Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
262/06.0GBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA
PRESCRIÇÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DA PENA DE MULTA
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 122º,126º DO CP E 469ºE 491°, N.º 2, DO CPP
Sumário: A prescrição da pena de multa interrompe-se com a apresentação do requerimento para execução patrimonial de bens do condenado.
Decisão Texto Integral: 10

O Ministério Público, não se conformando com o despacho proferido pela Mma Juiz que considerou não estar prescrita a pena de multa em que o arguido A foi condenado e declarou o arguido contumaz, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
1. Em sede dos autos supra epigrafados, entendeu o Tribunal não estar prescrita a pena 160 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, em que o arguido A foi condenado por sentença transitada em julgado em 13 de Junho de 2006 - fls. 30.
2. No entanto, o arguido não efectuou até ao momento o pagamento daquela pena multa e não se logrou obter o pagamento coercivo da mesma, não obstante os autos de execução daquele quantitativo, apensos aos presentes autos,
3. Conforme decorre do art. 122.°, n.º 1, al. d), do Código Penal, o prazo de prescrição da referida pena é de quatro anos, atento a data de trânsito da sentença condenatória.
3. Em 10 de Abril de 2007, foi instaurada a competente execução para coercivamente cobrar a pena de multa -cfr. processo apenso - e, realizadas as diligências tendentes à cobrança coerciva daquele montante, no que ora releva, não se logrou fazer executar, em tempo, a pena de multa, Assim, por entender que pena de multa já está prescrita, promoveu o Ministério Público, a fls. 131 dos autos, em conformidade com esse entendimento.
4. No caso concreto, atenta a data do trânsito da sentença condenatória - em 13 de Junho de 2006, e sendo o prazo de prescrição da pena em que foi condenado, de quatro anos – artº 122°, nº 1, al. d) do Código Penal, a pena em que foi condenado prescreveu a 13 de Junho de 2010.
6. A instauração da execução patrimonial em lado algum é prevista como causa de interrupção da prescrição da pena, E não pode, por analogia ou maioria de razão, considerar-se como tal, em desfavor do arguido.
7. Com efeito, entendemos que a execução a que se alude no art. 126,°, n.º1 al. a) se refere somente à pena de prisão, uma vez que a pena de multa e de prisão só se mostram executadas com o pagamento voluntário ou coercivo da primeira ou com entrega voluntária do arguido para que a cumpra ou com a captura coerciva deste, no segundo caso, centro do prazo da prescrição da respectiva pena, e só nestes casos.
8. No que tange à pena de multa, a instauração de execução patrimonial para a sua cobrança coerciva sobre o património do arguido é somente um meio posto ao alcance de quem tem competência para o fazer - neste caso o Ministério Público, nos termos dos artºs 469° e 491°, n.º 2, do Código de Processo Penal - para que venha a ser alcançado o fim a que se destina - a execução da pena de multa
9. Assim, a pena de multa em que o arguido foi condenado mostra-se extinta, por prescrição, uma vez que desde a data do trânsito em julgado da sentença e até à data de 13 de Junho de 2010, não ocorreram quaisquer factos que suspendessem ou interrompessem o decurso do respectivo prazo de prescrição, uma vez que a instauração de execução patrimonial não constitui causa de, designadamente, interrupção do prazo prescricional, sendo antes um meio destinado a alcançar determinado fim, não o fim em si mesmo nem com ele se confundem.
10. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão n.º JTRP00036217, processo n.º 0315181, de 04 de Fevereiro de 2004, consultado em w\vw.dgsi.pt, ao considerar que "Da mesma forma que um mandado de captura e detenção não constitui execução da correspondente pena de prisão, não pode entender-se como execução da pena de multa os meios utilizados pelo Ministério Público na obtenção da sua cobrança ou execução patrimonial. Assim sendo, a execução instaurada pelo exequente em 12/05/2000, para cobrança coerciva da multa em que fora condenado o arguido, antes de decorrido o referido prazo prescricional de 4 anos, não constitui execução de tal pena e, bem assim, a causa interruptiva de tal prazo, taxativamente prevista no citado artº 126º nº1, al. a) do Cod, Penal então e ainda vigente."; esta mesma posição foi adoptada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão datado de 23 de Setembro de 2009, em sede do processo n.º 194/02.0TAOBR, e no processo n.º 50/03.5GAOBR, por acórdão datado de 14-10-20009.
11. Ao se ter decidido, como decidiu, no despacho recorrido, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.s 122.°, n.º 1, al. d), e n.º 2, 126.°, n.º 1, al. a), todos do Código Penal.
