Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
369/10.9TBCDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
MORA
BOA-FÉ
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 227º, 334.º E 762.º DO CC
Sumário: É ilegítimo o comportamento de um banco que reclama uma indemnização moratória significativa pelo não cumprimento pontual das prestações restitutórias de mútuos em que, quando os concedeu, fixou retribuições modestas, que permitiram ou justamente determinaram o incremento do volume do montante emprestado, agora sujeito ao efeito multiplicador de uma indemnização moratória significativa.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... e marido B... , residentes em ..., Condeixa-a-Nova, e C... , residente em ... Proença-a-Nova, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu a “D..., S.A.”, com sede na Avenida ..., Lisboa[1] – para haver deles a quantia global de € 299,252,76 (sendo € 224.735,51 do capital de dois mútuos, € 73.602,47 de juros vencidos e € 914,78 de despesas) e juros vincendos – vieram deduzir oposição à execução, alegando, em síntese e no que aqui interessa, que:

-a liquidação da dívida efectuada pela exequente é incompreensível, não se encontra fundamentada e que a exequente se limita a indicar valores de capital e juros vencidos sem “mostrar os cálculos”; razão porque impugnam o valor da liquidação da obrigação/quantia exequenda constante do requerimento executivo;

-os juros convencionados nas cláusulas dos respectivos contratos de mútuo (que a exequente não especifica se são remuneratórios, moratórios e cláusula penal) são excessivos/usurários;

-a exequente incorreu em mora, uma vez que não forneceu detalhadamente aos executados a informação discriminada do valor em dívida, conforme tem vindo a ser solicitado nos últimos quatro anos, nem tem cooperado no sentido da reestruturação dos mútuos bancários, tendo em consideração que o aumento excessivo das prestações conduziu a uma alteração das circunstâncias, nos termos do artigo 437.º do Código Civil, nem instaurou a acção executiva desde a data do “incumprimento definitivo”, há cerca de quatro anos, o que fez com que o imóvel desvalorizasse e aumentasse o endividamento dos executados;

-o valor do 2.º mútuo (de € 80.000,00) concedido aos executados para financiamento de investimentos múltiplos em bens imóveis, destinou-se ao pagamento do imóvel adquirido (com o 1.º mútuo), o que implicou um prejuízo patrimonial para os executados, atendendo a que tal 2.º mútuo foi contraído em condições mais desfavoráveis no que respeita às taxas de juros aplicáveis, sendo que a exequente concedeu crédito em condições desadequadas face à débil situação financeira dos executados A... e B..., que a exequente conhecia, pelo que actuou com abuso de direito e, como tal, os contratos devem ser declarados nulos.

Contestou a exequente, afirmando, em resumo e de mais relevante, que a liquidação da dívida depende de simples cálculo aritmético, tendo sido fixado o quantitativo no requerimento inicial; que os juros não são excessivos ou usurários e que correspondem ao que consta do art. 7.º/1, b) do DL 344/78; que o artigo 817.º do Código Civil confere ao credor o direito (não o dever) de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação e de executar os seus património, pugnando assim pela improcedência da oposição.

Conclusos os autos, a Ex.ma Juíza entendeu estar em condições, sem mais, de decidir do “mérito” e passou a proferir saneador/sentença em que – após declarar a instância totalmente regular – julgou totalmente improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução nos seus exactos termos.

Inconformados com tal decisão, os executados/oponentes interpuseram recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a oposição procedente.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Os executados/recorrentes nos seus articulados e requerimento não aceitam os valores peticionados pela exequente, nem as datas aí mencionadas, razão pela qual foram impugnados por estes.

2. Bem como impugnaram a liquidação da obrigação e a quantia exequenda.

3. Em virtude de desconhecerem se o capital em dívida indicado no requerimento executivo, o valor dos juros, as respectivas datas, taxas e oscilações estão consignadas no requerimento executivo em virtude dos mesmos não se encontrarem devidamente descriminados.

4. Os executados desconhecem ainda, se os pagamentos efectuados por estes à exequente no decurso dos contratos de mútuo, e mesmo após as datas consignadas no requerimento executivo, foram tidos em conta na quantia peticionada.

5. Considerando a Mmª Juiz a quo por provada a quantia exequenda sem que os oponentes/recorrentes exercessem o seu direito ao contraditório em clara violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, decidindo de imediato do mérito da causa, deixando de apreciar e de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, tal omissão resulta numa nulidade da sentença, nos termos do art. 668º, nº1 al. d) do C.P.C., que se invoca para os devidos efeitos.

6. Os oponentes/recorrentes impugnaram a liquidação da obrigação e quantia exequenda em virtude do requerimento executivo não discriminar devidamente a quantia exequenda, em virtude de desconhecerem o “seu quantum”.

7. Pelo que, contrariamente à douta sentença, a obrigação embora ilíquida, a sua determinação depende da prévia e controvertida averiguação, o que não se verificou no caso sub Júdice.

8. Destarte, também nesta parte os recorrentes entendem verificar-se uma nulidade da sentença, na sequência da violação do principio do contraditório e igualdade das partes e atento o disposto no art. 668º, nº1, al. d) do C.P.C. que se invoca para os devidos efeitos.

9. Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.

10.De acordo com as clausula 14º e 15º dos contratos de mútuo, a exequente poderá considerar vencida toda a divida e exigir o seu pagamento imediato, contudo, só o fez decorridos mais de quatro anos após o incumprimento dos executados.

11.Ambas as partes devem exercer os seus direitos de acordo com o princípio da boa fé.

12.Nessa medida, e em cumprimento do citado principio, a exequente deveria ter fornecer aos executados a informação devidamente discriminada do valor em dívida, conforme supra exposto, analisando previamente os documentos comprovativos dos rendimentos dos executados, permitindo dessa forma uma boa formação da vontade das partes, designadamente o valor da prestação a pagar que divergiu excessivamente das expectativas criadas aos executados.

