Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4387/18.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO.
FUNDO DE GARANTIA BANCÁRIA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 09/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 298/92, DE 31/12; DECRETO-LEI Nº 486/99, DE 13 DE NOVEMBRO(CVM).
Sumário: I – O dever de informação que impende sobre as entidades bancárias relativamente aos produtos que coloca à disposição dos clientes tem patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário e do modo como são prestados e, também, da literacia bancária do próprio cliente.

II - Se o serviço se traduz e inicia com a sugestão, recomendação de investimento ou conselho de investimento, a intensidade da obrigação de informação é maior porque a criação da base de confiança do cliente justifica maior responsabilização por ser com fundamento nessa confiança que vem a ser tomada a decisão.

III - A afirmação de que um produto financeiro tem características semelhantes a um depósito a prazo, mas com melhor remuneração que os depósitos a prazo, só pode tomar-se como informação completa e verdadeira se tiver um fundamento técnico e normativo que a permita realizar não se podendo referir, apenas, à saúde aparente do sistema bancário em cada distinto momento, significando que é de todo improvável, atendendo ao histórico da banca, que possa haver qualquer problema cogitável, por exemplo o de falência da entidade bancária.

IV - Em linguagem bancária o sentido técnico de o capital estar seguro e garantido apenas pode reportar à salvaguarda do Fundo de Garantia de Depósitos - criado em 1992, pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

V - Mesmo que não se defenda que quando não se cumpra a prestação principal, se tem por violada a norma que manda respeitar o contratado - artigo 406º/1, do Código Civil – e apenas em face de uma causa de justificação poderá o devedor eximir-se a esse juízo de ilicitude, e se recuse que a presunção de culpa do artigo 799º é uma presunção de “culpa-ilicitude”, mesmo assim no caso em decisão focou provada a ilicitude decorrente da verificação da falta do dever de informação.

VI - A verificação da prova do nexo de causalidade cumpre-se com a circunstância apurada de se saber o cliente nunca teria aceitado subscrever a obrigação se lhe tivessem sido explicadas as características do produto, sobretudo que era uma obrigação subordinada e que não beneficiava das garantias atribuídas pelo Fundo de garantia.

Decisão Texto Integral:       








    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Central Cível de Leiria - Juiz 1- G..., D..., E... e B..., instauraram contra Banco B..., S.A., acção declarativa com forma de processo comum pedindo que o réu seja condenado a restituir e a pagar aos autores a quantia de €56.876,96 (cinquenta e seis mil oitocentos e setenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal, contados sobre €50.000,00, desde a citação e até integral e efetivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna.

Alegam para tanto que M..., era cliente do Banco réu e subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação “SLN 2006”, no valor nominal de €50.000,00 (cinquenta mil euros). O referido documento, denominado “Boletim de Subscrição”, sem qualquer numeração, um mero impresso válido para qualquer operação junto do Banco réu, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado. O falecido marido da primeira autora só subscreveu a aquisição do título aqui em causa por que lhe foi afiançado pelo Banco réu que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características. Não foi dada ao falecido marido da primeira autora a nota informativa da operação. Todos os funcionários do Banco réu que lidavam com o falecido marido da primeira autora sabiam que o mesmo não pretendia aplicar as suas poupanças em qualquer outro produto que não um depósito a prazo e tinham perfeita consciência de que o mesmo nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos.

Ao subscrever aquele produto nunca passou pela cabeça do falecido marido da primeira autora – nem tal lhe foi alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de 8 de maio de 2016. Nunca o falecido marido da primeira autora teria aceitado subscrever uma obrigação “SLN 2006”, se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos n.ºs 8 e 9, nomeadamente nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição, ainda por cima estando em causa uma diferença de menos de 2% na taxa de juro nominal.

Na contestação, a ré invocou a excepção de prescrição do direito dos autores e impugnou a matéria alegada pelos demandantes defendendo que nenhum dever de informação foi por si violado e que nada do  que foi informado ao subscritor o induziu em erro ou engano uma vez que a aplicação em causa tinha, na altura, um risco semelhante ao de um depósito a prazo como era informado.

Os autores responderam à matéria da excepção.

Realizada a instrução do processo com realização de julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a improcedente, por não provada, a excepção peremptória de prescrição invocada pelo Réu e julgou parcialmente procedente, por provada, a acção instaurada por G..., D..., E... e B... contra o Banco B..., S.A., e em consequência:

    Condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de 50.000€ (cinquenta mil euros), acrescida de juros, vencidos e vincendos, calculados sobre tal quantia, à taxa legal em vigor para as operações civis, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

… …

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso o Banco réu concluindo que:

Fundamentação

O tribunal em primeira insta julgou como provada a seguinte matéria de facto:

O tribunal em primeira instância julgou como não provada a seguinte matéria de facto:

...

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso remete para a impugnação da matéria de facto que sinaliza como tendo sido incorrectamente julgada e, a partir da alteração do julgamento dessa matéria de facto, o recurso versa também sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil que a apelante entende não se verificam, nomeadamente, por não existir ilicitude nem violação do dever de informação, inexistir culpa e nexo de causalidade que imponha qualquer dever de indemnizar.

Abordando em primeiro lugar a impugnação da matéria de facto, a apelante sustenta que os pontos 15 e 25 dos factos julgados provados na sentença deveriam ser julgados como não provados.

Refere o nº1 do art. 640 do CPC que quando haja sido requerida impugnação da matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente e sob pena de rejeição especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

E acrescenta o nº2 do preceito que no caso de terem sido invocados meios probatórios gravados como fundamento do erro na apreciação do recurso, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens gravadas em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Sendo estes os requisitos de forma estabelecidos na lei como imprescindíveis ao conhecimento da impugnação e estando eles satisfeitos no recurso interposto, deixa-se expresso que a matéria de facto impugnada é a constante dos pontos 15 e 25 que, tendo sido julgados provados, pretende a Apelante que sejam considerados como não provados.

...

Uma primeira conclusão que se deve retirar é a de que a tónica informativa geral, e concretizada na subscrição envolvendo o falecido, era a de que o capital estava garantido, que o produto tinha a segurança de um depósito a prazo e que o risco era zero porque era risco do banco. Para lá do sentido laudatório do produto que remetia para uma aliciante taxa de juro que deveria ser apresentada como argumento e igualmente, para a segurança e garantia que se desenhava semanticamente como um deposito a prazo, a verdade é que era desconsiderado que a obrigação fosse subordinada e não do próprio banco, sendo significativo que a testemunha G... tenha declarado que esta subordinação nem mesmo era tida por consciente pela maior parte dos funcionários. Tudo se passava como se fosse um produto do banco oferecido pelo próprio banco e tipificado para arrumo de explicação como um deposito a prazo que por ser de maior capital e de maior prazo teria nisso a justificação da melhor remuneração.

Com estes elementos julgamos que é correcta a convicção vertida nos pontos 15 e 25 ao serem julgados como provados porquanto, confrontados os argumentos dos funcionários que remetiam apenas para as vantagens  afiançadas de que o banco garantiria o retorno da quantia subscrita e que as semelhanças com um depósito a prazo divergiam apenas no que era vantajoso (taxa de juros mais alta em função de uma mobilização de capital mais alto e de um prazo de imobilização mais extenso) cremos que segundo as regras de experiência comum [1], é inteiramente seguro em termos de raciocínio lógico fundado na prova, concluir que o decisivo para o subscritor concreto foi o quadro de segurança e de apresentação formal do produto que lhe propunham como um depósito a prazo. E daqui decorre, com o auxilio do quadro de cliente fornecido pela testemunha ..., que aquele não teria realizado a subscrição se tivesse sido alertado para que aquele produto proposto na sua agência bancária pelo seu funcionário mais próximo não uma aplicação que pertencesse ao Banco e que não era este que garantiria alguma vez as obrigações de juro e capital. É que, no modelo de cliente referido e neste particular da prova, a alusão a um depósito a prazo que é um produto por excelência típico e modelar da actividade do banco com os clientes para lá da elementar abertura de conta com a criação da conta à ordem, tudo isto nos conduz a , seguramente, entender que a prova foi correctamente fixada quando considerou provado também que do banco  nunca o falecido marido da 1ª A. teria aceitado subscrever a obrigação se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem mostrado a nota informativa associada ao produto, nomeadamente se o tivessem inteirado de que o banco não garantia a subscrição e era alheio a ela, excepto na sua venda.

Nestes termos julgamos que a prova quanto à matéria impugnada foi correctamente decidida e, como assim, julga-se improcedente a impugnação deduzida mantendo-se a fixada em primeira instância sem alteração.

Da decisão de direito

Numa prévia definição do contrato celebrado cumpre identificar o R. como uma instituição de crédito (art.º 3º, al. a) do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, abreviadamente designado por RGICSF) sendo que, nos termos do art.º 4º do RGICSF cabe nas suas atribuições a possibilidade de realizar as seguintes actividades:

«1 - e) Transações, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários;

f) Participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos;”

Do conjunto destas actividades e no que interessa ao caso dos autos o R. pode fazer transacções, por conta própria de valores mobiliários, ou seja pode vender valores mobiliários que lhe pertençam ou de que seja proprietário, mas, também, pode fazer idênticas transacções por conta de outrem ou agir apenas como mero intermediário na colocação no mercado de valores mobiliários emitidos por outrem e prestando os correlativos serviços. Para distinguir se a transacção, designadamente a venda de valores mobiliários, é feita em nome próprio ou se age apenas como intermediário na colocação desses valores junto do público é necessário que se apure a titularidade dos valores objecto da transacção.

