Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
362/17.0GAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA;
DETERMINAÇÃO CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL DE CANTANHEDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 410.º, N.º 2, AL. A), DO CPP
Sumário:
I – Uma vez dada como provada a matéria de facto constante da acusação, por via da confissão integral e sem reservas, o tribunal tinha o poder-dever de, oficiosamente, socorrer-se do disposto no art. 340.º, do CPP, para não só investigar os factos da acusação submetidos a julgamento e proceder autonomamente, às diligências que, numa perspectiva objectiva, fossem razoavelmente consideradas necessárias, de modo a ficar a habilitado a proferir uma decisão de condenação justa e não ficar numa atitude passiva e meramente dependente da iniciativa probatória dos sujeitos processuais.
II – É prova essencial à boa decisão da causa, no caso de condenação e aplicação de pena, a relativa à personalidade, condições pessoais, situação económica e antecedentes criminais do arguido, sendo um poder-dever do juiz apurar tal factualidade, como decorre dos art. 71.º, n.º 1, 2, al. d) e e) e 3, do CP e 368.º, n.º 2, al. e) e 369, do CPP.
III - Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida da pena) ou de absolvição.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
No processo supra identificado foi julgado e condenado o arguido AA, solteiro, desempregado, nascido a -----, filho de ------ e ------, residente na Rua ----------------------, pela autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do CP na pena de 5 (cinco) meses de prisão e na pena acessória de 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir veículos motorizados.
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Interpôs recurso o arguido, discordando das penas, formulando as seguintes conclusões:
«1. Deverá ser alterada a Douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal A Quo que aplicou ao recorrente a pena de prisão efetiva de 5 meses, e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 18 meses.
2. O recorrente embora tenha no seu registo criminal ou registo individual de condutor vários averbamentos, há vários anos que vem tendo uma boa conduta.
3. O Recorrente tinha estado numa festa de aldeia com alguns amigos onde ingeriu algumas bebidas alcoólicas.
4. Contudo só o fez depois de combinar com um amigo, que não bebe, que este iria levar o recorrente a casa.
5. Porém, chegada a hora de querer voltar para casa, descobriu que o seu amigo já se tinha ido embora, e não lhe tinha dito nada, faltando ao acordado.
6. O recorrente não cometeu o crime pelo que vem acusado de forma livre e consciente.
7. Só tomou a decisão de conduzir até casa, pois ficou sem a boleia que o seu amigo lhe tinha assegurado.
8. O Recorrente encontrava-se desempregado, porém, encontrou uma entidade que lhe prometeu dar trabalho a partir de Março 2018.
9. Atendendo às dificuldades de arranjar trabalho, o recorrente ao ficar inibido de conduzir, e ter de cumprir 5 meses de prisão efetiva, corre o risco de voltar a ficar sem trabalho, fazendo perigar ainda mais a sua subsistência económica.
10. Pois a sua companheira corre também o risco de ter de deixar o seu trabalho, por não ter com quem deixar a sua filha menor, nos dias em que faz o turno da noite.
11. Face ao circunstancialismo profissional do recorrente e face situação de desemprego que o mesmo ainda se encontra, trata-se de uma situação de excepção, e como tal deverá ser equacionada como uma excepção, à aplicação que se faz da leitura subjacente do art. 69.º CP.
12. Entende o Recorrente que o Tribunal A Quo deveria fazer uma interpretação diferente dos art. 71.º e 72.º do CP
13. Uma pena de multa, ainda que substituída por dias de trabalho a favor da comunidade, aplicada ao recorrente, e a pena acessória de inibição de conduzir veículos ligeiros de passageiros, por um período não superior a 9 meses, será castigo bastante para inibir o recorrente da prática deste ou de outros crimes.
14. Assim, pretende o recorrente, com a interposição deste recurso, que a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal A Quo, seja alterada de forma a que o recorrente pagar uma pena de multa, e assim começar a trabalhar e não perigar a sua promessa de emprego, bem como garantir que a sua companheira possa continuar a desempenhar as suas funções de acordo com os turno, podendo o recorrente garantir nessas horas a guarda da filha menor da sua companheira.
Neste Termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente, deverão V. Ex.ªs alterar a decisão proferida pelo Tribunal A Quo, ser alterada de forma a que o recorrente possa continuar a providenciar pela guarda da filha da sua companheira, e possa assegurar o desempenho das funções que lhe foram prometidas».
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Notificado o Ministério Público, nos termos do art. 411.º, n.º 6, para efeitos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu no sentido de que as penas principal e acessória mostram-se adequadas, devendo em consequência manter-se a sentença recorrida.
Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual seguindo os trilhos do Ministério Público na 1.ª instância de que que deve ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não respondeu.
Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
Vejamos os factos provados (numerados pelo relator para melhor referência aos mesmos):
«1. No dia ---.2017 pelas --h -- m na Rua ----, o arguido conduzia o veículo ligeiro de matrícula ---com uma TAS de 2,309 g/l (correspondente a TAS de 2,43 deduzido o erro máximo admissível).
2. O arguido quis conduzir na via pública o veículo automóvel referido, bem sabendo que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido antes do exercício da condução lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de o fazer.
3. Sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
4. O arguido já foi condenado no âmbito do Proc. 05/01 pela prática do crime de condução sem habilitação legal, no Proc. 219/05.8TACNT (desobediência) e no Proc. 258/04.6GBCNT, 50/05.0GBMIR, 495/07.1GAILH, 202/06.6GAMIR e 12/10.6GAOBR (condução de veículo em estado de embriaguez) violação de imposições, proibições ou interdições (301/08.0GBCNT)».
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II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:
a) Apreciar a natureza e medida concreta da pena principal aplicada e da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor e se os autos reúnem os elementos suficientes para a sua fixação.

Apreciando:
O arguido foi condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do CP na pena de 5 (cinco) meses de prisão e na pena acessória de 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir veículos motorizados.
Através do presente recurso insurge-se o arguido contra a aplicação da pena de prisão efectiva de 5 meses, e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 18 meses.
O argumento que serve de fundamentação de que não cometeu o crime de forma livre e consciente não colhe, pois é uma história que não tem qualquer justificação legal, ao afirmar que conduziu apenas por uma amigo lhe ter faltado à palavra de que o levaria a casa.
Ora, se tinha ingerido bebidas alcoólicas não tinha que conduzir.
Depois, fazendo apelo á sua situação profissional, familiar e económica, pugna pela aplicação de uma pena de multa, ainda que substituída por dias de trabalho a favor da comunidade, aplicada ao recorrente, e a pena acessória de inibição de conduzir veículos ligeiros de passageiros, por um período não superior a 9 meses.
Para o tribunal de recurso poder aferir a justeza das penas (principal e acessória) é necessário que o tribunal a quo fixe os factos indispensáveis para a sua determinação, para depois aferir se foram ou não observados os critérios legalmente apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CPP.
Se não vejamos.
A sentença limita-se a dar como provada toda a matéria da acusação (factos 1 a 3), da qual constam apenas os elementos objectivos e subjectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Quanto aos antecedentes criminais, apenas fez constar (facto 4) que o arguido foi condenado por crimes de condução sem habilitação legal, desobediência, condução de veículo em estado de embriaguez e violação de imposições, proibições ou interdições, sem especificar as penas e circunstâncias de tais condenações.
O facto 4, dado como provado é do seguinte teor:
«O arguido já foi condenado no âmbito do Proc. 05/01 pela prática do crime de condução sem habilitação legal, no Proc. 219/05.8TACNT (desobediência) e no Proc. 258/04.6GBCNT, 50/05.0GBMIR, 495/07.1GAILH, 202/06.6GAMIR e 12/10.6GAOBR (condução de veículo em estado de embriaguez) violação de imposições, proibições ou interdições (301/08.0GBCNT)».
Os factos não provados comprovam que “nenhuns” dos factos constantes da acusação ficaram por provar.
Depois na fundamentação da matéria de facto, a senhora juíza fez constar:
«Para a formação da convicção do Tribunal no tocante aos factos praticados pelo arguido foi determinante a sua confissão integral e sem reservas conjugada com o auto de noticia, talão de registo de alcoolemia e CRC junto aos autos».
Ora, a sentença recorrida, é omissa quanto à matéria de facto necessária que deve servir de suporte à fundamentação, quanto à opção da natureza e determinação da medida concreta das penas aplicadas.
Após a confissão integral e sem reservas do arguido, impunha-se que a senhora juíza diligenciasse no sentido de apurar as circunstâncias respeitantes à personalidade, condição pessoal, social e económica do arguido e ainda procedesse devidamente ao apuramento dos seus antecedentes criminais, através da apreciação crítica do CRC, especificando as penas em que o arguido foi condenado e outros elementos relevantes e fizesse constar da sentença tal factualidade apurada.
E tal factualidade é indispensável para determinar as penas em cada caso concreto, pois a sua fixação dependerá da culpa e da gravidade dos factos, não perdendo o sentido de a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum podendo ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.
Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.
E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.
E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.
O julgador na aplicação da pena não deve agir de forma arbitrária, mas obedecer a critérios objectivos legais impostos, de que se deve servir obrigatoriamente, como medida de aferição de que serviu, para dessa forma fundamentar a opção na escolha e fixação da pena em concreto e proporcionar assim a sua percepção ao condenado, aceitando pu reagindo por dela discordar.
A matéria de facto fixada na sentença é insuficiente para se aplicar as penas e para em sede de recurso determinar se as mesmas são justas e adequadas ao caso concreto.
Como se depreende do próprio texto, a sentença recorrida sofre do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Prescreve o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos os vícios especificados nas al. a) a c), desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e designadamente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a).
Em qualquer das hipóteses consignadas no n.º 2, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª Edição, p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição, pp. 77 e segs.).
Ainda que não tenha sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, com base em erro de julgamento, por via da impugnação ampla, cabe-nos apreciar a decisão da matéria de facto, por via da revista alargada, com base na existência de vícios do art. 410.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, os quais são de conhecimento oficioso e concretamente o vício notoriamente perceptível, que consiste na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderão implicar alteração da decisão ou os factos dados como assentes, por insuficientes, não permitem a decisão proferida em concreto.
É nisto que se traduz, em palavras simples, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.410.º, n.º 2, al. a) do CPP.
Resulta do art. 339.º, n.º 4, do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.
Tendo o arguido confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados, implica a validade da confissão a renúncia à produção de prova relativa aos factos que lhe eram imputados e apenas quanto a estes, como se depreende do art. 344.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPP.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe assim se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.
Admite-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal “a quo” através dos meios de prova disponíveis, apreciados de forma crítica e segundos os princípios da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, seriam dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto, ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2.ª Ed., pág. 737 a 739.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.
Ora, uma vez dada como provada a matéria de facto constante da acusação, por via da confissão integral e sem reservas, o tribunal tinha o poder-dever de, oficiosamente, socorrer-se do disposto no art. 340.º, do CPP, para não só investigar os factos da acusação submetidos a julgamento e proceder autonomamente, às diligências que, numa perspectiva objectiva, fossem razoavelmente consideradas necessárias, de modo a ficar a habilitado a proferir uma decisão de condenação justa e não ficar numa atitude passiva e meramente dependente da iniciativa probatória dos sujeitos processuais.
E é prova essencial à boa decisão da causa, no caso de condenação e aplicação de pena, a relativa à sua personalidade, às suas condições pessoais do arguido e sua situação económica e aos antecedentes criminais, sendo um poder-dever do juiz apurar tal factualidade, como decorre dos art. 71.º, n.º 1, 2, al. d) e e) e 3, do CP e 368.º, n.º 2, al. e) e 369, do CPP.
Aliás, a este respeito, a lei prevê até a possibilidade de produção suplementar de prova, tendo em vista a determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, para o que, sendo necessário, poderá o tribunal eventualmente reabrir a audiência de julgamento, como dispõe o art. 371.º do CPP, sob a epígrafe “questão da determinação da sanção”.
Como decorre daqueles preceitos o juiz no desempenho do exercício funcional de julgador está sujeito a um exercício vinculado, sobre o qual recai a obrigação de fazer uso dos instrumentos ou critérios legais acima apontados no sentido de apurar aquela matéria de facto, indispensável à boa decisão da causa, para determinar a pena em concreto e assim poder fundamentar a medida da pena, que expressamente deve constar da sentença, como obriga o art. 71.º, n.º 3, do CP.
No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, 194 e seguintes).
Neste sentido é clara e elucidativa a seguinte jurisprudência: o Ac. do STJ, de 6/11/2003 - Proc. n.º 03P3370, http://www.dgsi.pt; Ac. do TRC de 5/11/2008 – Proc. 268/08.4GELSB.C1, in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. do TRC de 23/11/2013 – Proc. 18/09.8TAMMV.C1, in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. do TRE de 24/5/2016 – Proc. 415/14.7GCSLV.E1, in www.dgsi.pt/jtre e Ac. do TRP de 9/11/2016 – Proc. 1927/05.9TAVNG.P1, in www.dgsi.pt/jtrp.
Ora, da matéria de facto fixada na sentença recorrida, não constam apurados factos necessários à boa decisão da causa, respeitantes personalidade, às suas condições pessoais do arguido e sua situação económica e aos antecedentes criminais, factores que determinam e influenciam a natureza e medida concreta das penas (principal e acessória) e a que a senhora juíza estava vinculada.
A omissão na sentença recorrida de factualidade que o tribunal a quo podia e devia apurar, traduz-se na verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do art. 410.º, n.º 2, do CPP, o que determina o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à fixação da matéria de facto, respeitante à personalidade, às suas condições pessoais, situação económica e antecedentes criminais do arguido e consequente decisão como reflexo desses factores influenciadores na medida concreta das respectivas penas, principal e acessória.
Em face da verificação do vício apontado, ficam prejudicadas as restantes questões suscitas na motivação de recurso, quanto à natureza e medida das penas (principal e acessória).
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III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, embora por fundamentos diferentes, e, em consequência revogar a sentença recorrida e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.º do CPP, restrito ao apuramento e fixação da matéria de facto respeitante à personalidade, condições pessoais, situação económica e antecedentes criminais, estes com especificação do teor das condenações sofridas e consequente decisão como reflexo desses factores influenciadores, na medida concreta das respectivas penas, principal e acessória.
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Sem custas.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.
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Coimbra, 6 de Junho de 2018

Inácio Monteiro (Relator)

Alice Santos (Adjunta)