Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5928/12.2TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ADOPÇÃO
IRREVOGABILIDADE
REVISÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – 2ª SECÇÃO DE FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1989º, 1990º E 1991º DO C. CIVIL; 173º-A, Nº 3 DA OTM.
Sumário: 1.- A lei (art. 1989º CC) consagra o princípio da irrevogabilidade da adopção plena, cuja justificação assenta no princípio da confiança e da estabilidade das relações familiares. Só excepcionalmente (arts. 1990º e 1991º CC) é admitida a revisão, como incidente do processo de adopção (art.173º-A, nº 3 da OTM), mas apenas com base nos fundamentos substantivamente previstos e pelas pessoas a quem a lei confere legitimidade.

2.- A sentença de adopção pode, no entanto, ser revista através do recurso extraordinário de revisão (art. 696º CPC), desde que verificados os apertados requisitos legais.

3.- O princípio da prevalência da família, enquanto princípio orientador de intervenção, impõe que seja dada preferência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no “meio natural de vida “ (arts.4º, g) e 35º, nº 3 da Lei nº147/99). Isto porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) - arts. 36º e 67º da CRP; art.7º, nº 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança.

4.- Decretada a adopção, o princípio da prevalência da família não confere legitimidade a uma irmã do adoptado para deduzir o incidente de revisão da sentença.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO


1.1.- C… – instaurou incidente de revisão da sentença de adopção do menor R…

            Alegou, em resumo:

            A requerente é irmã do menor R…, nascido em 30/1/2006, sendo filho biológico de J… e de S...           

No âmbito do processo promoção e protecção a favor de R…, que se iniciou com a denúncia da requerente, foi aplicada, em 9/12/2010, a medida de acolhimento na instituição “O C…”, tendo sido autorizada (em 13/1/2011) a visita dos irmãos.

            Pedida a confiança de R… à sua irmã I…, apenas foram autorizadas visitas a casa dela aos fins de semana.

            Em Abril de 2011, numa destas visitas, o progenitor (J…) quis levar à força o menor, contra a vontade da irmã, o que motivou a intervenção policial.

Em Abril de 2011 a Requerente tinha uma filha de 4 anos e encontrava-se grávida, vindo o bebé a nascer em 2/9/2011.

O progenitor sempre foi agressivo e violento, passando, a partir de Abril de 2011, a apresentar-se também permanentemente alcoolizado e com um discurso errático e instável.

O comportamento de ambos os progenitores do menor R…, absolutamente desequilibrados e agressivos, e o episódio ocorrido com a sua irmã I…, fizeram com que a Requerente temesse pela saúde e vida do seu nascituro, não conseguindo controlar a ansiedade, tendo sido aconselhada pelo seu médico assistente para evitar emoções fortes e situações de risco.

A Requerente teve, por isso, de tomar a difícil decisão de confiar o seu irmão ao acolhimento em instituição, acreditando que poderia vir a tomar conta dele num futuro próximo, decidindo fazê-lo em Maio de 2013, vindo a saber que o seu irmão já não estava na instituição e que tinha sido adoptado.

A Requerente, a sua mandatária e os seus irmãos não foram notificados da intenção do Ministério Público de aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção.

Em 3/10/2011 foi proferida decisão que aplicou a favor da criança a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no art.º 35º, n.º 1, al. g) da LPCJP (L 147/99 de 01.09).

Os progenitores não interpuseram recurso dessa decisão, não tendo tal decisão sido notificada aos irmãos da criança, identificados no processo n.º … como família alargada daquele.

Nenhum dos irmãos, nem a mandatária judicial, esteve presente no debate judicial ocorrido no dia 21/9/2011, desconhecendo a intenção ou a possibilidade de vir a ser aplicada a referida medida, por total ausência de comunicação prévia, quer por parte do Ministério Público, quer por parte do Tribunal.

A audiência de julgamento decorreu sem a presença das Juízes Sociais, tendo a Mmª Juiz considerado que a ausência das mesmas não devia determinar o adiamento da diligência, decidindo que se encontravam reunidas as condições para iniciar o debate judicial, sendo o Tribunal composto apenas pelo Juiz do processo, que presidiria à diligência. Não se pode conceber que a medida limite possa ser tomada por um juiz singular.

A referida medida não pode ser tomada sem que os pais ou outros familiares participem na discussão da medida e tenham a oportunidade de exercer o contraditório, pois enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício das responsabilidades parentais, a da confiança para futura adopção significa a privação quer do exercício quer da titularidade do poder paternal, por força do art.º 1978º-A do CC.

