Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOSÉ NOGUEIRA | ||
Descritores: | CORRECÇÃO DA SENTENÇA | ||
Data do Acordão: | 01/25/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE PORTO DE MÓS - 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.ºS 380º, DO C. PROC. PENAL E 669º, DO C. PROC. CIVIL | ||
Sumário: | O artigo 669º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil, não tem aplicação no processo penal. | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório 1. No âmbito dos presentes autos, por decisão sumária, proferida em 26.10.2011, veio o recurso interposto pela arguida “W... SA –” a ser rejeitado, ao abrigo do disposto nos artigos 417º, n.º 6, al. b), 420.º, nº 1, al. b), 414º, n.º 2, todos do CPP e 73º do RGCOC. 2. Inconformada com o assim decidido reclamou a arguida/recorrente para a conferência, concluindo: 1. Nos termos do artigo 8.º do artigo 417º do CPP, é a presente reclamação admissível. 2. O direito ao recurso, incluído entre as garantias de defesa em matéria penal, tem consagração constitucional, o que significa que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição (art. 32, nº 1 da Constituição da República Portuguesa). 3. O recorrente para exercer, efectivamente, o seu direito ao recurso tem de ter conhecimento da decisão consolidada, ou seja tem de ter conhecimento da decisão que recaiu sobre o pedido de correcção, que é complemento e parte integrante da primeira decisão. 4. O resultado da decisão que incidiu sobre o pedido de correcção, qualquer que seja o seu sentido, condiciona o efectivo exercício do direito ao recurso, pois só o cabal conhecimento da mesma permite vislumbrar o real alcance da decisão de que se pretende recorrer, ficando então o recorrente na posse de todos os dados para poder construir a sua defesa. 5. Pelo que, só com a decisão sobre o despacho de 31 de Maio de 2010 ficou a ora Arguida em condições de conhecer os exactos fundamentos da rejeição do recurso – conforme melhor resulta do teor do mesmo. 6. Assim, só com a prolação do despacho de 21.02.2011, ficou a Arguida em condições de conhecer todos os fundamentos de rejeição do recurso e só perante tal despacho ficou perante uma decisão consolidada, passando esta a fazer parte daquela, nos termos supra expostos. Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente reclamação ser julgada procedente e consequentemente, deve ser julgado o recurso apresentado do douto despacho de 21.02.2011. 3. Cumprido o contraditório, o Ministério Público não se pronunciou. 4. Proferido despacho a admitir a reclamação e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir. II. Fundamentação 1. Pretende a reclamante que a decisão sob reclamação seja substituída por outra, que, admitindo o recurso por si interposto para este Tribunal, o venha a conhecer. 2. É do seguinte teor a decisão sumária sob reclamação: “I. 1. No âmbito do processo de recurso de contra - ordenação n.º 819/10.4TBPMS – A do 1.º Juízo do Tribunal de Porto de Mós, na sequência da notificação da decisão contra si proferida pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P., veio a arguida “W... S.A.” deduzir impugnação judicial – [cf. fls. 89 e ss.]. 2. Introduzidos os autos em juízo, por despacho judicial de 31.05.2010, por extemporânea, foi a dita impugnação rejeitada – [cf. fls. 143]. 3. Notificada, veio a arguida a fls. 147 a 149 requerer a reforma do despacho de 31.05.2010, por forma a que fosse proferida decisão no sentido do recebimento da impugnação judicial. 4. Após a realização de diligências por parte do tribunal, veio a ser proferido o despacho de 21.02.2011 que, indeferindo o requerimento de fls. 147 e ss., manteve o despacho de 31.05.2010 – [cf. fls. 170]. 5. Inconformada com tal decisão recorreu a arguida, concluindo, em síntese, que … deveria o Meret.º Juiz do Tribunal a quo ter revogado o despacho de fls. 148, considerado o recurso tempestivo e ordenado o prosseguimento dos autos. 6. Recurso que veio a ser admitido por despacho de fls. 198. II. Conforme resulta do n.º 3 do art. 414.