Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
91/06.0GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PENA DE MULTA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 126º, N.º 1, AL. A), DO C. PENAL
Sumário: A instauração de processo executivo para obter o pagamento da pena de multa não integra a causa de interrupção da prescrição (execução da pena) prevista na al. a), do n.º 1, do art.º 126º, do C. Penal.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

O Ministério Público, veio interpor recurso do despacho de fls. 133/135, proferido em 21-12-2010, que declarou extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido RR... e, determinou o arquivamento dos autos.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:
1) A decisão de 21 de Dezembro de 2010 que declarou extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido RR..., violou o disposto nos arts. 122°, n.º l , al. d) e n.º 2, 125°, n.º l , als. a) e d) e n.º 2, 126°, n.º 1, al. a) e n.ºs. 2 e 3, 48º, 49°, e 58°, n.ºs 3 e 4, do Código Penal e 489°, n.º 2 do Código de Processo Penal.
2) A pena de 80 dias de multa a que o arguido foi condenado por sentença de 17 de Novembro de 2006, transitada em julgado a 5 de Dezembro de 2006, não se encontra prescrita.
3) A pena de multa prescreve no prazo de 4 anos a contar do dia em que transitar em julgado a sentença, art. 122°, n.º 1, al. d) e n.º 2 do Código Penal.
4) A prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, art. 126°, n.º 3 do Código Penal.
5) A prescrição da pena interrompe-se com a sua execução, art. 126°, n.º l , al. a) do Código Penal, entendendo-se, no caso da pena de multa, que aquela locução refere-se à situação em que o tribunal procura obter pagamento através do competente procedimento legal, ou seja, o procedimento executivo.
6) No caso em apreço a acção executiva foi instaurada a 26 de Abril de 2007 começando desde esta data a correr novo prazo de prescrição (art. 126°. n.º 2 do Código Penal)
7) E desde aquela data até ao dia 21 de Dezembro de 2010. quando foi declarada extinta a pena de multa por prescrição, não decorreram 4 anos, o prazo normal da prescrição da pena, nem desde o trânsito em julgado da sentença condenatória decorreram seis anos, o prazo máximo da prescrição da pena.
Todavia, mesmo para quem considere que a instauração da acção executiva não tem efeito interruptivo sobre o prazo de prescrição da pena, a pena a que o arguido foi condenado não se mostra prescrita.
8) Por decisão proferida a 22 de Setembro de 2010, quando, e ressalvado o período de 15 dias para o pagamento da multa previsto no art. 489°, n.º 2 do Código de Processo Penal (causa de suspensão da prescrição da pena prevista na al. d) do n.º 1 do art. 125° do Código Penal), haviam decorridos 3 anos 9 meses e 2 dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, a pena de multa aplicada ao arguido foi substituída por trabalho a favor da comunidade aguardando o arguido desde essa data, para dar início ao cumprimento da pena, a definição das circunstâncias em que deverá realizar o trabalho a que foi sujeito em substituição da multa.
9) Assim, a partir do mencionado dia 22 de Setembro de 2010 deixou de poder exigir-se o cumprimento da pena de multa ao arguido bem como o início do trabalho a favor da comunidade em que aquela foi substituída, o que constitui uma causa suspensiva da prescrição da pena, prevista na al. a) do n.º l do art. 125° do Código Penal.
10) Logo, quando a multa foi substituída por trabalho não se encontrava prescrita e o cumprimento do trabalho encontra-se ainda dependente da notificação do arguido do plano para a sua execução, data em que cessará a causa de suspensão da prescrição da pena, prevista na al. a) do n.º 1 do art. 125º do Código Penal, e voltará a correr o prazo de prescrição da mesma.
11) Deve, pois, a decisão que declarou extinta, por prescrição, a pena aplicada ao arguido RR..., ser revogada e substituída por outra que determine o início do trabalho a favor da comunidade e as circunstâncias em que o mesmo deve ser cumprido tendo em conta o relatório, elaborado pelos serviços de reinserção social, junto aos autos a fls. 129 a 131.

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O arguido apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso, com a consequente manutenção do despacho recorrido.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, respondeu o arguido dando por reproduzida a resposta à motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Como se alcança de fls. 57 e seguintes dos autos, foi o arguido RR... condenado por sentença datada de 17 de Novembro de 2006, transitada em julgado em 05 de Dezembro de 2006, na pena, para além do mais, de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. nos termos do artigo 292°, n.º 1 do Código Penal.
O arguido ainda não procedeu ao pagamento voluntário da multa em que foi condenado, nem foi possível obter o pagamento coercivo da mesma.
Estabelece o art. 122.° do Código Penal que:
"1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão:
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena."

Assim, no caso em apreço não existem dúvidas de que o prazo prescricional é de 4 anos.
Por outro lado, temos de atender aos vários factos a que a lei atribui eficácia suspensiva ou interruptiva da prescrição, os quais vêm referidos nos artigos 125° e 126°, ambos do Código Penal.
Ora, no caso em apreço, a sentença proferida transitou em julgado em 05 de Dezembro de 2006, sendo certo que o cumprimento da pena de multa ainda não foi iniciado.
Neste ponto, convém esclarecer que, pese embora o período da sanção acessória já tenha sido cumprido, os prazos de prescrição das penas correm separadamente quando ao crime sejam aplicadas penas de espécies diferentes (cf. neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica, 2008. página 336).
Acresce que, e tal como se refere no ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 14 de Outubro de 2009, in www.dgsi.pt "A instauração de acção executiva destinada a obter o pagamento de pena de multa não integra a causa interruptiva da prescrição prevista no artigo 126º, n.º 1, alínea a) do Código Penal."
Deste modo, devemos concluir que o prazo prescricional da pena aplicada ao arguido já decorreu.
Pelo exposto, atento o disposto no artigo 122.°, n.º 1 , alínea d), declaro extinta, por prescrição, a pena aplicada ao arguido RR... e determino o arquivamento dos autos.
Notifique.
Comunique à DGRS.
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APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, a questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se a instauração da acção executiva, destinada a obter o pagamento da multa, constitui causa de interrupção da prescrição da pena, nos termos do artigo 126º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
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Com interesse para os autos há a considerar o seguinte:
- por sentença de 17-11-2006, foi o arguido RR… condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 do CP, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 6,00€; esta decisão transitou em julgado em 5-12-2006;
- o arguido não efectuou o pagamento voluntário da multa, tendo sido instaurada a respectiva execução para obtenção do seu pagamento, em 26-4-2007;
- por despacho de 26-4-2010, verificando-se que o executado não possuía bens, foi determinado o arquivamento condicional da execução;
- já depois deste arquivamento, veio o arguido a requerer o pagamento da multa em prestações, o que foi indeferido põe extemporaneidade (despacho de 7-7-2010, a fls. 109);
- notificado deste indeferimento, veio o arguido requerer a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, pretensão que a Srª Juiz entendeu como tempestiva, no despacho de 22-9-2010 (fls. 118/121), tendo ordenado a realização das diligências a que alude o n.º 2 do artigo 490º do CPP;
- e, em 21-12-2010, foi proferido o despacho recorrido, que declarou extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido.
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Nos termos do que dispõe o artigo 122º, n.º 1, al. d) do Código Penal a pena de multa prescreve no prazo de quatro anos e, “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena(n.º 2 deste preceito).
Quanto às causas de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, estão as mesmas previstas respectivamente nos artigos 125º e 126º do CP.
Ora, a questão suscitada no recurso consiste em saber se a instauração da execução destinada a obter o pagamento da pena de multa integra a causa de interrupção prevista na alínea a) do n.º 1 do citado artigo 126º, onde se estatui que «a prescrição da pena interrompe-se com a sua execução».

A este propósito a jurisprudência tem divergido. Assim:
“A instauração da acção executiva para cobrança de multa criminal não tem efeito interruptivo da prescrição da pena, em virtude de aquela execução não ter a natureza de execução ou cumprimento da mesma pena” – Ac. RL de 9-10-1985, CJ, X, tomo 4, pág. 176.
A instauração de execução patrimonial para a cobrança coerciva da pena de multa, sobre o património do arguido, é somente um meio posto ao alcance de quem tem competência para o fazer – neste caso o Ministério Público, nos termos dos artigos 469º e 491º, n.º 2 do CPP – para que venha a ser alcançado o fim a que se destina – a execução da pena de multa.
No mesmo sentido, Acs. RP de 4-2-2004 no proc. n.º 0315181 e de 28-4-2004, Acs RC de 23-9-2009 no proc. 194/02.0TAOBR, e de 14-10-2009 no proc. n.º 50/03.5GAOBR, e o A. RL de 25-3-2010 no proc n.º 347/04.7GEOER.
Como se decidiu no citado Ac. RP de 4-2-2004, disponível em www.dgsi.pt, «Da mesma forma que um mandado de captura e detenção não constitui execução da correspondente pena de prisão, não pode entender-se como execução da pena de multa os meios utilizados pelo Ministério Público na obtenção da sua cobrança ou execução patrimonial. Assim sendo, a execução instaurada pelo exequente em 12/05/2000, para cobrança coerciva da multa em que fora condenado o arguido, antes de decorrido o referido prazo prescricional de 4 anos, não constitui execução de tal pena e, bem assim, a causa interruptiva de tal prazo, taxativamente prevista no citado art°126°, n°1, al. a) do Cód. Penal então e ainda vigente. ».

Em sentido contrário, de que “a prescrição da pena de multa e interrompe com a apresentação do requerimento para execução patrimonial de bens do executado”: - os acórdãos da RC de 19-10-2010 no proc. 262/06.0GBOBR, Ac. RP de 17-1-2007 no proc. n.º 0615889.

Analisando os argumentos de cada uma das posições adoptadas, afigura-se-nos como mais correcta a que considera que a instauração da execução para obter o pagamento da pena de multa não integra a causa de interrupção prevista no artigo 126º, n.º 1, al. a) do CP.
Como se salienta no citado acórdão desta Relação, de 14-10-2009, disponível in www.dgsi.pt, de que é Relatora, a Exmª Desembargadora Pilar Oliveira, e que acompanhamos de perto “Recorrendo apenas ao elemento literal da norma e ao sentido da palavra execução referida a pena, não temos qualquer dúvida em afirmar que execução de pena não tem coincidência com o conceito de processo de execução, ainda que este se destine a executar uma pena. O ponto de coincidência entre o processo executivo e a execução da pena apenas se atinge no momento em que se obtém o pagamento da multa (ainda que parcial).
Vejamos, no entanto, se existem razões válidas para se extrapolar da interpretação literal, tendo em consideração que, se por um lado a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º do Código Civil).
Recorrendo ao elemento histórico, verificamos que do projecto de Código Penal de 1963 constava o artigo 115º prevendo, a par da execução da pena e como causa de interrupção da prescrição, os actos da autoridade competente tendentes a fazer executar a pena. Tal redacção não foi vertida para a versão final do Código Penal.
Da discussão travada na comissão revisora resulta claramente que se quis afastar a previsão que foi retirada do texto final e que apenas os actos verdadeiramente executivos da pena deviam interromper a prescrição, apenas se consentido que execução se assimile a início de execução da pena. E existe início de execução da pena, no caso de penas de prisão com a captura do arguido ou com o trânsito em julgado da decisão condenatória, se já antes se encontrava preso preventivamente e, nas penas de multa, com o pagamento da primeira prestação da multa, se autorizada essa modalidade, com o pagamento ainda que parcial da multa através de execução patrimonial ou com o pagamento voluntário da totalidade da multa.
(…)
Em suma, o elemento histórico apenas consente que o conceito de execução se estenda ao início da execução da pena e apenas existe execução da pena quando alguma parte desta esteja cumprida, o que não ocorre em processo executivo que não tenha ainda chegado a fase de pagamento, porque nesse caso não teve início o pagamento da multa; a execução dessa pena.
O próprio elemento literal também já consentia essa interpretação porque não se distingue entre execução parcial ou total, sendo a palavra execução apta a abranger as duas realidades.
O que a interpretação literal devidamente concatenada com o pensamento legislativo e demais elementos de interpretação não consente é que os meios destinados à execução de pena, como seja a acção executiva, sejam confundidos com a execução propriamente dita da pena.”.

Por conseguinte, no caso vertente, tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 5-12-2006 e que, tendo o arguido sido notificado para proceder ao pagamento da multa, se suspendeu a prescrição da pena enquanto perdurou a dilação do pagamento da multa (15 dias – n.º 2 do art. 489º do CPP), nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 125º do CP e, considerando ainda o prazo de 4 anos, e que se não verificam outros factos interruptivos ou suspensivos do prazo da prescrição, a prescrição da pena de multa ocorreu em 20-12-2010.
Nenhum reparo nos merece pois, o despacho recorrido.
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Alega ainda o recorrente que «mesmo para quem não entenda que a instauração do processo executivo constitui uma causa de interrupção da prescrição da pena de multa, ainda assim, a pena a que o arguido foi condenado nos autos não se encontra prescrita porquanto, por decisão proferida a 22-9-2010, a pena de multa aplicada ao arguido foi substituída por trabalho a favor da comunidade, aguardando o arguido, desde essa data para dar cumprimento ao cumprimento da pena (…). Assim, a partir do mencionado dia 22-9-2010 deixou de poder exigir-se o cumprimento da pena de multa ao arguido, bem como o início do trabalho a favor da comunidade em que aquela foi substituída, o que constitui uma causa suspensiva da prescrição da pena prevista na al. a) do n.º 1 do art.125º do CP».

Não tem razão o recorrente.
Contrariamente ao que alega, não foi a pena de multa aplicada ao arguido substituída por trabalho a favor da comunidade, nem no despacho proferido em 22-9-2010, nem posteriormente (já que o despacho que se lhe seguiu foi o despacho recorrido).
No invocado despacho a Srª Juiz pronunciou-se apenas sobre a tempestividade do requerimento apresentado pelo arguido (ainda que tenha solicitado à Direcção-Geral de Reinserção Social a realização de diligências, com posterior informação).
Em conformidade, e sem necessidade de outras considerações, não se vislumbrando qualquer causa suspensiva da prescrição da pena, designadamente a apontada pelo recorrente, também improcede, nesta parte, o recurso.
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III - DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso.
Sem tributação.
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Elisa Sales (Relatora)
Paulo Valério