Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/01.7TAOVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: FUNDAMENTO DE DIREITO
FALTA
IRREGULARIDADE
INVALIDADE
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: INSTÂNCIA CRIMINAL DE OVAR -2, COMARCA DE BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 97º E 123º N.º 2 CPP
Sumário: I- Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo conter os elementos de facto e as razões de direito justificativos da decisão proferida.

II- Constitui mera irregularidade a decisão judicial referente a uma questão de eventual nulidade ocorrida nos autos por falta de notificação do arguido, suscitada por este, na qual pese embora se analise pormenorizadamente os termos concretos em que a essa notificação foi levada a cabo, omite a norma legal subjacente à forma de notificação que foi efectuada

III- Tal irregularidade não determina no entanto a invalidade do acto tendo em conta a sua irrelevância, à face do princípio da relevância material da irregularidade que decorre claramente do artigo 123º n.º 2.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
Por despacho de 10 de Novembro de 2009 do senhor Juiz de Instância Criminal de Ovar -2, comarca de Baixo Vouga (despacho de fls 356 a 359 dos autos), FJ…, viu revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que fora condenado, por sentença proferida nos autos, e ordenado em consequência o cumprimento da pena de 2 anos e seis meses de prisão.
O arguido, na sequência desse despacho veio, em 14.10.2010, invocar a nulidade do mesmo requerendo que «devem ser declaradas as nulidades relativas à preterição da audição do requerente e à sua notificação e, em consequência, a nulidade dos mandados de detenção, ordenando-se a libertação do arguido e a sua notificação para a audição prevista no n° 2 do art° 492° do CPP e demonstração do cumprimento da condição imposta. Se assim, se não entender, considerando que o requerente só agora teve conhecimento da decisão constante do despacho de 10-1-2009 vem do mesmo interpor recurso juntando a suas alegações e, consequentemente, sendo o mesmo admitido com o efeito suspensivo que por lei lhe é conferido deve ser ordenada a libertação do arguido. Juntou a indicação de 3 testemunhas (caso fosse necessária a sua audição)».
Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho (fls 448) de 14.10.2010:
«Indefere-se a nulidade suscitada uma vez que o arguido foi notificado do despacho de folhas 356 a 359 por carta expedida em 17 de Novembro de 2009 (vide folha 363) para a morada em que tinha sido notificado cerca de vinte dias antes, nomeadamente em 21 de Outubro de 2009, pela G.N.R. de Ovar (vide folhas 351 verso).
Pelo que se considera que não se verifica nenhuma nulidade.
Notifique.
Não se conformando com esta decisão de 14/10/201O, dela o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, em 28.10.2010.
Na sua motivação conclui:
A) Na sequência do despacho de 10-11-2009 que revogada a suspensão da execução da pena aplicada nos autos ao recorrente e sua consequente detenção, este apresentou requerimento onde invocou e pediu fossem declaradas verificadas as nulidades relativas à preterição da audição do requerente e à sua notificação.

B) Por despacho, de que agora se recorre, o Tribunal “a quo” decidiu pelo indeferimento do requerido declarando que não se verifica qualquer nulidade

C) Ora desde Jogo, constata-se que a decisão recorrida apenas se encontra fundamentada quanto às razões de facto relativamente à alegada nulidade da notificação.

D) Não se pronunciando sequer sobre a alegada nulidade de preterição de audição do requerente.

E) Sendo certo que, a decisão recorrida não contém qualquer fundamentação de direito, violando o disposto no nº 5 do artigo 97º do Cód. Penal.

F) Não obstante, quanto à alegada nulidade referente à preterição da audição do condenado parece ocorrer uma séria violação dos seus elementares direitos de defesa.

G) De facto, a decisão que revoga a execução da pena aplicada ao recorrente apenas foi precedida da promoção do MP de fls 356 e 355.

H) Em acto contínuo, foi proferida decisão de revogação a fis 356 a 359.

1) Não foi, portanto, ouvido o recorrente ou recolhidos quaisquer elementos de prova, pelo que foram preteridas garantias elementares do arguido, designadamente a sua audição, vg. art° 492° n° 2, 495° n° 2 do CPP e 32° n° 7 da CRP.

J) Pelo que, com todo o respeito, parece-nos que a decisão recorrida violou o disposto no n° 2 do art.° 492° do Côd. Penal e, portanto, deve ser revogada por outra que ordene a notificação do recorrente para a audição prevista no referido dispositivo e demonstração do cumprimento da condição imposta.

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O Ministério Público respondeu, concluindo, nas suas alegações que o recurso deve improceder mantendo-se a decisão recorrida, posição igualmente sustentada pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência, cumprindo, agora, decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação envolvem por isso três questões: (i) falta de fundamentação de despacho relativo ao conhecimento da nulidade, (ii) deficiência na notificação e (iii) nulidade decorrente da revogação da suspensão da pena de prisão sem audição prévia do arguido.
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(i) Sobre a falta de fundamentação.
Sobre esta questão o recorrente insurge-se contra a falta de fundamentação do despacho proferido relativo à nulidade suscitada em que o Tribunal decidiu sem qualquer fundamentação de direito.
Retorne-se ao despacho em causa: «Indefere-se a nulidade suscitada uma vez que o arguido foi notificado do despacho de folhas 356 a 359 por carta expedida em 17 de Novembro de 2009 (vide folha 363) para a morada em que tinha sido notificado cerca de vinte dias antes, nomeadamente em 21 de Outubro de 2009, pela G.N.R. de Ovar (vide folhas 351 verso).
Pelo que se considera que não se verifica nenhuma nulidade».
O artigo 97º n.º 5 é claro quando refere que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão - artigo 97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
A obrigatoriedade de fundamentação dos actos decisórios é um princípio geral extensivo a todos os ramos de direito - artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo que apenas em casos pontuais a lei especifica em pormenor os requisitos da fundamentação – veja-se, para a sentença o artigo 374.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal ou para o despacho de aplicação de medida de coacção a que se refere o artigo 194º n.º 4 do CPP.
Para os demais casos em que a lei não estabelece quaisquer requisitos, a fundamentação da decisão deve conter os elementos de facto e as razões de direito justificativos da decisão proferida.
No caso em apreço a decisão judicial proferida relativa à questão da eventual nulidade ocorrida nos autos por falta de notificação do arguido, suscitada por este, está fundamentada, ou seja tem expressa, inequivocamente, as razões em que o Tribunal sustenta o facto de não existir, na sua opinião, qualquer nulidade. Essas razões estão consubstanciadas na afirmação proferida de que «uma vez que o arguido foi notificado do despacho de folhas 356 a 359 por carta expedida em 17 de Novembro de 2009 (vide folha 363) para a morada em que tinha sido notificado cerca de vinte dias antes, nomeadamente em 21 de Outubro de 2009, pela G.N.R. de Ovar (vide folhas 351 verso)». A não referência, pelo tribunal, ao artigo do Código de Processo Penal referente à forma da notificação que foi efectuada (a que se refere o artigo 113º n.º 1 alínea b) não pode entender-se, por si só como uma falta de fundamentação, mas apenas como uma mera irregularidade.
Tal irregularidade não determina no entanto a invalidade do acto tendo em conta a sua irrelevância, à face do princípio da relevância matéria da irregularidade que decorre claramente do artigo 123º n.º 2. Ou seja, o que se quer dizer é que só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição p. 312).
Assim sendo, carece de razão o recorrente, sendo, nesta parte improcedente o recurso.

(ii) Sobre a deficiência da notificação.
No que respeita à notificação do despacho objecto de recurso, importa referir que o arguido foi dele notificado em 16.11.2009, por via postal para a sua morada sita na Rua … 0var (cf. fls 99 e 92).
Trata-se da morada do arguido que constava nos autos e da morada onde tinha sido pessoalmente notificado para a diligência a que faltou no dia 2.11.2009. (cf. fls. 79 e 80).
Daí que o arguido foi devidamente notificado não se constatando, por isso qualquer deficiência ou irregularidade na notificação efectuada.
Aliás o arguido, no seu recurso, refere que «em resultado da admissão do recurso entretanto interposto deixa de ser útil ou pertinente a sua discussão».
Nesta parte, por isso improcede o recurso.

(iii) Nulidade relativa à falta de audição.
A questão essencial em causa no recurso obriga, em primeiro lugar a que se atente na decisão objecto do recurso:
Por acórdão datado de 13.01.2003, transitado em julgado em 04.02.2003, pela prática de factos em 04.05.2000, foi o arguido FJ… condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 256°, alíneas a) e b) e um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205°, n°1, ambos do Código Penal, na pena única de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dezoito meses sob a condição de o arguido, neste lapso temporal, pagar à ofendida a indemnização civil.
Sucede porém que decorrido o prazo para proceder ao referido pagamento, não foi o mesmo satisfeito, pelo que se designou data para ouvir o arguido acerca desse incumprimento (fls.239).
Apesar de regularmente notificado, o arguido não compareceu (v.fls.244), tendo voltado a faltar em 22.11.2005 (v. fls.257), apenas sendo ouvido em 22.05.2007 (v.fls.265).
Na sequência do agendamento da supra referida diligência veio a ofendida informar que o arguido pagara parte da quantia devida (v. fls.271).
Por decisão datada de 12.07.2007 foi prorrogado o prazo da suspensão por mais um ano — v. fls.273 — sob a condição de pagar à ofendida a quantia remanescente em dívida (€160200).
Porém, não obstante essa prorrogação, o arguido nada mais pagou e, em consequência a Digna Magistrada do Ministério Público, promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Notificado para se pronunciar a esse respeito, o arguido respondeu em 06.03.2009, conforme consta de fls.297, comprometendo-se a pagar a quantia em dívida, no prazo de 45 dias.
Nessa sequência foi-lhe concedido esse prazo adicional para proceder ao pagamento da quantia ainda em dívida — v. fls.306.
Sucede que, conforme resulta dos autos, o arguido nada mais pagou e também nada mais veio dizer aos autos.
Devidamente notificado para comparecer e ser ouvido, quanto a esse comportamento omissivo, o arguido não compareceu nem apresentou qualquer justificação — vd. fls.351/352.
Cumpre, pois, apreciar e decidir
Face ao exposto resulta que o referido período da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido já decorreu, quer o inicialmente fixado, quer o posteriormente prorrogado, para que o arguido efectuasse o pagamento devido. Sendo certo que, o arguido não pagou integralmente à ofendida a quantia devida, não cumprindo, desse modo, a condição da qual ficou dependente a suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada.
Por outro lado, ao arguido foram-lhe concedidas várias oportunidades para dar cumprimento à referida condição, oportunidades essas que o arguido não aproveitou.
Acresce que notificado para comparecer em tribunal a fim de ser ouvido a esse respeito, o arguido não compareceu, nem apresentou qualquer justificação, mostrando urna total indiferença perante a situação.
Estatuí o artigo 56°, n.°1, alínea a) do Código Penal que «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.”
A este propósito sumariou-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.03.2009, processon.°0818090, disponível em www.qde.mj,pt que “as causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias susceptíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado no futuro irá adoptar”.
Focando o caso em apreço, entendemos que pois que o arguido vem sucessivamente ignorando a condição que lhe foi imposta pelo tribunal para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, sendo o seu comportamento revelador de uma total indiferença quanto às consequências do incumprimento da referida condição.
Assim sendo, forçoso é concluir que com o descrito comportamento — a falta de cumprimento da condição da suspensão e a sua total indiferença quanto às consequências desse incumprimento -, o arguido demonstrou que não se cumpriram as expectativas que motivaram o tribunal a decretar a suspensão da pena, não interiorizando a condenação e a obrigação de pagar
Por sua vez, dispõe o n°2 do citado preceito legal que “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a Nestes termos, por todo o exposto e de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 56°, n.°1, alínea a) e 2 do Código Penal, revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido FJ… e, em consequência, determina-se o cumprimento pelo mesmo da pena de dois anos e seis meses de prisão.
Notifique.
Após trânsito,
• passe os mandados de captura e condução do arguido ao Estabelecimento Prisional com vista ao cumprimento da referida pena de prisão;
• remeta boletim à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal.
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Nos termos do artigo 56.º do Código Penal, «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».
No processo que leva à revogação da suspensão da execução da pena é actualmente inequívoca a necessidade de ouvir o arguido sobre a situação que origina a possível revogação, nomeadamente o que tem o próprio a dizer sobre os factos imputados que permitam concluir pela verificação dos requisitos da revogação.
Trata-se da consagração legal do direito a ser ouvido que obriga a que o interessado se possa ter oportunidade de tomar posição e pronunciar-se sobre os pressupostos de qualquer decisão relevante que venha ser tomada a seu respeito, constituindo uma garantia de defesa decorrente do Estado de Direito democrático.
O princípio da audiência, que não se confunde com o princípio do contraditório, e decorre explicitamente do artigo 61º n.º 1 alínea b) do CPP impõe que “a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção “carismática” do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (concepção democrática do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração de direito, de acordo com a posição e funções processuais que cada um assuma”(cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 30.4.2003 in CJ XXVIII Tomo II p. 50.
No domínio da execução da pena de prisão e da sua eventual revogação, a audição do arguido é não só obrigatória como também deve ser presencial, salvo excepção decorrente de uma absoluta ausência do arguido.
É isso que resulta do artigo 495º n.º 2 do CPP, na versão decorrente da Lei n.º 48/07 de 29.8 que substituiu a expressão “audição do condenado” por “ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.
Recorde-se que na suspensão da execução da pena, a sua revogação traduz-se sempre no cumprimento pelo condenado de outra pena – a pena de prisão – conquanto esta já estivesse concretamente determinada na sentença condenatória. Por isso, seria gravemente atentatório das garantias de defesa do arguido que a revogação da suspensão se pudesse processar, resultando numa pena de prisão efectiva, sem que este se pudesse pronunciar, nos termos do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal. Daí que lhe deve ser concedida a possibilidade de exercício do direito do contraditório no âmbito do direito de audiência pessoal.
Conforme se diz no Acórdão desta Relação n.º 190/05 de 26-04.2010 (relator, Jorge Jacob), «a obrigatoriedade da audição antes da revogação da suspensão foi gizada para lhe permitir esclarecer com transparência as razões que conduziram ao incumprimento. É verdade que nesse momento importará garantir ao condenado o contraditório (contraditório relativamente à promoção do M.P. para revogação da suspensão); mas importará também e sobretudo aferir do bem fundado da expectativa ou prognose em que assentou a decisão de suspensão da execução da pena, já que não está em causa apenas a liberdade do arguido, mas também a eficácia e credibilidade do sistema judicial e, em última instância, a própria realização da justiça. Equacionar a revogação da suspensão significa, afinal, dar satisfação às exigências comunitárias de protecção dos bens jurídicos e garantir o funcionamento do elemento dissuasor».
Daí que a jurisprudência tenha vindo a entender que, a falta de audição presencial do arguido constitui nulidade insanável, nos termos do art. 119º al. c) do Código de Processo Penal – veja-se, neste sentido o Acórdão da RC de 335/01, de 5.11.2008, (relator, Jorge Raposo) e o Acórdão da RC n.º 190/05 de 26-04.2010 (relator, Jorge Jacob), citado e Acórdão da RC 21/03 de 16.01.2008 (relator Jorge Gonçalves)
Se o que de essencial estas decisões comportam - a necessidade do arguido ser presencialmente ouvido no processo de revogação da suspensão da execução da pena, devendo ser naturalmente disso notificado - não merece qualquer dúvida, porquanto isso traduz efectivamente o direito a ser ouvido sobre uma matéria que lhe é essencial, diferente é a questão de o arguido voluntária e conscientemente não comparecer à diligência para a qual foi devidamente notificado, afim de se dar cumprimento ao exercício desse direito e, por tanto, não é ouvido.
Repete-se o que se diz no último acórdão citado: «seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a revogação da suspensão se pudesse processar completamente à revelia do condenado, ou seja, sem que este se pudesse pronunciar nos termos do artigo 495.º. n.2, do C.P.P., situação que constitui a nulidade insanável cominada no artigo 119.º, alínea c), do C.P.Penal». Situação que, no entanto, não aconteceu nos autos.
O requerente é notificado para determinado acto, sabe ao que deve ir e não comparece, nem justifica a sua ausência. Não exerceu, por isso, voluntariamente, o seu direito de audição.
No caso em apreço, a questão em apreciação prende-se essencialmente com o a questão da decisão proferida ter sido tomada após o condenado ter sido devidamente notificado para comparecer e ser ouvido, sendo que não compareceu nem apresentou qualquer justificação — vd. fls.351/352.
Recorde-se que naquela notificação que o arguido assinou, referia-se expressamente a sua notificação para «comparecer neste Tribunal no próximo dia 02-11-2009 ás 14 horas a fim de se proceder à sua audição por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou obrigações que lhe foram impostas na sentença/acórdão que decretou a suspensão da execução da pena».
Na data designada o tribunal, proferiu o seguintes despacho «Uma vez que o arguido FJ… está devidamente notificado e não compareceu, nem fez uso da prerrogativa legal do artigo 117º do Código de processo penal, condena-se, de acordo com o disposto no artigo 116º n.º 1 do Código de processo penal o mesmo em multa, que se fixa em 3 Ucs. No mais proceda como o doutamente promovido». O «doutamento promovido» consubstanciava a abertura de «vista» ao Ministério Público. O que aconteceu, tendo este magistrado efectuado a sua promoção, antes da decisão judicial de 10.11.2009.
Face a esta factualidade é absolutamente claro que não se verifica qualquer patologia procedimental e, de todo, qualquer nulidade consubstanciada na não audição do ora recorrente em momento anterior à decisão. O que aconteceu nos autos foi que o arguido, legalmente notificado para tanto (pessoalmente notificado), não compareceu nem deu qualquer justificação para a sua falta. Pura e simplesmente não quis saber da notificação judicial para comparecer e eventualmente expor as razões que entenderia como necessárias para justificar o seu comportamento. Não houve qualquer omissão no procedimento de audição do arguido.
Daí que não tendo sido cometida qualquer nulidade no procedimento que levou à decisão, bem andou o senhor juiz, na decisão proferida a 14.10.2010, indeferindo a pretensa nulidade suscitada pelo requerente.

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III. DISPOSITIVO
Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente o recurso.
Fixa-se a taxa de justiça em 4 Ucss.
Notifique.



Mouraz Lopes (Relator)
Félix de Almeida