13.Durante vários anos os executados propuseram a resolução extrajudicial do presente diferendo, apresentando continuamente sucessivas propostas de pagamento e reestruturação dos mútuos contratados, em função da sua situação económica, todas elas recuadas pela exequente, mediante contrapropostas totalmente inviáveis aos executados.

14.Durante tal período, nunca a exequente intentou a competente acção executiva, só o vindo a fazer após solicitação dos executados.

15.Tal inércia da exequente e total despreocupação e alheamento da exequente tendo em conta que não acautelou o valor do imóvel dado de garantia, implicou perda de garantia por parte da exequente, com a consequente onerosidade do crédito e aumento do endividamento dos executados que se viram impossibilitados de cumprir uma vez que o valor do imóvel se tornou inferior ao valor da dívida.

16. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo pela inexistência da mora do credor, in casu, hipotecário, fazendo “tábua rasa” de todo o alegado e documentação junta aos autos pelos executados, violou claramente o disposto no art. 668º, nº1 al. b) do C.P.C., resultando da mesma a nulidade da douta sentença recorrida que se invoca para todos os efeitos legais.

17.Face ao exposto, não foi dada oportunidade aos executados de fazer prova de todos os factos alegados e impugnados nos seus articulados e requerimento; devendo o processo prosseguir os seus termos até final.

Respondeu a exequente, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pelos oponentes/recorrentes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Os executados reconhecem expressamente que celebraram os dois contratos de mútuo dados à execução, bem como reconhecem que são devedores à D... em virtude do incumprimento de tais contratos.

B. Admitindo expressamente em que não cumpriram pontualmente as suas obrigações, tendo, como reconhecem, sido informados pela exequente da existência “das prestações em mora mencionando-se o total das prestações em divida e a respectiva quantia total, a que acrescem os juros de mora diários correspondentes ao número de prestações vencidas e não pagas mencionadas.”

C. No requerimento executivo foi liquidada a quantia em divida, que depende de simples cálculo aritmético, mediante a indicação do capital em divida, a data do incumprimento e a taxa de juros aplicável para cada um dos empréstimos em execução.

D. Os executados reconhecem assim que estão em incumprimento, sem que em momento algum tenham colocado em causa a data indicada no requerimento executivo correspondente às datas em que deixaram de efectuar o pagamento das prestações, tendo assim aceite tais datas.

E. Bem julgou pois o Tribunal a quo ao considerar provado por acordo que os executados deixaram de efectuar o pagamento das prestações inerentes aos empréstimos desde 19.09.2006 e 19.10.2006, respectivamente.

F. Os valores peticionados no Requerimento Executivo estão correctos e conforme os contratos de mútuo celebrados e às demais disposições legais aplicáveis, sendo legalmente exigíveis em processo executivo dado o incumprimento que se tem vindo a verificar permanentemente por parte dos mutuários e fiadores.

G. Tendo os juros sido liquidados de acordo com as cláusulas constantes dos contratos e o previsto no Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 83/83, de 6 de Maio, decorrendo assim os juros peticionados das taxas inicialmente contratadas.

H. Contratos estes em cuja formação participaram, tendo pleno conhecimento do seu conteúdo e consciência das obrigações que assumiram, nomeadamente no que concerne aos seus elementos essenciais, como sejam o capital mutuado, a taxa de juro, a taxa aplicável em caso de mora, o prazo e o número de prestações necessárias à amortização da operação.

I. Deste modo, ante o não pagamento das prestações mensais estão em mora os executados e não a exequente.

J. Efectivamente, o artigo 817º do CC confere ao credor, no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida, o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, sem que lhe seja imposto um momento até ao qual o deve fazer.

K. Acresce que, por pautar a sua actuação com respeito pelo princípio da boa fé, a exequente, enquanto decorriam negociações tendentes a encontrar uma solução extrajudicial para o incumprimento dos devedores, não intentou execução para cobrança coerciva do seu crédito.

L. Não podendo ser acusada de inércia e de falta de cooperação.

M. Devendo-se o aumento do endividamento dos executados tão só e apenas ao facto de protelarem o incumprimento, por nada pagarem à credora desde a data de início do incumprimento.

N. Sem que sequer tenham alegado que tenham oferecido o cumprimento das prestações em falta e que a exequente as não tenha aceite, o que não fizeram efectivamente, não existindo assim qualquer mora do credor/exequente.

O. Assim como não se podem fazer valer da invocada modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, pois que já se encontravam em mora no momento dessa invocada alteração.

P. O que tudo o Tribunal a quo teve em consideração.

Q. Não existe pois qualquer violação do princípio do contraditório, ou qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal de primeira instância, que ampla e fundamentadamente analisou e apreciou todas as questões submetidas ao seu julgamento.

R. Não pode os recorrentes invocar que se propuseram a juntar aos autos extractos bancários, que não juntaram, quando o artigo 523º do CPC dispõe que “os documentos destinados a fazer prova dos factos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”.

S. Não enferma assim a douta sentença de qualquer vício, em virtude de ter aplicado e interpretado correctamente as normas jurídicas aplicáveis e se encontrar devidamente fundamentada.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

III – Fundamentação de Facto

São os seguintes os factos com relevo para a apreciação do recurso[2]:

1.º Em 19 de Setembro de 2005, por escritura pública de permuta e mútuo com hipoteca e fiança, em que foram 2.ª e 3.º outorgantes a exequente D... e os executados B... e A... foi por aquela concedida a estes um empréstimo da importância de 150.000,00€, para aquisição (por permuta) do prédio urbano, sito e ..., concelho de Condeixa-a-Nova, descrito na Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova, sob o n.º ..., e à data omisso na matriz.

2.º Empréstimo de que foi elaborado documento complementar – para que a escritura remete – com 10 páginas e 19 cláusulas (cfr. fls. 16 e ss. da execução), constando do mesmo, entre outro clausulado, o seguinte:

Cláusula 1.ª (Entrega da quantia emprestada)

A quantia emprestada foi entregue, nesta data, à parte devedora através de crédito lançado na conta de depósito à ordem n.º ..., aberta na agência da credora em ... – Coimbra, em nome da parte devedora.

Cláusula 2.ª (Finalidade do empréstimo)

O empréstimo destina-se à aquisição e liquidação do empréstimo em vigor junto da D... do imóvel atrás hipotecado, para habitação própria e e permanente da parte devedora.

Cláusula 4.ª (Taxa de juro)

1 – O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante) arredondada para o um quarto por centro superior e acrescida de um spread de 1%, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 3,250%, a que corresponde a taxa efectiva de 3,299%.

(…)

Cláusula 5.ª (Mora)

Em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na D... credora para operações activas da mesma natureza (actualmente 8,246%) acrescida de uma sobretaxa até 4%, ao ano, a título de cláusula penal.

Cláusula 7.ª (Prazo de Amortização)

O prazo para amortização do empréstimo é de 35 anos, a contar de hoje.

Cláusula 8.ª (Amortização de capital – Pagamento dos juros)

1 - Uma parte do empréstimo, no montante de € 105.000,00 será amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a 1.ª no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

2 – A restante parte do empréstimo, designada por Capital em Pagamento Deferido, no montante de € 45.000,00, será amortizada em conjunto com a última das prestações de capital e juros referidos no número anterior da presente Cláusula: os juros do mesmo capital serãp liquidados e pagos no final de cada mês, em conjunto com cada uma das prestações de capital e juros aí referidas.

Cláusula 15.ª (Incumprimento/Exigibilidade Antecipada)

1 – A D... poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contraentes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;

(…)

3.º Para garantir a importância emprestada de 150.000,00 €, os executados constituíram hipoteca sobre tal prédio a favor da exequente no valor do capital de 150.000,00€; dos respectivos juros até à taxa anual de 8,246%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal; das despesas extrajudiciais que a parte credora fizer, incluindo as despesas de segurança ou reembolso dos seus créditos, as quais para efeito de registo, se fixam em 6.000,00€ (sendo o montante máximo assegurado de 211.107,00€ e estando a hipoteca registada a favor da D... pela inscrição C-3, Apresentação n.º 2 de 2005-09-02 – cfr. certidão predial de fls. 43 a 45 da execução).

4.º A executada C..., 4.ª outorgante na escritura pública referida em 1.º, declarou constituir-se fiadora e principal pagadora da quantia emprestada, responsabilizando-se pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à exequente em consequência do contrato de mútuo, “dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a exequente e os executados B... e A... e aceitando que a estipulação relativa ao extracto de conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança”.

5.º Também em 19 de Setembro de 2005, por (segunda) escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, entre a exequente e os executados B... e A... foi por aquela concedida a estes um empréstimo da importância de 80.000,00€.

6.º Empréstimo de que foi elaborado documento complementar – para que a escritura remete – com 10 páginas e 18 cláusulas (cfr. fls. 33 e ss. da execução), constando do mesmo, entre outro clausulado, o seguinte:

Cláusula 1.ª (Entrega da quantia emprestada)

A quantia emprestada foi entregue, nesta data, à parte devedora através de crédito lançado na conta de depósito à ordem n.º ..., aberta na agência da credora em ... – Coimbra, em nome da parte devedora.

Cláusula 2.ª (Finalidade do empréstimo)

O empréstimo destina-se a facultar recursos para financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis

Cláusula 3.ª (Taxa de juro)

1 – O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante) arredondada para o um quarto por centro superior e acrescida de um spread de 1%, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 3,250%, a que corresponde a taxa efectiva de 3,299%.

(…)

Cláusula 4.ª (Mora)

Em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na D... credora para operações activas da mesma natureza (actualmente 8,246%) acrescida de uma sobretaxa até 4%, ao ano, a título de cláusula penal.

Cláusula 6.ª (Prazo de Amortização)

O prazo para amortização do empréstimo é de 35 anos, a contar de hoje.

Cláusula 7.ª (Amortização de capital – Pagamento dos juros)

1 - Uma parte do empréstimo, no montante de € 56.000,00 será amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a 1.ª no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

2 – A restante parte do empréstimo, designada por Capital em Pagamento Deferido, no montante de € 24.000,00, será amortizada em conjunto com a última das prestações de capital e juros referidos no número anterior da presente Cláusula: os juros do mesmo capital serãp liquidados e pagos no final de cada mês, em conjunto com cada uma das prestações de capital e juros aí referidas.

Cláusula 14.ª (Incumprimento/Exigibilidade Antecipada)

1 – A D... poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contraentes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;

(…)

7.º Para garantir tal importância emprestada de 80.000,00 €, os executados constituíram hipoteca sobre o prédio id. em 1.º a favor da exequente no valor do capital de 80.000,00€; dos respectivos juros até à taxa anual de 8,246%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal; das despesas extrajudiciais que a parte credora fizer, incluindo as despesas de segurança ou reembolso dos seus créditos, as quais para efeito de registo, se fixam em 3.200,00€ (sendo o montante máximo assegurado de 112.590,40€, registada a favor desta pela inscrição C-4, Apresentação n.º 3 de 2005-09-02 – cfr. certidão predial de fls. 43 a 45 da execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

8.º A executada C..., 3.ª outorgante na escritura pública referida em 5.º, declarou constituir-se fiadora e principal pagadora da quantia emprestada, responsabilizando-se pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à exequente em consequência do contrato de mútuo, “dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a exequente e os executados B... e A... e aceitando que a estipulação relativa ao extracto de conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança”.

9.º Os executados B...e A... deixaram de efectuar o pagamento das prestações dos empréstimos mencionadas em 1.º e 5.º desde 19 de Setembro de 2006 e 19 de Outubro de 2006, respectivamente.

10.º Na execução de que a presente oposição constitui apenso, a D... alegou os seguintes factos:

“Tendo os mutuários deixado de cumprir as obrigações emergentes dos contratos de mútuo com hipoteca e fiança (…), outorgados em 19/09/2005, desde 19/09/2006 e 19/10/2006, respectivamente, encontram-se em dívida à exequente, as quantias discriminadas na liquidação.

Relativamente ao contrato de mútuo com hipoteca (o referido em 1.º), a partir de 09/08/2010, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, no montante diário de € 47,44, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais que a exequente efectue da responsabilidade dos devedores, a liquidar oportunamente, nos termos do contrato e das disposições da lei.

De harmonia com o art. 7.º do DL n.º 344/78, de 17/11, aquela taxa inclui a sobretaxa de 2% ao ano.

Sobre os juros e comissões a cobrar incidirá IS à taxa em vigor.

Relativamente ao contrato de mútuo com hipoteca (o referido em 2.º), a partir de 09/08/2010, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, no montante diário de € 25,26, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais que a exequente efectue da responsabilidade dos devedores, a liquidar oportunamente, nos termos do contrato e das disposições da lei.

De harmonia com o art. 7.º do DL n.º 344/78, de 17/11, aquela taxa inclui a sobretaxa de 2% ao ano.

Sobre os juros e comissões a cobrar incidirá IS à taxa em vigor.

11.º E no espaço destinado à liquidação da obrigação fez constar:

Empréstimo (aqui referido em 1.º)

Capital                                            € 148.566,76

Juros de 19.09.2006 a 09.08.2010        46.150,64

Despesas                                                   582,89

Total                                                   195.300,29

Empréstimo (aqui referido em 2.º)

Capital                                               € 76.168,75

Juros de 19.10.2006 a 09.08.2010         24.451,83

Despesas                                                  331,89

Total                                                  103.952,47

TOTAL                       299.252,76


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III – Fundamentação de Direito

Começar-se-á por observar que os títulos dados à execução são dois contratos de mútuo, ambos garantidos por hipoteca e fiança, celebrados por escritura pública, isto é, em termos de títulos executivos, estamos perante documentos exarados por notário que importam a constituição de obrigações pecuniárias (cfr. 46.º/1, c) do CPC).

Mútuo que, na definição do art. 1142.º do CC, é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

Mútuo que, em face de tal definição, continua a ser recorrentemente considerado como um contrato real quoad constitutionem, concepção esta em clara regressão; para o que, aliás, muito tem contribuído a prática bancária e financeira, em que se utilizam figuras contratuais – desde a abertura de crédito, às mais diversas espécies de mútuo de escopo, em que o dinheiro nunca chega a passar pelas mãos do mutuário – com contornos estipulativos que forçam a admitir, ao lado do típico mútuo real, mútuos meramente consensuais.

Não é, porém, sequer este o caso dos mútuos dados à execução; em que – como consta da clausula 1.ª dos documentos complementares – as quantias emprestadas foram depositadas na conta DO dos mutuários.

Estamos pois perante tradicionais/clássicos mútuos bancários.

Mútuo que todo ele – seja civil, comercial e/ou bancário – se presume oneroso (cfr. 1145.º do CC e 395.º do C. Comercial); e que, celebrado o contrato e entregue a coisa ao mutuário, torna este o proprietário da mesma – 1144.º do CC; ficando o mutuário adstrito:

 - a pagar a retribuição – os juros; e

 - a restituir o tantundem, isto é, coisa do mesmo género, quantidade e qualidade.

Vem esta inicial observação, muito elementar, a propósito do que os oponentes/recorrentes dizem sobre a liquidação da obrigação; em que sustentam que a mesma não é líquida nem exigível, em que repetidamente dizem que “impugnam”, que “desconhecem o capital em dívida”, que “impugnam o valor da liquidação”, que a exequente não “mostra os cálculos”, etc.

Não têm neste ponto, com o devido respeito, qualquer razão.

Via de regra, uma oposição a uma execução para pagamento de quantia certa que aspire a ser processualmente útil não se pode ficar pela impugnação.

A um documento/escritura exarado pelo notário que coloca os executados na posição de mutuários e, por isso, adstritos quer à obrigação (principal) de restituir idêntica quantia/capital à emprestada quer à obrigação (acessória) de pagar uma retribuição (os juros) pelo capital emprestado, não se opõem eficazmente os executados dizendo tão só que “impugnam”, que “desconhecem o capital em dívida”, que “impugnam o valor da liquidação”, que a exequente não “mostra os cálculos”.

Resultando igualmente do documento/escritura exarado pelo notário, como é o caso, que todos os meses se vencem prestações, respeitantes a parte do capital e aos juros, não se podem os executados limitar a invocar, na oposição à execução, “desconhecimento” e “impugnação”; tendo necessariamente que dizer – para poderem extinguir as obrigações a que as escrituras os vinculam – que pagaram/liquidaram todas as prestações mensais que desde a celebração do contrato e da entregue da coisa se foram vencendo. Se já não devem o capital mutuado que a exequente pede, têm que dizer quanto devem; se acham que as contas estão mal feitas quanto ao capital em dívida, têm que “demonstrar” as suas contas e dizer quanto devem.

Como não foi nada disto que alegaram, nada do que disseram se opôs validamente à afirmação inicial da exequente; em que esta afirmou que “ (…) os mutuários deixaram de cumprir as obrigações emergentes dos contratos de mútuo com hipoteca e fiança (…), outorgados em 19/09/2005, desde 19/09/2006 e 19/10/2006, respectivamente (…) ”.

Pelo que, tendo isto presente e a cláusula inserida nos documentos complementares – que permite à D... considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento “de qualquer obrigação decorrente do contrato” – nenhum problema de liquidez e/ou exigibilidade das obrigações exequendas se coloca quando, especilamente como é o caso, volvidos mais de 4 anos[3], a D... interpõe a execução.

E, evidentemente, a D... ao “levar” 4 anos a interpor a presente execução também não incorre em “mora do credor”, como sustentam, mais uma vez sem qualquer razão, os oponentes/recorrentes.

Há mora do credor quando este, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação; é o que se dispõe no art. 813.º do CC.

Nada foi factualmente alegado que seja susceptível de integrar tal previsão legal; os oponentes/recorrentes não dizem ter alguma vez, ao longo dos últimos 4 anos, pretendido pagar uma única prestação, limitando-se, ao invés, a invocar “coisas” vagas, genéricas, inconsistentes e até contraditórias.

Dizem os oponentes/recorrentes que o valor da prestação aumentou consideravelmente atenta a informação fornecida pela exequente numa fase pré-contratual; que tal configura uma alteração das circunstâncias nos termos do art. 437.º do CC.

Para além disto – dizer que a prestação aumentou consideravelmente – não ser factual, não tem seguramente correspondência na realidade.

A actividade bancária é, pela sua própria natureza, comercial e lucrativa, pelo que – prevendo ambos os contratos de mútuo dos autos uma remuneração indexada à Euribor a 6 meses mais um spread de 1% – não se descortina o que possa ter sido proposto, na fase pré-contratual, que permita dizer que tal remuneração contratual representa um aumento considerável em relação ao antes proposto.

Não será despiciendo lembrar que, quando falamos da Euribor, estamos a aludir às taxas de juro praticadas no mercado interbancário[4]; estamos a aludir às taxas de juro que se formam nos empréstimos que os bancos (57 proeminentes bancos europeus) fazem entre si. Significa isto, “grosso modo”, que, quando, como é o caso, um banco empresta dinheiro a uma remuneração indexada à Euribor a 6 meses mais um spread de 1%, está a colocar em “cima” do preço a que o dinheiro lhe fica, a ele, uma margem de intermediação financeira de 1%. O que, sem prejuízo da lógica, racionalidade e avaliação de risco da actividade bancária não virem ao caso, não é possível deixar de reputar, em abstracto e em absoluto, como uma margem moderada de intermediação bancária.

E, é bom de ver, o que em “abstracto” e em “absoluto” é moderado, não pode representar um aumento considerável em relação à informação fornecida pela exequente numa fase pré-contratual; não pode consubstanciar uma alteração de circunstâncias capaz de fazer funcionar o art. 437.º do CC[5]; não constitui, ao contrário do que os executados/recorrentes sustentam, usura.

Dizem os oponentes/recorrentes que andaram 4 anos em negociações com a exequente para a reestruturação dos empréstimos e que esta lhes apresentou contrapropostas inviáveis.

Para além disto ser contraditório com a invocação, também feita pelos oponentes/recorrentes, da existência de “mora do credor” – uma vez que afinal andavam em negociações – a verdade é que, nada sendo alinhado susceptível de integrar a alteração de circunstâncias do art. 437.º do CC[6], não se vislumbra onde possa estar o fundamento jurídico para poder impor e poder exigir à exequente uma modificação contratual.

Não existe no nosso edifício jurídico um direito geral à reestruturação dos contratos; existe até exacta e naturalmente o princípio contrário, dos contratos deverem ser pontualmente cumpridos (cfr. 406.º/1 do CC).

O que não impede, evidentemente, que, no decurso da fase executiva dum contrato, as partes negoceiem e que, no âmbito da sua liberdade contratual, modifiquem o que antes estipularam e que inclusivamente extingam o contrato. Só que, para isto, tem que haver mútuo acordo/consentimento e, como é da própria natureza das coisas, as partes não são obrigadas a colocar-se de acordo (se fossem obrigadas, não seria acordo).

Por conseguinte, o não ter havido acordo para a reestruturação dos contratos/endividamento não corporiza um fundamento jurídico contra a exequente.

Assim como a desvalorização do imóvel é algo pouco ou nada relevante no argumentário aduzido contra a exequente.

Entre a exequente e os executados foram celebrados mútuos e fianças; emergindo as obrigações destes apenas de tais contratos, em termos que estão ali exacta e indelevelmente definidos, não sofrendo qualquer alteração ou vicissitude em função da oscilação de valor do imóvel adquirido com os mútuos[7].

Deixámos propositadamente para o fim a questão dos juros moratórios incluídos na liquidação da exequente[8].

Questão em que – antecipando desde já a conclusão – entendemos que assiste, embora por diferentes fundamentos, razão parcial aos oponentes/recorrentes.

E começaremos por observar que, em matéria de juros moratórios e da respectiva liquidação, a exequente, como resulta dos factos 10.º e 11.º deste acórdão, se ficou no requerimento executivo pelos “serviços mínimos”.

Disse que o “débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, (…) a juros calculados à taxa actualizada de 10,246% (…)”; acrescentou que “de harmonia com o art. 7.º do DL n.º 344/78, de 17/11, aquela taxa inclui a sobretaxa de 2% ao ano”.

E no “campo” da liquidação propriamente dita fez constar:

Empréstimo de € 150.000,00: “Juros de 19.09.06 a 09.08.10 – 46.150,64

Empréstimo de 80.000,00: “Juros de 19.10.06 a 09.08.10- 24.451,83

Chegado o momento da contestação à oposição, invocou a cláusula (supra transcrita) dos documentos complementares respeitante à mora e a “lei em vigor” (cfr. v. g. art. 18.º), dizendo expressamente “que o acréscimo de 2% encontra-se previsto no n.º 1 do art. 7.º do DL 344/78, de 17/11 (na redacção do DL n.º 83/86)”.

Que dizer?

Quanto à cláusula da mora inserta nos documentos complementares:

Os documentos complementares (às escrituras de mútuo) quer pelo conteúdo que encerram, quer pela extensão e detalhe do mesmo, contêm cláusulas certamente pré-elaboradas pela exequente e no essencial inalteráveis.

O mais certo será pois estarmos, quanto ao essencial de tais documentos complementares, perante um conteúdo contratual resultante de cláusulas contratuais gerais que foram inseridas num negócio singular pelo modelo das declarações negociais conjuntas[9]; o que, a ser verdade, poderia colocar problemas de inclusão/exclusão em relação a algumas das cláusulas (cfr. art. 4.º a 9.º do DL 446/85) e que as sujeitaria, depois de aceite a sua inclusão, a especialidades interpretativas (cfr. art. 10.º e 11.º do DL 446/85) e às proibições decorrentes do disposto no art. 12.º e ss. do DL 446/85 (com as consequentes nulidades, onde e sempre que o seu conteúdo fosse contrário à boa fé – cfr. art. 15.º do DL 446/85).

Porém, nada dizendo/invocando os exequentes quanto ao modo como se chegou ao conteúdo estipulativo que os documentos complementares espelham – designadamente, que tal conteúdo lhes foi “oferecido” em formulários pré-elaboradas e não sujeito a discussão ou a alteração – será um pouco arrojado sujeitar tal conteúdo estipulativo ao regime do DL 446/85.

Tanto mais que a lei geral, com algum esforço de elaboração, nos permite chegar a uma mesma e idêntica solução; que, para nós, é a nulidade da cláusula, sobre a mora, na parte em que se diz que os “juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na D... credora para operações activas da mesma natureza (actualmente 8,246%)”.

Aparentemente – antevê-se a observação – tal cláusula não diz nada de diferente em relação ao art 7.º/1, b) do DL 344/78, de 17/11 (na redacção do DL n.º 83/86), invocado pela exequente; em que se diz que as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2%, a acrescer “à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual àquele por que durar a mora”; e, por conseguinte, se a cláusula segue de perto o que a lei diz, não pode ser nula.

Não é, porém, assim; à primeira vista, não há diferença significativa, reconhece-se, entre a fórmula legal em causa e a cláusula sobre a mora dos documentos complementares, mas numa apreciação mais fina não só percebemos a diferença como, inclusivamente, concluímos que a alínea b) do referido art. 7.º/1 não será hoje invocável/aplicável[10].

A actual redacção do art. 7.º/1, b) do DL 344/78, de 17/11 (provinda do DL n.º 83/86) é dum período temporal – anterior ao Aviso n.º 3/93, de 20-05-93, do Banco de Portugal – em que todos os anos (às vezes até mais do que uma vez ao ano) o Banco de Portugal fixava administrativamente o limite máximo das operações activas.

O que, pelas razões constantes da exposição de motivos de tal Aviso n.º 3/93, deixou de ocorrer, uma vez que, nos termos do n.º 2 de tal Aviso, foi determinado que “são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal” (o que, desde aí, nunca mais aconteceu, quanto às taxas das operações activas, que ficaram liberalizadas).

Em face disto – da liberalização das taxas das operações activas – o art. 7.º/1, b) do DL 344/78 deixou, a partir da entrada em vigor do Aviso n.º 3/93[11], de poder funcionar; a expressão “taxa de juro máxima permitida” ficou vazia de sentido, uma vez que deixou de ser/estar preenchida por Avisos do Banco de Portugal[12].

Será talvez por isto – é uma suposição nossa – que, em vez da expressão “taxa de juro máxima permitida”, aparece a “substituí-la”, na cláusula sobre a mora dos documentos complementares, a expressão “taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na D... credora para operações activas”.

Não é a mesma coisa; ou sequer mais ou menos a mesma coisa.

Não corresponde e/ou reproduz, como vimos de explicar, à expressão legal; desde logo por, em rigor, como também vimos de explicar, não existir hoje, invocável/aplicável, o art. 7.º/1, b) do DL 344/78.

Não oferece a mesma “confiança”, em termos de equilíbrio e ponderação de interesses; uma vez que uma coisa é uma taxa de juro máxima permitida por um Banco Central e outra, diferente, uma taxa de juro máxima praticada por um banco comercial; as lógicas, racionalidades, funções, atribuições, modos de actuação e fins em vista são natural e legitimamente diversos.

Tudo isto para dizer que é apenas no plano convencional – sem qualquer auxílio do art. 7.º/1, b) do DL 344/78 – que a questão da validade/nulidade da cláusula, sobre a mora, se pode/deve colocar; e, neste perspectiva, deve o enfoque ser efectuado a partir do dever de informação bancária.

Um banco não é, por ofício, uma agência de informações.

Mas, quando se trate dum cliente – portanto, de uma pessoa que, com o banqueiro, mantenha uma relação de negócios contínua e duradoura – o banqueiro está obrigado a prestar as informações que, ex bona fide, tenham a ver com a relação em curso, com os contratos concretos em execução.

“Princípio” este que decorre da aplicação das regras gerais – da boa fé in contrahendo e da observância da boa fé na execução dos contratos (cfr. 227.º/1 e 762.º/2 do CC) – sem prejuízo de surgirem, na relação bancária, certas particularidades, a implicar ajustamentos e adaptações, designadamente tendo em conta a pouca experiência, reduzidos conhecimentos técnicos ou incipiente organização do cliente que estabelece relações com o banqueiro.

Efectivamente, importa não esquecer, há entre o banqueiro e o cliente um enorme desnível/assimetria de informação.

Se, no direito comum, a informação diz essencialmente respeito a questões de facto, no direito bancário, a informação requerida aos bancos é, no essencial, do tipo técnico-jurídico; isto é, se a factualidade ligada aos negócios bancários é simples – especialmente os que têm a ver com dinheiro – outro tanto já não ocorre (pode não ocorrer) com o regime jurídico envolvido, que pode ser complexo, sobretudo por assentar, muitas vezes, em usos bancários ou em cláusulas contratuais[13] de apreensão difícil.

Daí a tendência actual, que vai no sentido duma crescente intensificação dos deveres de informação, particularmente sob a influência do pensamento da protecção do consumidor; daí que, quanto maior for a atipicidade do negócio e mais complicada se apresentar do ponto de vista do consumidor a situação jurídica envolvida, mais se justifique o fazer recair sobre o banqueiro um dever de cabal esclarecimento[14]; a ponto de, sem entrar em exageros, ser exigível que o banqueiro desenvolva uma certa actuação pedagógica junto dos clientes.

É justamente por tudo isto, sem ser devidamente explicada e assimilada, que uma cláusula como a em apreço pode vir a revelar-se proibida/nula por violação da boa fé e da proporcionalidade (cfr. 334.º e 812.º do CC).

Embora a cláusula só funcione em caso de mora do devedor – ou seja, embora o funcionamento da cláusula não esteja sujeito ao arbítrio do credor – não deixa a cláusula de conferir ao credor um poder genérico unilateral não negligenciável na fixação da taxa dos juros de mora, uma vez que estes serão calculados à taxa mais elevada que estiver em vigor na D... para operações activas da mesma natureza.

É exactamente este critério, enunciado na cláusula, que no contexto concreto dos contratos e dos autos, se nos afigura, em face dos contornos traçados para o dever de informação, como contrário à boa fé e ao princípio da proporcionalidade; susceptível mesmo de criar um desequilíbrio na relação contratual e de colocar os executados à mercê da exequente.

Como acima se afirmou – rechaçando a usura remuneratória que os oponentes lhe imputavam – a exequente efectuou empréstimos a uma remuneração comedida, tendo praticado uma margem bem moderada de intermediação bancária.

Terá sido certamente por isso – por a remuneração ser comedida – que os empréstimos atingiram o montante global de € 230.000,00; é ocioso explicá-lo (especialmente, no momento actual), mas, evidentemente, quando menor é a remuneração do mútuo, maior é – ou parece ser – a capacidade de endividamento de quem o contrai.

O que, com relevo para a cláusula em análise e para a boa fé, nos suscita as seguintes ilações:

A exequente terá por certo emprestado mais do que a prudência lhe impunha; terá deslizado para uma concessão de “crédito arriscado” e algo “irresponsável”, do que não pode pretender tirar vantagem, designadamente, com o funcionamento/aplicação duma cláusula severa de juros moratórios.

Quem concede crédito “barato”, até ao limite das possibilidades dos mutuários[15], não pode/deve, à luz da boa fé, clausular, para o caso de algo “correr mal”, juros moratórios que vão ao arrepio da remuneração (juros remuneratórios) moderada que aceitou como retribuição.

Há, de certo modo, numa tal cláusula de juros moratórios – que passam a ser calculados à taxa mais elevada que estiver em vigor para operações activas da mesma natureza – uma “ganância”, perdoe-se-nos a expressão, algo incompatível e contraditória com a “generosa” e “benevolente” cláusula sobre os juros remuneratórios; há, com o devido respeito, um como que “venire contra factum proprium”, de quem, na “sedução” do crédito barato, logra conceder empréstimos avultados que, caso não sejam pontualmente restituídos, encarecem desproporcionalmente, passando a conferir uma remuneração “simpática”.

Encarecimento a ser concretizado/efectuado através dum poder genérico unilateral que a cláusula atribui à exequente; e que, no caso dos autos, a exequente levou ao limite.

Dizendo-se na cláusula que os juros são os em vigor em cada um dos dias em que se verificar a mora, a exequente não se deu sequer ao labor de dizer/demonstrar, nos autos, qual foi a taxa mais elevada de juros em vigor num único dia dos 1.400 dias por que se prolongou a mora (dos juros) que liquidou; não só utilizou sempre a mesma taxa de juros moratórios como, inclusivamente, se limitou a lançar mão exactamente daquela taxa que fez constar dos documentos complementares[16] como sendo a mais elevada no dia da outorga dos documentos complementares[17].

A ponto de não podermos dizer se a taxa aplicada (de 8,246%) foi ou não bem aplicada; com o que apenas queremos salientar – em contraste com o princípio da simplicidade bancária – a relativa opacidade de tal cláusula de juros moratórios.

Não está minimamente em causa a possibilidade dum banco – ou outro qualquer fornecedor de serviços financeiros – alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer encargos aplicáveis, desde que correspondam a variações de mercado e sejam comunicadas de imediato à contraparte; e ainda menos está em causa que as taxas dos juros moratórios se apresentem como agravadas em relação às taxas dos juros remuneratórios (para as mesmas operações).

O que está em causa, a juntar à relativa opacidade (em concreto) da cláusula, é o facto de, através dela, a taxa moratória “trepar” quase para o triplo da taxa remuneratória; o que mais uma vez nos remete para a boa fé (227.º/1 e 762.º/1), para a tutela da confiança e para o seguinte juízo/reflexão/pergunta (em jeito de síntese de tudo o que vimos de dizer):

Será que não é abusivo/ilegítimo (334.º do CC) o comportamento dum banco que ambiciona/reclama uma indemnização moratória significativa pelo não cumprimento pontual das prestações restitutórias de mútuos, em que, quando os concedeu/efectuou, se “contentou” com retribuições modestas, o que, também ou justamente por isso, incrementou o volume do montante emprestado e agora sujeito ao efeito multiplicador duma indemnização moratória significativa?[18]

E a esta pergunta retórica – aplicando com rigor o dever de informação (e de actuação pedagógica) a cargo do banco e tendo presente a complexidade/opacidade da cláusula – respondemos afirmativamente; declarando em concreto nulas as cláusulas respeitantes à mora constantes dos documentos complementares.

O que significa, encurtando razões, que o banco exequente apenas podia pedir/liquidar a taxa remuneratória dos mútuos (que era, em Agosto/Setembro de 2006, de 3,815%); e fazê-la acrescer, como fez, da sobretaxa de 2% prevista no corpo do art. 7.º/1 do DL 344/78.


*

Improcede pois, com a excepção acabada de expor, tudo o que os oponentes/apelantes invocaram e concluíram na sua alegação recursiva[19], o que determina, ressalvada tal excepção, o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância.

*


IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por decisão a julgar parcialmente procedente a oposição, determinando-se o prosseguimento da execução (pelo capital na mesma referido) sendo os juros devidos/liquidados apenas à taxa que resultar da aplicação da taxa remuneratória dos mútuos (conforme cláusulas 4.ª e 3.ª dos factos 2.º e 3.º deste acórdão) acrescida de 2%.

Custas, em ambas as instâncias, por exequente e executados/oponentes, na proporção de 1/8 e 7/8.


*

Barateiro Martins (Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] A execução foi proposta também contra um 4.º executado – E... – que deduziu isoladamente a sua oposição.

[2] Factos que, cumprindo o “exame crítico” previsto no art. 659.º/3, do CPC, incrementámos e rectificámos; com base e a partir dos elementos relevantes constantes das escrituras e documentos complementares juntos com o requerimento executivo.

[3] O clausulado dos documentos complementares, ainda que visto sem ser à lupa, coloca diversas dificuldades e resistências jurídicas. A própria cláusula 15.ª/14.ª, na medida em que de certo modo consagra uma cláusula resolutiva expressa decorrente do incumprimento de qualquer obrigação decorrente do contrato (isto é, se os executados se atrasarem um dia, dá à D... a faculdade, em face da letra da cláusula, de considerar antecipadamente vencida toda a dívida), não deixa de ser de validade muito discutível, porém, decorridos 4 anos sem o pagamento de quaisquer prestações, não faz muito sentido discutir tal questão (se é a própria lei geral – 1150.º do CC – a admitir a resolução do contrato se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento anual)
[4] Taxas, em número de 15, dizendo respeito a 15 prazos diferentes, que podem ser acedidas em http://pt.euribor-rates; onde se pode ver evolução de todas as 15 taxas desde que a Euribor passou a existir em 1999.

[5] Sem prejuízo de, quando os executados deixaram de pagar as prestações (em Set/Out de 2006) as Euribor estarem a iniciar uma escalada ascendente que se prolongou por 2 anos e que as levou a mais de 5%; porém, daí para cá assistiu-se ao movimento oposto, a uma acentuada descida, situando-se a Euribor a 6 meses nos últimos 3 anos abaixo de 2% e no presente momento nos 1,3%, o que dá por certo, desde a celebração dos mútuos, uma média inferior a 3% e, agora, aplicando a cláusula remuneratória dos mútuos, uma taxa remuneratória de 2,3%.

[6] O preenchimento da previsão do art. 437.º não é fácil nem comum; mas dizer tão só, como fizeram os executados/oponentes, que pelos seus rendimentos (que não dizem sequer quais são) nunca poderiam suportar os empréstimos, o que a exequente bem sabia, não dá sequer para iniciar uma discussão jurídica séria sobre o preenchimento ou não do art. 437.º do CC. Repare-se que os executados nem sequer dizem que tiveram, em relação à data dos contratos, uma qualquer quebra/baixa nos seus rendimentos (com o que também não estamos a querer dizer que isto, sim, poderia constituir uma alteração das circunstâncias).

[7] A desvalorização do imóvel é algo de que a exequente terá tantas “razões de queixa” quanto os executados; uma vez que vê diminuída a sua garantia real. É hoje público e notório, não se ignora, que a banca comercial errou (por excesso) na avaliação dos imóveis e que, com isso e com os empréstimos que foi concedendo com base em tais avaliações, contribuiu para uma certa bolha imobiliária e para a insolvência de muitos particulares (que pediram empréstimos para comprar casas que hoje valem bem menos), porém, só por si e sem mais, tal “erro” não equivale a uma alteração anormal para os mútuos e fianças; tanto mais que tal “erro” não pode ser em exclusivo imputado à banca (mas também aos compradores), não foi/é ela exactamente a beneficiária principal da situação (mas sim os vendedores) e porque dum modo ou doutro será também ela a lesada (não conseguindo satisfazer, num numero significativo de casos, a integralidade dos seus créditos).

[8] Questão que está verdadeiramente presente em todas as questões suscitadas pelos oponentes; que é neles – juros moratórios – que parece que estão a pensar quando invocam a usura e o aumento desmesurado do endividamento.
[9] Enfim, o mais certo é estarmos perante um contrato de adesão individualizado; em que a exequente/predisponente não deu aos executados/destinatários grande possibilidade/oportunidade de influenciar o projecto/conteúdo de clausulado; a não ser em aspectos de pormenor, que não incidiram/modificaram o essencial do clausulado previamente elaborado/apresentado.
[10] Cfr., neste sentido, José Maria Pires, Direito Bancário, 2.º Vol., pág. 195.
[11] Senão mesmo, antes, desde o Aviso 5/88, que suspendeu a aplicação da taxa estabelecida no art. 2.º/1 do Aviso n.º 3/88.

[12] A título de exemplo, dizia-se no já referido Aviso 3/88, de 05/05/1988, do Banco de Portugal, no seu art. 2.º/1 que “a taxa de juro das operações activas (…) será estabelecida pela instituição de crédito, não podendo exceder 17%”; a partir de 93 deixou de haver Avisos a dizer isto, a dizer qual era a “taxa de juro máxima permitida”.
[13] Não raras vezes gerais; o que se compreende, pelo que isso significa – vantagens – em termos de simplificação, economia de tempo, redução de custos e igualização no tratamento dos clientes duma empresa da dimensão duma instituição bancária.

[14] Daí o que no art. 75.º/1 do RGIC se estabelece sobre o dever de informação; daí o que no DL n.º 220/94, de 23-08, se estabelece sobre o regime das informações a prestar pelo banqueiro aos seus clientes, no tocante a taxas de juros e outros custos.
[15] Se é que “até ao limite”, sem “folga, já não deve em rigor ser considerado como sendo acima das possibilidades.
[16] Dizemos “fez constar”, uma vez que a indicação que consta da cláusula tem que ser entendida como uma declaração unilateral da exequente e não como um acordo entre exequente e executados.
[17] Que, tratando-se duma taxa à milésima, é completamente extraordinário que se possa ter mantido na mesma milésima ao longo de 5 anos.

[18] Neste contexto – em que um banco empresta muito capital por pouco dinheiro/retribuição – será que o “salto”, da taxa remuneratória para a moratória, não representa, agora sim, uma alteração anormal das circunstâncias que afecta gravemente os princípios de boa fé?

[19] Significa isto também que a sentença recorrida não padece de quaisquer nulidades; designadamente, como se invocou, por violação das alíneas b), e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC. Segundo a referida alínea b), constitui causa de nulidade da sentença a falta de fundamentação, porém, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente. Segundo a referida alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 660.º do CPC. Explicado o sentido de tais causas de nulidade de sentença, é de todo evidente que só por lapso se pode invocar o vício de nulidade em relação a uma sentença em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em perfeita harmonia com o exposto e em que se conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas.