Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7825/08.7TBOER.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
BOM NOME
DANO PATRIMONIAL INDIRECTO
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 494, 496, 562, 564, 566 CC
Sumário: 1. Independentemente da questão de saber se as pessoas colectivas, e, em particular, as sociedades comerciais, enquanto realidade técnico-jurídica, têm personalidade moral que possa ser atingida, é inequívoco que podem ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito comercial, reclamado como prestígio da sua actuação negocial perante o mercado dos seus clientes, na aquisição dos seus produtos ou na prestação dos seus serviços, o que leva a estabelecer a ligação de uma tal realidade com os danos de natureza patrimonial, a indemnizar, porquanto toda a ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas, a partir da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga.

2.- A ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial de uma sociedade comercial apenas pode produzir um dano patrimonial indirecto reflectido na diminuição da potencialidade de lucro, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. N (…), Lda., instaurou, no Tribunal Judicial de Oeiras, a presente acção ordinária contra I (…), S. A. (1ª Ré) e Companhia de Seguros (…), S. A. (2ª Ré), pedindo a condenação das Rés no pagamento das importâncias de € 2 074,56 + € 433,20 + € 3 360 + € 5 440 + € 2 250 + € 4 083 + € 10 890 + € 15 000 + € 5 000 + € 20 000, a título de, respectivamente, renda da loja durante 24 dias [a)]; despesas com deslocações, alojamento e portagens em consequência do sinistro [b)]; perdas financeiras (€ 140/dia) [c)]; perdas financeiras do gerente na sua actividade principal [d)]; perdas remuneratórias das funcionárias suportadas pela A. [e)]; danos em material [f)]; valor que sinalizava a cessão de quotas da sociedade em negócio já aprazado e que foi devolvido [g)]; indemnização solicitada à A. pelo “(…)”, por interferência nefasta da gestão, facturação, divulgação e perda de oportunidade de negócios na empresa [h)]; danos de imagem do “M (...) ” [i)] e danos morais [j)], e, ainda, dos correspondentes juros moratórios, em razão de alegada responsabilidade por factos ilícitos, da 1ª Ré, sociedade que explora a loja onde se deu a ruptura de um cano com gotejamento de água para a loja explorada pela A., no Centro Comercial “ (...) ” em Coimbra.

            Alegou ainda, designadamente, que o aludido gotejamento ocorreu de 24.11.2005 a 16.12.2005, de uma loja da “(…)”, onde houve uma fuga de água, sendo que a 2ª Ré tomou conta da respectiva participação e nomeou uma empresa de peritagem que procedeu à averiguação de sinistro e remeteu à A. a comunicação reproduzida a fls. 29.

            A 1ª Ré contestou, arguindo a incompetência relativa, a ilegitimidade passiva e impugnando a factualidade alegada pela A..

            A 2ª Ré contestou invocando a sua ilegitimidade e que o sinistro não está coberto pelo contrato de seguro.

            A A. replicou, concluindo pela improcedência de toda a matéria de excepção.

            A excepção da incompetência territorial foi julgada procedente, sendo os autos remetidos para o Tribunal Judicial de Coimbra; a 1ª Ré foi absolvida da instância por carecer de legitimidade processual.

            Após, foi admitida a intervenção principal de I (…), S. A., que veio a invocar a prescrição e a impugnar a factualidade alegada pela A., concluindo pela improcedência do pedido.

            No despacho saneador julgaram-se procedentes as excepções de ilegitimidade da 2ª Ré e de prescrição, absolvendo-se a 2ª Ré da instância e declarando-se extinto o direito que a A. veio exercer contra a interveniente.

            Esta decisão, na parte em que julgou procedente a excepção de prescrição, foi revogada por acórdão desta Relação de 08.5.2012.

            Efectuadas as diligências probatórias sugeridas no mesmo acórdão, foi depois julgada improcedente a arguida prescrição e seleccionada, sem reparo, a matéria de facto.

            Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, por sentença de 11.3.2014, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré/Interveniente I (…), S. A., a pagar à A. a quantia de € 19 707,48, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento, à taxa anual de 4 %.

            Inconformada e pugnando pela improcedência da acção, a Ré/Interveniente interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            A A. respondeu pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar, principalmente, se existe erro na apreciação da prova e, depois, quais os danos/prejuízos sofridos pela A. em razão do evento e que a Ré/Interveniente deverá compensar ou indemnizar.

*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) A G (…), S. A., e I (…), S. A., celebraram um contrato de utilização de loja em Centro Comercial, junto a fls. 237 e seguintes, que respeita à loja “(…)”, explorada pela I (…). (B)

            b) A G (…), S. A., e a N (…), Lda., celebraram em 16.3.2005 um contrato de cedência de espaço em zona comum, junto a fls. 103 e seguintes. (C)

            c) A A. foi criada com o intuito único de explorar um franchising da N (…) Lda., e iniciou a sua actividade em 20.7.2005, após ter sido feita a cessão da posição contratual que o “M (...) ” detinha num espaço comum, denominado “K02”, no CC (...) , em Coimbra. (1º e resposta ao art.º 2º)

            d) Em 24.11.2005 o quiosque do A. no CC (...) , em Coimbra, começou a ser afectado por queda de água, vinda do piso superior, da loja “(…)”, prolongando-se o gotejamento de água ininterruptamente até ao dia 16.12.2005. (al. A e 5º)

            e) O C. Comercial colocou uma protecção em acrílico para amparar a queda de água no interior da loja, encaminhando-a para um balde no seu exterior. (E)

            f) No dia 13.12.2005 caíram do tecto dois pedaços de pladur, tendo um deles atingido o solo no centro da loja e outro atingido a cabeça de uma funcionária. (F)

            g) A facturação da A. foi de € 3 348,92 no mês de Julho (entre 20 e 31), de € 7 267,34 no mês de Agosto, de € 7 267,34 no mês de Setembro, € 6 934,05 no mês de Outubro e de € 4 833,31 no mês de Novembro (até ao dia 22), o que perfaz uma média diária de € 238,16. (resposta ao art.º 3)

            h) No período que decorreu entre 23.11.2005 e 16.12.2005 a A. facturou € 5 524,61, o que perfaz uma média diária de € 230,19; o decréscimo na facturação foi provocado pelo referido em II. 1. d). (resposta ao art.º 11º)

            i) A A., após a resolução do sinistro, facturou no mês de Dezembro € 3 795,62 (entre 16 e 31), no mês de Janeiro a quantia de € 5 472,96, no mês de Fevereiro a quantia de € 5 586,46, no mês de Março a quantia de € 6 139,91, no mês de Abril a quantia de € 6 043,05, no mês de Maio a quantia de € 4 580,85 e no mês de Junho a quantia de € 4 813,33, o que perfaz uma média diária de € 203,83 até final de Março de 2006 e uma média diária de € 169,63 entre Abril e Junho de 2006; o sinistro referido em II. 1. d) contribuiu para a redução na facturação. (resposta aos art.ºs 6º e 11º)

            j) A A. pagava uma renda mensal de € 3 137,71. (9º)

            k) Em consequência do sinistro a A. suportou a quantia de € 72 em alojamento, € 33,40 em portagens e € 316,80 em deslocações de automóvel do seu sócio gerente para resolução do mesmo. (10º)

            l) O gerente da A., em consequência do sinistro e para resolução do mesmo despendeu, pelo menos, 4 dias de trabalho. (resposta ao art.º 12º)

            m) Em consequência do sinistro ficou danificado material da A. no valor de € 4 083. (14º)

            n) A proprietária da marca N (...) reclamou da A. uma indemnização não inferior a € 5 000 por danos de imagem, sofridos em consequência do sinistro. (18º)

            o) A A. celebrou com (…) um contrato-promessa de compra e venda de sociedade comercial por quotas, junto a fls. 138 e seguintes. (D)

            p) A A., na sequência do pedido efectuado pelo promitente comprador através da carta cuja cópia se encontra a fls. 137, devolveu o valor que tinha sinalizado a celebração do negócio referido em II. 1. o), no montante de € 10 890. (resposta ao art.º 16º)

            2. E deu como não provado:

            a) Que a protecção em acrílico tenha sido colocada sem o conhecimento e sem autorização da Ré, que tenha caído sobre estabelecimento da A., o que agravou muitos dos estragos sofridos nesse estabelecimento. (20º a 22º)

            b) Qual o valor previsível de aumento de facturação nos meses de Novembro e Dezembro. (4º)

            c) Que em consequência dos danos sofridos pela A., as suas funcionárias não tenham querido voltar a trabalhar no quiosque, alegando falta de condições para desenvolverem a sua actividade e que isso tenha determinado o encerramento do quiosque. (7º e 8º)

            d) O valor da remuneração diária auferida pelo gerente da A.. (12º)

            e) Para que as equipas de profissionais que ali desenvolviam a sua actividade não fossem embora a A. despendeu com cada uma o valor correspondente a um mês de salário, o que perfez a quantia de € 2 250. (13º)

            f) O “(….)” reclamou da A. a quantia de € 15 000 correspondente à interferência nefasta da gestão, facturação e divulgação e perda de oportunidade de negócios na empresa. (17º)

            g) Que o fecho do quiosque com perda de todo o investimento feito tenha decorrido do facto da Ré não ter indemnizado a A. pelos danos por esta sofridos. (19º)

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

a) A recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, invocando a prova pessoal e documental produzida nos autos e em audiência de discussão e julgamento.

O tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso, sendo que, tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.[1]

Assim, perante o aludido enquadramento normativo, esta Relação considerará, apenas, as concretas questões agora suscitadas que respeitem aquelas exigências e relevem para a (re)ponderação e o desfecho da lide, razão pela qual importa saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade mencionada em II. d), k) e m), supra, mais propriamente, em relação à matéria dos art.ºs 5º, 10º e 14º da base instrutória (b. i.) e que o Tribunal a quo deu como provada, pugnando a recorrente por uma resposta negativa à matéria dos art.sº 5º e 10º e restritiva à factualidade do art.º 14º.

(…)

            - Face a tais depoimentos e ao teor dos documentos juntos aos autos, atrás referidos, nenhum reparo merece a decisão de facto, inclusive, no tocante aos danos produzidos no material existente na loja da A., antolhando-se assim insuficiente, para o infirmar, ainda que parcialmente (quanto ao dano nas lâmpadas), o que resulta da primeira das comunicações electrónicas reproduzidas a fls. 100.

e) Ante o exposto, vista a materialidade dada como assente, ou que deixou de ser controvertida, e ponderada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, afigura-se que se deverão manter as supra referidas respostas, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova testemunhal[2], a Mm.ª Juíza a quo não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[3]

A Mm.ª Juiz analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º, do Código de Processo Civil, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1).

            Soçobra, pois, a pretensão do apelante de ver modificada a decisão de facto.

            4. Como se referiu no acórdão de fls. 383, a causa de pedir dos presentes autos assenta na imputada prática de factos ilícitos por parte da interveniente, dos quais teriam resultado para a A. os danos referidos na p. i. e que esta pretende ver indemnizados em sede de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.

            Atenta a factualidade apurada, dúvidas não restam de que a A. viu violados direitos inerentes à actividade (de exploração) desenvolvida na loja que lhe foi cedida no aludido Centro Comercial, com o consequente direito ao ressarcimento pelos danos resultantes dessa violação [cf. o art.º 483º, do CC e, sobretudo, II. 1. alíneas c), d), f), h), i), k) e m), supra], sendo a Interveniente responsável pela sua reparação [cf. o art.º 493º, n.º 1, do CC e, principalmente, II. 1. alíneas a) e d), supra].

            5. No que concerne à obrigação de indemnização, rege o princípio geral da reconstituição ou restauração natural consagrado no art.º 562º, do CC, nos termos do qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

            O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art.º 564º, n.º 1, do CC), podendo o tribunal atender, na fixação da indemnização, aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, sendo a fixação da indemnização correspondente remetida para decisão ulterior no caso de não serem determináveis (n.º 2 do mesmo art.º).

            A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º, n.º 1, do CC).

            Com vista a determinar o quantum da indemnização impõe-se apurar a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos; em geral, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão e, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.ºs 563º e 566º, n.º s 2 e 3, do CC).

6. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo [art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC].

Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [art.ºs 494º e 496º, n.º 3, 1ª parte, do CC], bem como as exigências do princípio da igualdade.[4]

            7. Perante o insucesso da impugnação de facto e não vindo questionadas, nomeadamente, as respostas aos art.ºs 6º e 11º da b. i., é irrecusável que nada se poderá objectar à fixação das parcelas indemnizatórias relativas aos danos patrimoniais pelo decréscimo/quebra na facturação durante o período especialmente considerado na sentença sob censura (€ 191,28 = € 7,97 x 24 dias dos meses de Novembro e Dezembro de 2005), gastos de alojamento e despesas de deslocação em viatura automóvel (€ 433,20) e prejuízos no material existente na loja (€ 4 083), subsistindo apenas a questão de saber se e em que medida deverá ser fixada a reparação pelos danos patrimoniais indirectos, sendo que o Tribunal a quo decidiu atribuir, a esse título, o montante de € 15 000.

            8. Para tal fixação o Tribunal a quo atendeu, por um lado, às circunstâncias em que a A. teve de desenvolver a sua actividade na dita loja, no Centro Comercial, no período em que sobre o seu estabelecimento caía água, designadamente, com a colocação de uma protecção em acrílico para amparar a queda de água no interior da loja (que a encaminhava para um balde no seu exterior), e ocorrendo a queda do tecto de dois pedaços de “pladur”, tendo um deles atingido o solo no centro da loja e outro atingido a cabeça de uma funcionária [cf. II. 1. alíneas d), e) e f), supra]; por outro lado, que, ainda que não se tenha estabelecido qualquer nexo de causalidade entre o alegado encerramento do quiosque [em data não anterior a Junho de 2006] e o incidente com a queda de água, sempre será de considerar que após a eliminação dessa situação/fonte geradora de danos patrimoniais directos (e imediatos), a facturação continuou a cair [até final de Março de 2006 a A. facturou uma média diária de € 203,83; entre Abril e Junho de 2006 facturou uma média diária de € 169,63, quebra na facturação tida como condicionada ou ainda determinada pela inundação e subsequente queda de água sobre o quiosque da A.]; e, também, que no cálculo da quebra de rendimento naquele concreto período de 24 dias foi tida em conta, para comparação, a facturação dos meses anteriores, quando se apurou que no mês de Dezembro seria expectável que a facturação aumentasse.

            Referiu-se, depois, que o aspecto visual do quiosque da A., no qual se prestavam cuidados às unhas, inclusivamente com a queda de pedaços de “pladur”, afectou necessariamente a imagem comercial da A..

            9. Pesem embora as dificuldades de enquadramento jurídico-normativo da realidade em causa (desde logo, atenta a dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais), dúvidas não restam de que importa dar a relevância devida a eventuais danos na (boa) imagem comercial da A., enquanto estrutura empresarial, realidade que, como melhor se explicitará, necessariamente se projecta/reflecte no produto/volume da respectiva actividade (e correspondentes lucros) e, inclusive, e eventualmente, na sua posição de mercado.

            10. Na verdade, os mencionados danos na imagem comercial da empresa podem ser de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

            As pessoas jurídicas podem ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito (art.º 484º do CC[5]), na medida em que transmitem para o exterior uma determinada imagem da forma como se organizam, funcionam e prestam serviços ou fornecem bens que constituem o seu escopo. Têm assim a defender o seu nome e o seu bom nome no universo dos seus negócios comerciais, como um direito à boa fama no mercado.

            Independentemente da questão de saber se as pessoas colectivas, e, em particular, as sociedades comerciais, enquanto realidade técnico-jurídica, têm personalidade moral que possa ser atingida[6], é assim inequívoco que podem ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito comercial, reclamado como prestígio da sua actuação negocial perante o mercado dos seus clientes, efectivos e potenciais, na aquisição dos seus produtos ou na prestação dos seus serviços, o que leva a estabelecer a ligação de uma tal realidade com os danos de natureza patrimonial.

            É que, como já se adiantou, toda a ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento da clientela [de lesar a sociedade/empresa na respectiva clientela] e na consequente frustração de vendas, a partir da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga.

            11. Daí o entendimento, corrente, de que, para as sociedades comerciais, a ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial apenas pode produzir um dano patrimonial indirecto reflectido na diminuição da potencialidade de lucro, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais.

            Tais danos, relativos ao bom nome comercial, à perda da clientela, ou outras frustrações de ganho, existem, e valorizam-se, integradas num conjunto normativo que não pode excluir a indissociabilidade dos dois aspectos (danos não patrimoniais/danos patrimoniais), ainda que haja porventura alguma (e compreensível) discrepância face à integração dada pelas partes nos articulados da acção.[7]

            12. Nesta linha de entendimento e atendendo à factualidade descrita em II. 1. alíneas c), d), e), f), h) e i), supra, principalmente, nesta última alínea, e no confronto com o “apuro” de meses anteriores, afigura-se que o valor encontrado (€ 15 000) poderá ser considerado globalmente prudente e suficiente - num juízo de razoabilidade e equidade - para cobrir, no conjunto, o dano que decorre da lesão da imagem (e bom nome) comercial da A., claramente evidenciado na substancial diminuição no volume/valor dos serviços prestados até Junho de 2006, sendo que, como se diz na sentença sob censura, o facto ilícito imputável à Ré deu origem a este dano patrimonial indirecto, relevando o grau de culpa desta, aferido pelo seu objecto social (exploração de estabelecimentos de restauração em Centros Comerciais).

            13. Nada se poderá assim objectar à forma como se remata e conclui na sentença recorrida - “a ofensa da imagem comercial da autora decorrente da inundação e subsequente quebra de água reflectiu-se na facturação”; “contribuiu seguramente para o resultado que se verificou, já que o aspecto visual, a apresentação e as condições de trabalho e também de atendimento das clientes reflectem-se na capacidade de obter lucro”; “apesar de não conseguirmos determinar um prejuízo patrimonial directo, à quebra da imagem comercial da autora correspondeu um dano patrimonial indirecto`”.     

            14. Pesem embora as vicissitudes e a (injustificada) delonga dos presentes autos (também marcados por alguns abusos e excessos…), antolha-se, pois, razoável fixar aquele valor pelo dano sofrido pela A., sem indagar rigorosamente a delimitação individual da sua extensão, enquanto de natureza não patrimonial ou de natureza patrimonial.[8]

            Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelos Ré/apelante.

    *     

24.02.20153.

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro


[1] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e segs. e 358 e segs.; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.

[2] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[3] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[4] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[5] Preceitua no referido art.º: “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, reponde pelos danos causados”.

[6] No sentido de que as pessoas colectivas podem ser titulares de direitos de personalidade, tais como, o direito ao nome (firma, quanto às sociedades), distinções honoríficas e até mesmo, o direito ao bom nome (honra), vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Coimbra, 1974, págs. 122 e seguinte.

[7] Cf., sobre os pontos II. 10. e II. 11., entre outros, os acórdãos do STJ de 09.10.2003-processo 03B1581, 27.11.2003-processo 03B3692 [refere-se, neste aresto: “As sociedades comerciais operam no mundo dos negócios com o objectivo do lucro. O bom nome e a reputação interessam-lhes na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar. É próprio da sua natureza. Para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome produz, portanto, um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, operou aquela.”], 09.6.2005-processo 05B1616 e 23.01.2007-processo 06A4001, publicados no “site” da dgsi.
[8] Cf., a propósito, o citado acórdão do STJ de 09.10.2003-processo 03B1581.