A decisão que aplicou ao menor R… a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção violou a lei e os direitos da criança, não tendo, por isso, a virtualidade de afastar o consentimento dos familiares da criança, no caso da decisão de adopção, encontrando-se esta viciada na sua génese (arts 4º e 35º da LPCJP, art.º 9º da Convenção dos  Direitos da Criança e  art.16º CRP).

Pediu a revisão da sentença de adopção.

Contestou o Ministério Público, defendendo-se por excepção, ao arguir a ilegitimidade activa da requente, visto que a lei (art. 1991º CC) não a legitima a pedir a revisão, e por impugnação alegou no sentido de que a preconizada revisão afectaria os interesses do adoptado.

Respondeu a requerente contraditando a excepção, alegando, em síntese, que a legitimidade para a revisão da sentença de adopção não pertence apenas aos progenitores, e a legitimidade da requerente deve ser aferida nos termos do art. 197º do CPC, por ser quem interesse na observância das formalidades preteridas, que implicam nulidade processual e na garantia do contraditório, dada a prevalência do princípio da família natural.

1.2.- Por sentença de 21/8/2014 decidiu-se julgar a requerente parte ilegítima e indeferir o recurso de revisão.

1.3.- Inconformada, a Requerente recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

            Contra-alegaram o Ministério Público e os adoptantes …, no sentido da improcedência do recurso.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto do recurso

A questão submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se a requerente está legitimada a deduzir o incidente de revisão de sentença de adopção do menor R...

2.2.- Os elementos processuais relevantes

R… nasceu em 30/1/2006, sendo filho biológico de J… e de S...

A requerente é irmã do menor.

No âmbito do processo promoção e protecção a favor de R. foi aplicada, por sentença de 9/12/2010, a medida de confiança na instituição “O C…”, com vista à adopção.

Em 18/5/2012 a curadoria provisória do menor foi transferida para P… e E…, casal candidatos à adopção.

Por sentença de 9/1/2013, transitada em julgado, foi decretada a adopção plena do menor R… pelos adoptantes P… e E…, passando o menor a chamar-se “R…”.

A requerente C… deduziu o incidente de revisão da sentença de adopção.

Por sentença de 21/8/2014, julgou-se a Autora parte ilegítima e indeferiu-se a revisão.

2.3.- O mérito do recurso

A sentença recorrida desatendeu o pedido da requerente com base em dois tópicos argumentativos: (i) falta de legitimidade activa e (ii) porque (subsidiariamente) os interesses do menor seriam consideravelmente afectados.

Objecta a Apelante dizendo que a sua legitimidade assenta no princípio da prevalência da família biológica, sendo que as nulidades cometidas no âmbito do processo de protecção não ficaram sanadas com a sentença de adopção ( “ a Autora tem a legitimidade suficiente e necessária decorrente da importância que a lei lhe reserva e confere enquanto família alargada do menor, a considerar em obediência ao princípio da prevalência da família” ).

A lei ( art. 1989 CC ) consagra o princípio da irrevogabilidade da adopção plena  (“A adopção plena não é revogável nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado”), cuja justificação assenta no princípio da confiança e da estabilidade das relações familiares e na garantia constitucional da protecção da adopção (art. 36 nº7 CRP).

No entanto, o art.1990 nº1 CC prevê excepcionalmente a possibilidade de revisão da sentença de adopção, ao enunciar (alíneas a) a e)) taxativamente as causas ou fundamentos da impugnação.

Sendo a adopção um “acto jurídico complexo” (integrado pela declaração de vontade do adoptante, os consentimentos exigidos e a sentença), e não uma declaração negocial, a lei não prevê a anulação da adopção (por falta ou vícios do consentimento), mas instituiu (excepcionalmente) a revisão da sentença, com a destruição retroactiva dos seus efeitos.

Porém, o art.1991 do CC estabelece as pessoas com legitimidade para pedir a revisão da sentença e a caducidade do direito, sendo que a legitimidade varia em conformidade com o fundamento subjacente, e, no plano processual, a revisão é processada como incidente do processo de adopção ( art.173-A nº3 OTM ).

Mesmo que se comprovem os fundamentos da revisão, esta não é concedida se os interesses do adoptado ficarem “consideravelmente afectados” (nº3 do art.1990 CC), ou seja, se isso perigar o seu desenvolvimento, se os interesses forem seriamente ameaçados.