Ora, dos autos decorre que o falecido marido subscreveu, junto da agencia onde tinha conta, uma obrigação SLN no valor de €50.000,00, que lhe foi apresentada pelo funcionário do balcão como um produto que, assegurando uma maior rentabilidade, era em tudo semelhante a um depósito a prazo com capital garantido, tendo sido nesta sequência de contacto e informação que o autor marido realizou a subscrição, assinando o boletim que lhe foi presente já preenchido pelo funcionário.

Desta factualidade, nomeadamente do teor do boletim de subscrição, extrai-se, sem qualquer dúvida, que a intervenção do R. na “venda” das obrigações, não foi realizada em nome próprio, enquanto titular das mesmas, mas sim como intermediário financeiro entre o emitente e o destinatário final o “público”, numa operação enquadrada na previsão da al. f) do art.º 4 do RGICSF. Nos termos do disposto no artigo 293º do Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, a qualificação de intermediários financeiros é atribuída a um conjunto de entidades que estejam autorizadas a exercer as actividades de intermediação financeira, sendo uma dessas entidades os Bancos (instituições de créditos) - alínea a) do nº 1.

Essas actividades de intermediação financeira estão reguladas em especial nos artigos 289° e ss. do CVM, onde são classificadas em serviços de investimento em valores mobiliários; serviços auxiliares de investimento e gestão de instituições de investimento colectivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários sendo que no caso o que releva são os serviços de investimento previstos no artigo 290º do CVM, o qual estipula:

"1 - São serviços de investimento em valores mobiliários:

a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem;

A execução de ordens por conta de outrem;

A gestão de carteiras por conta de outrem;

A colocação em ofertas públicas de distribuição;

2 - A negociação por conta própria em valores mobiliários é considerada serviço de investimento quando realizada por intermediário financeiro,”

Por seu turno, o nº 3 prevê: “A mediação em transações sobre valores mobiliários considera-se equiparada ao serviço receção e a transmissão de ordens por conta de outrem”, sendo de referir que este número foi revogado pelo Decreto-lei nº 357-A/2007, de 31.10.

No caso, a intervenção da ré consistiu na aquisição de obrigação na sequência da ordem por parte do autor pelo que dúvidas não subsistem de estarmos perante uma actividade de intermediação de recepção e de transmissão de ordens por conta de outrem, prevista expressamente na citada alínea a) do nº 1 do artigo 290° do CVM.  Como assim, é forçoso concluir que estamos perante um contrato de intermediação financeira[2] e não perante um contrato de compra e venda, isto sem prejuízo de se reconhecer que numa operação de colocação de obrigações junto de instituições de crédito, a intermediação financeira, tem normalmente como objecto uma compra e venda. Só que essa compra e venda tem como sujeitos o investidor e o emitente e não o banco que faz a intermediação.

Assente que está que o contrato celebrado entre os AA. e o R. é um contrato de intermediação financeira, importa averiguar se a actuação do R., espelhada na factualidade provada violou as regras legais aplicáveis, designadamente o dever de informação que recai sobre o intermediário financeiro.

No caso em juízo, a situação contratual em discussão reporta à responsabilidade civil decorrente de serviços de intermediação financeira prestados por uma instituição de crédito. De um lado encontra-se o particular que sustenta que houve preterição de informação essencial que o induziu em erro e que, a ter tido conhecimento das características do produto bancário negociado, nunca teria aceitado realizado a subscrição e que o prejuízo que lhe foi causado deve ser suportado pela sociedade Ré.

Do outro lado encontra-se a instituição bancária que nega qualquer responsabilidade.

A exigência da informação no negócio e no contrato é comum aos regimes jurídicos do erro, do dolo, da usura e da boa-fé pré-contratual (artigos 227º, 247º a 254º e 282º e 485º do Código) e o pilar do regime do dever de informação está estabelecido no artigo 227º do Código Civil, que obriga as partes a agirem de acordo com a boa-fé, tanto nos preliminares como na formação do contrato.

A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está especificamente prevista no do Código dos Valores Mobiliários (acentuamos a aplicabilidade ao caso em juízo do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, com sucessivas alterações até ao Decreto-Lei nº 52/2006, de 15 de Março, atenta a data da subscrição do produto financeiro ajuizado [8 de Maio de 2006]).

De acordo com a disciplina consagrada no Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nesse relacionamento, devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. A obrigação de informação está inscrita no Código dos Valores Mobiliários e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada. E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.

