Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
607/11.0SMPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MAUS TRATOS A MENORES
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
COMUNICAÇÃO
ARGUIDO
PODER DE CORRECÇÃO DE MENOR
CASTIGOS CORPORAIS
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO (COMARCA DO BAIXO VOUGA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ARTIGO 358.º, N.ºS 1 E 3, DO CPP; ARTIGOS 152.º-A, N.º 1, AL. A) E 143.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I - Ao comunicação prevista no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de uma infracção criminal que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia - no caso, os factos descritos na acusação, foram qualificados, nessa peça processual, como crime de maus tratos, e, na sentença, como de ofensa à integridade física simples -, porquanto o arguido teve conhecimento de todos os elementos constitutivos do crime efectivamente praticado e a possibilidade de os contraditar.

II - Não é juridicamente justificado o comportamento de alguém que, tendo ao seu cuidado e guarda um neto de apenas dois anos e seis meses de idade, na sequência de “asneiras orais” proferidas pelo menor, o agride com palmadas nas nádegas e bofetadas na face.

III - Tal comportamento integra a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª secção (criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.            No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal singular, n.º 607/11.0SMPRT, da comarca do Baixo Vouga, Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, foi julgada a arguida A..., melhor identificada nos autos.

À mesma era imputada a prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos, previsto e punível pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

A arguida não apresentou contestação escrita.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acusação, absolveu a arguida da prática do aludido crime de maus-tratos, com referência ao artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal e a condenou, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de duzentos e setenta dias de multa, à taxa diária de € 5,10.

2.            A arguida, não se conformando com esta decisão, interpôs recurso da sentença.

Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:

i) A douta sentença recorrida condenou o recorrente por tipo de crime distinto daquele porque vinha acusado, sem dar prévio conhecimento tal alteração à recorrente, com o procedeu à alteração não substancial da douta acusação.

ii) Com o que não aplicou, como devia, a norma do artigo 358.º, n.º 3 do Código de Processo Penal mediante prévio conhecimento da alteração à recorrente e concedendo-lhe prazo para defesa, assim incorrendo na nulidade prevista na norma do artigo 379.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma legal.

iii) O douto aresto impugnado julgou erradamente como provado facto “4 – E nesse período, até aos inícios do mês de Agosto de 2011, por diversas vezes e sempre na sequência de uma asneira do menor, a arguida colocou o menor B... no quarto, ou desferiu-lhe palmadas no rabo e bofetadas na face”,

iv) Impondo-se como correcta a decisão de julgar tal facto como provado nos seguintes termos: “4 – E nesse período, até aos inícios do mês de Agosto de 2011, por diversas vezes e sempre na sequência de uma asneira do menor, a arguida colocou o menor B... no quarto, ou desferiu-lhe palmadas no rabo ou bofetadas na face”.

v) Conclusão que se impõe pela fundamentação vertida na motivação a resposta a tal facto na douta sentença recorrida, que é contraditória com a resposta dada,

vi) E, ainda, pela análise crítica e conjunta dos documentos probatórios de fls. 21 a 31, depoimento da recorrente prestado em 19 de Outubro de 2012 das 10.55 horas às 11.24 horas, depoimento prestado pela testemunha F... em 19 de Outubro de 2012 das 12.28 horas às 12.46 horas e da testemunha F... prestado em 16 de Novembro de 2012, entre as 13.52 horas e as 14.11 horas.

vii) O douto aresto impugnado julgou erradamente como provado o facto “5 – Com as suas condutas agressivas, a arguida provocou no ofendido menor B... ferimentos e dores, cujas lesões não foram, porém, medicamente comprovadas”, por não resultar da prova produzida tal factualidade,

viii) Impondo a resposta negativa como não provado a tal matéria a análise crítica e conjunta dos documentos probatórios de fls. 21 a 31, depoimento da recorrente prestado em 19 de Outubro de 2012 das 10.55 horas às 11.24 horas, depoimento prestado pela testemunha F... em 19 de Outubro de 2012 das 12.28 horas às 12.46 horas e da testemunha H... prestado em 16 de Novembro de 2012, entre as 13.52 horas e as 14.11 horas.

ix) A douta sentença em crise julgou erradamente como provados os factos em “6 – Agindo da forma descrita, sabia a arguida que causava dores e lesões no corpo do menor B..., o que quis.

7 – Sabia bem a arguida o que estava a fazer e, apesar disso, não se coibiu de levar por diante tais comportamentos.

8 – Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo a sua conduta censurável, proibida e punida criminalmente”,

x) Impondo a sua resposta como não provados a análise crítica e conjunta dos documentos probatórios de fls. 21 a 31, depoimento da recorrente prestado em 19 de Outubro de 2012 das 10.55 horas às 11.24 horas, depoimento prestado pela testemunha F... em 19 de Outubro de 2012 das 12.28 horas às 12.46 horas e da testemunha H... prestado em 16 de Novembro de 2012, entre as 13.52 horas e as 14.11 horas.

xi) Julgados como não provados os factos acima elencados, não resulta matéria de facto provada subsumível a qualquer tipo de crime.

xii) Sem conceder, a conduta da recorrente traduzida na aplicação de sapatadas ou aplicadas ao menor, na sequência de asneiras por ele praticadas, no contexto exemplificativo de mictar contra as paredes do quarto após aviso, integra o poder-dever de correcção e educação de menor de idade que está entregue aos cuidados de pessoa com a quarta classe de escolaridade, de modesta condição social e que tem a criança (e assim tida por terceiros) como neto dela, sendo lícita e legítima.

xiii) Assim se não decidindo, é excessiva a pena de multa aplicada, não tendo sido observados os critérios de fixação da pena previstos na norma do artigo 70.º, n.º 2, do Código Penal,

xiv) Pois no contexto dos presentes autos, a ser confirmada a perspectiva de condenação da recorrente, à luz dos critérios de fixação da medida da pena previstos na norma do artigo 70.º, n.º 2, do Código Penal, esta não deverá exceder o limite de 90 dias, que se revela de todo adequado a reprovar a conduta, a sensibilizar a arguida para adoptar de futuro comportamento diverso e para repor à comunidade a confiança na norma violada.

Termina sustentando que o presente recurso deve ser julgado procedente e a sentença recorrida revogada e substituída por acórdão que a absolva.

3.1 Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou a resposta, formulando as seguintes conclusões:

1) A douta sentença ora recorrida não padece de qualquer deficiência ou nulidade, não violou qualquer norma da Constituição da República Portuguesa, do Código Penal nem do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.

2) Embora na acusação pública seja imputado à arguida a prática de um crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal e na douta sentença proferida a arguida tenha sido condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, não era necessário proceder à comunicação de tal alteração à arguida por lhe ter sido imputada uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação, a arguida ter tido conhecimento de todos os elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar, existindo identidade entre os factos constantes da acusação e os que foram dados como provados na douta sentença.

3) Compulsados os autos conclui-se que não se verificou o apuramento de factos novos nem a modificação dos factos descritos na acusação, pelo que não foram tomados para efeito da sentença condenatória quaisquer factos que não constassem da acusação, pelo qual não existiu qualquer violação do disposto nos artigos 258.º, n.º 3 e 379.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

4) Os factos dados como provados na sentença ora em crise, nomeadamente o 4, 5, 6, 7 e 8, basearam-se em prova suficiente da sua prática e não incorreu o Tribunal em qualquer erro na apreciação da prova.

5) A valoração da prova realizada pela Mma. Juiz a quo não merece qualquer censura, atendendo ao princípio da livre apreciação da prova, inserto no artigo 127.º do Código de Processo Penal e a motivação apresentada, não se verificando qualquer erro notório da apreciação da prova nem violação do princípio in dubio pro reo.

6) Não se encontram incorrectamente julgados nenhum dos pontos dos factos dados como provados, tendo a Mma. Juiz a quo fundamentado devidamente quais as razões pelas quais considerou os factos referidos provados, sendo que não existe qualquer motivo para se considerar como inadmissível, face às regras da experiência, a valoração da prova realizada, nomeadamente a testemunhal, a qual foi produzida de forma directa e presencial, na audiência de discussão e julgamento.

7) A conduta da arguida não é lícita e legítima atento o poder-dever de correcção e educação do menor de idade que estava entregue aos seus cuidados, em virtude de a actuação da arguida não revelar a moderação, o critério e a adequação necessárias para que as suas condutas pudessem legalmente considerar-se lícitas.

8) Salvo melhor entendimento, nenhuma censura merece a pena de multa concreta fixada pela Mma. Juiz a quo, a qual é adequada e proporcional, tendo tido em consideração que a arguida agiu com dolo na sua forma directa, as necessidades de prevenção geral atenta a elevada frequência com que se assiste à violação da referida norma, os antecedentes criminais averbados no certificado de registo criminal da arguida e a circunstância de se tratar de pessoa integrada familiar e profissionalmente.

Termina afirmando que, não padecendo a sentença ora recorrida de nenhum dos apontados vícios e nulidades ou de quaisquer outros, nem tendo violado qualquer norma legal, deverá concluir-se pela bondade do decidido, negando-se provimento ao recurso apresentado.

3.2 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos e acolhendo a argumentação da resposta em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

3.3 A arguida, notificada nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Penal, não respondeu.

4.            Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, nomeadamente as que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal, a motivação do recurso enuncia especificamente os respectivos fundamentos e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido.

O objecto do recurso consubstancia-se então na apreciação das seguintes questões:

 A alegada nulidade prevista no artigo 379, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por violação do disposto no artigo 358.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.

 A impugnação da matéria de facto.

 A alegada licitude e legitimidade da conduta da arguida, em prejuízo da configuração do crime de ofensas corporais.

 A adequação da pena imposta à arguida.

II)

Fundamentação

1.            Factos relevantes.

Com interesse, importa considerar os factos que foram julgados provados e não provados na sentença recorrida e respectiva fundamentação.

«- Factos Provados:

Discutida a causa, o Tribunal tem como provados os seguintes factos:

1 – O menor B... é filho de C... e de D... e nasceu no dia 22 de Outubro de 2008.

2 – No mês de Maio de 2011, a mãe do menor B..., juntamente com este, mais uma filha também menor de idade e com o seu companheiro, filho da arguida, foram viver para casa desta, sita na Rua (...), (...), Aveiro.

3 – Porém, no início do mês de Junho de 2011, como a mãe do menor B... passou a trabalhar, a mesma deixou os seus filhos ao cuidado e guarda da arguida durante o período do seu horário de trabalho.

4 – E nesse período, até aos inícios do mês de Agosto de 2011, por diversas vezes e sempre na sequência de uma asneira do menor, a arguida colocou o menor B... no quarto, ou desferiu-lhe palmadas no rabo e bofetadas na face.

5 – Com as suas condutas agressivas, a arguida provocou no ofendido menor B... ferimentos e dores, cujas lesões não foram, porém, medicamente comprovadas.

6 – Agindo da forma descrita, sabia a arguida que causava dores e lesões no corpo do menor B..., o que quis.

7 – Sabia bem a arguida o que estava a fazer e, apesar disso, não se coibiu de levar por diante tais comportamentos.

8 – Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo a sua conduta censurável, proibida e punida criminalmente.

Mais se provou que:

9 – A arguida não trabalha e recebe uma pensão de viuvez no valor mensal de 462,00€; o seu companheiro não trabalha; vive em casa própria, tendo a seu cargo dois filhos.

10 – A arguida possui a 4.ª classe.

11 – Dá-se por reproduzido o CRC da arguida, de fls. 132 a 135, pelo qual se constata que a mesma possui antecedentes criminais, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, praticado em 17 de Fevereiro de 1996, tendo sido condenada na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 800$00; pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, praticado em 23 de Setembro de 2001, sendo condenada na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 4,00€; pela prática de um crime ofensa à integridade física, praticado em 5 de Fevereiro de 2007, sendo condenada na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00€.

- Factos Não Provados:

Não se provaram os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:

-  que a mãe do menor passou a trabalhar no início do mês de Julho;

-  que por diversas vezes e sem qualquer motivo justificativo, a arguida meteu o menor B... trancado no quarto;

-  que a arguida o chamou de “porco” e dizia-lhe “és mesmo porco como o teu pai, és mesmo marroquino”, o que não acontecia em relação a outras crianças que também ali residiam;

-  que durante esse período, o menor B... sentiu medo de ser constantemente agredido pela arguida e, por via disso, deixou de controlar os esfíncteres, passando a ter problemas urinários.

- Motivação da Decisão de Facto:

Para formar a convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados, baseou-se este na análise de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, analisada de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum e designadamente com base nos documentos juntos aos autos, nomeadamente, as fotocópias da documentação clínica de fls. 21 a 31 e a certidão de nascimento de fls. 32.

Foram valoradas as declarações da arguida que, embora não admitindo a factualidade constante da acusação, acabou por admitir apenas que, de vez em quando, dava uma “sapatada” no rabo do menor B..., quando ele se portava mal, designadamente quando este fazia xixi contra as paredes da casa. No mais, refere ser tudo invenção da mãe, sendo esta que maltratava o próprio filho.

Se bem que as declarações da arguida não sejam totalmente credíveis, mostrando esta uma preocupação em minorar as suas atitudes para com o menor, lançando sobre a mãe do mesmo a suspeita de agressões, o certo é que, na globalidade, a sua versão acabou por resultar mais ou menos confirmada pelos depoimentos das testemunhas inquiridas, nos moldes que infra melhor se explicitarão.

Assim, valeu-se o Tribunal das declarações da mãe do menor, B..., que, para além de contextualizar os factos, explicitando a razão que os levou a albergar-se naquele período em casa da arguida, em concreto, a nada assistiu no que se refere a agressões físicas ou palavras injuriosas proferidas pela arguida contra o seu filho B...: na realidade, esta testemunha confirmou ter deixado os seus dois filhos com a arguida, quando arranjou emprego, no início de Junho, sendo que apenas ouviu dizer, por lhe ter sido transmitido pela F... (filha da arguida) e pelo H... (outra testemunha que lá residia na altura) que a arguida não estava a gostar muito do B...e que lhe batia e o punha de castigo no quarto. Reconhece que o viu com marcas, mas admite que as mesmas pudessem ser de o menor cair, por ser muito activo. Ademais, relatou que começou a notar comportamentos estranhos no seu filho, tais como fazer xixi no chão, quando tinha já deixado de usar fralda, colocar as mãos na cabeça e pedir para não lhe baterem, quando caía.

Quanto às expressões que vinham imputadas à arguida, a saber “porco” e “és mesmo porco como o teu pai, és mesmo marroquino”, esta testemunha referiu ter ouvido a arguida a proferi-las, o que se revelou contraditório com as declarações prestadas por si em sede de inquérito.

Na realidade, nos termos do disposto no art. 356.º, n.º 2, al. b), e n.º 5 do Código de Processo Penal, foram lidas as declarações desta testemunha prestadas em sede de inquérito, sendo que delas resulta que nunca presenciou qualquer tipo de agressão verbal ou física dirigida pela arguida a qualquer dos seus filhos, pois na sua presença apenas lhes ralhava, sempre numa atitude de os educar e incutir regras.

Apesar das discrepâncias significativas iniciais nas declarações prestadas pela testemunha em audiência de discussão e julgamento e as prestadas em sede de inquérito, entende o Tribunal que a testemunha se encontrava condicionada, em audiência de julgamento, por todas as conversas que foi mantendo com as pessoas envolvidas, não sabendo já distinguir o que ouviu directamente daquilo que ouviu dizer por outras pessoas.

Assim, tendo em consideração tal facto e atendendo ainda às regras da experiência comum e à normalidade das coisas, considerou o Tribunal que as declarações prestadas por esta testemunha em sede de inquérito é que foram verídicas, por, essas sim, serem coincidentes com os restantes elementos de prova recolhidos.

No mais, valorou-se o depoimento desta testemunha na estrita medida em que confirmou o circunstancialismo envolvente, relevando apenas para prova de que o menor ficava ao cuidado da arguida, a qual tinha para com ele atitudes típicas de quem é educadora, com intuito de incutir regras.

As declarações da testemunha E... , avó materna do menor B..., em nada relevaram, uma vez que a mesma apenas falou acerca das atitudes do menor após o período em que viveu em casa da arguida, referindo que o mesmo fazia xixi e que tinha medo de tudo, mas nada concretizou que levasse a apontar um nexo de causalidade entre os comportamentos revelados e uma qualquer atitude da arguida para com o menor.

Do mesmo modo, a testemunha F... , filha da arguida, que também vivia na casa à data dos factos, apenas foi valorado para confirmação de que a arguida dava umas palmadas no rabo do menor B...quando este fazia uma asneira. É de referir que esta testemunha, não obstante a relevância que se conferiu ao seu depoimento na parte já mencionada, demonstrou alguma imaturidade ao longo do depoimento, advinda certamente da sua idade (17 anos) e da ligeireza com que encara a situação trazida a Tribunal, pelo que se entende que as discrepâncias detectadas talvez advenham do facto de querer distanciar-se, propositadamente, da situação que envolve a sua mãe, revelando não ter o discernimento necessário para prestar depoimento de forma concisa e consentânea com a realidade. Não obstante, as suas declarações serviram para confirmar o já referido, revelando-se úteis apenas nessa medida.

A testemunha G... , pessoa que albergou o menor e a sua família restrita (mãe, padrasto e irmã), no período que se seguiu ao abandono da casa da arguida, referiu que o menor tinha medo de si e que parecia ter um trauma, mas em concreto, esta testemunha nem sequer conhecia o menor e os seus comportamentos antes dos factos aqui em análise, pelo que em nada relevou o seu depoimento.

Já a testemunha H..., pessoa que vivia de favor também na casa da arguida, durante cerca de um mês, em Agosto de 2011, prestou um depoimento bastante esclarecedor, pois se verificou que teve conhecimento directo dos factos, confirmando que a arguida, de vez em quando, dava uma palmada no B..., castigava-o, metendo no quarto (embora não trancado), e deu-lhe duas ou três “lapadas”, de vez em quando, mas sempre na sequência de asneiras que a criança fazia, relativamente ao qual refere “não ser nenhum anjo”.

Apesar da exaltação com que a testemunha depôs, denotou-se que a mesma queria apenas esclarecer e contribuir para a descoberta da verdade, de uma maneira muito própria, mostrando-se contrariado por estar a prestar declarações sobre um assunto que, na sua perspectiva e do que deixou transparecer, seria de conteúdo familiar, no qual não queria imiscuir-se; não obstante, as suas declarações foram tidas como isentas e credíveis, merecendo a credibilidade do Tribunal, sendo circunstância determinante o facto de se considerar que prestou depoimento de forma simples, em termos que tivemos como seguros, descrevendo a sucessão dos acontecimentos de forma lógica.

Pelo acabado de expor, e tomando em consideração a conjugação das declarações da arguida e depoimentos das testemunhas, fica de facto ao Tribunal a certeza de que a arguida dava umas palmadas no rabo e na face do menor, e que o trancava no quarto para o castigar.

As condições sócio-económicas da arguida resultaram das suas declarações, na falta de demais elementos de prova.

Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta da arguida, foram considerados assentes a partir do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum. Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta (uma vez que o arguido não os confesse) como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa -assim, M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pág. 292. Em correcção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pág. 172 e 173, que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência.

Finalmente, no que toca aos antecedentes criminais, foi decisivo o certificado de registo criminal junto aos autos de fls. 132 a 135.

Quanto aos factos considerados não provados, julgou o tribunal não ter sido produzida prova bastante sobre os mesmos, devido à total ausência de prova testemunhal ou documental. Ao invés, sobre estas matérias resultou o apuramento de factos da forma que ficou a constar da matéria de facto provada e tal como aí ficou a constar, designadamente, no que concerne à data em que a mãe do menor começou a trabalhar, o apuramento da mesma resulta, desde logo, das declarações prestadas pela própria; quanto à arguida ter trancado o menor no quarto, sem qualquer motivo justificativo, tal resultou infirmada por todas as testemunhas inquiridas, as quais confirmaram que o menor ia para o quarto, mas não ficava lá trancado; no que diz respeito à arguida ter proferido as expressões injuriosas, tal factualidade não ficou demonstrada por qualquer meio, pois que não foi produzida qualquer prova testemunhal acerca de tais factos, ressaltando-se aqui o que já se acentuou relativamente ao depoimento de B...; no que diz respeito a durante esse período, o menor B... ter sentido medo de ser constantemente agredido pela arguida e, por via disso, ter deixado de controlar os esfíncteres, passando a ter problemas urinários, também aqui não foi produzida prova testemunhal cabal acerca de tal factualidade, sendo que relativamente à falta de controlo dos esfíncteres tal poderá resultar da tenra idade do menor, nada sendo apontado por qualquer das testemunhas inquiridas que levem a uma correspectividade entre a conduta da arguida e o problema aludido.

Nesta medida, e face ao prescrito no art. 127.º do Código de Processo Penal, considerou-se insuficiente a prova produzida.»

2.            A alegada nulidade prevista no artigo 379, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por violação do disposto no artigo 358.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.

A recorrente pretende que, tendo sido acusada da prática de um crime de maus-tratos, com referência ao artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, veio a ser condenada pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, punido nos termos do artigo 143.º, n.º 1, do mesmo diploma; sendo este um tipo de crime distinto daquele que constava da acusação, ocorreu alteração não substancial da acusação, sem que lhe tenha sido dado prévio conhecimento da mesma, com o que se omitiu a aplicação da norma contida no artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade da sentença.

Tendo o processo penal uma estrutura acusatória, como afirma o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, a acusação tem especial relevância ao definir o objecto do processo, narrando os factos imputados ao arguido e as disposições legais que lhes são aplicáveis [artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) e 285.º, n.º 3, do Código de Processo Penal], devendo manter-se, em princípio, essa identidade até à prolação da sentença.

Sem prejuízo desta regra, fazendo apelo a razões de economia processual e no interesse do próprio arguido, a lei – artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal – prevê e disciplina os casos em que se verifique alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e aqueles em que ocorra alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.

Assim, se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1); esta regra ressalva-se no caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa, mas é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (n.º 2 e n.º 3).

O artigo 359.º disciplina a alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, definida na alínea f) do artigo 1.º do mesmo diploma.

A alteração da qualificação jurídica dos factos, antes mencionada, com referência ao artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não se confunde com a alteração substancial ou não dos factos.

Compreende-se à luz do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição que, quer nos casos em que ocorre alteração não substancial dos factos, quer naqueles em que se verifica alteração substancial dos factos, se imponha a audição do arguido, de modo a ser-lhe facultada efectiva oportunidade de defesa, permitindo-lhe que discuta e tome posição sobre essas questões.

Daí que a sentença seja nula se condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º.

Importa no entanto salientar que a exigência legal em causa não consubstancia uma obrigação formal, de funcionamento automático.

Na verdade, é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a comunicação ao arguido a que alude o artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de um infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar (v.g., convolação de furto ou de qualquer outro crime qualificado para o tipo simples) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2596, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt).

Este entendimento é afirmado, nomeadamente, por Maia Gonçalves (“Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª edição, página 815, em anotação ao artigo 358.º).

Ainda a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque expressa o entendimento de que não há necessidade de comunicação da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos em diferentes casos que explicita e onde se inclui a alteração derivada da posição da defesa e a condenação por um crime menos grave do que o da acusação por força da redução da matéria de facto na sentença, se esta redução não constituir uma alteração substancial dos factos da acusação (“Comentário da Código de Processo Penal”, 2.ª edição, página 908, em anotação ao artigo 358.º).

No caso dos autos e no confronto dos termos da acusação oportunamente deduzida contra a arguida com os factos que o tribunal recorrido julgou provados e a partir dos quais procedeu à qualificação jurídica, logo avulta que as alterações que se registam decorrem essencialmente da restrição resultante da matéria de facto que o tribunal julgou não provada e, especificamente em relação à matéria do ponto 4 dos factos provados e onde se substituiu “sem qualquer motivo justificativo” por “sempre na sequência de uma asneira do menor”, da defesa da própria arguida, como resulta dos termos da sentença, em sede de motivação da matéria de facto.

Assim, existe no essencial identidade entre os factos relatados na acusação e os que o tribunal julgou provados na sentença recorrida e, mesmo que se considere haver alteração não substancial, sempre fica excluída a exigência de comunicação, face ao disposto no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

O crime de maus-tratos configura-se como crime específico, em face da relação especial entre o agente e a vítima, pressupondo uma especial perversão que se traduz, nomeadamente, em castigos corporais e que ultrapassa a incriminação das ofensas à integridade física a que se reporta o artigo 143.º do Código Penal.

Na sentença, depois de se terem caracterizado os pressupostos dos crimes de maus-tratos e de ofensas à integridade física simples, com referência aos artigos 152.º-A, n.º 1, alínea a), e 143.º, n.º 1, ambos do Código Penal, e de se ter considerado que os factos provados preenchiam o tipo legal deste último crime, segundo o qual é punido “quem ofender o corpo ou a saúde de uma outra pessoa”, concluiu-se nos seguintes termos:

«Estará, por sua vez, preenchida a gravidade exigida pelo crime de maus tratos?

Em face do que supra se disse já, parece-nos que a factualidade supra apurada não reflecte a referida gravidade exigida pelo crime de maus tratos, pois não se apurou o necessário ultrapassar o poder/dever de educar ou de corrigir, a necessária intimidação e provocação do sofrimento da vítima que justificam que se considere, na globalidade, uma conduta que atenta de forma inaceitável contra a dignidade da vítima e da sua dignidade enquanto menor. Considera-se não se verificar uma violação grave da integridade física do menor, nem a agressão perpetrada assumir gravidade suficiente para ser enquadrada no tipo legal de maus tratos, sendo, no entanto, intencionalmente dirigida à lesão do corpo e da saúde do menor B....

É evidente, porém, que o comportamento da arguida é censurável e, por essa razão é que o direito penal continua a prevê-lo e sanciona-lo como crime, sem embargo, de o ser apenas como crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal.

Dos autos não resulta demonstrado, ainda, qualquer facto excludente da ilicitude ou da culpa (nem a prática, pela arguida, de um qualquer outro tipo de crime censurado com pena mais grave face ao previsto para o crime de maus tratos que lhe é imputado).

Neste enquadramento, a intervenção do Direito Penal mostra-se justificada, e a qualificação da conduta como integrante da prática de um crime de ofensas corporais simples, mostra-se ajustada, pois sendo o comportamento de reprovar, não merece, porém, aquele acrescido e especial juízo de reprovação indispensável para o qualificar como ofensa à integridade física agravada.

Destarte, conclui-se que a arguida não praticou o crime de maus tratos de que vem acusada, antes praticou o crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, e por ele deve ser condenada.»

Confirma-se assim a alteração da qualificação jurídica, por se considerar que as condutas típicas provadas não revelam o especial desvalor da acção pressuposto pelo crime de maus tratos, restando a punição por aplicação das normas penais gerais, que representam um “minus” em relação ao crime de que o arguido vinha acusado.

O arguido teve conhecimento de todos os elementos constitutivos do crime de ofensas à integridade física simples, designadamente dos relativos à consciência da ilicitude (cf. parágrafos 6 a 8 dos factos provados); tais factos constavam da acusação, pelo que teve possibilidade de os contraditar, ou foram por si alegados em sede de defesa.

Conclui-se por isso que não se verificam os pressupostos que exigem a comunicação a que se reporta o artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pelo que a sentença recorrida não padece da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma legal – improcedendo nesta parte o recurso.

3.            A impugnação da matéria de facto.

A recorrente pretende que ocorre erro de julgamento relativamente aos artigos 4, 5, 6, 7 e 8 dos factos provados.

3.1          Nos termos dos artigos 124.º e 125.º do Código de Processo Penal, constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

Salvo quando a lei dispuser diferentemente – como ocorre nos casos de prova vinculada – o Tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção – artigo 127.º do Código de Processo Penal.

“Como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova” – Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Almedina, página 354, em anotação ao artigo 127.º.

“O princípio da livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado. Ele não viola a CRP antes a concretiza (acórdão do TC n.º 1165/96, reiterado pelo acórdão n.º 464/97): “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessário para uma efectiva motivação da decisão”.

O princípio tem, portanto, limites. A CRP e a lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Esses limites dizem respeito (…) ao grau de convicção requerido para a decisão, (…) à proibição de meios de prova, (…) à observância do princípio da presunção da inocência, (…) à observância do princípio in dubio pro reo” – Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, páginas 329 e 330, em anotação ao mesmo artigo.

O limite normativo do princípio da livre apreciação da prova consubstancia-se no princípio “in dubio pro reo”, que impõe ao julgador que decida para além de toda a dúvida razoável, beneficiando o arguido sempre que, perante as provas disponíveis, exista dúvida séria acerca dos factos.

“O princípio in dubio pro reo consubstancia um princípio geral do direito processual penal (…). Trata-se da aplicação de uma regra de decisão (…). A aplicação deficiente desta regra, bem como a sua não aplicação são passíveis de controlo pelo STJ (…). Mas é importante que se note que este controlo não inclui as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e deveria ter tido (…), pois o princípio in dubio não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio in dubio não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto” – autor e obra anteriormente citados, página 341, em anotação ao artigo 127.º.

3.2          No caso dos autos, a recorrente pretende que há erro de julgamento, entre outros, no ponto 4 dos factos provados – onde consta que, no período compreendido entre o início de Junho e o início do mês de Agosto de 2011, por diversas vezes e sempre na sequência de uma asneira do menor, a arguida colocou o menor B... no quarto, ou desferiu-lhe palmadas no rabo e bofetadas na face.

Sem questionar, no essencial, a veracidade deste facto, insurge-se contra a respectiva redacção lida no sentido de que a arguida desferia palmadas no rabo e, simultaneamente, bofetadas no menor quando este fazia asneiras, facto este que afirma não ser verdadeiro e não resultar da prova produzida em julgamento.

Importa começar por salientar que a leitura do ponto 4 dos factos provados não evidencia que aí se afirme, por um lado, que a arguida procedesse nos termos enunciados em todas as situações em que o menor fazia asneiras e, por outro, que ao agir e em todas as situações em que o fazia, desferisse palmadas no rabo e bofetadas na face do menor.