Pode afirmar-se que a regra é a irrevogabilidade da sentença de adopção, e a excepção a sua revisão, apenas com base nos fundamentos substantivamente previstos e pelas pessoas a quem a lei confere legitimidade.

Claro está que isto não obsta a que que a sentença não possa ser revista através do recurso extraordinário de revisão (art.696 CPC), como resulta do art.173-A OTM, desde que verificados os apertados requisitos legais.

A requerente, irmã do adoptado, fundamenta o pedido de revisão, não em quaisquer das causas do nº 1 art.1990 CC, mas em nulidades processuais, alegadamente praticadas no processo de protecção (ausência de notificação à requerente da medida de confiança com vista à adopção, não intervenção de juízes sociais).

Desde logo, a revisão só pode fundar-se nas causas do art.1990 nº1 (falta ou vícios do consentimento) e jamais em alegadas nulidades processuais do processo de protecção.

Para além disso, a lei apenas confere legitimidade para o pedido de revisão às pessoas referidas no art. 1991 do CC, o que manifestamente não é o caso, porque a lei não exige o consentimento da requerente, irmã do adoptado, para a adopção.

A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº147/99 de 1/9), assume um novo paradigma no direito dos menores, cujo art.35 prevê um conjunto de medidas de promoção e protecção, com o objectivo, expressamente assinalado no art.34, de afastar o perigo em que estes se encontram (alínea a/), proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (alínea b/), garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (alínea c/).

            A medida decretada de confiança a pessoa seleccionada para adopção, prevista no art.35 alínea g) da LPJCP, foi introduzida pela Lei nº31/2003 de 22/8, pressupõe, nos termos do art.38-A, que se verifique qualquer das situações previstas no art.1978 do CC, cujo espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares (por exemplo, a toxicodependência ou o alcoolismo), sendo que a “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação“ revela-se como requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas e o perigo exigido na alínea d) do nº1 do art.1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art.1978 do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.

            Neste contexto, a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção ( arts.38-A e 62-A da LPCJP ), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a “confiança pré-adoptiva“, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.

            O grande princípio orientador da intervenção é o “superior interesse da criança” (art.3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, art.4 a) LPCJP , nº2 1978 CC) devendo atender-se a outros princípios como o da prevalência da família, o qual impõe que seja dada preferência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no “meio natural de vida “ (arts.4º g) e 35 nº3 da Lei nº147/99), porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) - arts. 36º e 67º da CRP, art.7º, nº1 da Convenção. Contudo, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa seleccionada para adopção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.

            Tudo isto para dizer que o princípio da prevalência não confere à requerente qualquer direito subjectivo processual, pois não a investe na qualidade de “titulares de responsabilidade parentais”. Trata-se de um princípio jurídico, que actua como critério de orientação, como satandard hermenêutico.

            E tanto assim que a Lei da Protecção nem sequer prevê a notificação dos elementos da família alargada, nem da sua obrigatória audição, mas apenas aos pais, representantes legais, às pessoas que tenham a guarda de facto (cf. arts. 85, 104, 107), que são quem têm legitimidade para recorrer da aplicação da medida (art.123 nº2).

            Sem necessidade de maiores considerações, improcede o recurso.

            2.4.- Síntese conclusiva

1.- A lei (art. 1989 CC) consagra o princípio da irrevogabilidade da adopção plena, cuja justificação assenta no princípio da confiança e da estabilidade das relações familiares. Só excepcionalmente (arts. 1990 e 1991 CC) é admitida a revisão, como incidente do processo de adopção (art.173-A nº3 OTM), mas apenas com base nos fundamentos substantivamente previstos e pelas pessoas a quem a lei confere legitimidade.

2.- A sentença de adopção, pode, no entanto, ser revista através do recurso extraordinário de revisão ( art.696 CPC), desde que verificados os apertados requisitos legais.

3.- O princípio da prevalência da família, enquanto princípio orientador de intervenção, impõe que seja dada preferência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no “meio natural de vida“ (arts.4º g) e 35 nº3 da Lei nº147/99). Isto porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) - arts.36º e 67º da CRP, art.7º, nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança.

            4.- Decretada a adopção, o princípio da prevalência da família não confere legitimidade a uma irmã do adoptado para deduzir o incidente de revisão da sentença.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.

2)

            Condenar a Apelante nas custas.

            Coimbra, 3 de Março de 2015.

Jorge Arcanjo (Relator)

 Teles Pereira ( com declaração de voto)

 Manuel Capelo

            Concordo com a decisão e com os fundamentos, subscrevendo aquela e estes. Pretendo esclarecer com esta declaração, todavia, em vista de ulteriores tomadas de posição sobre a mesma matéria, uma questão que o enquadramento geral do caso concreto me suscita.

            Com efeito, entendo que a Apelante, irmã biológica do menor adoptado, não dispõe, nos exactos termos literais em que o artigo 1991º do CC se expressa, de legitimidade para desencadear a revisão da sentença que decretou a adopção, e entendo ainda que os desvalores por esta apontados ao processo que conduziu à adopção não se integram (também numa leitura literal) nos fundamentos de revisão previstos no artigo 1990º, nºs 1 e 2 do CC. Não obstante, entendendo isto relativamente à situação dos autos, desejo expressar que não excluo totalmente – e estou a falar fora do contexto do caso concreto – que alguém tão próximo na família biológica como uma irmã do adoptado possa (deva) ser legitimado para um procedimento de revisão da adopção e que isso deva ser feito repercutir nos próprios fundamentos da revisão, face a questões procedimentais que me levem, no caso concreto, a considerar o procedimento de adopção seguido como “não justo”, sempre que o circunstancialismo do caso, designadamente o factor tempo, não faça actuar a regra prevista no nº 3 do artigo 1990º do CC.

Claro que este (meu) hipotético entendimento se defrontará com o problema da letra do artigo 1991º do CC (e mesmo com a dos nºs 1 e 2 do artigo 1990º). Não excluo, pois, que nessas outras circunstâncias – que aqui, volto a dizê-lo, não se verificam – a legitimação de um irmão biológico para contestar o carácter de “processo justo” do procedimento que conduziu à adopção de um seu irmão, passe pela recusa de aplicação de qualquer uma dessas normas de Direito ordinário, por referência a algum grau de protecção constitucional devido à família biológica alargada (valor que também está presente no artigo 67º, nº 1 da CRP), particularmente quando a família biológica directa ou próxima, rectius, os pais, manifestam desinteresse, são inadequados ou, mesmo, desadequados à protecção da criança.

Trata-se este de um problema reconhecidamente delicado – “[p]roblemas delicados levanta o eventual conflito entre a relação de adopção e a relação de filiação natural […]”[1] –, como o ilustram os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 243/13 (Pedro Machete) e 416/2011 (Maria Lúcia Amaral)[2], ao qual a resposta só pode ser dada com base numa ponderação exigente das circunstâncias concretas, face a princípios gerais constitucionalmente relevantes. Nestes – e é, tão-só, o que aqui se pretende deixar claro em vista de ulteriores situações – os direitos da família biológica alargada, designadamente de uma irmã que se proponha tomar conta de um irmão (posto que o faça em tempo útil para este), não deixam de consubstanciar um valor constitucionalmente relevante, que poderá conduzir a uma outra ponderação da questão da legitimidade para intervir no processo de adopção e, em última análise, a ver reconhecida legitimidade para o procedimento de revisão, quanto mais não seja, por via de uma aplicação analógica do nº 2 do artigo 631º do CPC.

Isto, porém, não corresponde, em meu entender, às incidências do caso concreto, como as apreendo da leitura do processo, sendo que considero correcta a decisão e a fundamentação. Aliás, mesmo que outra fosse a análise que faço do caso – e não é diferente da dos meus Colegas –, sempre me pareceria ser de observar, dado o lapso de tempo já decorrido da confiança e da adopção, o disposto no nº 3 do artigo 1990º do CC, considerando dissipada qualquer mácula procedimental da tramitação que conduziu à constituição do vínculo de adopção.

Vale isto, pois, como voto favorável à presente decisão, apenas com a ressalva de não ter estabelecido com este voto um critério absolutamente imune às incidências particulares de outros casos, com algum tipo de semelhança, que venham a colocar-me perante a interpretação da questão da legitimidade no quadro do artigo 1991º do CC.

Tribunal da Relação de Coimbra, 03/03/2015


J. A. Teles Pereira


[1] J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 566, anotando o artigo 36º.
[2] Respectivamente em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130243.html e
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110416.html.
Estas decisões ilustram um debate, a delicadeza do problema base que lhe subjaz, e não apontam um rumo que possamos considerar uniforme na jurisprudência do TC.