Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
226/12.4TBALD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
TERMO INICIAL
Data do Acordão: 05/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - ALMEIDA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.829-A CC
Sumário:
1 – O termo inicial da sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância, se esse segmento decisório não foi objeto do recurso oportunamente interposto, nem modificado/alterado em sede do acórdão proferido pelo tribunal superior.
2 – Assim, ficaram salvaguardados e fixados, em definitivo, os efeitos da decisão de 1ª instância na parte não recorrida, mormente que o termo inicial (a quo) da eficácia da sanção pecuniária compulsória era na data de notificação da sentença de condenação de 1ª instância, contando-se, a partir dessa notificação, o prazo dos 10 dias em causa.
3– Consequentemente, atenta a autoridade do caso julgado ocorrida quanto à fixação do termo inicial (a quo) da eficácia da sanção pecuniária compulsória, a saber, na data de notificação da sentença de condenação de 1ª instância, não pode ser perfilhado ou considerado nos autos diverso entendimento, designadamente o de que só a partir da notificação do acórdão proferido pelo tribunal de recurso às partes era possível contabilizar o termo inicial (a quo) da eficácia dessa sanção pecuniária compulsória.
Decisão Texto Integral:
Proc. nº226/12.4TBALD-A.C1 Tribunal de origem: Juízo de Competência Genérica de Almeida - do T. J. da Comarca da Guarda
Apelações em processo comum e especial (2013)
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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
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1 – RELATÓRIO
Na ação declarativa de condenação sob a forma de processo sumário que AM (…) e marido, AA (…) propuseram contra H (…) e mulher, M (…) e J (…), foi, a final, com data de 2017.01.31, proferida decisão, para o que ora releva, no sentido da condenação dos RR. no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante global de € 50,00 diários por cada dia de atraso, após o prazo concedido de 10 dias, para procederem à remoção da vedação [cf. “(…) tudo num prazo máximo de 10 dias a contar da notificação da presente sentença”], sentença essa que tendo sido objeto de recurso interposto pelos RR. (o qual não teve por objecto nem a justificação e opção pela condenação em sanção pecuniária compulsória, nem os termos propriamente ditos desta), veio a ser confirmada, no que ora releva, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 2017.07.12, o qual tendo sido notificado às partes em 2017.09.01, transitou então em julgado, por não ter sido mais objeto de qualquer recurso.
A vedação em causa veio a ser retirada pelos RR. no dia 12 de Setembro de 2017 (segundo os AA.) ou entre os dias 9 e 10 de Setembro de 2017 (segundo os RR.).
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Na sequência processual, vieram os AA., a fls. 447, informar que notificaram os RR. para procederem ao pagamento da sanção pecuniária compulsória de € 50,00 por cada dia de atraso na remoção da vedação, tal como previsto na sentença condenatória que lhes foi notificada no dia 01-02-2017 e a vedação apenas foi retirada em 12-09-2017, face ao que, “requer-se a V. Exª se digne ordenar o que houver por conveniente”.
Exercendo o seu direito ao contraditório os RR. pugnaram que a decisão apenas transitou em julgado, uma vez que houve recurso, no dia 01-09-2017, tendo procedido à retirada da vedação no dia 9 e 10 de Setembro, nada devendo, assim, aos AA., já que a sentença previa um prazo de 10 dias para o fazerem.
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A decisão da Exma. Juíza de 1ª instância sobre esta questão foi do seguinte teor literal:
«(…)
Cumpre apreciar.
Por sentença datada de 31 de Janeiro de 2017 e notificada às partes no dia 01 de Fevereiro de 2017, foram os Réus, além do mais, condenados no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante global de € 50,00 diários por cada dia de atraso, após o prazo concedido de 10 dias, para procederem à remoção da vedação.
Posteriormente, os Réus interpuseram recurso, vindo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmar a decisão proferida pelo tribunal 8 quo, no que ao caso concreto importa.
Ora, assim, a decisão só se tornou definitiva, id est, transitou em julgado depois de ter sido proferido o acórdão em causa, pelo que, só a partir da notificação do mesmo às partes é possível contabilizar o prazo em ordem a determinar se alguma quantia é devida em sede de sanção pecuniária compulsória.
Compulsados os autos verificamos que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi notificado às partes no dia 1 de Setembro de 2017 e a vedação foi retirada nos dias 9 e 10 do mesmo mês, pelo que nada é devido e deve ser peticionado em sede de sanção pecuniária compulsória (vide, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-11-2016, processo n.º 38/06.4GDCBR-C.Cl (MANUEL CAPELO), in www.dgsi.pt.
Aliás, o que é reforçado pelo próprio texto ínsito no n.º 4 do artigo 829.º A do Código Civil, segundo o qual quando se trata do pagamento de um valor pecuniário, o mesmo é devido desde o trânsito em julgado da sentença.
Pelo exposto não assiste razão aos Autores.
Sem custas.
Notifique.»
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Inconformados, apresentaram os AA. recurso de apelação, que finalizaram com as seguintes conclusões:
«1. Nos termos do nº 1 do artº 613 do C.P.C. “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”
2. Assim, e porque também os fundamentos se encontram em oposição com a decisão a presente deverá ser declarada ilegal e como tal nula nos termos das alíneas c) e d) do art° 615 C.P.C, declaração que se pede;
3. Também, tratando-se a fixação do prazo inicial de sanção pecuniária compulsória de um prazo substantivo que não adjectivo, deverá ter-se como regra de contagem de tal prazo inicial o insito no Art° 279° do C.C e a data de inicio fixada em sentença sendo pois irrelevante para tal fixação a data de trânsito em julgado;
4. Sendo que a sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso ordenamento pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, constando o seu preâmbulo: "A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis e que no n.º 1 do art.º 829.º-A, o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal - obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem, que é o caso dos Autos.
5. Por isso que nos termos do nº 1 do Art° 829-A do C.C o termo inicial da sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância,
6. Acresce que tendo sido fixado efeito devolutivo ao recurso, que confirmou nesta parte a sentença, nenhuma razão existe para fazer depender o prazo inicial de aplicação da sanção pecuniária, para após trânsito;
Assim, por tudo o supra exposto, deverá a presente decisão ser declarada nula e revogada ou, assim se não entendendo, ser revogada porquanto a interpretação e aplicação do direito que nela é feita não corresponder às normas legais citadas e ser, por isso, ilegal, também por isso se revogando, fazendo-se a devida,
JUSTIÇA!»
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Apresentaram os RR. contra-alegações nas quais pugnaram pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:
- nulidade da sentença [als. c) e d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?;
- desacerto da decisão que considerou não ser devida qualquer quantia indemnizatória a título de sanção pecuniária compulsória, por ter sido dado cumprimento ao decidido dentro do prazo de 10 dias concedidos para o efeito, tendo em conta o trânsito em julgado daquela decisão?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em conta para a presente decisão são os que decorrem do Relatório supra.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz na alegada nulidade da sentença.
Que dizer relativamente ao fundamento da arguição de nulidade da decisão consistente em os seus fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão ?
A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.
É que segundo a referida alínea c) do citado art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.
Tendo presente que não obstante o constante deste regime ter sido pensado para a “sentença”, ele se aplica igualmente (“com as necessárias adaptações”) aos “despachos” (cf. art. 613º, nº3 do n.C.P.Civil), o que está em causa nesse normativo é a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão (dispositivo da sentença) seguir caminho oposto ou direção diferente Assim o acórdão do STJ de 14.01.2010, no proc. nº 2299/05.7TBMGR.C1.S1, com sumário disponível em www.dgsi.pt., inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.os 667º e 668º do C.P.Civil Cfr., por todos, o acórdão do STJ de 23.05.2006, no proc. nº 06A1090, acessível em www.dgsi.pt/jstj., e atualmente nos art.os 614º e segs. do n.C.P.Civil, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.
Ora, compulsado o despacho sob recurso, não se consegue vislumbrar que a fundamentação substantiva do mesmo apontasse num sentido que não tivesse sido o que foi consignado, a final, como “dispositivo”; antes pelo contrário, o despacho recorrido enuncia uma linha argumentativa, a saber, que a decisão só se tornou definitiva com o respectivo trânsito em julgado, sendo certo que isto foi feito através de um discurso lógico e coerente, acrescendo que essa interpretação foi integral e correspondentemente respeitada na decisão a final, isto é, perfilhou-se um determinado enquadramento jurídico, sendo em coerência com essa interpretação e entendimento jurídico que veio a ser proferida a “decisão”.
Não obstante o vindo de dizer, o que foi citado em termos de fundamentação (latu sensu) pelo tribunal a quo, poderá constituir um eventual erro de julgamento (sob o ponto de vista do direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural do despacho, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade do mesmo.
Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelos AA./recorrentes como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que infra se decidirá na apreciação do também alegado desacerto da decisão de direito.
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Resta apreciar o argumento da nulidade da decisão por omissão ou excesso de pronúncia [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil].
Nos termos da dita al. d), verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
É certo que, nos termos em que os próprios AA./recorrentes formulam a questão, só poderá estar em causa um excesso de pronúncia – “esgotamento do poder jurisdicional” com a anterior prolação da sentença (donde, o apelo ao segundo termo do segmento da referenciada alínea ora em causa!)
Que dizer?
Com referência à 1ª parte da citada al.d), do nº1, do art. 615º do n.C.P.Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil.
Sendo que a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do n.C.P.Civil: daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Como já foi doutamente sublinhado a este propósito, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda Assim por AMÂNCIO FERREIRA, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª Edição, a págs. 57..
Aliás, no mesmo sentido foi-nos anteriormente ensinado que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” Citámos agora ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, a págs. 143..
Ora se assim é, não pode deixar de se concluir que os próprios AA./recorrentes reconhecem que era objeto de discordância entre as partes – e como tal carecido de decisão judicial! – definir se in casu era ou não devida a reclamada quantia monetária a título de sanção pecuniária compulsória!
Ademais, tendo sido os AA. ora recorrentes que reclamaram e suscitaram do Tribunal a quo uma decisão sobre essa matéria Tendo informado o Tribunal que tinham reclamado dos RR. o pagamento de uma quantia a título de sanção pecuniária compulsória por estes terem cumprido o determinado na sentença para além do prazo de 10 dias “após notificação”, aos que os RR. contrapuseram nada dever, donde “requer-se a V. Exª se digne ordenar o que houver por conveniente” (sublinhado nosso)… , afigura-se incongruente, senão mesmo contraditório, virem arguir que estava esgotado o poder do Tribunal sobre uma tal matéria…
Por outro lado, alguma eventual incorreção da decisão sob recurso não é causa de nulidade de sentença, configurando, quando muito, um erro de julgamento!
Nessa medida, será apreciada no último capítulo deste aresto, para lá se reservando a sua apreciação.
Assim improcedendo, sem necessidade de maiores considerações, este segundo fundamento da arguida nulidade.
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4.2 – Vejamos agora a remanescente questão, a do alegado erro de julgamento
Na verdade, importa no presente recurso aferir e decidir do desacerto da decisão que considerou não ser devida qualquer quantia indemnizatória a título de sanção pecuniária compulsória, por ter sido dado cumprimento ao decidido dentro do prazo de 10 dias concedidos para o efeito, tendo em conta o trânsito em julgado daquela decisão.
Ao que é dado perceber, a grande linha de argumentação dos AA./recorrentes é no sentido de que o termo inicial da sanção pecuniária compulsória se conta a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores (e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância).
Que dizer?
Que face aos concretos dados da questão, se impõe reconhecer razão aos AA./recorrentes, mais concretamente em função dos princípios do caso julgado.
Senão vejamos.
No caso em apreciação, a fixação do momento a partir do qual se mostra devida a sanção pecuniária compulsória foi definido pela sentença proferida na sentença da ação declarativa de condenação, a qual condenando os RR., além do mais, no sentido de restituição duma faixa de terreno dos AA. e reposição do terreno em causa no estado anterior à colocação da vedação, a ser cumprido “tudo num prazo máximo de 10 dias a contar da notificação da presente sentença”, mais determinou a condenação dos RR. no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante global de € 50,00 diários por cada dia de atraso, após o prazo concedido de 10 dias, para procederem à remoção da vedação.

Ora, apesar de tal sentença, datada de 2017.01.31, ter apenas transitado em julgado (por ter sido objeto de recurso) após a notificação do acórdão do Tribunal superior, operada em 2017.09.01 – e de por via disso, tal sentença se ter tornado definitiva e com força obrigatória a partir do respectivo trânsito em julgado, nos termos do disposto nos arts. 671º e 619º do n.C.P.Civil – , a verdade é que o segmento correspondente à sanção pecuniária compulsória, e mais concretamente, ser esta devida após o prazo de 10 dias concedido, isto é, “a contar da notificação da presente sentença”, se tornou definitivo nesses precisos termos.
Isto porque o caso julgado é o efeito mais importante das decisões judiciais, sem embargo de que, para que esse efeito se produza, é necessário que a decisão transite em julgado: sendo que, nos termos do art. 628º do mesmo n.C.P.Civil, a decisão transita em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
Diz-se que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável, sendo que este efeito da sentença consiste exatamente na insusceptibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido.
Nos termos do disposto no artigo 619º, nº1 do n.C.P.Civil, «Transitada em julgado a sentença, ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.»
Por sua vez, dispõe o artigo 621º do mesmo diploma legal que «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (...).»
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
O caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, obstando a que o mesmo ou outro tribunal (ou qualquer outra autoridade administrativa) possa definir de modo diferente a mesma pretensão, isto é, o efeito deste caso julgado material inibe a modificação de uma decisão anteriormente proferida e transitada, por via de uma segunda decisão em processo posterior.

Assim, não se admite a propositura de uma nova acção destinada a apreciar e resolver o mesmo conflito de interesses já anteriormente apreciada entre as mesmas partes.
Correspondentemente, o instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas.
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Sucede que, como já foi doutamente afiançado Cf. ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, a págs. 93. , a autoridade do caso julgado justifica-se e impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.
A este propósito urge ainda invocar o denominado efeito preclusivo do caso julgado, que gera a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.
Ora, concretizando, no caso vertente, conforme resulta dos autos, verifica-se que a sentença transitou em julgado, definindo que o termo inicial da sanção pecuniária compulsória – a ter em conta para efeitos de cálculo do valor que seria devido em caso de incumprimento – teria lugar após o prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, donde, reporta-se ao primeiro dia posterior à notificação feita aos aí RR. da sentença proferida em 1ª instância.
Sendo certo que para nós avulta como da maior relevância neste sentido o uso da expressão “a contar da notificação da presente sentença”, particularmente no segmento de “presente sentença” (sublinhado nosso).
Ou seja, apresenta-se como uma evidência que na decisão proferida na anterior ação se cuidou da fixação precisa e expressa do termo a quo da eficácia da sanção pecuniária compulsória, o que impede nos termos sobreditos a apreciação do mérito desse segmento da decisão, encontrando-se vedado por força da exceção de caso julgado que os AA. vejam apreciada novamente a mesma questão, não podendo também por força da autoridade de caso julgado sobre ela recair nova decisão (e nem mesmo novo processo que a colocasse em causa, ainda que sobre roupagem processual distinta).
Face ao que resulta quanto a nós evidente que não pode ser sancionada a decisão recorrida, pois que através dela, mais do que clarificar os termos da aplicação da sanção pecuniária compulsória, alterou-se verdadeiramente os termos do dispositivo da sentença nessa parte – na medida em que se perfilhou o entendimento de que só a partir da notificação do acórdão proferido pelo tribunal de recurso às partes era possível contabilizar o prazo (de 10 dias) em ordem a determinar se alguma quantia seria devida em sede de sanção pecuniária compulsória.
Dito de outra forma: atenta a autoridade do caso julgado ocorrida quanto à fixação do termo inicial (a quo) da eficácia da sanção pecuniária compulsória, a saber, na data de notificação da sentença de condenação de 1ª instância, não pode ser perfilhado ou considerado nos autos diverso entendimento, designadamente o de que só a partir da notificação do acórdão proferido pelo tribunal de recurso às partes era possível contabilizar o termo inicial (a quo) da eficácia dessa sanção pecuniária compulsória.
A propósito do termo inicial e termo final da sanção pecuniária compulsória, temos presente que, pronunciando-se no sentido de que antes do trânsito em julgado da condenação principal, a sanção pecuniária ainda não produz efeitos Assim por CALVÃO DA SILVA, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4ª ed., Livª Almedina, 2002, a págs. 421-428., foi para o efeito doutamente sustentado que «(…) a data da notificação da sentença de condenação não deve ser fixada como termo inicial a quo da eficácia da sanção pecuniária compulsória, pois se é certo que o adstringido tem conhecimento de causa da injunção coercitiva sobre a sua vontade, não é menos certo que, nessa data, a condenação principal, cujo respeito e cumprimento a coerção acessória visa assegurar, é discutível e pode ser posta em causa, não estando o fundo do litígio ainda definitivamente julgado.» No mesmo sentido, inter alia, o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 18.06.2013, no proc. nº 6687.09.1TVLSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
Sucede que, no caso vertente, desconsiderando-se esse melhor critério e orientação doutrinal, foi pela decisão de 1ª instância fixado o termo a quo na data da notificação da sentença de condenação.
Ainda que mal, tal nem sequer foi objeto do recurso interposto, pelo que, nesses precisos termos transitou em julgado e alcançou a autoridade de caso julgado a que vimos aludindo.
Não pode, assim, deixar de se aderir ao entendimento constante do aresto invocado nas alegações recursivas, expresso no respetivo sumário, a saber, «O termo inicial d[ess]a sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância.» Trata-se do acórdão do T. Rel. de Coimbra de 14.01.2014, proferido no proc. nº 264/09.4TBILH-D.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, aliás, subscrito como 1º Adjunto, pelo Exmo. Desembargador que no presente figura como 2º Adjunto.
O que tudo serve para dizer que sibi imputet aos RR., que discordando do dito segmento decisório atinente à sanção pecuniária compulsória, nem sequer o questionaram no recurso que oportunamente interpuseram.
Na verdade, à luz do constante do art. 635º do n.C.P.Civil, «A interposição de recurso impede que, pelo decurso do prazo, se produzam de imediato os efeitos de caso julgado em relação à decisão ou decisões nele abarcadas. Porém, atento o disposto no nº4, o caso julgado que se tenha estabelecido em relação a alguma decisão ou segmento decisório não pode ser perturbado por uma actuação posterior, ainda que de um tribunal hierarquicamente superior.» Citámos agora A. ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Livª Almedina, a págs. 85.
Daqui decorre, designadamente, o seguinte:
«a) Se apenas uma das partes interpuser recurso que abarque uma parcela da decisão, não pode, sob pretexto algum, ser revogado ou modificado o outro segmento decisório em relação ao qual tenha saído vencedora a parte contrária;
b) Se o recorrente, de forma expressa ou tácita, restringiu o âmbito do recurso, o tribunal ad quem não pode interferir na parte da sentença que ficou excluída da impugnação;
c) Ainda que, por algum motivo, o tribunal ad quem determine a anulação do processado, ficam salvaguardados, em definitivo, os efeitos da decisão, na parte que não tiver sido objecto de recurso.» Assim pelo mesmo autor e obra citados na nota antecedente, ora a págs. 86-87.
Consequente e correspondentemente, revertendo ao caso ajuizado, ficaram salvaguardados e fixados, em definitivo, os efeitos da decisão de 1ª instância na parte não recorrida, mormente que o termo inicial (a quo) da eficácia da sanção pecuniária compulsória era na data de notificação da sentença de condenação de 1ª instância, contando-se, a partir dessa notificação, o prazo dos 10 dias em causa.
Termos em que, não pode manter-se a decisão recorrida, que se revoga, determinando-se que em substituição da mesma seja proferida outra que dê procedência à pretensão em geral formulada pelos AA, sem prejuízo do escrutínio e dilucidação quanto ao montante efetivamente devido (em função do concreto número de dias de incumprimento – consoante se conclua que a vedação em causa foi retirada pelos RR. no dia 12 de Setembro de 2017, ou antes entre os dias 9 e 10 de Setembro de 2017).
Nestes termos e sem necessidade de maiores considerações, procedendo o recurso.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – O termo inicial da sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância, se esse segmento decisório não foi objeto do recurso oportunamente interposto, nem modificado/alterado em sede do acórdão proferido pelo tribunal superior.
II – Assim, ficaram salvaguardados e fixados, em definitivo, os efeitos da decisão de 1ª instância na parte não recorrida, mormente que o termo inicial (a quo) da eficácia da sanção pecuniária compulsória era na data de notificação da sentença de condenação de 1ª instância, contando-se, a partir dessa notificação, o prazo dos 10 dias em causa.
III – Consequentemente, atenta a autoridade do caso julgado ocorrida quanto à fixação do termo inicial (a quo) da eficácia da sanção pecuniária compulsória, a saber, na data de notificação da sentença de condenação de 1ª instância, não pode ser perfilhado ou considerado nos autos diverso entendimento, designadamente o de que só a partir da notificação do acórdão proferido pelo tribunal de recurso às partes era possível contabilizar o termo inicial (a quo) da eficácia dessa sanção pecuniária compulsória.
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6 – DISPOSITIVO
Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelos AA./recorrentes e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que em substituição do mesmo seja proferido outro que dê procedência à pretensão em geral formulada pelos AA, sem prejuízo do escrutínio e dilucidação quanto ao montante efetivamente devido (em função do concreto número de dias de incumprimento – consoante se conclua que a vedação em causa foi retirada pelos RR. no dia 12 de Setembro de 2017, ou antes entre os dias 9 e 10 de Setembro de 2017).
- Custas pelos RR./recorridos.

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Coimbra, 15 de Maio de 2018

Luís Cravo ( Relator )
Fernando Monteiro
Carvalho Martins