O critério da diligência é acolhido no artigo 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira e, nesta dimensão, confrontando a evolução legislativa, a alteração normativa não incorpora matéria inovatória que não estivesse provisionada na esfera de protecção das regras atinentes à responsabilidade contratual e dos princípios gerais do direito positivo no domínio do cumprimento obrigacional. Estamos num território em que as declarações negociais não podem ser desviadas do sentido da ordem jurídica na sua globalidade, isto é, apesar da legislação específica a que estão sujeitas as operações e os sujeitos bancários, as instituições financeiras e de crédito, estão vinculadas às regras de direito positivo relativas à boa-fé e à lealdade e transparência contratuais sediadas no Código Civil. E, por isso, também no domínio da legislação do pretérito, os funcionários bancários dotados de poderes de direcção e representativos estavam vinculados a agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral – art.º 75º do RGICSF

“Efectivamente, apesar da alteração legislativa entretanto ocorrida, como resulta da comparação entre o regime inicial e a disciplina agora vigente, por força dos princípios gerais conformadores do cumprimento obrigacional e da cláusula geral da boa-fé, torna-se imperioso concluir que, desde sempre, a lisura contratual e as regras hermenêuticas no domínio da responsabilidade contratual impunham – e impõem – que o intermediário financeiro seja diligente na prestação de informações que permitam ao cliente ficar consciente dos riscos envolvidos em qualquer operação financeira realizada.”[3] Não se configura neste contexto obrigacional, em nosso entender, uma qualquer dimensão de tensão de interesses antagónicos no âmbito da qual se admita entender, por um lado a entidade bancária movida pelo desígnio de convencimento dos particulares no sentido de a todo o custo obter destes a subscrição e, do lado oposto, os subscritores com um dever de cuidado de não se deixarem convencer das investidas de sedução por parte do banco. Ainda que, os desenvolvimentos de futuro possam ter criado, a posteriori, uma possibilidade interpretativa que faça resvalar o momento fundador da subscrição para uma forma de enredo de enganos, impõe-se preservar o equilíbrio da análise, dento dos exactos limites da dogmática normativa servida pela subsunção dos factos fixados como provados.     

Com esta advertência, certificamos que a existência de deveres informativos visa essencialmente proteger os investidores e este princípio nuclear tem subjacente a defesa do interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado[4], razão para que toda e qualquer avaliação da responsabilidade contratual não possa ser apartada desta ideia.

Como já se decidiu em matéria igual, “no domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. É uma relação de clientela” [5].

 Calvão da Silva, por sua vez, refere que “a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa-fé, para satisfação do interesse do credor. A relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradouro de negócios assentem ligações especiais de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual[6]. E em igual abono lembramos que Paulo Câmara refere também que “que neste domínio é essencial garantir a emissão de uma declaração negocial especialmente qualificada, porque devidamente esclarecida e fundamentada, sendo ainda instrumental do (também) dever do intermediário de adequação do produto ou do serviço de investimento ao concreto perfil do cliente.[7]

Porém, esta exposição de geral princípio necessita ser temperada pelo cuidado que deve merecer o contexto próprio e a natureza antes indicada das operações em questão e, sobretudo, com particular relevância, percebendo o momento fundador dessas mesmas operações.

Em formulação simples, não pode ter-se por presumido que a actividade bancária é complexa e portadora de circunvalações técnicas e semânticas de difícil compreensão, para criar, a partir de uma tal presunção tornada absoluta, um único padrão de dever de informação segundo o qual tudo, em qualquer circunstância e a qualquer pessoa, deverá ser explicado, antecipando o agente bancário todas as questões que em seu entender e critério poderão não ser facilmente compreensíveis pelo cliente mesmo que em concreto o estejam a ser, numa antecipação de literacia bancária que o transforme a ele, funcionário, num verdadeiro mandatário do cliente.

Em verdade, a razoabilidade em que se move a boa-fé nas relações contratuais é moldada pela natureza das operações e dos comportamentos, e desta ideia decorre, no caso da actividade bancária, que se tenha por avisado definir e perceber se as informações foram, no caso concreto,“recomendação de investimento, conselho ou sugestão, elementos fundamentais para a criação de uma base de confiança do cliente que justifique a responsabilidade do intermediário financeiro nos termos em que a mesma veio decidida” [8].

A importância da identificação naturalística (através da análise dos factos concretos) do processo de criação da decisão de realizar a subscrição, no quadro dos particulares deveres de informação, é evidenciada por Gonçalo André Castilho dos Santos, quando adverte para que são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele”.[9]

Neste expresso sentido, a informação a prestar por um intermediário financeiro a um seu cliente tem “patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário: se é este intermediário quem recomenda um investimento, os deveres de informação são especialmente intensos; se o intermediário presta um serviço de “balcão” do tipo de recolha de subscrições de produtos financeiros, abertura de conta de valores mobiliários ou sua movimentação, a intensidade é outra. Em qualquer caso, no entanto, variando a intensidade e o tipo de detalhe informativo, não varia a veracidade da informação e demais características que lhe estão associadas.” [10]

Com este enquadramento do dever de informar, imposto às instituições de créditos e intermediários financeiros, cumpre analisar a situação reflectida nos autos e, com interesse para a apreciação da responsabilidade do R., temos como provado que o falecido marido da primeira Autora subscreveu, mediante aposição da sua assinatura, em 11 de Abril de 2006, documento intitulado “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, no qual se diz que pretende subscrever uma obrigação, no valor nominal de 50.000€.; o boletim de subscrição foi colocado na frente do falecido marido da Autora, já preenchido à mão pelo funcionário do Banco, tendo-se limitado a assiná-lo; o falecido marido da Autora era um simples aforrador, por natureza prudente, conservador e avesso a qualquer tipo de jogo ou risco e só subscreveu a aquisição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo Banco réu que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características; os funcionários do Banco, que actuaram em representação e sob as ordens do réu, afirmaram que se tratava de um produto sem risco, assim logrando convencer o falecido marido da primeira Autora.

Neste primeiro momento fundador importa ter atenção à forma como a concretização da subscrição foi realizada, nomeadamente, de quem partiu a iniciativa de a realizar, isto é, se foi o falecido marido da autora quem procurou o banco para proceder a essa operação por ter tido conhecimento dela, ou se, pelo contrário, foi procurado e convencido pelo banco através dos seus funcionários. E da prova realizada sobre a matéria peticionada obteve-se que o marido da primeira Autora subscreveu, em 11 de Abril de 2006, documento intitulado “SLN 2006 Boletim de Subscrição e que tal boletim foi colocado na frente do falecido marido da Autora, já preenchido à mão pelo funcionário do Banco, tendo-se limitado a assiná-lo e que foi na decorrência de terem informado aquele de que o que lhe propunham se tratava de um produto sem risco, que lograram convencer o falecido marido da primeira Autora realizar a subscrição.

É perante estes factos que julgamos dever concluir que a subscrição por parte do falecido marido da primeira autora teve, num primeiro momento, uma proposta do próprio banco, proposta essa que foi acrescentada da apelativa informação de que, afinal, o que era proposto se assemelhava em tudo a um depósito a prazo, simplesmente mais bem remunerado precisamente porque o empate de capital era de valor superior (no mínimo 50.000,00 €) e a imobilização do capital seria pelo prazo de dez, com a única possibilidade poder ser transmitida durante todo esse tempo a um terceiro interessado.  Aliás, nesta valoração entronca de forma significativa a prova de que, para realizar a subscrição que se lhe afirmava ter as garantias de um depósito a prazo, mas uma melhor remuneração, o falecido marido da primeira autora tenha vendido as unidades de participação o Fundo de investimento que detinha, no valor de 40.066,99€, depositado ainda na sua conta de depósitos à ordem a quantia de 8.000€ e conseguido juntar os 50.000,00 necessários para realizar a aquisição da obrigação. Toda esta cronologia de comportamentos conduz a firmar a ideia de, segundo as regras de experiência comum, ao ter sido informado que se dispusesse de 50.000,00 € poderia realizar a subscrição de um produto que em função desse montante teria melhor remuneração que o depósito a prazo normal, o particular diligenciou no sentido de obter essa quantia. E não existe qualquer temeridade neste entendimento porquanto a prova sinaliza igualmente que “o falecido marido da Autora era um simples aforrador, por natureza prudente, conservador e avesso a qualquer tipo de jogo ou risco”.

Na economia da informação prestada sublinha-se como importante que o falecido marido da A. tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco e, por conseguinte, tomou como decisiva, boa e segura a informação que aqueles lhe prestaram de o produto ser isento de risco sendo que, por parte deste, também ele pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação do valor fosse segura a 100%.

Sendo estes os factos que servem a apreciação da ilicitude, por violação do dever de informação por parte do Banco no quadro de uma relação jurídica que o ligava ao seu cliente e que lhe exigia a prestação de todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nos termos do consignado art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, é mister decidir se à data da subscrição da obrigação, que ocorreu em Maio de 2006, a informação prestada pelo Banco/Réu foi completa, verdadeira, clara e objectiva, sendo de advertir que esta informação deve ser prestada com base nas circunstâncias conhecidas à data, tendo de ser apreendida no preciso momento em que é prestada, importando, sobremaneira, uma interpretação da declaração reportada à data em que foi veiculada.

Uma primeira incisão interpretativa deve ser feita para apurar se a declaração do funcionário do Banco/Réu, de que o capital estava garantido a 100%, significou ou não, em termos de relevância, que tenha sido nela que o falecido marido da primeira autora fundou a sua decisão de subscrever as obrigações. E, quanto a esta questão, a prova responde que “Todos os funcionários do Banco réu que lidavam com o falecido marido da primeira Autora sabiam que, de outra forma, o mesmo nunca aceitaria subscrever um produto como o supra referido”., e relacionado com este facto, que “Nunca o falecido marido da 1ª A. teria aceitado subscrever a obrigação “SLN 2006”, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem mostrado a nota informativa associada ao produto, nomeadamente aquilo que consta do capítulo “subordinação”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição.”.

Poder-se-á argumentar que a declaração de que aquele produto financeiro ter características semelhantes a um depósito a prazo, mas com melhor remuneração que os depósitos a prazo, não deixava se ser, à data, uma informação completa e verdadeira e que tal seria a expressão corrente e adequada para explicar ao cliente que se tratava de um produto seguro e que os riscos não divergiam, sobremaneira, dos riscos de um depósito a prazo, porém, interessa definir o significado útil da expressão “capital seguro ou garantido”. Assim, ter garantia de depósito significa que o dinheiro investido nos depósitos abrangidos fica seguro, ou melhor, que existe uma garantia que serve para assegurar o reembolso do capital investido. Ora, em termos técnicos e de rigor não se trata de uma expressão avulsa que possa reportar à casuística da saúde do sistema bancário em cada distinto momento de forma que permita dizer que é de todo improvável, atendendo ao histórico da banca, que possa haver qualquer problema cogitável, por exemplo o de falência da entidade bancária. A expressão, capital seguro e garantido, não cremos que possa ter respaldo no argumento segundo o qual, “não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou, além do mais, na ruptura do mercado financeiro islandês e ainda mais concretamente, na ruptura financeira do banco que emitiu as obrigações em que o A. investiu as suas poupanças, este teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respectivo capital.[11]. Se é verdade que a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos possa ser atribuída a um factor que era estranho à R.[12] (a crise financeira global espoletada em 2007), sem que se possa concluir que o banco pudesse antecipar e comunicar ao A. o risco dessa ocorrência, o que temos por decisivo nesta matéria é que tais argumentos aludem à previsibilidade/imprevisibilidade da denominada saúde financeira e não ao que constitui, quanto a nós, o verdadeiro sentido da informação que se pode conter na declaração de estar o capital garantido. É que essa garantia, dita de forma absoluta e vital, isto é, prevalecente em qualquer circunstância, compagina-se unicamente com o  a que decorre do Fundo de Garantia de Depósitos regulado por legislação própria - criado em 1992, pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Quando na subscrição de um depósito a prazo e em linguagem técnica bancária se afiança que o capital está garantido isso significa que ele beneficia, em qualquer caso, máxime, o de colapso e falência do banco, de uma garantia que não se sustenta na simples segurança que a solidez do sistema bancário forneceu ao longo de diversas décadas, mas sim numa obrigação de garantir, dentro dos limites do Fundo de Garantia, os valores investidos nesses depósitos. Por esta razão custa-nos deslocar o sentido da garantia prestada para a previsão naturalística, e não para a normativa, que o sistema financeiro possa ou não ter em determinado momento. Sem esquecer que é à data da subscrição discutida que devemos apreciar os deveres de informação, não deixamos de sublinhar que, afinal, a diferença essencial entre os depósitos a prazo e a subscrição identificada, que se diziam ter igual garantia e segurança, não era verdadeira, porquanto, só os primeiros beneficiavam da garantia do capital fornecido institucionalmente pelo respectivo Fundo. Em resumo, o banco réu através dos seus funcionários, não podia esquecer, em qualquer circunstância, que a informação de o capital estar garantido e ser semelhante a um depósito a prazo, correspondendo a uma exigência de técnica e conhecimento financeiro, não era a que pudesse resultar de uma observação da realidade e conclusão de prognose mas sim a que decorria da certeza fundada no ordenamento jurídico aplicável. Que, “se tudo correr bem vai receber o capital e os juros como previsto” ou mesmo, “se tudo correr bem, como tem corrido nos anos ou décadas anteriores com os bancos , e se prevê que assim continue, vai receber o capital e os juros precisamente como contratado” não constitui uma novidade informativa que se possa ter por relevante porque a garantia do capital, contida na informação, segundo a apreciação de um homem médio normal, colocado na situação do concreto implicado e no contexto e natureza da operação realizada, faz supor que firmava a segurança de, em qualquer caso o capital estaria sempre garantido por referência ao fundo  e dentro dos limites fixados.

Assim, a circunstância de ter sido dito ao cliente que o produto proposto tinha o capital garantido e seguro significa no contexto demais factualidade conhecida, que o Banco prestou informações que não eram exatas ou verdadeiras, e é daqui que deve nascer a sua responsabilização[13].

Posto isto, para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º, n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, a descontar o rendimento, entretanto percebido pelos Autores); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Certificada a ilicitude e não ilidida pelo Réu a presunção de culpa que sobre si impende, como intermediário financeiro e banco – art. 314º, nº2, do CVM - à data dos factos – in casu a culpa deve ser aferida pelo padrão do diligentissimus pater famílias e não pelo critério do art. 487º, nº2, do Código Civil, do bom pai de família pois, também aqui se verifica uma «actuação culposa do Banco, que co-envolve a ilicitude da sua actuação. Conforme ensina Menezes Cordeiro,[14] “Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade.

Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado”. E é ainda este mesmo autor quem sustenta que “Como foi adiantado, na responsabilidade contratual, os diversos pressupostos da responsabilidade civil mostram-se fortemente adaptados à presença de um vínculo estrito entre as partes. Essa ocorrência não pode deixar de se reflectir no nexo de causalidade.

Numa obrigação contratual, o devedor está, antes do mais, adstrito a realizar a prestação principal. Não o fazendo, há incumprimento. Incorre na “presunção de culpa” prevista no artigo 799º, presunção essa que, inevitavelmente, envolve uma presunção de ilicitude. Quando não cumpra a prestação principal, entende-se que foi violado o contrato e a norma que manda respeitar o contratado: artigo 406º/1, do Código Civil. Apenas em face de uma causa de justificação poderá o devedor eximir-se a esse juízo de ilicitude.

Por outra via: se o artigo 799º estabelece uma presunção de culpa, é porque, em paralelo, pressupõe a ilicitude: não há culpa sem ilicitude. Pela nossa parte, damos o passo subsequente: a presunção de culpa do artigo 799º é, na realidade, uma presunção de “culpa-ilicitude”: de faute na terminologia francesa. Evidentemente: a presunção de ilicitude não é uma presunção de não-cumprimento. Este deve ser provado, nos termos gerais, por quem, dele, se queira prevalecer: em regra, o credor.

Quanto à causalidade: ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar.

Por isso, temos anunciado que a presunção culpa do artigo 799º envolve uma presunção de causalidade. A falta da prestação principal – e, daí, a necessidade de a indemnizar – decorre do mero facto de incumprimento. Recorrendo à técnica do escopo da norma violada: o bem jurídico protegido, frustrado pelo inadimplemento é, precisamente, o da prestação principal.” [15]

Tendo o banco réu violado o dever de prestar ao Autor a informação completa, leal e diligente - que os seus deveres profissionais impunham - é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o Réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos dos arts. 314º, nº2, do Código Civil e 799º, nº1, do Código Civil, como se provou a sua culpa efectiva.

Perfilhando a lição de Menezes Cordeiro “ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar.”, devendo concluir-se que, existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do Réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483º, nº1, do Código Civil. Mas, ainda que se entendesse que a causalidade não pode ser presumida a partir dos factos indiciadores da ilicitude e da culpa, sempre essa causalidade deve ser extraída dos factos que revelam a postura do falecido marido da primeira autora perante o risco, os seus objectivos nas operações bancárias, ou seja o seu perfil de cliente.

Quanto ao nexo de causalidade dispõe o artigo 563º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Consagra a nossa lei a teoria da «causalidade adequada» no âmbito da na formulação negativa devida a Enneccerus-Lehmann (segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo e só se tornou sua condição por virtude de outras circunstâncias), ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, «não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano», sendo essencial que o «facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano»[16], No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa acção ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética. Pretende saber-se se o dano (perda do capital investido e respectivos juros) ocorreria se o R. tivesse cumprido escrupulosamente os seus deveres de intermediário financeiro, em, particular o dever de informar o falecido marido da primeira autora de forma « completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita», ou seja, ele perante esta informação, sempre subscreveria a aplicação financeira - obrigação SLN.

Nestes casos a jurisprudência do STJ[17] sustenta que «os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projecção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência. Vai neste sentido também Júlio Gomes, “Sobre o dano de perda de chance”, em Direito e Justiça, vol. XIX, tomo II, pág. 11, quando refere explicitamente que “importa, no entanto, não confundir a certeza do dano, isto é, o ter-se verificado ou a existência de circunstâncias que o tornam inevitável ou simplesmente provável, com o seu carácter imediato”, mencionando François Chabas que afirma que “é preciso que os juízes tenham a certeza de que se o facto incriminado não tivesse ocorrido, o acontecimento teria podido realizar-se” e, por outro lado, Jacques Flour/Jean-Luc Albertpara quem a “exigência de certeza suscita sérias dificuldades, porque a vida social não é feita de certezas matemáticas. A certeza a que aqui se faz referência é apenas uma probabilidade suficiente”.

Ora, das regras da experiência comum, mas também da prova realizada retiramos que “Nunca o falecido marido da 1ª A. teria aceitado subscrever a obrigação “SLN 2006”, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem mostrado a nota informativa associada ao produto, nomeadamente aquilo que consta do capítulo “subordinação”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição”, ou seja, que não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.

Sendo assim impõe-se concluir que se os funcionários da R. tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida nunca teria sido subscrita aquela aplicação. Ora isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos AA. e a conduta ilícita e culposa do R., traduzida na violação dos deveres de informação e da boa-fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro.

Deste modo cremos estar demonstrada e verificada a existência de nexo causal entre aquele facto e os prejuízos sofridos pelo Autor e, assim sendo, o Banco é responsável por indemnizar os AA., no montante referente ao capital e juros em que a sentença recorrida determinou a condenação, condenação que entendemos não merecer censura.

Em síntese conclusiva:

- O dever de informação que impende sobre as entidades bancárias relativamente aos produtos que coloca à disposição dos clientes tem patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário e do modo como são prestados e, também da literacia bancária do próprio cliente.

- Se o serviço se traduz e inicia com a sugestão, recomendação de investimento ou conselho de investimento, a intensidade da obrigação de informação é maior porque a criação da base de confiança do cliente justifica maior responsabilização por ser com fundamento nessa confiança que vem a ser tomada a decisão.

- A afirmação de que um produto financeiro tem características semelhantes a um depósito a prazo, mas com melhor remuneração que os depósitos a prazo, só pode tomar-se como informação completa e verdadeira se tiver um fundamento técnico e normativo que a permita realizar não se podendo referir, apenas, à saúde aparente do sistema bancário em cada distinto momento, significando que é de todo improvável, atendendo ao histórico da banca, que possa haver qualquer problema cogitável, por exemplo o de falência da entidade bancária.

- Em linguagem bancária o sentido técnico de o capital estar seguro e garantido apenas pode reportar à salvaguarda do Fundo de Garantia de Depósitos - criado em 1992, pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

- Mesmo que não se defenda que quando não se cumpra a prestação principal, se tem por violada a norma que manda respeitar o contratado - artigo 406º/1, do Código Civil – e apenas em face de uma causa de justificação poderá o devedor eximir-se a esse juízo de ilicitude, e se recuse que a presunção de culpa do artigo 799º é uma presunção de “culpa-ilicitude, mesmo assim no caso em decisão focou provada a ilicitude decorrente da verificação da falta do dever de informação.

- A verificação da prova do nexo de causalidade cumpre-se com a circunstância apurada de se saber o cliente nunca teria aceitado subscrever a obrigação se lhe tivessem sido explicadas as características do produto, sobretudo que era uma obrigação subordinada e que não beneficiava das garantias atribuídas pelo Fundo de garantia.

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante

Coimbra, 28/09/2020


***


[1] Que são aquelas que segundo a maneira como a realidade se repete de forma constante e regular fazem supor, com toda a segurança com que a lógica confirma aquela repetição, que a um determinado facto causa corresponde um facto ou uma interpretação consequente, a qual só não ocorrerá se, entretanto, intervier uma outra causa, essa sim de tal maneira imprevista, por rara, inabitual e improvável e que para ser tomada em consideração exija, ela sim, uma prova confirmada. 


[2] Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 572/573, afirma: “Designamos genericamente por contratos financeiros os negócios jurídicos relativos ao mercado de capitais: entre eles, destacam-se os contratos de intermediação financeira e os contratos derivados…Denominam-se contratos de intermediação financeira os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira”.
[3] Ac. STJ de 25-10-2018 no proc. 2581/16.8T8LRA.C2.S1, in dgsi.pt
[4] Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra 2001, pág. 23 e seguintes.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/0372016, in www.dgsi.pt.
[6] Direito Bancário, Almedina, Coimbra 2002, pág. 335.
[7] Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, Coimbra 2011, pág. 691/3.
[8] Vd. ac. STJ de 11-7-2019 no proc. 901/17.7T8VRL.G2.S1, in dgsi.pt
[9] in A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135
[10] Vd. ac. STJ de 11-7-2019 no proc. 901/17.7T8VRL.G2.S1, in dgsi.pt

[11] Vd. acs. STJ acórdãos proferidos no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 e Processo n.º 9659/16.6T8LSB.L1.S1
[12] Embora para se fazer esta afirmação se tenha de desvitalizar a importância da gestão e da capacidade de previsão que ela comporta e , bem assim, afastar a responsabilidzaçºõa dessa mesma gestºao colocando no imperevisto e aleatório aqueilo que, eventualmente, poderia numa mais diligente e compentente gestão poderia ser minimizado reduzindo os riscos evidentes de operações cujo sucesso tem necessáriamwnte caracteriswticas de sazonalidade

[13] Vd. STJ 19-3-2019 proc. STJ:2019:3922.16.3T8VIS.C2.S1.C9
[14] In “Direito Bancário” págs. 432-433:

[15] O Ilustre Professor, no Estudo “Responsabilidade bancária, e nexo de causalidade”, publicado na muito recente obra, “Estudos de Direito Bancário I” – Fevereiro 2018 – Almedina, pág. 37, ensina:

[16] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, página 654.
[17] De que é exemplo o Ac. de 28/4/16, proc. Nº 1114/11.7TBAMT.P1.S1, relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes,