demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais, devendo o título de transmissão ser emitido pelo Agente de Execução no mesmo dia em que tal pagamento ocorrer (desde que o mesmo seja levado ao seu conhecimento dentro do horário de expediente).” Negrito nosso

             QQ) Na sequência desta decisão, veio o Remidor proceder ao pagamento do preço e demais impostos, a 30 de junho de 2022, conforme Comunicação do Mandatário a Agente de Execução, datado a 04 de julho de 2022, com referência Citius n.º 8857306.

            RR) Ora, não pode a Recorrente conformar-se com a mesma, pois, não basta o exercício de direito de remição para que o mesmo opere sem mais!

            SS) Condição é também o depósito do preço no prazo de 15 dias após a notificação do Exmo. Sr. Agente de Execução, para uma conta à ordem do mesmo.

            TT) Senão, veja-se o douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com n.º de proc. 1367/16.4T8PBL-A.C1, datado a 14-12-2020, disponível em www.dgsi.pt, “1. A simples declaração do remidor no sentido de que exerce o direito de remição relativamente a certo bem, desacompanhada do depósito do preço, não tem efeito constitutivo e não produz efeitos, salvo se a lei atribuir alguma eficácia a essa declaração, como sucede, por exemplo, na modalidade de venda por propostas em carta fechada – o n.º 2 do artigo 843.º do CPC. 2. O juiz pode fixar um prazo de 24 horas para praticar um ato se tal prazo se mostrar em concreto proporcionado ao caso, nomeadamente quando anteriormente já tinha sido fixado um prazo de 15 dias para a pratica do mesmo ato.” 

            UU) Assim, e com o devido respeito, que muito o é! Entende-se que o Tribunal a quo não podia conceder, novamente, o prazo de 15 dias para que o Remidor efetuasse o depósito do preço.

            VV) A ser assim, gozou o Remidor do primeiro prazo para depósito datado a 26 de março de 2019, após, a gozou novamente de 15 dias para depósito do prazo a 27 de outubro de 2020 e, por fim, concedeu o Tribunal a quo de novo prazo de 15 dias!

            WW) Neste sentido, devia o Remidor já ter pago o preço aquando a notificação do Exmo. Sr. Agente de Execução, o que não o fez!

            XX) Mais, o imóvel em questão já foi adjudicado à Recorrente, tendo a mesma - repisa-se - pago os impostos devidos, bem como pagou o preço.

            YY) Inda, o imóvel já se encontra em na propriedade da Recorrente.

            ZZ) Por fim, alude-se ao douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, com n.º de proc. 2895/18.2T8LLE C.E1, datado a 11-03-2021, disponível em www.dgsi.pt, “I. A lei não prevê que os titulares do direito de remição sejam notificados da prática dos actos atinentes à venda executiva, antes presumindo que o executado, seu familiar directo, lhe vai dando conhecimento da tramitação processual, de modo a assegurar que aqueles possam exercer o seu direito. II. Notificada a executada da decisão do Sr. AE de aceitação da proposta mais elevada, encontrava-se esta familiar, desde então, em condições de informar o recorrente, seu filho, das condições de exercício do direito a remir, direito que podia exercer até à emissão do título que documenta a venda (cfr. artigo 853.º, n.º 1, alínea a)). III. Este termo final não se altera ainda quando, como é o caso, o titular de direito legal de preferência se apresenta a exercê-lo na sequência da interpelação a que se refere o artigo 823.º do CPC. IV. Atento o que dispõe o artigo 827.º do CPC, em venda mediante leilão electrónico, pago o preço pelo preferente e verificado o cumprimento das obrigações fiscais, podia/devia o Sr. AE emitir o título de transmissão, nada impondo que aguardasse o prazo de 10 dias após a notificação às partes do requerimento apresentado pelo preferente, acompanhado de comprovativo de ter procedido ao pagamento do preço, não havendo lugar à anulação do acto da venda por preterição de formalidade essencial.”

            AAA) Assim, em caso análogo, havendo já título de transmissão a favor da Recorrente, tendo a mesma respeitado todos os prazos e trâmites legais, procedido ao pagamento dos respetivos impostos e preço, deverá o imóvel continuar na sua propriedade.

            Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirá, deve o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente procedente e em consequência revogada a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ... – Juiz ... e a sua substituição por outra que mantenha o imóvel na propriedade da Recorrente.

           

            DD apresentou contra-alegações (em que não formulou conclusões), pugnando pelo indeferimento do recurso.

            Já nesta instância notificaram-se as partes para se pronunciarem nos termos do art 3º/3 do CPC pela verificação de caso julgado em função do decidido no Acórdão desta Relação de 5/4/2022, apenas o tendo feito a apelante, que reiterou o invocado nas respectivas alegações.

            III – Os factos necessários ao conhecimento do recurso emergem do acima relatado.

            IV – Do confronto entre a decisão recorrida e as conclusões das alegações, resulta constituir objecto do presente recurso, saber se o exercício do direito de remição se mostra tempestivo.

            Foi na Reforma ao processo de execução de 2008 que, no então, art 907º-B,  se acrescentou à venda em estabelecimento de leilão – desde a Reforma de 2003, passível de ser utilizada para qualquer bem ou direito penhorado, ainda que respeitante a imóveis -  a submodalidade de venda em leilão electrónico.

            Com o actual CPC, e em função do disposto no seu art 837º, a venda por leilão electrónico passou a ser a modalidade regra da venda executiva, pese embora se dê ao AE a possibilidade de utilizar outra, tendo, no entanto, que que justificar essa escolha.

            De acordo com o art 827º, (que tem por epigrafe “Adjudicação e registo”, e que se mostra inserido nos preceitos que regem a venda mediante propostas em carta fechada),  «1 – Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o titulo de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.   2 – Seguidamente o agente de execução, comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respectivo titulo, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do art 824º do CC».

            Tudo indica que não obstante apenas a norma deste nº 2 do art 827º seja tida  como aplicável «às restantes modalidades da venda», segundo o nº 2 do art 811º CPC, também a do nº 1 desse preceito se deve entender como aplicável  às demais modalidade de venda.

            O direito de remição, conferido ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado, está previsto no art 842º e ss  do CPC.

            Trata-se de um direito de preferência «qualificado», ou uma preferência «especial», que, tendo a mesma estrutura do direito de preferência – pois, quem dele goza, «pode, potestivamente, fazer-se substituir ao adjudicatário ou ao comprador, na preferencial aquisição dos bens penhorados, mediante o pagamento do preço por eles oferecido» [1]- se destina  a proteger o património familiar, evitando que os bens saiam para  fora da família, não pondo em causa «a essência da satisfação do interesse do exequente»[2]. Ou, nas palavras de A. Reis [3], «consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução».

            Trata-se de um direito de preferência qualificado,  porque prevalece sobre o direito de preferência em sentido estrito, seja ele legal seja de origem convencional, embora neste caso apenas se estiver dotado de eficácia real – art 844º CPC.

             Fala-se a seu respeito de «um direito de preferência legal de formação processual» [4].

            Sendo exercido o direito de remição, subsiste a alienação executiva do bem, verificando-se apenas uma substituição no que concerne à pessoa do adquirente[5].              A remição faz-se por requerimento ao agente de execução, no qual há-de ser alegada e comprovada a ligação de parentesco, sem prejuízo, como o refere Rui Pinto [6]– de lhe puder ser dado prazo razoável para junção do necessário documento.  O agente de execução deve informar o potencial remidor de todas as condições de venda, e deve notificar o requerimento de remição a todas as pessoas com interesse nos bens em causa – exequente, comprador e executado.

            Importa, de sobremaneira, atento o  objecto do recurso, saber até quando pode ser exercido o direito a remir, matéria a que se reporta o art 843º,  de que resulta que na venda por propostas em carta fechada, a remição pode ser exercida  até  à adjudicação do bem («até à emissão  do titulo de transmissão de bens para o proponente»), ou no prazo  previsto no nº 3 do art 825º CPC, que refere que «o preferente que não tenha exercido o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas pode efectuar, no prazo de 5 dias, contados do termo do prazo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação» .

            Já nas outras modalidades de venda, incluindo, naturalmente, a que está em causa nos autos, leilão electrónico -  a remição pode ser exercida «até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do titulo que a documenta».

            Referem Virgílio Ribeiro e Sérgio Rebelo [7] que «sendo a venda constituída por um conjunto encadeado de actos, um verdadeiro acto complexo de formação sucessiva (composto por actos preparatórios, como a avaliação dos bens penhorados, a publicitação da venda, o acesso aos bens penhorados por parte dos interessados na venda, entre outros; actos de transmissão propriamente ditos, como a abertura de propostas, a deliberação sobre as propostas apresentada e aceitação da proposta vencedora; e, finalmente, actos (…) e conclusão do procedimento em que a venda se traduz, como, por exemplo, o cumprimento de obrigações tributárias a que a transmissão dá lugar, emissão do título de transmissão e cancelamento dos registos dos direitos que caducam com a venda executiva), parece-nos defensável a solução de que a mesma só ocorre definitivamente quando se dá a emissão do título de transmissão.»

            Lê-se no Ac da R G 15-3-2016 [8] que «até esse momento  a venda não se mostra concluída (antes em mera formação) e os seus efeitos (nomeadamente, o efeito translativo), não se mostram consumados, inexistindo, portanto, (,,,) até ao momento de emissão do título de transmissão, um negócio consumado de venda.
Existe a legítima expectativa dessa sua conclusão, mas apenas isso».

            Acresce que  a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo (arts 408º/1, 874º, e 879º/al a), e 578º/1 todos do Código Civil), mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução [9].

            Feito este enquadramento do direito de remição, regressemos à situação concreta.

            Nas alegações a apelante dá conhecimento da designação pelo Exmo AE de dois leilões electrónicos antecedentes ao que acaba por estar em causa nos autos, em que a venda do imóvel não se chegou a concretizar, não obstante, quanto ao primeiro, em que chegou a haver uma proposta de aquisição (pelo valor de € 99. 990,00), o aqui recorrido DD tenha manifestado direito de remição, sendo que nem o proponente nem o remidor procederam ao depósito do preço oferecido.

            Repetido o leilão electrónico, o AE veio a aceitar a proposta de aquisição/adjudicação do bem em venda pelo valor de € 98.671,52 à aqui Apelante, e o aqui apelado voltou a manifestar a intenção de exercer o direito de remição.

            Tendo  sido notificado em 27/10/2020 para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento/depósito  do preço oferecido  e os emolumentos a pagar à CRP pelo registo de aquisição, veio, a 13/11/2020, apresentar em juízo o  requerimento a que se faz referência em I-1 do relatório do presente acórdão – requerimento esse,  subordinado ao titulo, «Muito Urgente – Perigo de Perda de Casa de Habitação»-  em que, em suma, referiu ter pedido empréstimo bancário, e que o mesmo foi aprovado, mas que o banco para proceder à escritura de mútuo e hipoteca de modo a disponibilizar de imediato o dinheiro para o exercício do direito de remição, carecia de que, nesse mesmo dia e antes da realização da escritura, fosse emitido titulo de transmissão a favor do requerente, informando «que o Sr AE não prescinde do prazo de 10 dias, que a lei lhe confere, para emitir tal titulo e afirma que não o passará no dia do pagamento, pelo que ele  requerente fica impossibilitado de adquirir a casa dos pais, por questões meramente formais.            Terminando por requerer ao Exmo Juiz, «se digne determinar a emissão do Titulo de Transmissão pelo Sr AE no dia do pagamento do preço e do cumprimento das obrigações fiscais, por forma a que no mesmo dia possa o Banco realizar a escritura de mútuo e hipoteca, para garantia do dinheiro previamente adiantado».

            Notificado esse requerimento ao Exmo AE, veio este  pronunciar-se como consta do ponto I-3 do acima referido relatório, referindo, em suma, que não pode emitir o titulo de transmissão sem que o produto do depósito do preço esteja disponível na conta do processo, tecendo nesse requerimento comentários pouco felizes a respeito do procedimento do requerente ( «O que o ali requerente pretende é que o signatário emita o titulo, sem ter na conta de penhoras do processo o dinheiro referente ao preço, depois poderá passar pelo tribunal, pedir a emissão de certidão do titulo e sem efectuar o pagamento, a transmissão acontece. Seria bonito !»)

            Em resposta, EE manteve o que já referira e requerera, dando conhecimento de que, em 28/10/2020, o gerente do banco onde está aprovado o crédito de habitação, se dirigira por email ao Exmo AE, referindo que o banco se disponibilizava a entregar cheque bancário referente à aquisição «no v/ escritório ou depositar o mesmo na v/ conta contra a entrega do titulo de transmissão», documento com o qual o banco iria efetuar o registo do imóvel em nome do proponente e a hipoteca do imóvel, convidando-o, a, tendo outra opção, a informar, «para se concluir o processo com sucesso», dando a entender nesse email a existência de conversas anteriores para desbloquear o impedimento a que o AE se referia.

             O referido requerimento de 13/11/2020 de EE, dirigido ao Tribunal, foi indeferido por despacho de 3/3/2021, com fundamento em que esse requerimento configuraria uma reclamação de acto do AE, se mostrava extemporâneo, além de que não se mostrava liquidada a taxa de justiça devida.

            DD recorreu desse despacho, contestando a extemporaneidade do seu requerimento de 13/11/2020, pois que recebeu a notificação, para depositar o preço em 15 dias, a 30/10/2020, e fazendo ver que a tratar-se o mesmo de incidente /reclamação, sempre teria que se ter dado cumprimento ao art 145º/3 CPC e eventualmente ao 570º/3, o que não se fez.

            Este Tribunal da Relação, por acórdão de 5/4/2022, excluiu que o requerimento de 13/11/2020 configurasse uma reclamação do acto do AE - «o apelante no seu requerimento de 13/11/2020 nunca diz que não se conforma com a notificação para pagar o preço e os emolumentos devidos à CRP pela inscrição da aquisição a seu favor . O que ele vem pôr em causa é a alegada posição do sr. AE  de não passar o titulo de transmissão no mesmo dia em que o pagamento do preço for efectuado, alegadamente por não prescindir  do prazo de 10 dias que entende dispor para o fazer, a fim de permitir a realização da escritura de mútuo com hipoteca no mesmo dia em que o pagamento for efectuado» -  vindo a concluir que, «não demonstrando os autos ter sido proferida qualquer decisão por escrito do Sr AE, da qual se pudesse deduzir reclamação, no sentido de não passar o titulo de transmissão logo após o pagamento do preço, antes de 17/11/2020, o tribunal no desconhecimento da data em que tal decisão terá sido tomada, tudo apontando que terá sido apenas comunicada presencialmente ou por via telefónica, uma vez que nem o apelante nem o Sr AE juntaram documento ilustrativo da referida decisão, não podia considerar o requerimento de 13/11/2020 como intempestivo».

            Por isso, julgou procedente o recurso, revogando o despacho recorrido, ordenando que se proferisse outro que apreciasse o requerimento do apelante de 13/11/2020.  

            CC não recorreu deste acórdão.

            O Tribunal da 1ª instância, depois de assinalar que «o Agente de Execução não aponta qualquer razão que obste à emissão do título de transmissão no mesmo dia em que for efetuado o pagamento do preço e das obrigações fiscais, pelo que, em conformidade com o normativo supra transcrito, o requerido deve proceder, fixando-se o prazo de quinze dias para o requerente efetuar o depósito do preço e demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais», «concedeu ao requerente o prazo de quinze dias para efetuar o depósito do preço e demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais, devendo o título de transmissão ser emitido pelo Agente de Execução no mesmo dia em que tal pagamento ocorrer (desde que o mesmo seja levado ao seu conhecimento dentro do horário de expediente), constituindo este o despacho recorrido no presente recurso.

            Surpreendentemente, diz a apelante (conclusão NN), que «o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com a decisão que tomou, não pretende que o Tribunal a quo altere a sua decisão, mas somente que aprecie o requerimento do Remidor datado a 13 de novembro de 2020»

            Evidentemente que nenhum sentido teria que ordenando-se à 1ª instância a apreciação do requerimento de 13/11/2020, se lhe tivesse a excluir a possibilidade de decidir em contrário ao decidido na decisão que foi objecto do recurso.

            Por outro lado, não pode a apelante pretender que não pode (de novo, como diz), ser concedido ao requerente o prazo de quinze dias para efetuar o depósito do preço.

            É que, não se trata de um novo prazo de 15 dias para efectuar o depósito do preço, visto que a notificação dos 15 dias para efectuar o depósito do preço que teve lugar em 27/10/2020, resultou consumida e paralisada com o desenvolvimento do processo em função do requerimento de 13/11/2020.

            Por outro lado ainda, não faz igualmente sentido que a apelante objecte à concessão do prazo em causa a circunstância de o Exmo AE ter procedido, entretanto, à emissão do Título de Transmissão a seu favor, pois que o fez a 9/3/2021, quando a decisão do Tribunal da 1ª instância de 3/3/2020 não se mostrava ainda transitada, pelo que a verificada procedência do recurso interposto da mesma, implica, naturalmente, a cessação da eficácia daquele título de transmissão.

            Nada obsta, por isso, e visto que o aqui Recorrido já procedeu ao pagamento do preço e demais impostos- tendo-o feito a 30 de junho de 2022 – a que o titulo de transmissão seja passado ao mesmo, visto que, como acima se constatou, na venda por leilão electrónico  a remição pode ser exercida «até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do titulo que a documenta».

            Com o que improcede na totalidade a presente apelação.

            V- Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.

Coimbra, 28 de Março de 2023

(Maria Teresa Albuquerque)

(Falcão de Magalhães)

(Pires Robalo)

           

            (…)



               [1]-  Rui Pinto, «Manual da Execução e do Despejo», Agosto de 2013, p 938
               [2] - Cfr Ac R G 5/6/2008 (Gomes da Silva)
               [3] - «Processo de Execução», II vol, p 476

            [4] - Ac STJ 10/12/2009, Proc 321-B-1997. S1; Ac R G 4/10/2018 (Fernanda Proença Fernandes)

            [5] - Marco Carvalho Gonçalves, «Lições de Processo Civil Executivo», 3ª ed. 
               [6]  - Obra referida, p 939
               [7] - «A acção Executiva anotada e comentada», Almedina, 2015, p. 539
               [8] - Relator, Pinto de Seabra
               [9] - Ac RP 20/11/2014 (Amaral Ferreira)