Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
106/07.5TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: RECURSO DA PARTE DA SENTENÇA RELATIVA À INDEMNIZAÇÃO CIVIL
VALOR DO PEDIDO
Data do Acordão: 01/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ART.º 400º, N.º 2, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Na ausência de qualquer incidente relativo a esse valor, o “valor do pedido” a considerar, nos termos e para os efeitos do art.º 400º, n.º 2, do C. Proc. Penal (admissibilidade do recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil), deve ser o inicialmente atribuído pelo demandante.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
No âmbito dos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) registados sob o n.º 106/07.5TACBR, do 3.º Juízo Criminal – Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, em 11/1/2012, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte:
“VI Decisão:
Em face do exposto, o Tribunal decide:
a) Absolver o arguido A... como autor material da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 14.º, n.º 1 e 2 do CE;
b) Condenar o arguido A... como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência p. p. pelo artigo 148º, nº 1 do Código Penal, na pessoa de B..., na pena de 60 (sessenta) dias, de multa, à taxa diária de 7,00 (sete euros)
c) Condenar o arguido A... como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias, de multa, à taxa diária de 7,00 (sete euros);
d) Condenar o arguido A... como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência p. p. pelo artigo 148º, nº 1 do Código Penal e como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 7,00 (sete), o que perfaz o montante de 1.400,00 (mil e quatrocentos euros) - art. 77.º, n.º 1 do CP - a que correspondem 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.
e) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, durante o período de 6 (seis) meses, ficando obrigado a proceder à entrega da sua carta de condução nos termos do nº 3 do artigo 69º do Código Penal e do artigo 500º do Código de Processo Penal, no prazo de dez dias sobre o trânsito em julgado desta sentença.
f) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo crime, fixando-se aquelas em 2 (duas) U.C., e fixando-se a procuradoria em 1/4 artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigos 82.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, alínea b), 89.º, n.º 1, alínea e) e 95.º, n.ºs 1 e 2 parte inicial, do Código das Custas Judiciais.
g) Condenar o arguido no pagamento de 1% da taxa de justiça fixada, a favor do CGT, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 3 do D.L. n.º 423/91, de 30 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 10/96 de 23 de Março e pela Lei n.º 136/99 de 28 de Agosto.
h) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante B..., contra a demandada Companhia de Seguros Tranquilidade SA, condenando a demandada a pagar ao demandante a quantia de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais. Tal valor será acrescido de 5% desde o trânsito em julgado da presente até efectivo e integral pagamento - artigo 829.ºA, do CC.
i) Absolver a demandada do demais peticionado.
j) Condenar o demandante e a demandada, nas custas do enxerto civil deduzido (artº 446º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), na proporção do decaimento.
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Remeta boletim à DSIC para efeitos do registo criminal (artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto).
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Comunique presente decisão à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, nos termos do disposto no artigo (art. 500.º, n.º 1 do CPP).
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Deposite artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
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Notifique.”

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B..., ofendido nos autos, não se conformando com a citada Decisão, veio, em 21/2/2012, interpor recurso, defendendo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene a demandada no pedido de indemnização cível por si formulado na alínea b), extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. É inconstitucional, por afronta dos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, nºs 1 e 7, da CRP, bem como dos princípios daí imanentes do direito constitucional do assistente e das partes civis de acesso aos Tribunais (incluindo os Tribunais de recurso) e direito à acção, o artigo 411.º, n.º 1, al. b), do CPP, quando interpretado no sentido da fixação do termo inicial do prazo de interposição do recurso com o depósito na Secretaria da respectiva sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, não notificada ao arguido, assistente e partes civis e respectivos defensor e representantes.
2. No caso sub judice, é vítreo que nem o demandante cível nem o seu Mandatário estiveram presentes na Audiência de leitura de sentença, que ocorreu no pretérito dia 11/1/2012. A sentença recorrida equimozou o sentido profundo da coerência, apreensibilidade, operacionalidade e justeza dos meios e das soluções de que a actividade interpretativa deve servir-se para encontrar a justa e correcta resolução do caso concreto.
3. A sua presença não era processualmente obrigatória, como sucede, ao invés, com o arguido – cfr. artigos 80.º e 372.º, n.º 4, do CPP.
Destarte, deveria a Sentença ser notificada ao Demandante Cível e igualmente ao seu Advogado, nos precisos termos plasmados no artigo 113.º, nºs 9 e 10, do CPP.
4. O mandatário do Demandante cível foi notificado por via postal registada enviada no dia 13/1/2012, considerando-se a notificação realizada no 3.º dia útil posterior ao envio (cfr. artigo 113.º, n.º 2, do CPP), conforme consta da própria página de rosto da notificação (vide fls. 367 dos autos).
5. Sucede, porém, que o Demandante cível, até à presente data, ainda não foi notificado da Sentença. Sendo a sua notificação pessoal obrigatória, uma vez que não se encontrou presente na Audiência de leitura da decisão.
A notificação do Demandante relativa à Sentença não pode ser substituída pela notificação do seu mandatário, como facilmente se conclui pela leitura do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, pelo que, em bom rigor, o termo inicial da contagem do prazo de recurso, ainda, nem sequer teve início.
6. Outro requisito processual de admissibilidade do recurso, quando se limita à indemnização cível, como sucede, in casu, tange com o valor do pedido, que terá de ser superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada – cfr. artigo 400.º, n.º 2, do CPP.
7. Como se sabe, o valor do pedido será o resultado da soma dos vários pedidos formulados – cfr. artigo 306.º, n.º 2, do CPC.
Ora, o Demandante cível logrou formular vários pedidos cumulativos, um deles ilíquido, que, em caso algum, estavam numa relação de subsidiariedade ou de alternatividade.
8. A regra, para a fixação do valor da causa, quando exista um pedido ilíquido, é que o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários – cfr. artigo 308.º, n.º 4, do CPC.
9. O valor indicado no pedido cível é somente a soma aritmética dos 2 pedidos líquidos (6.000,00 euros + 282,84 euros), não estando contabilizado o pedido ilíquido.
10. Por força do artigo 315.º, do CPC, é da competência do Juiz a fixação do valor da causa, sem prejuízo obviamente do dever de indicação que impende sobre as partes.
Não havendo despacho saneador, na tramitação processual in casu (enxerto cível no processo penal), deveria o Sr. Juiz do Tribunal a quo ter fixado o valor do Pedido Cível na sentença, o que postergou – cfr. artigo 315.º, n.º 2, do CPC.
Para efeitos de recurso, e sem prejuízo de posterior acerto, recorrendo analogicamente às regras plasmadas no artigo 12.º do RCP, indica-se o valor de 2.000,00 euros ao pedido ilíquido formulado pelo Demandante cível, fixando-se, assim, o valor global do pedido cível em 8.282,84 euros e a respectiva sucumbência em 3.782,84 euros.
11. Andou mal o Mm.º Juiz do Tribunal a quo ao dar como não provados os factos descritos nos pontos 1, 2, 3 e 4 dos “factos não provados”da sentença, bem como a factualidade vertida no artigo 23.º do pedido cível.
12. No que tange ao ponto 1 dos factos não provados, deveria o Tribunal ter considerado a resposta positiva a tal factualidade, tendo sido desenquadrada do vertido no artigo 23.º do Pedido cível.
13. Tal factualidade resulta serenamente provada quer do relatório pericial quer do depoimento das várias testemunhas que depuseram de forma credível e coerente, sustentando todas com razão de ciência as vítreas limitações funcionais do menbro esquerdo do Ofendido e demandante cível – cfr. os depoimentos de … , à passagem do minuto 02:35; de … , à passagem dos minutos 03:00 e 05:15 e de … , à passagem do minuto 02:00, todos gravados no sistema áudio digital do Tribunal.
14. Os pontos 2 e 3 da Sentença (factos não provados) estão incorrectamente julgados, devendo merecer resposta positiva.
O valor (284,84 euros) das despesas médicas suportadas pelo Demandante, com a taxa moderadora no Hospital público e com os meios auxiliares de diagnóstico, não foram em passo algum contestados pela demandada.
15. Mais, tais despesas têm suporte documental, conforme se faz referência expressa no pedido cível, tendo-se procedido à junção dos respectivos documentos aquando da sua entrega em Juízo, e a eles se fazendo referência a fls. 201, 212 e 214 dos autos.
16. Sucede, ainda, que o Tribunal a quo deu como provada a realização de tais exames médicos, na empresa … , bem como o episódio de urgência nos HUC, em 8/1/2007, cuja taxa moderadora teve que ser paga, pois resulta da lei.
Assim, deveriam considerar-se como provadas tais despesas, no valor de 282,84 euros.
17. No que tange ao ponto 4 dos factos não provados na sentença, também está incorrectamente julgado, concedendo-se, porém, que inexiste prova que sustente o valor invocado de 250,00 euros/mês.
18. Porém, houve prova profusa sobre a realização de serviços de catering pelo Demandante e que, por força do sinistro e das lesões físicas permanentes, aquele perdeu negócios e serviços – cfr. depoimentos das testemunhas … , à passagem do minuto 03:43 e de … , à passagem do minuto, 03:01, ambos gravados no sistema áudio digital do Tribunal.
19. O Sr. Juiz do Tribunal a quo, na indemnização que fixou, pronunciou-se sobre os juros moratórios pedidos, no sentido do seu completo naufrágio, por, alegadamente, já ter contabilizado no quantum indemnizatório a flutuação monetária.
20. Olvidou-se, porém, o Sr. Juiz de fundamentar na sentença esses mesmos cálculos.
21. Esta decisão ofende, ainda, flagrantemente, o disposto no artigo 805.º, n.º 3, do CC, sendo jurisprudencialmente esmagadora a decisão que tal normativo também abrange os danos morais, pelo que serão devidos os juros de mora à taxa legal desde a data de notificação da demandada do pedido cível.
22. O Sr. Juiz do tribunal a quo fez uma lamentável confusão conceptual entre danos patrimoniais futuros certos e danos patrimoniais futuros eventuais, absolvendo a demandada do pedido respeitante aos danos patrimoniais futuros certos (por alegadamente inexistir repercussão das lesões ao nível laboral), mas abrindo a porta para eventuais liquidações em execução de sentença, no que toca aos danos futuros eventuais, sem, no entanto, lhe fazer referência expressa, como estava adstrito, no dispositivo da sentença.
23. É o próprio tribunal, no seu ponto 11 dos factos provados, que afirma “o demandante perdeu qualidade de vida, quer empregando muito maior esforço físico para efectuar as tarefas normais da vida profissional e pessoal, vendo diminuída de forma permanente a sua capacidade laboral”. (sublinhado nosso).
24. Não se percebe a posição do Sr. Juiz do Tribunal a quo, que considerou por um lado que a lesão física permanente sofrida pelo Demandante afecta a sua capacidade laboral e por outro lado, na fundamentação da sentença, diz que não há repercussão profissional, sendo, assim, flagrante a contradição que, para os devidos efeitos, aqui se invoca, nos termos consagrados no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP.
25. Esta incapacidade permanente ostentada pelo Ofendido, objectivamente diagnosticada e fixada, é causa própria, específica e directa da perda da capacidade de ganho, ressarcível nos termos gerais do Direito, pelos artigos 562.º e 564.º, ambos do CC.
26. À luz do nosso Ordenamento Jurídico, havendo, como há, lesões físicas permanentes que se traduzem numa incapacidade global profissional fixada percentualmente e que necessariamente afecta a capacidade de ganho do ofendido (e até pode estar excluído do mercado de trabalho, v.g. estudantes, crianças, domésticas ou desempregados, etc), há, imperiosamente, tutela legal em sede de danos futuros certos e que o Tribunal, in casu, ostensivamente, postergou.
Coisa completamente distinta, e que o Tribunal parece ter confundido, é o dano patrimonial futuro eventual que, por ser eventual, só será devida a sua reparação no momento do surgimento da lesão, rectius, do agravamento da lesão.
E que, note-se, nem sequer foi pedido na presente lide (!!!!), pois é um dano autónomo que só será ressarcível se e quando a lesão permanente do Ofendido se agravar, conforme, aliás, deixa antever a perícia médico-legal.
27. Violou, assim, a douta sentença em análise o plasmado nos artigos 8º.º, 113.º, n.º 9 e n.º 10, 127.º, 377.º e 410.º, n.º 2, als. b) e c), todos do CPP, 306.º, n.º 2, 308.º, n.º 4, 315.º, n.º 3, todos do CPC, 483.º, 562.º, 566.º, 805.º, n.º 3, todos do CC, e, ainda, 20.º, n.º 1, e 32.º, n 1 e n.º 7, ambos da CRP.
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Por despacho de 17/4/2012, de fls. 409/411, foi rejeitado o citado recurso, nos termos do artigo 414.º, n.º 2, do CPP.
Tal deu origem aos Autos de Reclamação com o n.º 106/07.5TACBR-A, nos quais veio a ser proferida, em 13/6/2012, Douta Decisão que deferiu a reclamação, no sentido de ser admitido o recurso.
Na sequência, na 1ª instância, foi ordenado, em 3/9/2012, o cumprimento do disposto no artigo 413.º, do CPP.
A Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A., em 11/10/2012, sem prejuízo de considerar que o mesmo deve ser liminarmente indeferido, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, e, sem apresentar conclusões, contra-alegou, em resumo, o seguinte:
1. Ao presente recurso, falta um um dos pressupostos de que depende a sua admissibilidade: a sucumbência.
2. A sucumbência do demandante corresponde ao montante de 1.782,84 euros.
3. O que é determinante para a admissão do recurso é o valor do pedido deduzido pelo demandante e não o valor da causa, independentemente de haver ou não pedido ilíquido deduzido contra o demandado.
4. Não restam dúvidas de que, nesta fase processual, o valor do pedido tem de manter-se inalterado até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo.
5. O recurso viola o artigo 400.º, n.º 2, do CPP.
6. Não há motivo para alterar a matéria de facto.
7. Inexiste fundamento para a condenação da recorrida no pagamento de uma indemnização por perda futura de capacidade de ganho do recorrente, posto que esta capacidade não foi afectada pelo sinistro.
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O recurso foi, em 24/10/2012, admitido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 13/11/2012, limitou-se a apor visto nos autos, tendo em conta que o recurso “visa matéria exclusivamente do foro cível”.
Efectuado o exame preliminar, é de proferir decisão sumária, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP.
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II. Rejeição do recurso:
Tendo em conta as conclusões da recorrente (6º a 10º), a demandada nos autos defende que, compulsada a sentença, se constata que a sucumbência do demandante corresponde ao montante de 1.782,84€, na medida em que “o valor do pedido cível formulado nos presentes autos corresponde a 6. 282,84€ e o valor da condenação da demandada, operada na sentença recorrida, ascende a 4.500.00€.
Mais refere quepretende o demandante, nesta sede, aplicar as regras relativas à fixação do valor da causa – nomeadamente as vertidas nos artigos 306.º e seguintes do CPC – para tornear o obstáculo legal imposto ao presente recurso pelo artigo 400.º, n.º 2, do CPP.
Acrescenta queo artigo 400.º, n.º 2, do CPP, impede o recurso da sentença quando o valor do pedido for inferior à alçada do Tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor inferior a metade dessa alçada.”
E desenvolve a sua argumentação da seguinte maneira:
O que é determinante para a admissão do recurso é o valor do pedido deduzido pelo demandante e não o valor da causa, independentemente de haver ou não pedido ilíquido deduzido contra o demandado.
Ora, o valor do pedido deduzido pelo demandante não foi por ele alterado nem ampliado até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1ª instância, o que poderia ter ocorrido, caso a pretendida alteração/ampliação fosse o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Razão pela qual está vedado ao demandante, ora recorrente, proceder à ampliação do pedido tal como ele pretende no recurso que interpôs, ainda que esta ampliação do pedido apareça «camuflada» de uma liquidação do pedido ilíquido inicialmente deduzido, a cujo valor deva somar-se.
A tal desiderato obsta o vertido no artigo 273.º, n.º 2, do CPC, e também o artigo 272.º, do mesmo diploma legal, aqui aplicáveis, posto que a demandada não deu, nem dá, o seu acordo, para a possibilidade da ampliação do pedido prevista neste último preceito.
Assim sendo, dúvidas não restam de que – nesta fase processual – o valor do pedido tem de manter-se inalterado até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo.
Acresce que, ao contrário do que o ora recorrente parece sustentar, a decisão recorrida não lhe negou o direito a uma liquidação, no futuro e quando se verificar, do pedido ilíquido inicialmente formulado, o qual, por conseguinte, nada tem a ver com o concreto valor do pedido que deduziu nos presentes autos.
Nada obsta a que o autor liquide, no futuro, o pedido ilíquido que deduziu e mesmo pelo valor de dois mil euros, que agora lhe atribuiu, pese embora sem qualquer fundamentação.
Conclui-se, por conseguinte, que o valor do pedido formulado pelo demandante/recorrente nos presentes autos, conjugado com o valor da indemnização que lhe foi arbitrada pelo Tribunal em 1ª instância – afinal, a condenação da demandada – não lhe permite a apresentação do presente recurso, por ser legalmente inadmissível.
O recurso ora em apreço deve ser liminarmente indeferido, por violar o artigo 400.º, n.º 2, do CPP, o que, desde já, se requer.
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Encontra-se formulado nos autos, a fls. 116/127, pedido de indemnização cível, cujo teor, na sua parte final, é o seguinte:
Termos em que,
Deve o presente pedido de indemnização cível ser julgado procedente, por provado, e, ipso facto, condenar-se a Requerida a:
a) Pagar ao Requerente a quantia de seis mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da notificação, até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de peticionar-se posteriormente quantitativo superior, nos termos do artigo 569.º, do CC;
b) Pagar ao Requerente, a título de danos patrimoniais, já liquidados, a quantia de duzentos e oitenta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos;
c) Pagar ao Requerente uma indemnização devida em sede de danos futuros, a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do CC.
Tudo assim, com juros legais sobre os montantes indemmnizatórios que vierem a ser fixados por sentença transitada em julgado, desde a citação até integral e efectivo pagamento, acrescido de 5% desde o trânsito em julgado da sentença que assim vier a decidir, nos termos do n.º 4 do artigo 829.º-A, do Cód. Civil, e com custas e condigna procuradoria a cargo da demandada.
O demandante indicou, como valor do pedido, seis mil duzentos e oitenta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos (fls. 127).
Na sentença ora em crise, no que tange a esta matéria, foi decidido:
“h) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante B..., contra a demandada Companhia de Seguros Tranquilidade SA, condenando a demandada a pagar ao demandante a quantia de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais. Tal valor será acrescido de 5% desde o trânsito em julgado da presente até efectivo e integral pagamento - artigo 829.ºA, do CC.
i) Absolver a demandada do demais peticionado.
j) Condenar o demandante e a demandada, nas custas do enxerto civil deduzido (artº 446º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), na proporção do decaimento.”
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Relembrem-se as conclusões da demandante a este propósito:
6. Outro requisito processual de admissibilidade do recurso, quando se limita à indemnização cível, como sucede, in casu, tange com o valor do pedido, que terá de ser superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada – cfr. artigo 400.º, n.º 2, do CPP.
7. Como se sabe, o valor do pedido será o resultado da soma dos vários pedidos formulados – cfr. artigo 306.º, n.º 2, do CPC.
Ora, o Demandante cível logrou formular vários pedidos cumulativos, um deles ilíquido, que, em caso algum, estavam numa relação de subsidiariedade ou de alternatividade.
8. A regra, para a fixação do valor da causa, quando exista um pedido ilíquido, é que o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários – cfr. artigo 308.º, n.º 4, do CPC.
9. O valor indicado no pedido cível é somente a soma aritmética dos 2 pedidos líquidos (6.000,00 euros + 282,84 euros), não estando contabilizado o pedido ilíquido.
10. Por força do artigo 315.º, do CPC, é da competência do Juiz a fixação do valor da causa, sem prejuízo obviamente do dever de indicação que impende sobre as partes.
Não havendo despacho saneador, na tramitação processual in casu (enxerto cível no processo penal), deveria o Sr. Juiz do Tribunal a quo ter fixado o valor do Pedido Cível na sentença, o que postergou – cfr. artigo 315.º, n.º 2, do CPC.
Para efeitos de recurso, e sem prejuízo de posterior acerto, recorrendo analogicamente às regras plasmadas no artigo 12.º do RCP, indica-se o valor de 2.000,00 euros ao pedido ilíquido formulado pelo Demandante cível, fixando-se, assim, o valor global do pedido cível em 8.282,84 euros e a respectiva sucumbência em 3.782,84 euros.
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Podemos afirmar que, na lei processual penal, carece, a admissibilidade de recurso ordinário da verificação cumulativa de dois requisitos, um respeitando ao valor do pedido, outro ao valor da sucumbência.
Este requisito atinente ao valor da sucumbência - imposto por razões de política legislativa, com o propósito de não sobrecarregar os Tribunais superiores com a eventual apreciação de todas as decisões dos Tribunais inferiores que se não contivessem na respectiva alçada - reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão impugnada importa para o recorrente, à utilidade económica que, através do recurso, se pretende alcançar.
Como se vê, da mera leitura da regra estabelecida no art.º 400.º, n.º 2, do CPP, resulta que a lei não consente um duplo grau de jurisdição a todos os casos.
Na realidade, pode ali ser lido que “sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.”
Consideramos pertinente deixar aqui expresso o que consta do Acórdão do S.T.J., de 25/1/2012, Processo n.º 360/06.0PTSTB.E.1.S1, relatado pelo Exmo. Conselheiro Henriques Gaspar, pois nele está condensado o princípio orientador desta questão:
“As normas do processo penal relativas ao regime dos recursos quanto à questão cível deduzida no processo penal constam, com relativa autonomia do recurso da questão penal, nos nºs 2 e 3 do artigo 400º do CPP: o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil «só é admissível desde que o valor do pedido sela superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada», e «mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».
O regime do recurso quanto à questão cível deduzida no processo penal resultante desta dupla proposição visou, directamente, criar novas soluções, fazendo caducar a interpretação constante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2002, que determinava o alinhamento e a consequente irrecorribilidade da questão cível se fosse irrecorrível a correspondente acção penal. A separação dos regimes de recurso, tornando autónomo o recurso da questão cível, e chamando os pressupostos – valor; alçada; sucumbência – do processo civil, revela que o legislador quis claramente alinhar o regime de recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil; a intenção consta, aliás, dos trabalhos preparatórios da Lei nº 48/2007 (Proposta de Lei nº 109/X), que justifica a solução «para garantir o respeito pela igualdade».
A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos e do regime dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do respectivo regime de recursos.
A referência a tais elementos que conformam verdadeiramente o regime do recurso relativo à questão civil, que não têm qualquer correspondência no processo penal, determina que o recurso sobre a questão civil em processo penal, tendo autonomia, não tenha, em medida relevante, regulação no processo penal, ficando incompleto; a completude tem de ser encontrada, como determina o artigo 4º do CPP, no regime dos recursos em processo civil (cf. acórdão do STJ, de 22 de Junho de 2011, na CJ (STJ), Ano XIX, Tomo II/2011, p. 193).”
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No caso “sub judice”, a divergência entre demandante e demandada respeita ao valor da sucumbência.
A sucumbência do demandante corresponde, então, ao montante de 1.782,84€ ou de 3.782,84€?
Conforme artigo 31.º, n.º1, da NLOFT (Lei n.º 52/2008, de 28/8), em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5 000.
Por alçada entende-se o “limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário” – cf. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 220.
No caso em apreço, manifestamente, atento o teor da parte decisória da sentença, estamos perante uma condenação em quantia monetária, quantificada e definida, que não está dependente de qualquer liquidação ou quantificação posterior, ou seja não estamos na presença de uma sentença que condena em importância a liquidar em execução de sentença, na qual exista, como previsto no artigo 678.º, do CPC, “fundada dúvida quanto ao valor da sucumbência”, situação em que o regular funcionamento dos mecanismos processuais não permita quantificar, com a segurança razoável, o decaimento, sendo certo que a parte final da citada norma se destina a casos de persistência de dúvida objectiva que não possa ser sanada mediante o simples confronto entre o valor de referência (“metade da alçada”) e o resultado declarado na sentença, conforme defende Abrantes Geraldes, Recursos Em Processo Civil Novo Regime, Reimpressão, Almedina, 2008, a pág. 34.
Acresce que devemos levar em linha de conta o disposto no artigo 268.º, do CPC (princípio da estabilidade da instância), segundo o qual, citado o réu, “a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Ora, o demandante não fixou, inicialmente, um valor autónomo para o pedido ilíquido – que permitisse, eventualmente, correcção (artigo 308.º, n.º 4, do CPC) -, nem ampliou os dois pedidos líquidos, nos termos previstos nos artigos 272.º e 273.º, ambos do CPC.
Além disso, a questão do valor da causa não foi objecto de discussão ao longo dos autos, pelo que não havia justificação para que o julgador fizesse uso do disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC, pois, a nosso ver, este pressupõe, uma absoluta falta de indicação do valor ou um desacordo quanto ao mesmo.
Por conseguinte, na medida em que os pressupostos de interposição do recurso têm de estar presentes à data em que o mesmo é interposto, deve ser considerado o valor do pedido inicialmente atribuído pelo demandante, pelo que o valor da sucumbência é de 1.782,84€, não sendo, por isso, admissível, o recurso.
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III. Decisão:
Nesta conformidade, decide-se, ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, al. b), 414.º, n.º 2, 420.º, n.º 1, al. c), todos do CPP, rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC.
Pela rejeição, vai, ainda, recorrente condenado no pagamento de 3 UC – artigo 420.º, n.º 3, do CPP.
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Coimbra, 16 de Janeiro 2013
(Texto processado e integralmente revisto pelo signatário – artigo 94.º,n.º 2, do CPP.)
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(José Eduardo Martins)