Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
22458/09.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECLARAÇÃO DE NULIDADE
Legislação Nacional: ART. 668º Nº1 AL. B) DO CPC
Sumário: É nula, por falta de fundamentos de facto, a sentença que, de entre a matéria de facto alegada, não especifica os factos dados como provados e não provados.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., SA, requereu no Balcão Nacional de Injunções um procedimento de injunção contra B... , SA, alegando o fornecimento de serviço telefónico à Requerida por contrato com ela celebrado em 12/08/2004, ao abrigo do qual foi emitido um determinado conjunto de facturas, as quais, todavia, não foram pagas no respectivo vencimento nem posteriormente, perfazendo € 7.704,55, somando os juros de mora vencidos até 26/01/2009 € 291,16.

Deduziu a Requerida oposição à injunção, defendendo-se essencialmente alegando que com a modificação do contrato celebrado com a Requerente, nos termos de uma proposta por esta efectuada e aceite pela Requerida em 16/02/2008, que todavia aquela nunca cumpriu, continuou a Requerente a emitir facturação de acordo com o anteriormente convencionado; que face à não liquidação desses valores a Requerente suspendeu a prestação do serviço em 29/07/2008, sem embargo de a Requerida ter feito alguns pagamentos por conta, de modo que os valores peticionados não reflectem esse facto. Termina assim com a improcedência da acção e absolvição do pedido.

Transmutado o procedimento em acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária, nos termos do DL 269/98 de 1/09, com a distribuição respectiva ao 5º Juízo Cível da Comarca de Leiria, e aperfeiçoado o requerimento inicial em petição, após convite em tal sentido, veio nesta a A. invocar o não pagamento das mesmas facturas objecto do requerimento injuntivo; mas reconhecendo agora ter sido celebrado com a Ré B... um acordo modificativo do contrato original, com efeitos a partir de Fevereiro de 2008, aduzindo ainda que tal acordo não produziu efeitos por virtude, além do mais, do não acatamento pela Ré da condição relativa à prévia liquidação das facturas anteriormente vencidas.

Remata com pedido essencialmente idêntico ao formulado no requerimento injuntivo.

Reiterou a Ré a oposição já apresentada, acrescentando que a factura de Fevereiro de 2008 foi paga com os pontos creditados, e que foi a A. quem não respeitou o acordo modificativo, terminando como anteriormente.

Realizada a audiência de julgamento em 6 de Dezembro de 2010, e aí produzidas as provas pertinentes, e tendo as partes tido oportunidade de alegar, veio a ser prolatada em 17/05/2011 a sentença na qual, feito o relatório e especificados os factos que o tribunal deu como provados, veio a acção a ser julgada procedente por provada, condenando-se a Ré a pagar à A. a quantia de € 8.043,71.

Inconformada, deste veredicto imterpôs recurso a Ré B..., recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Na 1ª instância foi proferida a decisão sobre a matéria de facto que a seguir vai integralmente transcrita:

“II. Com base na confissão da Ré, nos articulados (no segmento da não impugnação do conteúdo das facturas em causa nos autos, no que concerne aos serviços facturados, apenas tendo impugnado o facto concreto do não pagamento das mesmas) e com base ainda nos próprios documentos juntos a fls. o depoimento (escrito) da testemunha da Autora C... (funcionário administrativo da Autora, que nessa qualidade confirmou a solicitação dos serviços pela Ré e a concreta prestação/utilização dos serviços de telecomunicações pela mesma Ré) e com base ainda no conteúdo dos documentos de fls. 41 a 47, dos autos (facturas emitidas, em primeira e segunda via e ainda carta a notificar para o pagamento da quantia em mora sob cominação de suspensão dos serviços) e 60 a 63 8 cópia do contrato de prestação de serviços de telefone) e sendo certo que era à Ré que incumbia o ónus da prova do pagamento, o que não foi feito de todo em todo, face á falta d qualquer prova nesse sentido, considero provados os seguintes factos, com relevância para a questão:

1.No exercício da sua actividade, a Autora prestou à Ré, por solicitação desta, serviço telefónico público através do telefone nº 1021363104.

2. A ré não pagou á Autora as mensalidades de assinatura, bem como o serviço telefónico prestado através do referido posto, facturadas através das facturas nºs A35884510, com vencimento em 20 de Agosto de 2007 e a factura nº A363932490, com vencimento em 19 de Outubro de 2007, no valor global de € 116,59.

1.No exercício da sua actividade, a Autora prestou ao Réu o serviço telefónico público através do posto n.º 36-921214 .

3. Nos meses de Março e Abril de 1999, o Ré não pagou á Autora as mensalidades de assinatura, bem como o serviço telefónico prestado através do referido posto, facturadas através das facturas nºs 286208576, com vencimento em 20/04/99 e 286683818, com Tribunal Judicial de Leiria vencimento em 10/05/99, contendo ambas várias chamadas de valor acrescentado e no total de 286.021$00”.

                                                                                *

A apelação.

Nas conclusões com que fecha a respectiva alegação a apelante suscita a questão da nulidade da sentença assente na circunstância de os factos dados como provados nunca terem sido discutidos no processo e não terem qualquer correspondência com o litígio que o mesmo dá corpo, por força do que também o tratamento de direito é impertinente, o que integraria aquele vício nos termos das alíneas b), c) e d) do nº 1 do art.º 668 do CPC.

Não houve contra-alegação por banda da apelada A....

Apreciando.

Sem necessidade de especiais e profundas considerações, dir-se-á desde já que a apelante tem razão.

Na verdade, compulsando a matéria alegada pela A. e a que foi ínsita na contestação da Ré, é inexorável a conclusão que os factos que foram dados como provados na sentença são totalmente diversos dos que foram carreados para estes autos.

Assim:

A Autora menciona como estando vencidas e em dívida pela Ré seis facturas com os nºs 65307650 de 20/03/2008, 66084936 de 19/04/2008, 66873877 de 19/05/2008, 67678268 de19/06/2008, 68651355 de 19/07/2008 e 69606041 de 19/08/2008, conforme os documentos que junta de fls. 31 a 134, todas elas respeitantes a um conjunto de telefones começados por 916, 917 e 918 (art.º 5º da p.i).

Todavia, nenhum dos factos elencados na matéria provada se reporta a qualquer destes telefones ou facturas, visto que aí se alude a serviços públicos de telefone com os nºs 1021363104 e 36-921214 e às facturas A358 84510, A363932490, vencidas em 20/08/2007 e 19/102007, e 286208576 e 286683818, vencidas em 20/04/99 e 10/05/99.

Mais: na mesma fundamentação é referido que aquela matéria se baseou no depoimento escrito de C... que não existe nos autos, tal como são identificados documentos que se verifica não constarem do processo.

E se dúvidas restassem sobre a completa impropriedade dos factos elencados e da motivação indicada, elas dissipar-se-iam com o início da fundamentação de direito da decisão recorrida, no qual aparece afirmado que “o Réu não pagou as mensalidades referentes a Abril e Março de 1999 (…)”.

Ora no processo não há Réu mas Ré, e, quanto a esta, não está peticionada a condenação no pagamento de mensalidades de serviço telefónico de meses como os de Abril e Março de 1999, mas apenas de 2008 em diante.

Inquinada que está a decisão no tocante aos fundamentos de facto, evidentemente que prejudicada fica também a pertinência dos fundamentos de direito que sobre aqueles são trabalhados.

E, no caso vertente, não estamos diante do vício da oposição dos fundamentos em relação à decisão. Trata-se de uma verdadeira inexistência de fundamentos de facto, uma vez que nenhum dos factos da acção surge como provado ou não provado. Dito de outro modo, os destinatários da decisão não conseguem saber quais factos que o tribunal teve por provados para alcançar a condenação da Ré.

Ora esta situação configura indiscutivelmente a causa de nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do art.º 668 do CPC.

Há, por conseguinte, que declarar nula a sentença proferida, a fim de que, de entre a matéria de facto alegada, nela sejam plasmada decisão que especifique os factos dados como provados e não provados, sem prejuízo de o tribunal proceder à repetição do julgamento se lhe vier a afigurar-se-lhe que, atento tempo já decorrido, não é possível reconstituir a decisão de facto resultante da prova oportunamente produzida, pelo mesmo Sr. Juiz perante quem tal produção ocorreu.

Pelo exposto, na procedência da apelação, declaram nula a sentença por ausência de consignação dos factos provados e não provados (art.º 668, nº 1, alínea b), do CPC), devendo os autos baixar à 1ª instância para aí ser proferida nova sentença com esse conteúdo pelo mesmo Sr. Juiz que presidiu à audiência, sem prejuízo de, não sendo tal possível, ser repetida a audiência de julgamento.

Custas pela parte vencida a final.


Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins