Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1221/12.9TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
CO-AUTORIA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
FORMAS DE AUTORIA
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 21.º DO DL 15/93, DE 22-01; ARTIGO 358.º DO CPP; ARTIGO 26.º DO CP
Sumário: I - Não contende com o direito de defesa do arguido e, em consequência, não impõe a necessidade da comunicação prevista no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, a situação em que, permanecendo inalterada, na decisão final, a factualidade descrita na acusação ou na pronúncia, não se verifica modificação da qualificação jurídica no seu núcleo fundamental, ou seja, quando essa alteração se centra apenas na imputação de uma diferente forma de autoria.

II - Para que haja condomínio do facto característica da co-autoria não é necessário que cada agente pratique acções que constituam actos típicos de execução do crime, exigindo-se tão só que o contributo de cada um dos intervenientes, que pode situar-se fora do tipo legal de crime, tornem a execução do facto planeado dependente dessa contribuição.

III - Toma parte directa na execução do crime de tráfico de estupefacientes, sendo seu co-autor, o arguido que, estando em estado de reclusão, com o intuito de venda, convence outra pessoa a introduzir produtos estupefacientes no interior de Estabelecimento Prisional, vindo aquela a ser detida, aquando da revista que lhe foi efectuada, na posse de heroína e cannabis.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório
Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular 1221/12.8TACBR do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra, o arguido A... foi submetido a julgamento acusado da prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, sob a forma consumada, p. e p. pelo artigo 25° do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.1.
Realizada a audiência de julgamento, 22 de Abril de 2013 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, decide-se:
a) condenar o arguido A..., pela prática, como instigador, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão;
b) Condenar o arguido nas custas criminais do processo (art.º 513º do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (Tabela Anexa ao RCP)..

Inconformado, recorreu o arguido A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da, porém douta, sentença condenatória dos autos que condena o arguido em pena de prisão, imputando-lhe, a título de instigação, um crime de tráfico de estupefacientes.
2. Os pontos 2 a 4, 7, 8 e 9, foram incorrectamente julgados, o que, correctamente alterado de acordo com a prova produzida - e só com a prova produzida e examinada em audiência e não outra, nomeadamente fls 101 - implicaria a absolvição do arguido, que nada fez (mormente não determinou a B... a prática de um facto ilícito, não possuiu nem vendeu estupefaciente).
3. Mesmo que assim não se entenda, o tribunal contradiz-se na fundamentação: a instigação é, no plano sistemático, uma das formas possíveis de autoria previstas no artigo 26 do CP, mas esta última foi peremptoriamente - e bem - negada ao autor (quer quanto à autoria imediata quer na co-autoria, quer quanto a posse quer quanto a venda). Pelo que o arguido, atenta esta fundamentação, também deveria ter sido absolvido.
4. A não ser assim, uma condenação nestes termos - por instigação, sem respeito pelo artigo 358.º nº1 e 3 do CPP, faz de tal sentença uma sentença nula.
5. Por outro lado, o tribunal a quo analisou erradamente quer artigo 22 quer o artigo 23.
6. A sua consideração, só de per si, implicaria uma atenuação de pena, que assim foi claramente excessiva. Uma pena superior a culpa, portanto.
7. Foram violados os artigos 22°, 23°, 26°, 40°, 71° do CP e 358 p do CPP.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o superior suprimento de V/Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, alterados os factos, ser tal sentença revogada e substituída por outra decisão que absolva o arguido, ou, assim não se entendendo, que lhe atenue a medida de pena aplicada por referência a mera tentativa.
Só assim se fazendo a aguardada justiça.

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto concluindo o seguinte:
Deverá ser negado provimento ao recurso e mantida a douta decisão recorrida.
A sentença encontra-se devidamente fundamentada.
Mostra que foi feita uma rigorosa e precisa apreciação da prova.
Efectuou uma correcta subsunção jurídico-penal dos factos.
Não padece de qualquer vício, designadamente o previsto nos arts. 358º, nºs 1 e 3 e 379º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal.
A pena aplicada revela-se ajustada.
E não foram violadas quaisquer normas legais, nomeadamente, os arts. 127º, 358º, nºs. 1 e 2 e 379º, nº 1, al. b) do C.P.Penal , 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, 21 º, 22°, 23º, 26º, 70º, 71º e 72º, do Código Penal e 32º, nºs 1 e 5 da CRC.
Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, negando provimento ao presente recurso, farão JUSTIÇA

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, acompanhando a antecedente resposta.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
            II. Fundamentos da decisão recorrida
A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
Factos provados:
1) O arguido, na data dos factos, encontrava-se em cumprimento de pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Coimbra e B... em liberdade.
2) Em data não apurada, o arguido convenceu a B..., que acedeu, a introduzir produtos estupefacientes no interior do EPC, entregando-os ao arguido, que os venderia no EPC e daria uma parte não determinada dos lucros dessa venda à B....
3) Na concretização desse plano, o arguido deu indicações via telefone a B... sobre o local e pessoa que lhe entregariam o produto e quanto à forma como deveria proceder para introduzir o produto no interior daquele EP.
4) Assim, no dia 22/1/2011, a B..., acompanhada do filho menor, dirigiu-se ao EPC sito na R da Infantaria n.º 23, em Coimbra, na posse de 94,128 g de cannabis e de 10,392 g de heroína, que introduzira na vagina e que e destinavam a ser entregues ao arguido para posterior venda no interior do EPC.
5) A B... foi detida nas instalações do EPC na posse de tais substâncias.
6) B... foi condenada, por tais factos, por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo comum 12/11.9PECBR, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
7) Aquelas substâncias destinavam-se a ser vendidas no interior do EPC pelo arguido.
8) O arguido sabia que não tinha autorização para receber deter e consumir e ceder as mesmos e conhecia as características daqueles produtos.
9) O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10) O arguido está desempregado.
Vive com a companheira, em casa desta, sendo auxiliado economicamente pela família.
Tem uma filha com 13 anos de idade, que vive com a mãe.
Está inscrito no Centro de Emprego.
A companheira recebe o RSI.
11) O arguido foi condenado:
a - por acórdão datado de 20/2/96, pela prática, de um crime de roubo, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por 20 meses.
A pena foi julgada extinta, pelo cumprimento.
b - por acórdão datado de 11/7/2000, pela prática, em 21/1/2000, de um crime de roubo, na pena de 12 meses de prisão efectiva.
A pena foi julgada extinta, pelo cumprimento.
c - por sentença datada de 7/11/2000, pela prática, em 3/10/997, de um crime de furto, na pena de 1 ano de prisão, que foi perdoado na totalidade.
d - por sentença datada de 13/12/2001, pela prática, em 27/3/99, de um crime de roubo, na pena de 14 meses de prisão efectiva.
e - por sentença datada de 17/12/2001, pela prática, em 13/09/997, de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão.
f - por acórdão datado de 17/12/2001, pela prática, em 5/02/2000, de um crime de roubo e em cúmulo jurídico com a pena referida em d), na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva.
h - por acórdão transitado em julgado em 29/1/2002, pela prática, em 1/2/996, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 6 meses de prisão.
i - por sentença datada de 2/01/2000, transitada em julgado em 18/2/2002, pela prática de dois crimes de roubo na forma tentada, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.
j - por acórdão transitado em julgado em 4/2/2002, pela prática, em 21/10/1999, de dois crimes de roubo na pena única de 18 meses de prisão efectiva.
k - por acórdão transitado em julgado em 4/4/2002, pela prática, em 18/10/997, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 18 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico com a pena referida em e), foi condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão.
l - por acórdão transitado em julgado em 30/4/2002, pela prática, em 18/10/997, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 18 meses de prisão.
m - por acórdão transitado em julgado em 14/10/2002, pela prática, em 31/8/996, de um crime de dano com violência e de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico entre a pena referida em m) e as referidas em j, b, l, e outro, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva.
n - por acórdão transitado em julgado em 12/11/2002, pela prática, de um crime p. e p. pelo art.º 256 n.º 1 al. a) e n.º 3 do CP e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 14 meses de prisão efectiva.
o - por acórdão transitado em julgado em 28/4/2003, pela prática, em 7/11/999, de um crime de roubo, e em cúmulo jurídico com penas aplicadas noutros processos, na pena única de 8 anos de prisão.
p - por acórdão transitado em julgado em 18/6/2003, pela prática, em 21/4/2001l, de um crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico com penas aplicadas noutros processos, e por sentença transitada em julgado em 30/10/2007, foi condenado na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão.
A pena foi julgada extinta pelo cumprimento.
q - por sentença transitada em julgado em 9/12/2005, pela prática, em 29/10/2004, de um crime de evasão, na pena de 5 meses de prisão.
A pena foi declarada extinta pelo cumprimento.
r - por acórdão transitado em julgado em 30/10/2006, pela prática, em 14/10/2003, de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
s - por acórdão transitado em julgado em 14/1/2008, pela prática, em 9/2/2004, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão.
t - por acórdão transitado em julgado em 10/09/2008, pela prática, em 29/10/2004, de um crime de furto, de um crime de condução sem carta, de um crime de condução perigosa e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
u - por acórdão transitado em julgado em 15/06/2009, pela prática, em 19/3/2008, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos de prisão.

Factos não provados
Nenhum facto ficou por provar.

Motivação:
Tendo o arguido negado a autoria dos factos de que vinha acusado, a convicção do Tribunal formou-se com base na conjugação de diversos elementos probatórios, à luz das regras da experiência e do normal acontecer, nos termos que infra serão expostos.
Assim, desde logo valorou o Tribunal o depoimento da testemunha B..., que reconheceu ter praticado os factos descritos na acusação e que prestou um depoimento credível e isento, tendo explicado as circunstâncias em que travou conhecimento com o arguido e em que se decidiu a transportar produtos estupefacientes para o interior do EPC.
Valorado foram ainda os depoimentos das testemunhas C...e D..., guardas prisionais, que contaram de modo credível e isento as circunstâncias em que a B... foi detida, tendo garantido que era o arguido que ela ia visitar.
Na formação da sua convicção, o Tribunal ponderou ainda o teor da sentença de fls. 46 a 56 e o teor de fls 101.
Determinantes foram também as regras da experiência e do normal acontecer, já que não se compreende que a B... tivesse tentado introduzir no EPC produtos estupefacientes para entregar ao recluso que ia visitar – o arguido - se este não os quisesse receber e se não tivessem combinado essa entrega previamente, como por ela é afirmado.
Conjugando pois todos estes elementos probatórios, o Tribunal não teve dúvidas em concluir, através de um raciocínio dedutivo ou indutivo, acima de qualquer dúvida à qual possam ser dadas razões, no sentido dado como provado.
Que os produtos estupefacientes se destinavam à venda resultou do depoimento da B..., prestado nesse sentido e do próprio depoimento do arguido, que contou que na data dos factos não consumia estupefacientes e que frequentava um programa de desintoxicação, tomando um medicamento que o impedia de o fazer, pois se o fizesse podia morrer.
Assim se afastou qualquer credibilidade que se pudesse reconhecer à versão dos factos carreada pelo arguido.
Quanto às circunstâncias pessoais do arguido, valorou-se o teor das declarações por ele prestadas e, ainda, o depoimento da testemunha Cláudia Soares, que é companheira do arguido.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, foi considerado o certificado do registo criminal junto aos autos.
Quanto aos factos não provados, a verdade é que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos descritos como provados.
***
            III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).
Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso. E vistas essas conclusões as questões a apreciar são as seguintes:
- Se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de cumprimento do disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal ao condenar o arguido como instigador quando este se encontrava acusado como co-autor;
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser alterada no sentido pugnado pelo recorrente com a sua consequente absolvição;
- Se a factualidade provada integra a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes na forma de co-autoria, de instigação, de tentativa ou não é susceptível de integrar a prática de crime por parte do recorrente;
Se o arguido deve beneficiar de atenuação especial da pena.

Apreciando:
Da alegada nulidade da sentença:
O recorrente alega que, tendo sido condenado como instigador quando se encontrava acusado como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, sem cumprimento do disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, a sentença é nula.
Sendo certo que estamos perante duas formas de autoria, a questão que se coloca é se a alteração de qualificação jurídica quanto à forma de participação no crime, exclusivamente dentro do conceito de autoria definido no artigo 26º do Código Penal, constitui uma alteração da qualificação jurídica dos factos que deva relevar para os efeitos consignados no artigo 358º do Código de Processo Penal.
De facto o artigo 26º do Código Penal contempla as seguintes formas de autoria:
1º de quem executa o facto por si mesmo (autoria imediata);
2º de quem executa o facto por intermédio de outrem (autoria mediata);
3º de quem toma parte directa na execução do facto por acordo ou conjuntamente com outros (co-autoria);
4º de quem dolosamente determina outra pessoa à prática do facto desde que haja execução ou começo de execução (instigação).
Caberá esclarecer que os factos que o tribunal a quo consignou como provados não contêm qualquer alteração em relação aos que constavam da acusação.
Como é sabido a acusação deduzida define e fixa o objecto do processo não podendo o tribunal, em regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando a sua actividade, quer a cognitiva, quer a decisória, limitada; vinculada tematicamente à acusação. A observância da limitação temática produzida pela acusação que se estende à qualificação jurídica, salvas as excepções consignadas legalmente, constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido.
Como se refere no acórdão desta Relação de 14.9.2011, proferido no processo 150/10.5GCVIS.C1, relatado pelo Desembargador Paulo Guerra, publicado em www.dgsi.pt, “Compreende-se que, se ao tribunal fosse permitido modificar o objecto do processo e conhecer para além dele, o arguido poderia ser confrontado com novos factos e novas incriminações que não tomara em conta aquando da preparação da sua defesa, não sendo de exigir ao arguido – que se presume inocente – que antecipe e preveja todas as imputações possíveis, independentemente da concreta acusação que contra si foi deduzida.
Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal. "
Preceitua o artigo 358º do Código de Processo Penal relativamente à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia:
1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
O artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, por seu turno, comina de nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Do nº 1 do artigo 358º deve-se extrair que em cada caso concreto se deve equacionar se a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, ou se, pelo contrário, não tem impacto negativo na estratégia de defesa, posto que nele se refere que a comunicação apenas terá lugar se relevar para a decisão da causa.
Como de forma lapidar se refere no Acórdão da Relação do Porto de 12/1/2011, proferido no processo 208/07.8TACDR.P1, publicado em www.dgsi.pt, também citado no acórdão desta Relação acima referido, "há uma razão lógica e substantiva para o legislador impor a comunicação da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e a alteração da qualificação jurídica dos mesmos: está em causa, fundamentalmente, assegurar elementares direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava. A própria Lei ressalva que a comunicação só tem lugar se a alteração tiver “relevo para a decisão da causa” e se não tiver “derivado de factos alegados pela defesa” [n.º 1 e 2 do citado art.]. Compreende-se: tanto num caso como no outro, a alteração (dos factos ou da sua qualificação jurídica) não tem uma repercussão negativa na estratégia de defesa do arguido”.
Assim, a jurisprudência e também a doutrina têm-se sedimentado no sentido de que a comunicação do artigo 358º, nº 3 do Código de Processo Penal, apenas deverá ser efectuada quando estivar em causa uma modificação relevante, o que ocorre quando essa modificação consista em divergência do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia que possa ter impacto na estratégia de defesa porque não persiste a mesma factualidade objectiva e/ou subjectiva (existe quebra de homogeneidade) o que não ocorre nos casos de homogeneidade descendente, na expressão do acórdão desta Relação citado, em que a acusação se vê amputada de circunstâncias agravativas da conduta do arguido, que permitem uma mais benevolente qualificação jurídica dos factos, em virtude destes passarem a integrar um tipo de crime menos grave.
Nestas situações, não são beliscadas as garantias de defesa do arguido, na vertente do princípio do contraditório, porquanto não existe uma divergência da qualificação jurídica que constitua surpresa. Com efeito, o núcleo essencial do tipo base persiste "havendo antes um deslizamento da qualificação jurídica para um tipo legal de crime “inferior”, tendo sempre a sua defesa abrangido o centro irredutível da qualificação jurídica que identifica o tipo base" na expressão do acórdão desta Relação que se vem citando.
Mas também a jurisprudência tem apontado como não susceptível de beliscar o direito de defesa e, por consequência, não integrante da necessidade de comunicação,
a situação em que se mantém homogénea a factualidade e inalterada a qualificação jurídica no seu núcleo essencial, como ocorre quando a modificação, exclusivamente ao nível da qualificação jurídica, sem impacto factual, se centra na imputação de uma diferente forma de autoria. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 9.11.2005, CJ, T. III, p. 205.

Nesses casos, como o dos autos, não se pode vislumbrar nenhuma situação de indefesa, por outras palavras, que a comunicação tivesse a virtualidade de alargar o leque de questões a abordar pela defesa.
Em face do exposto entende-se que a comunicação prevista no artigo 358º, nº1 e 3 do Código de Processo Penal não era necessária, não padecendo a sentença da nulidade cominada no artigo 379º, nº 1, alínea b) do mesmo diploma.

Da impugnação da matéria de facto
Impugna o recorrente a matéria de facto constante dos pontos 2 a 4, 7, 8 e 9 dos factos provados da sentença recorrida entendendo que deviam ser considerados como não provados.
Para tanto alega que o documento de fls. 101 – informação do estabelecimento prisional no sentido de que B... portadora do produto estupefaciente ia visitar o arguido – é prova não produzida e examinada em audiência, mais referindo, apenas na motivação que não se encontrava oferecida aquando da acusação e que os depoimentos prestados não permitem formar a convicção alcançada, em violação do disposto no artigo 355º do Código de Processo Penal.
Confrontado o teor da prova produzida, constatamos que a testemunha B... (condenada em processo autónomo por crime de tráfico de estupefacientes em razão da situação descrita nos autos) foi clara no sentido de que o arguido lhe propôs levar produto estupefaciente para o estabelecimento prisional em que se encontrava preso e que foi ele que lhe indicou a pessoa a quem se devia dirigir para receber o estupefaciente, tendo sido nessas condições que o levou para o estabelecimento para o entregar ao arguido, sendo ele a pessoa que ia visitar.
Esclareceu nesse aspecto, em conformidade com o que declarou o arguido, que o conheceu através de um chat, que apenas tinham conversado pelo telefone não se conhecendo presencialmente. Mais esclareceu que acedeu à proposta do arguido porque estava desesperada por se encontrar desempregada, sem fonte de rendimentos e que receberia compensação. É certo que não especificou que valor receberia, mencionando que estava dependente do que o arguido conseguisse vender, mas que seria quantia elevada.
Não vislumbramos razão para descredibilizar tal depoimento, não só pela circunstância de não conseguirmos alcançar que motivo levaria a testemunha a imputar falsamente a encomenda de estupefaciente ao arguido quando é certo que o transportou até ao estabelecimento prisional e que a pessoa que nesse dia visitaria era o arguido.
E em relação ao facto de B... ir visitar o arguido foram esclarecedores os depoimentos das testemunhas C... e D...., guardas prisionais, que relataram as circunstâncias em que B... foi revistada e encontrada na posse de estupefacientes com a subsequente detenção, tendo também referido era o arguido que ela ia visitar.
Propositadamente se relegou para final a questão suscitada relativamente ao documento de fls. 101 posto que a prova oral já permitia que se concluísse sem reservas que a arguida na ocasião em causa ia visitar o arguido.
O invocado artigo 355º preceitua sob a epígrafe “Proibição de valoração de provas” que «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».
Contudo, o seu nº 2 preceitua que «ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida nos termos dos artigos seguintes», estipulando o artigo 356º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal a permissão da «leitura em audiência de autos … de instrução ou de inquérito que não contenham declarações de arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas» ou seja, de acordo com o acima exposto, que não consistam em meios de prova oral.
Da conjugação destas normas resulta que é permitida, mas não obrigatória, a leitura de documentos ou de prova pericial junta aos autos e que, independentemente dessa leitura, tais provas têm valor em julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal. Esta tem sido, aliás, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre outros o Acórdão proferido no processo 03P23606 de 19.3.2003 publicado em www.dgsi.pt/jstj).
E bem se compreende que seja essa a interpretação efectuada porque, tratando-se de prova documental constante do processo em momento anterior à audiência (sendo certo que no caso o questionado documento foi junto antes de deduzida acusação) e a que os sujeitos processuais têm acesso, nada obsta a que sobre eles seja exercido o contraditório antes ou no decurso do julgamento. A disposição terá o seu campo de aplicação em relação a prova junta aos autos após o encerramento da audiência e que, portanto, não foi sujeita ao contraditório ou a autos cuja leitura não seja permitida em audiência.
Não tem, pois, qualquer sentido afirmar que a falta de exame do conteúdo de documento em audiência viola o disposto no artigo 355º e o princípio do contraditório que lhe subjaz quando desde o início do processo e especialmente depois de deduzida a acusação as partes e mormente o arguido, tiveram oportunidade de se inteirar do seu conteúdo e de organizar a sua defesa em função desse conhecimento, como não estiverem inibidas de suscitar em audiência de julgamento o confronto do conteúdo probatório em questão e de o contraditar através de outros meios de prova.
Em suma nada obstava a que o documento questionado fosse valorado como meio de prova como foi.
Realce-se ainda que os conteúdos probatórios analisados permitem as inferências que o tribunal recorrido extraiu posto que não encontram outra explicação segundo as regras da experiência. Referimo-nos obviamente ao facto de ter sido o arguido a contactar com a pessoa que entregou o estupefaciente a B... que esta referiu mas não presenciou, perfeitamente possível pelo telefone, ou ao destino que o arguido pretendia dar ao produto estupefaciente que é objecto de consequente justificação na sentença recorrida.
Ora o erro de julgamento, a que se refere o artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, fundamento de recurso que o recorrente convoca, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
 Melhor explicitando, sempre que o caminho trilhado pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, se mostre perfeitamente explicado, de forma lógica e objectivável e corresponda aos conteúdos probatórios invocados, deve prevalecer. Como constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”. Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.
Em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação alargada da matéria de facto por banda do recorrente porque os meios de prova analisados na 1ª e nesta instância suportam e impõem a convicção alcançada.
Nestes termos, a alteração da factualidade assente na 1ª instância só poderia ocorrer pela verificação de algum dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: (a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e (c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma, não alegados, mas do conhecimento oficioso.
Está, porém, a decisão recorrida isenta desses vícios.
Em conclusão, o teor da prova produzida consente a convicção que o Tribunal recorrido formulou e fundamentou, não se reconhecendo qualquer violação de princípios probatórios quer confrontando o teor da prova produzida, quer exclusivamente a motivação expressa, sendo de manter a decisão de facto proferida.

Da qualificação jurídica dos factos
Alega o arguido que existe contradição na fundamentação de direito da sentença recorrida e que, tendo-se negado a autoria da posse e da venda, o arguido teria de ser absolvido do crime, se bem entendemos o alegado.
Afinal o que se deduz é que o recorrente pretende discutir a qualificação jurídica efectuada quanto à forma de autoria e invocando o disposto nos artigos 22º e 23º do Código Penal para justificar pretendida atenuação especial da pena quererá que a sua provada conduta integre, não procedendo a pretensão de absolvição, a prática do crime imputado, mas na forma tentada.
O Tribunal a quo no sentido de integrar a conduta do arguido na forma de autoria- instigação produziu as seguintes considerações:
"Ora, os factos provados não nos permitem imputar claramente ao arguido o crime de que vem acusado na forma de autoria imediata, já que o arguido não cultivou, produziu, fabricou, exportou, preparou, ofereceu, pôs à venda, vendeu, distribuiu, comprou, cedeu ou por qualquer título recebeu, proporcionou a outrem, transportou, importou, exportou, fez transitar ou ilicitamente deteve produtos estupefacientes.
Por outro lado, segundo se entende, o arguido não pode ser considerado co-autor do crime praticado pela B..., pois para que haja co-autoria é necessário que exista, para além de uma decisão conjunta, uma execução conjunta e o arguido, na verdade, não praticou qualquer acto de execução do crime de tráfico de estupefacientes que planeou cometer.
Efectivamente, como ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, para existir co-autoria tem de existir uma decisão conjunta e uma medida de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica. Ou seja, a co-autoria pressupõe que actos de execução de todos os co-autor e que esses actos sejam momentos essenciais da execução do plano comum.
Ora, no caso dos autos apenas a B... praticou actos de execução do plano delineado, sendo certo que o acto de execução por ela praticado constitui já em si um crime autónomo de tráfico de estupefacientes, pelo qual ela foi, de resto, condenada.
Surge então a questão: E a conduta do arguido, que combinou com a B... o transporte da droga para o interior do EP e diligenciar para que a droga lhe fosse entregue para o efeito mas não chegou a cumprir a sua parte no plano, que era receber os produtos estupefacientes da B... de vendê-los no interior do EPC?
Não lhe podemos imputar, segundo se entende, qualquer acto de execução do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º da Lei da Droga. Isto porque a descrita conduta do arguido não preenche um elemento constitutivo do tipo de crime convocado nem é uma conduta idónea a produzir o resultado típico, pelo que estão afastadas as possibilidades de subsunção da conduta às al. a) e b) do n.º 2 do art.º 22º do CP. Por outro lado, a “encomenda” de droga não acarreta nenhuma conexão de perigo típico para o bem jurídico protegido pelo crime p. e p. pelo art.º 21º do diploma convocado, pelo que afastada fica também a al. c) do art.º 22º do CP: entre a “encomenda” da droga e a conduta proibida não existe uma relação de iminente implicação, ou seja, a encomenda não antecede temporal e logicamente os actos que preenchem o tipo de crime. A encomenda do crime é, outrossim, um mero acto preparatório do crime, que não é punível.
Pergunta-se então se, havendo decisão conjunta e a prática de atos de execução por parte de um co-autor (no caso a B...), o outro co-autor (no caso o arguido) deve ser punido, mesmo não tendo praticado nenhum ato.
Julga-se que não, pois só há condomínio do facto quando o co-autor exteriorize um comportamento, o que só se pode afirmar quando cada co-autor pratica actos de execução nos termos do art.º 22º do CP. É, de resto, a posição mais consentânea com o disposto no art.º 26º do CP (neste sentido, cfr Figueiredo Dias, op. cit.).
Afastada a possibilidade de qualificar a conduta do arguido como de co-autoria, tal não significa contudo que a mesma não é punida.
Efectivamente, se não é co-autor do crime, o arguido é já claramente instigador: ao contratar com a B... o transporte de produtos estupefacientes para dentro do EPC, onde o arguido os venderia e dando-lhe, como contrapartida, parte do lucro, o arguido determinou a B... a praticar o crime pelo qual ela veio a ser punida.
Acresce que o arguido representou e criou a decisão na B... de praticar o facto e representou e quis o facto concreto e representou os concretos elementos e circunstâncias do ilícito típico respectivo, estando por isso reunidos todos os pressupostos da punição da instigação.
Cometeu por conseguinte o arguido, como instigador, um crime p. e p. pelo art.º 25º al. a) do DL nº 15/93."
Mas será que, como se afirma na decisão recorrida, a conduta do arguido não integra o conceito de co-autoria?
A factualidade provada relevante para o caso é a seguinte:
Em data não apurada, o arguido convenceu a B..., que acedeu, a introduzir produtos estupefacientes no interior do EPC, entregando-os ao arguido, que os venderia no EPC e daria uma parte não determinada dos lucros dessa venda à B....
3) Na concretização desse plano, o arguido deu indicações via telefone a B... sobre o local e pessoa que lhe entregariam o produto e quanto à forma como deveria proceder para introduzir o produto no interior daquele EP.
4) Assim, no dia 22/1/2011, a B..., acompanhada do filho menor, dirigiu-se ao EPC sito na R da Infantaria n.º 23, em Coimbra, na posse de 94,128 g de cannabis e de 10,392 g de heroína, que introduzira na vagina e que e destinavam a ser entregues ao arguido para posterior venda no interior do EPC.
Colhendo os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, na obra também citada na decisão recorrida, verificamos que a figura da co-autoria exige uma decisão conjunta de praticar o crime e a contribuição de cada co-autor para a realização típica expressa na terminologia legal "tomar parte directa na execução" (artigo 26º do Código Penal).
E o que significa tomar parte directa na execução? Segundo se extrai do que expõe o citado professor na co-autoria a actuação de cada co-autor no papel que lhe é destinado apresenta-se como momento essencial da execução do plano comum, constitui a realização da tarefa que lhe cabe na divisão de trabalho que representa a essência desta forma de autoria.
E prossegue o mesmo autor na determinação dos pressupostos necessários para que se possa afirmar que alguém tomou parte directa na execução conjunta e exerceu, por isso, o condomínio do facto característico da co-autoria. Ao contrário do que parece ser afirmado na decisão recorrida para que haja condomínio do facto “participação directa na execução” não é necessário que cada comparticipante pratique actos que constituam actos típicos de execução do crime, mas antes que o contributo de cada comparticipante que pode situar-se fora do tipo legal de crime, tornem a execução do facto planeado dependente dessa contribuição. Nesse sentido é apresentada a situação clássica do comparticipante que num assalto aguarda no veículo automóvel para permitir as fuga e não pratica qualquer acto integrante do tipo de crime.
Realça Figueiredo Dias que o importante é que a contribuição possa ser vista como exercício do domínio o facto e por conseguinte como parte do preenchimento do tipo.
Ora, a factualidade transcrita integrante do crime de tráfico de estupefacientes é a detenção e transporte por parte de B... de produto estupefaciente. Mas verificamos que a sua actuação foi determinada no âmbito de um plano acordado com o arguido e foi este que deu indicações via telefone sobre o local e pessoa que lhe entregariam o produto e quanto à forma como deveria proceder para introduzir o produto no interior daquele EP. Ou seja, foi o arguido que encomendou o produto estupefaciente e sem esse contributo nunca essa detenção e transporte teria ocorrido.
Não vislumbramos, pois, como possa negar-se, à luz dos referidos ensinamentos, que o arguido tenha tomado parte directa na execução do crime e que seja seu co-autor, tal como, corretamente, constava da acusação.
Aliás, como também se pode colher nos ensinamentos de Figueiredo Dias, a instigação caracteriza-se pela existência de domínio da decisão por parte do instigador, mas distingue-se das situações de co-autoria pela inexistência de domínio do facto, sendo o instigado quem exclusivamente decide em que circunstâncias concretas comete o crime.
Logo por esta distinção se verifica que a situação em causa nunca poderia quadrar na figura de instigação quando foi o arguido que decidiu e determinou as circunstâncias concretas de execução da detenção e transporte do estupefaciente para o estabelecimento prisional.
E se a participação do arguido no crime cometido integra o conceito de co-autoria e a actuação conjunta empreendida, embora não correspondendo ao desígnio final do arguido, já integra mesmo sem ele, a prática de crime de tráfico de estupefacientes, arredada se encontra a possibilidade de integrar a sua conduta na forma de tentativa prevista no artigo 22º do Código Penal.
Igualmente afastada se encontra a possibilidade de concluir pela inexistência de crime e consequente absolvição.

Da Pena
Pretendia o recorrente beneficiar de atenuação especial da pena nos termos dos artigos 22º e 23º do Código Penal, pretensão que tinha como pressuposto que o crime imputado tinha sido cometido na forma tentada.
Dado que se encontra afastada a possibilidade de que a sua conduta integre a prática do crime imputado na forma tentada, apenas cabe referir que não pode o arguido beneficiar da atenuação especial da pena com fundamento no disposto no artigo 23º do Código Penal exclusivamente aplicável ao crime tentado.
Em consequência do exposto, não merece provimento o recurso interposto em nenhuma das suas vertentes, importando, no entanto, alterar a decisão recorrida na parte em que considerou a participação do arguido como integrante de instigação, pois que o crime imputado foi cometido pelo arguido na forma de co-autoria, tal como constava da acusação.
Refira-se ainda que, não obstante extravasar o objecto do recurso, não está este Tribunal impedido de proceder a rectificação da qualificação jurídica dos factos posto que em matéria de direito não pode o tribunal de recurso dispensar-se de reexaminar a correcção da subsunção jurídica (ver neste sentido Recursos em Processo Penal de Simas Santos e Leal-Henriques, 7ª ed., pág. 89-90 e Acórdão do STJ aí citado, proferido em 19.10.2000, no processo 2803/00-5).
***
IV. Decisão
Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e alterar a decisão recorrida no que respeita à forma de autoria que se encontra imputada (instigação) declarando que o arguido cometeu o crime por que foi condenado na forma de co-autoria, mantendo no mais a sentença recorrida.
Pelo seu decaimento em recurso vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em quatro UC.
***
Coimbra, 30 de Outubro de 2013

 (Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)
 (José Eduardo Fernandes Martins)