Dito de outra maneira: resulta da leitura do ponto 4 dos factos provados que houve situações em que o menor fez asneiras e a arguida não reagiu nos termos enunciados, não o colocou no quarto nem lhe bateu (a afirmação de que a arguida o fez “por diversas vezes” não significa que o tenha feito sempre; a certeza que resulta desta matéria é que a arguida, quando colocou no quarto ou quando bateu, o fez sempre na sequência de uma asneira do menor); resulta também que algumas vezes e perante asneiras do menor, a arguida não bateu no menor, antes o colocou no quarto; por outro lado ainda, nas vezes em que bateu ao menor, não se extrai que a sua intervenção se tenha sempre concretizado através de palmadas no rabo e bofetadas na face. A formulação do ponto 4 admite que, algumas vezes, possam ter ocorrido só palmadas no rabo ou bofetadas na face e, outras vezes, possam ter-se verificado ambas.

Resulta da fundamentação da sentença recorrida que o tribunal considerou, essencialmente, as declarações prestadas pela arguida – que, embora não admitindo a factualidade constante da acusação, acabou por admitir que, de vez em quando, dava uma “sapatada” no rabo do menor B..., quando ele se portava mal – e o depoimento da testemunha H... – confirmando que a arguida, de vez em quando, dava uma palmada no B..., castigava-o, metendo-o no quarto (embora não trancado), e deu-lhe, de vez em quando, duas ou três “lapadas” (que, sensivelmente aos 13m:50s do respectivo depoimento, esclarece ser na cara), mas sempre na sequência de asneiras que a criança fazia. Esta mesma testemunha, no respectivo depoimento (13m:35s) e ao ser questionado se, ao afirmar que a arguida dava palmadas, estas eram no rabo, respondeu que as palmadas tanto podiam ser no rabo como na cara. Em outro momento do seu depoimento (sensivelmente, 10m:10s), a testemunha afirmou ainda que a arguida “mandou duas ou três sapatadas com mais força”.

Perante esta afirmação não está excluído que, algumas vezes, tenham sido dadas palmadas na cara e no rabo da criança, sem que tal se mostre contrariado pelos termos da fundamentação da sentença recorrida e sem que isso signifique que tal tenha ocorrido sempre ou na maior parte dos casos.

Em face disso, não se vê que haja fundamento para a pretendida alteração da matéria vertida no ponto 4 dos factos provados.

3.3          A recorrente pretende ainda que há erro de julgamento no ponto 5 dos factos provados, impondo-se a resposta negativa perante o teor dos documentos de fls. 21 a 31, as declarações por si prestadas em audiência e os depoimentos das testemunhas F... e H....

No aludido artigo consta a seguinte matéria: com as suas condutas agressivas, a arguida provocou no ofendido menor B... ferimentos e dores, cujas lesões não foram, porém, medicamente comprovadas.

A este propósito, a recorrente alega que é do senso comum que, por si só, a sapatada no rabo ou a bofetada não são adequados a causar dor e muito menos ferimentos.

Não se acolhe este entendimento: se é certo que a sapatada ou a bofetada não causam necessariamente ferimentos (entendidos como feridas, golpes ou chagas), é do senso comum que causam dor – cuja intensidade depende, obviamente, da força, da violência do acto em causa.

Na sentença recorrida afirma-se em termos gerais que a convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados, baseou-se na análise de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, analisada de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum e designadamente com base nos documentos juntos aos autos, nomeadamente, as fotocópias da documentação clínica de fls. 21 a 31.

A leitura da fundamentação evidencia que foram determinantes as declarações prestadas pela própria arguida e o depoimento da testemunha H..., relevando o relato da testemunha F... na medida em que confirma que a arguida dava umas palmadas no rabo do menor B...quando este fazia uma asneira.

Como afirma a recorrente, os documentos em causa (episódios de urgência relativos ao menor B..., na urgência pediátrica do Hospital D. Pedro, em Aveiro, entre 12 de Maio e 7 de Agosto de 2011, e registo clínico de consulta na extensão de (...) do Centro de Saúde de Aveiro, em 4 de Agosto de 2011) não evidenciam qualquer sintoma proveniente de agressão, nomeadamente bofetada ou sapatada; deles resulta, essencialmente, a existência de problemas de saúde do menor, relacionados com asma.

A recorrente pretende que se extrai das respectivas declarações que, tendo dado palmadas no rabo do menor B..., nunca lhe deu bofetadas, não se evidenciando a intensidade das palmadas e que a criança tenha efectivamente sofrido.

Reporta-se ainda ao depoimento de F..., afirmando esta que a arguida, sua mãe, deu algumas palmaditas ao menor, no rabo; ouviu a criança dizer que não doeu e que queria mais (06m:51s). Também a arguida, no respectivo depoimento (sensivelmente, 20m:25s) afirma que o menor, ao dar-lhe uma sapatada (que definiu como uma palmada no rabo) lhe dizia não lhe ter doído.

Sem pôr em causa esta afirmação que terá sido proferida pela criança, não pode ser atribuída à mesma o significado e alcance pretendidos pela recorrente: como salienta o Ministério Público, no respectivo parecer, tal atitude mostra-se conforme a atitude de desafio da criança, perante a palmada, conforme à caracterização que dela é feita e com significado inverso.

E se é certo que o relato da própria arguida e da testemunha F... não revelam a intensidade das palmadas, resulta de modo incontroverso do depoimento da testemunha H... que a arguida lhe bateu algumas vezes “com mais força” (cf. sensivelmente 10m:10s do respectivo depoimento).

A ponderação dos elementos enunciados, em confronto com as ressalvas feitas na sentença recorrida em relação ao depoimento da testemunha F..., se permite questionar a efectiva demonstração de ferimentos sofridos pelo menor em resultado da intervenção da arguida, já não permite que se afirme a inexistência de dor causada ao menor.

Assim, justifica-se a alteração do ponto 5 dos factos provados, nos seguintes termos:

“5 – Com as suas condutas agressivas, a arguida provocou no menor B... dores, cujas lesões não foram, porém, medicamente comprovadas”.

3.4          A recorrente pretende, finalmente, que há erro de julgamento nos pontos 6 a 8 dos factos provados, impondo-se também aqui a resposta negativa perante o teor dos documentos de fls. 21 a 31, as declarações por si prestadas em audiência e os depoimentos das testemunhas F... e H....

Nos aludidos artigos consta a seguinte matéria:

6 – Agindo da forma descrita, sabia a arguida que causava dores e lesões no corpo do menor B..., o que quis.

7 – Sabia bem a arguida o que estava a fazer e, apesar disso, não se coibiu de levar por diante tais comportamentos.

8 – Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo a sua conduta censurável, proibida e punida criminalmente.

Pretende a recorrente, nesta parte, que tratou o menor B...como se fosse seu neto, com o mesmo critério de educação que aplicava aos seus filhos biológicos, sem discriminação ou diferenciação, como resulta do relato das testemunhas F... e H..., salientando este que quem fazia asneiras levava. Invoca também o facto da arguida é pessoa com a quarta classe e de modesta condição social, alheia à discussão sobre a correcção do uso de castigo físico na educação de uma criança.

É certo que a arguida tem a quarta classe, como se afirma no ponto 10 dos factos provados.

Esse facto, por si só, não permite qualificar a arguida como analfabeta e não a afasta da vida em sociedade e da discussão sobre a aludida questão do denominado “poder de correcção”, na certeza de que a mesma não se confina a fóruns restritos e privilegiados, sendo antes uma discussão aberta.

O tribunal recorrido, perante a ponderação da prova produzida em audiência de julgamento firmou a convicção do seu efectivo conhecimento quanto ao alcance e implicações do seu comportamento, sem que se verifiquem razões que justifiquem alteração de entendimento.

Não releva o facto da arguida tratar – ou ter tratado – de igual modo os seus filhos biológicos; este facto não legitima a sua conduta nem demonstra o seu alheamento ou desconhecimento em relação à correcção de tal comportamento e as respectivas implicações.

Conclui-se por isso que improcede a pretensão da recorrente, quando pretende que sejam excluídos do elenco dos factos provados os que integram os pontos 6, 7 e 8.

4.            A alegada licitude e legitimidade da conduta da arguida, em prejuízo da configuração do crime de ofensas corporais.

A recorrente pretende que a respectiva conduta da traduzida na aplicação de sapatadas ou bofetadas ao menor, na sequência de asneiras por ele praticadas, no contexto exemplificativo de urinar contra as paredes do quarto após aviso, é lícita e legítima, integrando o poder/dever de correcção e educação de menor de idade que está entregue aos seus cuidados, sendo pessoa com a quarta classe e de modesta condição social.

Apesar da ausência de referência expressa a este conceito, na sequência da reforma do Código Civil operada em 1977, afigura-se pacífico que no âmbito das responsabilidades parentais (ou poder paternal) subsiste o denominado poder de correcção; este conceito tem evoluído; contudo, “julgamos que os pais continuam a ter esse poder, mas que (conforme as referidas alterações bem indiciam) não tem autonomia face ao poder-dever de protecção e orientação. Parece-nos ser um poder de segundo grau que deve encarar-se sem carácter punitivo, dentro dos limites da autoridade amiga e responsável que a lei atribui aos pais e que, por isso, só pode ser exercido sem abusos, no interesse dos filhos e com respeito pela sua saúde, segurança, formação moral, grau de maturidade e de autonomia (“Poder paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”, Armando Leandro, “Temas de Direito da Família”, Almedina, 1986, páginas 126 e 127).

O denominado poder de correcção expressa-se, necessariamente, no exemplo e na palavra, sendo discutível se pode abranger castigos corporais.

Pondera-se a este propósito na sentença recorrida:

«O poder de correcção (e não direito de correcção) deve ser entendido como inserido no direito à educação, nunca abrangendo o direito de agredir e de ofender a integridade física e psíquica dos filhos – neste sentido, inequivocamente Cristina Dias, in A Criança como sujeito de direitos e o poder de correcção, revista JULGAR, n.º 4, 2008, pág. 95 e 101.

O direito à educação por parte dos filhos e o dever de educação, por parte dos pais não permite qualquer entendimento que passe pela admissibilidade de qualquer comportamento violento dos pais ou de quem exerce as responsabilidades parentais.

Educar não significa punir mas sim ensinar e corrigir sem violência física ou psíquica.

Por outro lado é preciso diferenciar o que será um eventual e legítimo poder correctivo em determinadas fases de crescimento, nomeadamente na infância ou em fases precoces da adolescência e a difícil compreensibilidade (senão mesmo inadmissibilidade) desse poder nas fases tardias da adolescência ou na juventude.

A Reforma de 1995 aboliu a referência à exigência de malvadez e crueldade provinda do Anteprojecto e que a versão original do Código Penal de 1982 consagrava, passando a prever os maus-tratos psíquicos, a par dos maus-tratos físicos e agravou substancialmente as penas. Recentemente, a Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro veio a dar à al. a) do n.º 1 do art. 152.º-A do Código Penal uma redacção que tornou inequívoca a possibilidade de existência de maus-tratos resultantes de conduta não reiterada, assim tomando posição na querela doutrinária e jurisprudencial pré-existentes.

A lei aponta, por isso, um caminho de ampliação das condutas que podem configurar o crime de maus-tratos.

Actualmente, urge pôr o acento tónico no poder correctivo da persuasão, do exemplo e da palavra e na desnecessidade de causar dor física para corrigir, de forma a poder dar uma resposta satisfatória a este problema social tão disseminado. Também, especificamente, na escola (ou infantário) os castigos corporais são, actualmente, considerados reprováveis. Essa urgência também é sentida pela doutrina que salienta que é questionável a admissibilidade desse direito ao castigo e nega que a escola ainda detenha esse poder.

É elementar reconhecer que a gravidade de uma ofensa depende da idade e do desenvolvimento do menor vitimado. Bem assim a dimensão das consequências físicas e psíquicas também releva para a apreciação da relevância jurídico-penal da conduta. Ou seja, não pode deixar de se apreciar a gravidade concreta do comportamento tendo em atenção a fragilidade das vítimas resultante da idade e, num juízo de prognose póstumo, a gravidade das consequências.

Largamente dominante é hoje a doutrina em considerar que a justificação da conduta (que exclui a ilicitude) ocorre só dentro de três condições:

1 – que o agente actue com finalidade educativa, e não para dar vazão à sua irritação, para descarregar a tensão nervosa, ou ainda menos pelo prazer de infligir sofrimento, ou para lograr aquilo que apeteceria chamar um efeito de “prevenção, geral ou especial, de intimidação”;

2 – que o castigo seja criterioso e portanto proporcional, no sentido de que ele deve ser o mais leve possível e não no de que ele possa (que não pode) assumir um peso equiparado ao da falta cometida pelo educando, quando esta foi grave ou muito grave;

3 – e que ele seja sempre e em todos os casos moderado, nunca atingindo o limite de uma qualquer ofensa qualificada ou de todo o modo atentatória da dignidade do menor, ensinamento este assumido pelo Acórdão da Relação do Porto, de 7 de Novembro de 2007, acessível in www.dgsi.pt..

Como se disse supra, o Código Civil não consagra já qualquer direito de correcção moderada. Assim, a admitir-se o direito ao castigo, este inclui-se sempre no âmbito do poder paternal e é uma sub-espécie do poder-dever de educar. A doutrina vem admitindo a transferência desse direito mas apenas para pessoas próximas da criança e que gozem da confiança pessoal dos pais o que torna discutível a transmissão desse direito para a escola ou infantário, sendo certo que é de afastar a existência de um direito de castigo pessoal por parte dos professores e, ainda menos por parte de auxiliares de educação.»

Perante estes elementos e reportando-se à concreta situação do menor B..., concluiu-se na sentença recorrida que a factualidade apurada não reflecte a gravidade exigida pelo crime de maus-tratos (cuja prática era imputada à arguida em sede de acusação), “pois não se apurou o necessário ultrapassar o poder/dever de educar ou de corrigir, a necessária intimidação e provocação do sofrimento da vítima que justificam que se considere, na globalidade, uma conduta que atenta de forma inaceitável contra a dignidade da vítima e da sua dignidade enquanto menor. Considera-se não se verificar uma violação grave da integridade física do menor, nem a agressão perpetrada assumir gravidade suficiente para ser enquadrada no tipo legal de maus tratos, sendo, no entanto, intencionalmente dirigida à lesão do corpo e da saúde do menor B...”.

Considera-se que, apesar disso, “o comportamento da arguida é censurável e, por essa razão é que o direito penal continua a prevê-lo e sancioná-lo como crime, sem embargo, de o ser apenas como crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal”.

Perante os factos que resultaram provados da discussão da causa em audiência de julgamento, não se vê que esteja justificado o comportamento da arguida, mesmo tendo presente que agiu na sequência de asneiras do menor, importando salientar que se trata de uma criança que, à data dos factos, acabara de completar dois anos e meio, sem que se evidencie a necessidade ou justificação da agressão física como elemento de correcção.

Conclui-se por isso que não há fundamento para afirmar a licitude e legitimidade do comportamento da arguida.

5.            A adequação da pena imposta à arguida.

Na sentença recorrida, decidiu-se condenar a arguida, enquanto autora de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 270 dias de multa, à taxa diária de € 5,10. A recorrente pretende que se trata de pena excessiva, não devendo a mesma ultrapassar os 90 dias de multa.

O crime em questão é sancionado com pena de prisão de um mês até três anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias – cf. artigos 143.º, n.º 1 e 47.º do Código Penal.

Na determinação da medida da pena dentro dos limites referidos, importa atender ao critério estabelecido pelos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.

Nos termos deste normativo, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Relativamente aos critérios de escolha da pena, o artigo 70.º do Código Penal estabelece que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na sentença recorrida considerou-se adequada a sujeição da arguida a pena de multa, não se questionando esta decisão.

Na fixação da concreta pena de multa, ponderou-se na sentença recorrida:

«A) Em desfavor da arguida milita:

O grau moderado da ilicitude dos factos, tendo em conta a natureza dos bens jurídicos violados – a integridade física da pessoa humana;

Ter sido cometido por acção;

Ter sido o crime de ofensa à integridade física cometido sobre o menor;

A gravidade das suas consequências, ou seja, as lesões que resultaram para o ofendido;

A intensidade do dolo (directo) do agente quanto ao crime em causa;

A arguida possui antecedentes criminais, sendo dois deles por crimes de idêntica natureza.

B) Em favor da arguida milita:

O circunstancialismo envolvente, dado que os factos ocorreram quando a arguida tinha o menor a seu cargo.

Em termos de prevenção geral, atendendo a que estamos perante um tipo legal de crime que protege bens jurídicos pessoais, e ainda, o modo de execução da respectiva conduta, as exigências são medianas.

Em termos de prevenção especial, atendendo aos elementos fornecidos acerca das condições económicas e pessoais da arguida, e aos antecedentes criminais da arguida, não se impõem medidas mais rigorosas.»

Ponderando as razões que se deixam enunciadas, importa salientar a restrição à matéria de facto que antes se deixou mencionada, sem que se evidenciem, em concreto, consequências com especial gravidade, relativamente ao menor agredido.

Perante as concretas circunstâncias em que ocorreram os factos e as consequências conhecidas e pese embora a existência de antecedentes criminais da arguida, onde se incluem condenações pela prática de crimes de ofensas corporais, afigura-se ajustada pena que se contenha na metade inferior da medida estabelecida na norma incriminadora.

Assim, dando nesta parte parcial procedência ao recurso, reduz-se para 120 dias a pena de multa a aplicar à arguida.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra em dar parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos:

1.            Alterar a sentença recorrida no que concerne à matéria de facto e, assim, o ponto 5 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: “Com as suas condutas agressivas, a arguida provocou no menor B... dores, cujas lesões não foram, porém, medicamente comprovadas”.

2.1 Revogar a sentença recorrida na parte em que condena a arguida, pela prática de crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de duzentos e setenta dias de multa, à taxa diária de € 5,10.

2.2 Condenar a arguida, pela prática do aludido crime, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 5,10 (cinco euros e dez cêntimos).

3.            Manter no remanescente a sentença recorrida.

4.            Sem custas.

*

(Joaquim Correia Pinto - Relator)

(Fernanda Ventura)