º do CPP – [aplicável ex vi do artigo 41º do RGCO] o despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal superior. No caso em apreço, salvo melhor opinião, o recurso não deveria ter sido admitido por a decisão ser irrecorrível. Vejamos. As decisões judiciais que admitem recurso para a Relação vem enunciadas no artigo 73º do RGCO. Entre as mesmas, em consonância, aliás, com o disposto no artigo 63º, n.º 2, do mesmo diploma legal, inclui-se o despacho que rejeita o recurso de impugnação judicial – cf. o n.º 1, al. d). Sucede, porém, que no presente caso a arguida, ora recorrente, notificada do despacho que rejeitou a impugnação judicial [de 31.05.2010] – esse sim, recorrível -, não veio do mesmo interpor recurso, tendo, antes, requerido a respectiva «reforma», com vista a provocar despacho no sentido da admissibilidade do recurso. Mas, o despacho proferido em 21.02.2011 não é recorrível desde logo, por não se tratar de decisão prevista no citado artigo 73º, tão pouco se inscrevendo no n.º 2 do artigo 63.º É certo que, por força do artigo 41º do RGCO, é subsidiariamente aplicável o Código do Processo Penal e, logo, o disposto no seu artigo 380.º, cuja disciplina se estende a todos os actos decisórios previstos no artigo 97.º Significa, pois, que pode o decisor proceder à correcção de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, cuja eliminação não importe modificação essencial. Ora, a pretensão da recorrente, apresentada na sequência da notificação do despacho que rejeitou a impugnação judicial, visava exactamente a substituição deste por outro que, ao invés, o admitisse, o que à luz de tal preceito nunca seria possível. Em consequência de tal limitação, temos vindo a entender que o artigo 669º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil não tem aplicação no processo penal, na medida em que, por via do seu funcionamento, se permitiria modificação, cuja natureza é expressamente excluída no âmbito do processo penal e, consequentemente, do processo contra – ordenacional – [cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 988]. Sem conceder, sempre se dirá que qualquer posição contrária sempre esbarraria na circunstância de, no caso em apreço, o despacho de 31.05.2010 ser, ele próprio, recorrível, o que inviabilizaria o procedimento encetado pela recorrente, pois que teria o mesmo de ser apresentado na respectiva alegação – [cf. os n.ºs 2 e 3 do artigo 669º do Código de Processo Civil]. Donde, no nosso modesto entender, uma vez proferido o despacho de 31.05.2010, a única hipótese do decisor proceder à sua «reforma», nos termos preconizados pela recorrente, seria no momento a que alude o n.º 4 do artigo 414.º do CPP, o que, contudo, só poderia vir a ocorrer caso do mesmo, tempestivamente, tivesse sido interposto recurso, o que não sucedeu. Em conclusão, impõe-se rejeitar o recurso interposto para este Tribunal já por ser irrecorrível o despacho de 21.02.2011, já por, configurando-se o recurso como direccionando ao despacho de 31.05.2010, ser o mesmo extemporâneo. III. Nesta conformidade, ao abrigo do disposto nos artigos 417º, n.º 6, al. b), 420.º, n.º 1, al. b), 414º, n.º 2, todos do CPP e 73.º do RGCO, rejeita-se o recurso interposto pela arguida. Nos termos do artigo 430º, n.º 3 do CPP, condena-se a recorrente na importância correspondente a [três] Ucs. Condena-se, ainda, o recorrente em taxa de justiça que se fixa em 3 [três] Ucs.” 3. Apreciando Perscrutando os fundamentos da reclamação, resumidos nas conclusões supra transcritas, impõe-se começar por esclarecer que o direito a um duplo grau de jurisdição, decorrência das garantias de defesa, constitucionalmente consagradas - [cf. artigo 32º, nº 1 da CRP], não tem, com o devido respeito, no presente caso, fundamento, já porque para que o direito ao recurso possa ser exercido necessário se torna, a montante, que a decisão em causa seja recorrível e/ou o recurso se mostre tempestivamente interposto, já porque o despacho judicial de 31.05.2010 é suficientemente esclarecedor quer quanto ao respectivo sentido - rejeição da impugnação judicial da decisão administrativa – quer quanto ao seu fundamento – extemporaneidade. Com efeito, reza o mesmo: A sociedade recorrente foi notificada da decisão administrativa condenatória em 29 de Março de 2010 (cfr. fls. 86 e 88) – data aposta no local destinado à data e assinatura do aviso de recepção. O prazo administrativo de vinte dias para apresentação da impugnação judicial terminou no dia 27 de Abril de 2010. O recurso foi apresentado na autoridade administrativa no dia 28 de Abril de 2010 – cfr. fls. 89 -, não constando dos autos que tenha sido enviado por correio. Não tem aplicação aos recursos de contra – ordenação o disposto no artigo 145º, n.ºs 5 e seguintes, do Código de Processo Civil, precisamente porque o prazo em causa não tem natureza de prazo judicial. Em face do exposto, o recurso de impugnação judicial foi apresentado extemporaneamente – cfr. artigos 59º, n.º 3, e 60º, nº 1, do Decreto – Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro -, impondo-se a respectiva rejeição. …. Nestes termos: - Por extemporâneo, rejeito o recurso de impugnação judicial interposto. … Perante tal fundamentação, pergunta-se o que é que impediu a ora reclamante de ter exercido o seu direito ao recurso? De que dados necessitava para exercê-lo? Talvez deficiência nossa, não se vislumbra! O que se torna evidente, face ao teor do requerimento de fls. 147 a 149, é que mais não pretendia, a mesma, do que a “reforma” do despacho de 31.05.2010, de modo a que fosse proferida decisão em sentido inverso, ou seja de recebimento da impugnação judicial, fazendo, assim, letra morta do princípio de que proferida a decisão esgotado fica o poder jurisdicional do juiz! A questão, usando os termos da reclamante, da consolidação da decisão, só teria cabimento se a mesma, em consequência do procedimento por si adoptado, fosse passível de modificação no seu último sentido, ou seja pudesse ser alterada para concluir pela admissão do que havia sido rejeitado, o que, no caso, apenas, seria possível por via de recurso e isto porque a preconizada reforma estava vedada pelo artigo 380º do CPP, sendo certo que a pretensão, então, apresentada, não configurava nenhuma das hipóteses ai contempladas. Por outro lado, como ficou expresso na decisão, ora em reclamação, … o artigo 669º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil não tem aplicação no processo penal, na medida em que, por via do seu funcionamento, se permitiria modificação, cuja natureza é expressamente excluída no âmbito do processo penal e, consequentemente, do processo contra – ordenacional – [cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 988]” e, mais adiante, … sempre se dirá que qualquer posição contrária sempre esbarraria na circunstância de, no caso em apreço, o despacho de 31.05.2010 ser, ele próprio, recorrível, o que inviabilizaria o procedimento encetado pela recorrente, pois que teria o mesmo de ser apresentado na respectiva alegação – [cf. os nºs. 2 e 3 do artigo 669º do Código de Processo Civil]. Conclui-se, assim, no sentido de que a ora reclamante na sequência da notificação do despacho de 31.05.2010, fundamentado de facto e de direito, ficou na posse de todos os elementos que lhe permitiam o exercício do direito ao recurso, não havendo espaço para apelar a uma suposta falta de consolidação do despacho, tanto mais que com a sua actuação visou alcançar – a substituição da decisão de rejeição da impugnação judicial por uma outra que a admitisse -, o que, seguramente, sabia não ser, por intermédio do meio utilizado – pedido de reforma -, legalmente admissível, pois que não se trata de pretensão compatível com o artigo 380º do CPP. Nesta conformidade, só resta indeferir a reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sob reclamação. III. Decisão Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em: a) Indeferir a reclamação apresentada pela reclamante “W... SA”; b) Confirmar a decisão reclamada; c) Fixar a taxa de justiça a cargo da reclamante em 3 [três] UCs. Maria José Nogueira (Relatora) Isabel Valongo |