Atento o exposto, dando-se provimento ao recurso, com alteração do despacho recorrido, por forma a ordenar que ele seja substituído por outro que declare extinta, por prescrição, a pena de multa em que o arguido A foi condenado, uma vez que desde a data do trânsito em julgado da decisão e até 13 de Junho de 2010, não ocorreram quaisquer factos que suspendessem ou interrompessem o decurso do respectivo prazo de prescrição, assim se fazendo
JUSTIÇA!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:

Nos presentes autos em que é arguido A, foi o mesmo condenado, por sentença proferida em 29.05.2006, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €4, num total de €640, pela prática de um crime de condução de sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3°, nº 1 e 2 do Decreto-Lei n° 2/98, de 03.01., cujo trânsito ocorreu em 13.06.2006.
Tal pena de multa não foi paga pelo arguido, mas foi instaurada execução para cobrança coerciva da mesma, em 10.04.2007 ­apenso A.
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O Ministério Público teve vista no processo, promovendo que se declare extinta a pena de multa aplicada ao arguido, por força da sua prescrição.
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Cumpre apreciar.
Nos termos do artigo 122°, n° 1, al. d) do Código Penal, as penas prescrevem no prazo de 4 anos, quando inferiores a 2 anos de prisão.
Assim, o prazo prescricional terminaria em 13.06.2010. Acontece, todavia, que a execução da pena de multa no apenso A interrompeu tal prazo prescricional em 10.04.2007.
Neste sentido, pode ver-se o Acórdão da Relação do Porto, de 17.01.2007, Relator Desemb. Dr. Paulo Valéria, "nos termos do artigo 126°, n° 1, alº a), do Código Penal, a prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução, sendo que o respectivo prazo começa a correr no dia em que transitar em julgado CL decisão punitiva (art. 122°) n° 2 do Código Penal).
II A locução “execução” da pena, referida na al. a) do artigo 126° do Código Penal, exprime, no caso da pena de multa, a situação em que o tribunal procura obter o pagamento através do competente procedimento legal, ou seja, o procedimento executivo ocorrendo assim o facto interruptivo com o «início da execução” in www.dgsi.pt..
Recentemente, em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, processo n° 38/05.1GAOBR.Cl, em processo pendente neste Juízo Criminal, Relator Desemb. Dr. Belmiro Andrade, foi decidido que "o termo execução é aplicado, no artigo 126°, n° 1, al. a), indistintamente, quer à pena de prisão quer à pena de multa. (. .. )" e mais à frente diz-se o seguinte: "se a previsão do artigo 126°, n° 1) al. a) se referisse ao efectivo cumprimento da pena de multa (pagamento/ cobrança/ arrecadação) constituiria uma norma sem objecto, destituída de sentido - consistiria em conferir efeito interruptivo a uma causa extintiva da própria pena".
Por outro lado, acrescenta-se, ainda, que "com efeito a prescrição da pena tem como fundamento principal a desnecessidade da pena, pelo esquecimento que, a pouco e pouco, o tempo vai envolvendo o crime. Mas esse mesmo fundamento deixa de existir quando existem actos praticados no sentido da execução, reveladores do interesse do Estado na punição. Devendo por isso a instauração de processo com vista à execução compulsiva conduzir, logicamente, à interrupção do prazo de prescrição, por contrariar de forma explícita o pressuposto em que assenta a prescrição.
Pois que, através da propositura de uma acção executiva, meio processual adequado para o efeito, o Estado manifesta o seu interesse em ver cumprida a pena) afastando assim o esquecimento/ desinteresse em que presumivelmente assenta a prescrição da pena" .
Como tal, iniciou-se um novo prazo de prescrição, nos termos do artigo 126°, n° 2 do Código de Processo Penal, que só terminará em 13.06.2011.
Por outro lado, também se não verifica o circunstancialismo previsto no n° 3 do artigo 126° do Código Penal, ou seja, a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Pelo exposto, e nos termos supra referidos, não se encontra prescrita a pena de multa aplicada ao arguido A.
Notifique.
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A arguido nos presentes autos, foi nos mesmos notificado por editais, para se apresentar em juízo, no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz (fls. 129).
Até ao momento não se apresentou.
Encontram-se reunidos os pressupostos legais para tanto, tendo sido observadas todas as formalidades legalmente impostas.
Pelo exposto, nos termos dos artigos 3350 e 33r do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 476° do mesmo diploma legal, declaro contumaz o arguido A.
A presente declaração de contumácia implica a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após esta data e a proibição de obter certidões e registos junto das autoridades públicas, bilhete de identidade, carta de condução, passaporte ou respectivas revalidações.
Anuncie e notifique, nos termos do nº 5 do artigo 337º do Código de Processo Penal, e registe, conforme o disposto no nº 6 da mesma norma legal.
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Passe mandados de detenção, nos termos do artigo 33r, na 1 do Código de Processo Penal, para efeitos do disposto no na 2 do artigo 336° do mesmo diploma legal.
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De acordo com o preceituado no artigo 335º, nº 3 do Código de Processo Penal, suspendo os ulteriores termos do processo até à apresentação ou à detenção do arguido.
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A questão que aqui se coloca consiste em saber qual o alcance da al a) do art 126 do CPenal que estatui:
“A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução”.
A prescrição, é causa de extinção tanto da responsabilidade criminal, como das penas e das medidas de segurança, operando, pelo decurso de dado lapso de tempo, contado, respectivamente, da prática do crime ou do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena ou a medida de segurança.
Como vem referido no AcRP de 19/10/1995 relatado pelo Sr. Desemb. Marques Salgueiro e que seguiremos de perto, “dir-se-á que a causa natural de extinção da responsabilidade criminal e/ou das penas e medidas de segurança é o cumprimento da pena ou da medida de segurança que haja sido aplicada: a instauração de procedimento criminal visa apurar a responsabilidade criminal daquele a quem é imputada a prática de crime e, concluindo-se pela existência de responsabilidade criminal, esta desaparece naturalmente pela expiação, pelo cumprimento da pena imposta. Nesta perspectiva, não se pode deixar de reconhecer que as demais causas de extinção da responsabilidade criminal (e das penas e medidas de segurança) acima referidas são, em bom rigor, anómalas, pois que desviam o procedimento criminal do seu objectivo, quer obstando a que a eventual responsabilidade criminal se apure, quer frustrando o cumprimento da pena ou da medida de segurança que tenha sido aplicada.
Tratando-se de pena de multa, o respectivo cumprimento é feito ou mediante o seu pagamento voluntário (artº 489º do C. P. Penal), ou coercivamente, mediante a competente execução em bens do condenado, dando-se oportunamente pagamento com o que, por essa via, se apurar (artº 491º do C. P. Penal).
Feitas estas considerações, pensa-se ficar claro que “execução” e “cumprimento” da pena traduzem, na lei, realidades bem distintas, aí radicando, com o devido respeito, a falta de razão do recorrente.
A al. a) do art. 126 do CPenal, só tem sentido e alcance enquanto aí se contemple e entenda a “execução” como o processo dinâmico, previsto na lei, dirigido à obtenção, à custa de bens do condenado, da quantia necessária para o posterior pagamento da multa.
Esse é, de resto, não apenas o sentido que, usualmente, àquela palavra é atribuído (lembremo-nos de expressões como “dar à execução” ou “instaurar a execução”), como é ainda o que claramente se coaduna com as normas processuais relativas às execuções (assim, no que, no caso, mais directamente importa, os artº 467º e segs. do C. P. Penal, maxime, os artº 489º a 491º, e os artº 116º e segs. do C. Custas Judiciais), preceitos dos quais decorre claramente que, ao falar em “execução”, o legislador não teve em mente o acto do pagamento, com o qual se efectiva o cumprimento da pena de multa, mas sim todo o processo dinâmico balizado por lei e que tem por finalidade, precisamente, alcançar esse pagamento.
Aqui chegados, resta lembrar que, justificando o efeito extintivo da prescrição, a par de óbvias razões de política criminal (pelo tempo decorrido, o cumprimento da pena, além de já não reclamado pela sociedade, seria já inútil, senão mesmo prejudicial para a recuperação do agente), ainda o desinteresse que, pela sua inércia, o Estado demonstrou nesse cumprimento, a interrupção da prescrição há-de radicar, por seu turno, em acto que, de forma inequívoca, traduza a vontade do Estado de fazer cumprir a pena. Tal efeito interruptivo houve o legislador por bem atribuir à “execução” da pena; execução que, tratando-se de pena de multa, se formaliza com a apresentação pelo Mº Pº do requerimento de instauração dessa execução, acto que, com a segurança que a condição e os específicos interesses do arguido/condenado reclamam, mostra inequivocamente a intenção do Estado de fazer cumprir a pena.
Face ao exposto temos que a prescrição se interrompeu com a apresentação, do requerimento para execução da pena de multa, nessa data começando a correr, por isso, novo prazo de prescrição, prazo que, na data do despacho recorrido, ainda se não completara, tal como não transcorrera ainda o prazo-limite de prescrição, apontado no nº 3 do artº 126º, isto é, o prazo normal da prescrição acrescido de metade, contado desde o início da prescrição, a data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Bem andou, pois, a Mmª Juíza ao decidir que a pena de multa imposta ao arguido se não encontrava prescrita, pelo que o recurso não merece provimento.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso do MºPº, confirmando-se o douto despacho recorrido.

Sem custas

ALICE SANTOS (RELATOR)
BELMIRO ANDRADE