Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225/08.0TBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1380º, Nº 1, E 1387º, Nº 3, AMBOS DO C. CIVIL.
Sumário: I - Não há nem pode haver “confinância” entre prédios rústicos, para efeitos do artº 1380º, nº 1 do C. Civil, quando os ditos prédios confinam, estremam, são delimitados com/por um ribeiro ou corgo, com uma largura entre 5,35 e 7,00 metros (quase ou mesmo a largura de uma estrada comum em zonas não urbanas).

II - É certo que o artº 1387º, nº 3 do C. Civil dispõe que “quando a corrente de águas passa entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo”, mas tal dispositivo tem apenas a ver com obras para armazenamento ou derivação de águas e com o leito dessas correntes, não, por si só, para efeitos de eventual emparcelamento de prédios rústicos ou para a definição de confinância de prédios (o que se enquadra no instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos - secção VII do Capítulo III do Título II do Livro III do C. Civil -, no qual se integra o artº 1380º do C. Civil, instituto este que tem apenas em vista melhorar as condições técnica e económicas da exploração agrícola).

III - Este instituto (do emparcelamento de prédios rústicos) não pode socorrer-se, na sua aplicação, do disposto no artº 1387º do C. Civil, relativo à propriedade das águas, por si só.

IV - Donde que tal emparcelamento derivado do dito direito de preferência apenas respeite a prédios rústicos entre si confinantes, não relativamente a prédios separados entre si por estradas, por rios/ribeiros ou outros meios naturais ou não naturais que impeçam o seu verdadeiro e real emparcelamento/união, conforme previsto no artº 1380º do C. Civil.

V - Com o conceito de “terrenos confinantes“ do artº 1380º do C. Civ. , a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns, de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
                No Tribunal Judicial da Comarca de Nelas, a sociedade “F..., S.A.”, com sede na Rua … propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra o “BANCO S…, S.A.”, com sede na Rua …; P… e mulher, E…, residentes na Rua …; e contra M… e mulher, A…, residentes na Rua …, pedindo que:
- seja reconhecido à Autora o direito legal de preferência na alienação do prédio rústico sito em …, alienação essa ocorrida por escritura pública de compra e venda celebrada em 28.11.2007, entre o primeiro Réu e os segundos Réus;
- seja declarado constitutivamente que a Autora é a única e legítima proprietária desse prédio; e
- sejam cancelados os registos de aquisição do dito prédio a favor dos segundos e terceiros réus.
Para tanto e muito em resumo alega que é proprietária dos seguintes prédios rústicos sitos em...
Que estes prédios confinam a poente com o prédio rústico sito …, prédio este de que era proprietário o primeiro réu.
Que entre dois referidos prédios da Autora e o supra referido que foi do primeiro Réu existe um rego ou corgo, com cerca de 60 centímetros de largura e que está seco durante grande parte do ano, com uma passagem a pé a unir os seus dois lados, motivo pelo qual a confinância referida não se deduz numa primeira observação das certidões registrais e matriciais respectivas.
                Pelo que a Autora tem o direito de preferência em relação à venda do prédio de que o primeiro Réu foi proprietário, nos termos do artº 1380º do C. Civil.
Que no final do mês de Dezembro de 2007 a A. tomou conhecimento de que o primeiro Réu vendeu o aludido prédio, tendo contactado este com o intuito de conhecer os elementos essenciais desse negócio, de modo a ponderar o exercício do seu direito de preferência, mas não logrou obter qualquer resposta.
Que diligenciou, então, por obter tais elementos documentalmente, o que apenas ocorreu em Maio de 2008, tendo sido confrontada com duas transmissões do prédio em questão, por compra e venda, a última das quais para os 3ºs Réus, pretendendo, assim, exercer o seu direito de preferência, já que todos os referidos prédios possuem áreas inferiores à unidade de cultura e se destinam à exploração agrícola, e uma vez que os 2.ºs Réus não são proprietários confinantes do prédio vendido pelo primeiro Réu.
Que nenhuma dessas compras-vendas foi comunicada à A.
Razões pelas quais se justifica a propositura da presente acção.

Pela A. foi depositada à ordem da presente acção o montante de € 1.200,00, conforme fls. 59.
II
Os Réus M… e mulher apresentaram contestação, argumentando, muito em resumo, que em 9/04/2008 adquiriram um prédio urbano a P… e mulher, composto de casa de arrumos e logradouro, sito em ...
Que a Autora não goza de direito de preferência relativamente a essa aquisição, dado se tratar de uma compra e venda de prédio urbano.
E que também não goza a A. de tal direito quanto à compra e venda anteriormente havida, porquanto os 2ºs Réus não adquiriram o prédio para cultura, mas sim para fins urbanos, até porque nele existia há muitos anos uma casa de habitação.
Mais alegaram que entre os ditos prédios da Autora e o prédio que foi adquirido pelos RR. existe um corgo a separá-los, que não possui apenas 60 centímetros de largura, não é acompanhado de qualquer passagem a pé, nem está seco durante grande parte do ano, o qual é denominado de “Ribeira do Gato” e existe desde sempre em todos os registos camarários e hidráulicos, e que vai dar ao rio Mondego, nele correndo água abundantemente durante todo o ano, tratando-se de águas públicas, sujeitas ao regime estabelecido em leis especiais e não de águas particulares que servem apenas para conduzir água a várias propriedades.
Que, por outro lado, a Autora é proprietária de um conjunto diverso de prédios rústicos e urbanos, que constituem uma quinta e única exploração agrícola, atravessada por uma estrada, com muito mais de 20.000 m2 ou seja uma área superior à unidade de cultura.
Ao que acresce que lhe foi comunicada a venda do actual prédio dos RR. ainda no mês de Novembro de 2007, tendo o primeiro Réu feito todas as diligências necessárias à transmissão de todos os elementos essenciais da venda ajuizada, pelo que a presente acção foi instaurada muito depois dos seis meses a que alude o artigo 1410º do Código Civil, razão pela qual se verifica a caducidade do invocado direito de preferência.
Por fim deduzem estes RR. reconvenção contra a A., alegando que no caso de a acção proceder terão que ser indemnizados em função do prejuízo que vierem a ter, cujo montante deverá ser liquidado em execução de sentença, para além do preço pago e despesas efectuadas, no montante global de € 13.800,00.
Terminaram pedindo a improcedência desta acção.
***
Os Réus P… e esposa também apresentaram contestação, sustentando, muito em resumo, que o 1º Réu, em 2007, teve o cuidado de publicitar a venda do prédio objecto da preferência invocada pela A., para permitir o exercício de qualquer eventual preferência sobre o mesmo.
Que a sociedade Autora tem sede e funcionários junto do referido prédio, pelo que era impossível que desconhecesse essa venda e os respectivos elementos.
Que a Autora soube da dita venda e dos elementos essenciais da mesma antes do dia 10.12.2007 e apresentou a petição inicial desta acção apenas em 11.06.2008, pelo que o exercício do direito de preferência que se arroga é extemporâneo.
Que para poder exercer a preferência em causa a Autora tinha que depositar, além do preço, todas as despesas do contrato, o que não sucedeu, acarretando, assim, a caducidade do exercício desse direito.
Que não podia a Autora limitar-se a alegar que tem direito de preferência, sendo necessário alegar e provar factos que demonstrem que possui a melhor preferência ou que inexistem outros preferentes, sob pena de improcedência da acção, por falta de causa de pedir.
Que o corgo que existe entre os prédios descritos na petição inicial é um ribeiro público, onde escorrem águas públicas, com mais de um metro de largura, denominado “Ribeiro do Vale do Gato”, afluente do Rio Mondego, assim cadastrado na Câmara Municipal de Nelas.
Que os prédios da Autora não são confinantes com o prédio em questão mas sim com esse corgo, de que se servem os diversos proprietários ao longo do seu percurso, para regar os seus prédios, sendo que não existe qualquer passagem de pé a unir os dois lados.
Que a Autora não é proprietária apenas dos dois prédios que indica na petição inicial, mas sim da denominada “Quinta do Soito”, que é constituída por vários hectares de terrenos, cultivada mormente com vinha, na qual se integram aqueles dois prédios, sendo que o somatório da área dessa quinta excede largamente a unidade de cultura fixada para a zona.
Que, por outro lado, os 2ºs Réus adquiriam o prédio para nele construírem habitação própria, pelo que nele começaram a cortar as silvas e ervas, a limpar a casa de arrumações e procederam à alteração da natureza do mesmo de rústica para urbana.
Mas que, entretanto, desinteressaram-se de ir viver no referido prédio e venderam-nos aos 3ºs Réus, já com natureza urbana, dado que estes pretendiam nele construir habitação e não cultivá-lo com produtos agrícolas.
Por fim, deduzem reconvenção contra a A., para o caso de a acção proceder, peticionando a condenação da Autora no pagamento do preço, despesas e trabalhos efectuados no prédio, no montante global de 3.980,35 €.
Terminaram pedindo que seja declarada a caducidade do exercício do alegado direito de preferência; que a acção seja julgada improcedente; ou, caso assim se não entenda, que seja julgada procedente a reconvenção deduzida, com a consequente condenação da A. nos termos peticionados.
***
O Réu “Banco S…, S.A.” também apresentou contestação, argumentando, muito em resumo, que diligenciou pela obtenção da identificação dos proprietários confinantes do prédio de que era proprietário, o que não se revelou possível face à inexistência de mapa cadastral.
Que, por esse motivo, celebrou um contrato-promessa com os 2ºs Réus, no qual foi incluída uma cláusula com os procedimentos a adoptar com vista a acautelar a eventual existência de um direito de preferência legal por parte de confinantes, na sequência da qual:
- fez afixar, no dia 05.11.2007, através da Junta de Freguesia de …, nos lugares mais concorridos da freguesia, um anúncio que dava a conhecer todos os elementos essenciais do projectado negócio;
- colocou, no mesmo dia e em vários locais do prédio prometido vender, um anúncio com os mesmos dizeres;
- publicou, no dia 06.11.2007, o mesmo anúncio no jornal “Folha do Centro de …”;
- contactou pessoalmente com os confrontantes conhecidos.
Que, não obstante, ninguém contactou consigo ou com os 2ºs Réus, manifestando o propósito de exercer o direito de preferência de que eventualmente fossem titulares, incluindo, portanto, a Autora.
Que a forma como publicitou a intenção de vender o imóvel foi a adequada e exigível, não aceitando, por isso, que a Autora não tivesse tomado conhecimento do negócio projectado, sendo que nunca foi contactado por esta, ao contrário do alegado na petição inicial.
Que não reconhece a Autora como proprietária confinante do prédio objecto da presente acção, seja porque nem a certidão predial nem a certidão registral indicam qualquer confrontação a poente com os prédios alegadamente propriedade da Autora, seja porque um corgo é, só por si, suficiente para afastar um dos pressupostos do direito de preferência alegado por aquela.
Terminou pedindo a improcedência da presente acção.
III
A Autora respondeu às contestações deduzidas pelos Réus, sustentando que desconhece os anúncios que o 1º Réu terá publicado, os quais diz que nunca chegaram ao seu conhecimento, apenas tendo tomado conhecimento das vendas nos termos descritos na petição inicial.
Que tais anúncios não são adequados como comunicação do projecto de venda e respectivas cláusulas, atento o disposto no artigo 224º do Código Civil, sendo que a Autora é conhecida por qualquer pessoa daquele lugar, pelo que para tomar conhecimento de que a Autora é proprietária confinante do prédio em questão bastava questionar qualquer habitante do lugar ou qualquer funcionário da autora que diariamente ali trabalha.
Que o 1º Réu tinha conhecimento da confinância dos prédios da Autora, bem como da sua identidade, mas resolveu considerar que a existência do rego ou corgo afasta essa confinância.
Que os 2ºs e 3ºs Réus não declararam nas respectivas escrituras de compra e venda que o prédio transaccionado não se destinava à cultura, nem provaram a ocorrência de quaisquer factos que permitam concluir a intenção de construir no prédio adquirido, sendo que o corte de silvas e de ervas é precisamente a primeira tarefa a que um proprietário rural se entrega no amanho da sua terra e a limpeza dos arrumos a preparação de arrumação para o material agrícola.
Que o prédio em questão encontra-se registado como urbano provisório por dúvidas, ainda não se tendo transformado em urbano.
Que os prédios de que a A. é proprietária, descritos na petição inicial, são distintos e autónomos dos demais que possui nessa zona, sendo que apenas aqueles relevam para efeito de preferência decorrente da confinância de prédio inferior à unidade de cultura, e que o terreno dos Réus tem área inferior à unidade de cultura, bastando, para efeito de preferência legal, que um dos prédios confinantes possua essa característica.
Que a A. apenas tinha que depositar o preço do prédio sobre o qual quer exercer a preferência e não quaisquer outras quantias, o que fez.
Que não tinha que alegar que é a melhor preferente, porquanto nenhum outro confinante se apresentou para exercer a preferência.
Que os 2ºs Réus já não são proprietários do prédio objecto dos autos, pelo que somente em relação aos 3ºs Réus se produzirão os efeitos jurídicos da procedência da acção, sendo que com a venda do prédio aos 3ºs Réus aqueles já foram ressarcidos das despesas com a aquisição do mesmo, motivo pelo qual o pedido reconvencional deduzido pelos mesmos terá que improceder, sob pena de enriquecimento sem causa.
Que quanto ao pedido reconvencional deduzido pelos 3ºs Réus, apenas terá que lhes pagar o preço e despesas do contrato, e já não qualquer indemnização, designadamente a título de perda de investimento, não havendo qualquer ilicitude no comportamento da Autora.
Terminou mantendo o seu pedido inicial.
IV
Terminados os articulados realizou-se uma audiência preliminar, na qual se tentou a conciliação das partes, sem sucesso, posto que foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram admissíveis as reconvenções deduzidas pelos 2ºs e 3ºs Réus; se julgou improcedente a excepção peremptória de falta de depósito da quantia correspondente às despesas e impostos suportados pelos 2ºs Réus com a aquisição do prédio em discussão nos autos, por se entender que a Autora apenas tinha que depositar o preço correspondente ao benefício económico ajustado entre o sujeito passivo e o adquirente, como contrapartida da alienação do bem, ou sejam € 1.200,00; se julgou improcedente a excepção de falta de causa de pedir invocada pelos 2ºs Réus, porquanto não estando presentes na acção os demais preferentes possíveis, não se concebe que seja exigível à Autora ter que fazer prova, enquanto facto constitutivo do seu direito, que é a melhor preferente.
                Mais se reconheceu a regularidade processual da acção, sem nulidades e sem excepções dilatórias.
Também se procedeu à selecção da matéria de facto alegada pelas partes, a qual foi alvo da reclamação de fls. 324, que foi parcialmente deferida por despacho de fls. 334.
                Seguiu-se a realização de uma peritagem ao local da contenda, cujo relatório se encontra a fls. 609 e sgs., tendo a Autora reclamado do mesmo nos termos que constam de fls. 623 e sgs., requerimento sobre o qual recaiu o despacho de fls. 644 e sgs..
Nessa sequência, foram prestados pelos Senhores Peritos os esclarecimentos de fls. 657 e sgs..

                Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova testemunhal produzida, conforme se alcança do teor das actas de fls. 705 a 710, 712 a 719 e 732 a 735, tendo sido realizada uma inspecção judicial ao local – ver fls. 716.
O Tribunal a quo respondeu à matéria da base instrutória nos termos que constam da acta de fls. 746 e sgs., com indicação da respectiva fundamentação.
Proferida a sentença sobre o mérito da causa – fls. 771 e segs. -, nela foi decidido julgar a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos.
VII
                Dessa sentença interpôs recurso a A., recurso que foi admitido em 1ª instância como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
                Nas alegações que apresentou a Apelante formulou as seguintes conclusões:
VIII
                Contra-alegaram os Recorridos, onde também concluíram do seguinte modo:
IX
                Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se pode resumir à apreciação da questão da verificação, ou não, da alegada confinância entre os prédios da A. e o prédio transaccionado entre os RR e relativamente ao qual é exercido o direito de preferência em discussão na acção.
                Tendo em conta que não foi impugnada a matéria de facto apurada em 1ª instância e não se vendo razões para uma alteração oficiosa da dita, enuncia-se a mesma, tal como consta da sentença recorrida:
...
                Passando à abordagem da questão suscitada pelo presente recurso, cumpre referir, antes de mais, que na sentença recorrida, depois de se tecerem algumas considerações acerca do invocado direito de preferência (pela aqui A.), analisou-se a invocada excepção da caducidade do dito direito de preferência a favor da A., tendo-se concluído pela improcedência de tal excepção – questão esta que não constitui objecto do presente recurso.
                Depois passou-se à análise da invocada confinância (ou não) entre os prédios rústicos da A. (artigos …) e o prédio objecto de (duas) compras e vendas entre os RR. na acção (artigo …), dado que pelos RR foi alegado inexistir a alegada confinância.
                Nessa abordagem foi entendido que o “corgo”, denominado “Ribeiro do Vale do Gato” estabelece uma divisão física, objectiva e real entre os terrenos da autora e o terreno que era do 1º Réu, …, corgo esse que quando chove as águas que nele escorrem possuem uma largura com cerca de um metro de largura, e que a distância entre as margens do mesmo oscila entre 5,35 e 7 metros.
                Donde se ter concluído que “perante estas características, afigura-se-nos que o corgo em questão impede a exploração dos terrenos da Autora e do que era do 1º Réu de forma contínua, como se de um único prédio se tratasse… pelo que impõe-se concluir que os prédios não são confinantes entre si para os efeitos previstos no artº 1380º do C. Civil, o que implica necessariamente que a acção improceda”.
                Constam da referida sentença as seguintes considerações (que se transcrevem de forma muito resumida):
                “…
                – Da confinância entre os prédios da autora e o prédio vendido pelo primeiro réu:
Com vista a ver reconhecido o direito legal de preferência de que se arroga titular, alega a autora que é proprietária dos prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica de … sob os artigos …, que confinam com o prédio inscrito na mesma matriz sob o artigo …, de que era proprietário o primeiro réu e que foi alienado para os segundos réus e destes para os terceiros réus.
Mais alega que o rego ou corgo que existe entre ambos os prédios não afasta essa confinância, porque o mesmo possui cerca de 60 centímetros de largura, está seco durante grande parte do ano e tem uma passagem a pé a unir os dois lados.
Os réus argumentam que a autora não é proprietária confinante porquanto:
- nem a certidão predial, nem a certidão registral, indicam qualquer confrontação a poente com os prédios alegadamente propriedade da autora;
- o corgo que existe entre os prédios da autora e aquele sobre o qual pretende ter direito de preferência é um ribeiro público, onde escorrem águas públicas, com mais de um metro de largura, denominado “Ribeiro do Vale do Gato”, afluente do Rio Mondego, assim cadastrado nos registos camarários e hidráulicos, tratando-se, por isso, de águas públicas e não de águas particulares;
- a existência desse corgo, que não possui apenas 60 centímetros de largura, não é acompanhado de qualquer passagem a pé, nem está seco durante grande parte do ano, afasta a confinância entre os prédios.
A autora contrapõe que no caso de águas públicas não navegáveis e não flutuáveis localizadas em prédios particulares, como sucede no caso em apreço, quer o leito, quer a margem são particulares, não se afastando, assim, qualquer confinância entre prédios – fls. 497/498.
Compulsados os factos provados constatamos que:…
A questão que se coloca é a de saber se apesar da existência do referido corgo entre tais prédios se poderá considerar, ainda assim, que os mesmos são confinantes entre si, para os efeitos previstos no artigo 1380º do Código Civil.
Para aferir se assim sucede, há que atentar nas características do corgo em questão e nos objectivos da consagração do direito de preferência legal em análise.
Assim, vimos já que a autora alegou que o corgo tem apenas cerca de 60 centímetros de largura, está seco durante grande parte do ano e tem uma passagem a pé a unir os dois lados.
Tal caracterização foi vertida no quesito 5º da base instrutória, o qual mereceu a seguinte resposta restritiva: “provado apenas que o corgo descrito em I) está seco nos períodos em que não chove”, o que significa que não se provou o demais alegado pela autora.
Já a caracterização efectuada pelos réus foi objecto do quesito 17º da base instrutória, que mereceu a resposta explicativa que consta dos pontos 29. e 30. dos factos provados, ou seja, que o corgo é denominado de “Ribeiro do Vale do Gato”, nele escorrem águas de corrente não navegável nem flutuável nos períodos em que chove, com cerca de um metro de largura, que vão desaguar ao Rio Mondego e que a largura entre as margens do mesmo oscila entre 5,35 metros e 7 metros.
Destas características do corgo decorre que o mesmo estabelece uma divisão física, objectiva e real entre os terrenos da autora e o que era do primeiro réu.
Importa, pois, aferir se essa divisão física impede os objectivo subjacente à criação do direito de preferência legal entre proprietários confinantes de terrenos rústicos.
Ora, tal começamos por enunciar, o objectivo do regime legal do emparcelamento, no qual se inclui o direito de preferência em questão, é permitir a criação de explorações agrícolas rentáveis, contribuindo para o aumento das áreas dos prédios e das explorações agrícolas.
O que se pretende, pois, é que haja uma anexação de vários prédios rústicos que possam ser explorados de forma contínua, como se de um só prédio, de área superior, se tratasse.
Não se visa, portanto, aumentar o património dos proprietários de terrenos rústicos com a aquisição de outros prédios dessa natureza, isto é, que os titulares de prédios rústicos se tornem proprietários de mais prédios, que possam ser explorados autonomamente ou de forma descontínua, mas sim que aumentem a área dos que já possuem, por uma espécie de incorporação ou anexação dos terrenos rústicos confinantes.
Daí a exigência de que os prédios sejam efectivamente confinantes, em termos físicos e de facto, para existir direito de preferência legal, não bastando que se trate de prédios vizinhos ou sitos na mesma localidade.
Voltando às características do corgo, temos que, quando chove, as águas que nele escorrem possuem uma largura com cerca de um metro de largura e que a distância entre as margens do mesmo oscila entre 5,35 metros e 7 metros.
Por outro lado, não resultou provado que exista uma passagem a pé a unir os dois lados.
Perante estas características, afigura-se-nos que o corgo em questão impede a exploração dos terrenos da autora e do que era do primeiro réu de forma contínua, como se de um único prédio se tratasse.
Desde logo, na área compreendida entre as margens do corgo não pode existir qualquer exploração, por força das águas que nele escorrem quando chove, o que ocorre numa parte significativa do ano.
Por outro lado, ainda que se admita que quando não há água se consiga passar a pé de um lado para o outro, pelo leito seco do próprio corgo, não se nos afigura viável que essa passagem ocorra com as máquinas e utensílios necessários à exploração agrícola.
Nesta medida, afigura-se-nos que o corgo em questão separa fisicamente os terrenos da autora e dos réus, em termos que impedem a exploração contínua dos mesmos, como se constituíssem todos um único prédio.
E, assim sendo, fica afastada a possibilidade de considerar que os prédios confinam entre si, apesar da existência de tal corgo, para efeito de existência do direito legal de preferência legal previsto no artigo 1380º do Código Civil.
Com efeito, considerando que o direito de preferência em questão é de natureza legal e possui as características e os efeitos acima assinalados, implica, também, «inconvenientes sob o ponto de vista social e económico», desde logo uma restrição significativa a um dos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico civil, que é o da liberdade contratual.
Nesta medida, entendemos que a sua aplicabilidade e vigência não deverá ser transposta, sem mais, para casos que extravasem o âmbito e objectivo que determinou a sua consagração legal, ou seja, que tal direito deva prevalecer mesmo quando não estão em causa situações que permitam aumentar as áreas dos terrenos rústicos com vista à maximizar a rentabilidade de explorações agrícolas contínuas.
Daí o termos afirmado que entendemos ser necessário que os prédios confinem em termos de facto e fisicamente, e não apenas em sentido jurídico, no âmbito de outras matérias que não a do emparcelamento.”.
Mas a sentença recorrida não se quedou nesta abordagem e também conheceu da alegada finalidade da aquisição do prédio alvo do exercício de direito de preferência, onde concluiu pela não demonstração de que a aquisição do referido prédio pelos 2ºs RR. se destinou a algum fim que não o da cultura agrícola.
E também conheceu da alegada excepção da área superior à unidade de cultura, para também neste aspecto concluir pela improcedência desta excepção.
Face ao que a acção foi julgada improcedente apenas em função da considerada não confinância entre os prédios em causa.
Desta apreciação discorda a A./Recorrente, defendendo o contrário, isto é, que “…se os prédios são confinantes nos termos do C. Civil, designadamente do seu artº 1387º, essa confinância releva para todos os efeitos, designadamente para o pretendido exercício do direito de preferência por parte da A.
Que a existência de uma linha de água, como o referido corgo, não pode ser vista como uma divisão física que impede a exploração dos prédios em causa, mas sim como uma mais valia para a referida exploração.
Donde se impor a procedência da presente acção, devendo ser revogada a sentença recorrida”.
É, pois, esta a questão que divide as partes e bem assim a sentença recorrida relativamente à tese da A., e que cumpre que apreciemos.
Por outras palavras, cumpre apenas saber qual a relação dos factos apurados com o disposto no artº 1380º, nº 1 do C. Civil, disposição segundo a qual “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
A questão da área dos prédios, por força do também estatuído no artº 18º, nº 1 da chamada “Lei do Emparcelamento Rural” – Dec. Lei nº 384/88, de 25/10 -, está ultrapassada na presente apreciação.
Portanto, a presente apreciação resume-se à questão da verificação ou não da “confinância” entre prédios.
Dos factos apurados ressalta, para esta apreciação, que: (1.) Sob a ficha nº … da Conservatória do Registo Predial de …, encontra-se descrito o prédio rústico sito ao …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial a favor da autora “F…, S.A.” pela inscrição G4, Apresentação 03, de 07.12.98, por compra; (4.) Encontra-se inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, em benefício da autora “F…, S.A.”, o prédio rústico sito ao …; (7.) Por escritura pública que os outorgantes denominaram por “compra e venda”, celebrada em 28 de Novembro de 2007, lavrada a fls…., na qualidade de procuradora e em representação do “Banco S…, S.A.” (primeiro réu) declarou vender a P…, casado no regime da comunhão de adquiridos com E… (segundos réus), que por sua vez declaram comprar o prédio rústico, composto de terra de cultura de regadio com oliveiras e pinhal, com a área de três mil cento e trinta metros quadrados, sito …; (8.) Por escritura pública que os outorgantes denominaram por “compra e venda”, celebrada em 09 de Abril de 2008, e perante …, E… e marido P… (segundos réus), casado no regime da comunhão de adquiridos, declararam vender a M…, casado com A… (terceiros réus) sob o regime da comunhão de adquiridos, que por sua vez declaram comprar, o prédio urbano composto de casa de arrumos e logradouro, sito em …; (19.) Em 27.03.2008 os 2ºs Réus procederam à alteração da natureza do prédio rústico até aí descrito sob a ficha nº … da Conservatória do Registo Predial de …, composto de terra de cultura de regadio com oliveiras e pinhal, com a área de três mil cento e trinta metros quadrados, sito no lugar do Soito…, para o urbano descrito em 9; (28.) Entre os prédios descritos de 1. a 6., por um lado, e o prédio descrito em 7. a 9., por outro, existe um corgo, que está seco nos períodos em que não chove; (29.) O corgo descrito em 28. é denominado de “Ribeiro do Vale do Gato”, no qual escorrem águas de corrente não navegável nem flutuável nos períodos em que chove, com cerca de um metro de largura, que vão desaguar ao Rio Mondego; (30.) A largura entre as margens do corgo identificado em 28. e 29. oscila entre 5,35 metros e 7 metros; (31.) Até há cerca de vinte anos atrás existiu uma represa para acumulação de águas, para os proprietários dos terrenos proverem à rega dos mesmos quando a água escasseava.
                Ou seja, destes factos ressalta que quer os prédios da A. (pontos 1 e 4 supra), quer o prédio objecto de exercício do direito de preferência (pontos 7, 8, 9 e 19 supra) confrontam os três com um corgo ou leito de águas pluviais – denominado de “Ribeiro do Vale do Gato” -, o qual também se situa entre aqueles e este, separando-os, corgo esse que está seco nos períodos em que não chove, mas pelo qual escorrem as águas pluviais que vão desaguar ao Rio Mondego, e com cerca de um metro de largura, pese embora a largura entre as margens do dito oscile entre 5,35 e 7 metros.
                E até há cerca de 20 anos atrás existiu nele uma represa para acumulação de águas, para os proprietários dos terrenos (com ele confinantes ou a ele laterais) proverem à rega desses terrenos quando a água escasseava.
                Será que esta realidade nos permite considerar tais prédios como confinantes entre si (para efeitos do disposto no artº 1380º, nº 1 do C. Civil), ou não?
                Na decisão proferida nos autos sobre a matéria de facto constante da base instrutória e que levou aos sobreditos factos, foram tidos como elementos de prova especialmente valorados: o relatório pericial de fls. 609 a 615, completado pelos esclarecimentos prestados a fls. 658/659; cópia da planta de localização do corgo, emitida pela Câmara Municipal de …, constante de fls. 186/187; a planta topográfica de fls. 194-G; a carta de fls. 448, remetida pela Administração da Região Hidográfica do Centro; a inspecção judicial levada a cabo nos autos, conforme fls. 712 e sgs. – ver essa fundamentação a fls. 754 e 755.
                Ora, destes elementos consta um ribeiro/corgo/linha de água entre os ditos prédios (que os separa fisicamente em toda a sua extensão), com margens irregulares por escorregamento de terras para o seu leito, o qual apresenta uma largura da ordem dos 5,35 a 7,00 metros, bem nítido nas fotos de fls. 614 e no croquis de fls. 615.
                No esclarecimento pericial de fls. 658/659 é-se absolutamente preciso na explicação de que “os prédios não confrontam entre si. Entre eles existe sempre a linha de água”.
                Na planta de fls. 187 referida está claramente assinalado esse “Ribeiro do Vale do Gato” e a sua foz no Rio Mondego.
                A fls. 448, supra referida, também se informa que “a propriedade (de M…) … confronta com a margem direita da Ribeira do Vale do Gato, cuja linha de água tem uma largura média aproximada de 4,5 metros…”, fazendo-se acompanhar esse ofício de fotos bem esclarecedoras – fls. 449 e 450.
                No auto de inspecção judicial ao local – fls. 716 – até se fez constar que “…visualiza-se que corre água no ribeiro em toda a sua extensão; a largura entre as margens do ribeiro é de cerca de 5,35 metros; a margem do ribeiro do lado do terreno dos réus está empedrada”.
                Ora, afigura-se-nos que, perante tais elementos factuais, não há nem pode haver “confinância” entre os prédios em causa, para efeitos do artº 1380º, nº 1 do C. Civil, já que os ditos prédios confinam, estremam, são delimitados com/por um ribeiro ou corgo, com uma largura entre 5,35 e 7,00 metros, quase ou mesmo a largura de uma estrada comum em zonas não urbanas.
                Com o devido respeito por opinião contrária, dizer-se que tais prédios confinam entre si, apesar dessa real e efectiva separação, parece-nos ser claramente abusivo ou fora da realidade.
                É certo que o artº 1387º, nº 3 do C. Civil dispõe que “quando a corrente de águas passa entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo”, mas tal dispositivo tem apenas a ver com obras para armazenamento ou derivação de águas e com o leito dessas correntes, não, por si só, para efeitos de eventual emparcelamento de prédios rústicos ou para a definição de confinância de prédios (o que se enquadra no instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos - secção VII do Capítulo III do Título II do Livro III do C. Civil -, no qual se integra o artº 1380º do C. Civil, instituto este que tem apenas em vista melhorar as condições técnica e económicas da exploração agrícola).
                Este instituto (do emparcelamento de prédios rústicos) não pode socorrer-se, na sua aplicação, do disposto no artº 1387º do C. Civil, relativo à propriedade das águas, por si só.
                Donde que tal emparcelamento derivado do dito direito de preferência apenas respeite a prédios rústicos entre si confinantes, não relativamente a prédios separados entre si por estradas, por rios/ribeiros ou outros meios naturais ou não naturais que impeçam o seu verdadeiro e real emparcelamento/união, conforme previsto no artº 1380º do C. Civil.
                Donde que tenhamos de concluir como o fez a sentença recorrida, isto é, que no caso presente não estamos perante a confinância alegada pela A. (para o que alegou que entre os referidos prédios existe um rego ou corgo com cerca de 60 cms de largura e com uma passagem de pé a unir os dois lados, factos que não provou, muito pelo contrário, pelo que até a fundamentação alegada para o requerido direito de preferência não logrou obter prova, por ser desconforme à realidade apurada).
                Pelo que, com o devido respeito, até nem se entendem as razões que a A. invoca no presente recurso, quando nem sequer provou a sua causa de pedir invocada e as razões que faziam pressupor ou em que se baseiam os seus pedidos.
                No sentido exposto, entre outros, pode ver-se o nosso acórdão abaixo referido, disponível em www.dgsi.pt/jtrc:

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3804/04
Nº Convencional:JTRC
Relator:JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores:DIREITO DE PREFERÊNCIA
CONCEITO DE CONFINÂNCIA
CONCURSO DE PREFERÊNCIAS RESULTANTES DOS ARTºS 1380º
Nº 1 E 1555º DO C. CIV. .
Sumário:I – Os proprietários de terrenos confinantes apenas gozam do direito de preferência consagrado nos artºs 1380º, nº 1 do C. Civ. e 18º do DL nº 384/88, de 25/10, em caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento, caso o adquirente do prédio transmitido não seja ele mesmo proprietário de outro prédio confinante com o transmitido .
II – Com o conceito de “ terrenos confinantes “ do artº 1380º do C. Civ. a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns, de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola .

Ainda no apontado sentido pode ver-se o sumário do Ac. da Rel. de Évora de 26/04/2012, in Col. Jur. Ano XXXVII, tomo II/2012, pg. 308 (referido nas alegações de recurso dos Recorridos Pedro Manuel Nobre Couceiro e Ema Raquel Duarte Simões), onde se escreve: “I – A confinância referida no artº 1380º, nº 1 do CC implica uma verdadeira e razoável fronteira ou contiguidade entre os prédios, de forma a permitir uma unificação de terrenos e conseguir formar prédios com dimensão óptima, tornando-os assim mais rentáveis e produtivos, ou seja, o seu emparcelamento, em ordem a obterem-se explorações agrícolas técnica e economicamente viáveis e mais estáveis – para o que não basta o facto de dois prédios se tocarem num ponto…”.    
Concluindo, improcede o presente recurso, confirmando-se, em absoluto, a bem elaborada sentença de 1ª instância, com a qual estamos em total acordo, pelo que improcede o presente recurso, o que se decide.
***
                Nos termos do artº 713º, nº 7 do CPC (redacção do Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08) elabora-se o seguinte sumário:
I - Não há nem pode haver “confinância” entre prédios rústicos, para efeitos do artº 1380º, nº 1 do C. Civil, quando os ditos prédios confinam, estremam, são delimitados com/por um ribeiro ou corgo, com uma largura entre 5,35 e 7,00 metros (quase ou mesmo a largura de uma estrada comum em zonas não urbanas).
II - É certo que o artº 1387º, nº 3 do C. Civil dispõe que “quando a corrente de águas passa entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo”, mas tal dispositivo tem apenas a ver com obras para armazenamento ou derivação de águas e com o leito dessas correntes, não, por si só, para efeitos de eventual emparcelamento de prédios rústicos ou para a definição de confinância de prédios (o que se enquadra no instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos - secção VII do Capítulo III do Título II do Livro III do C. Civil -, no qual se integra o artº 1380º do C. Civil, instituto este que tem apenas em vista melhorar as condições técnica e económicas da exploração agrícola).
III - Este instituto (do emparcelamento de prédios rústicos) não pode socorrer-se, na sua aplicação, do disposto no artº 1387º do C. Civil, relativo à propriedade das águas, por si só.
IV - Donde que tal emparcelamento derivado do dito direito de preferência apenas respeite a prédios rústicos entre si confinantes, não relativamente a prédios separados entre si por estradas, por rios/ribeiros ou outros meios naturais ou não naturais que impeçam o seu verdadeiro e real emparcelamento/união, conforme previsto no artº 1380º do C. Civil.
V - Com o conceito de “terrenos confinantes“ do artº 1380º do C. Civ. , a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns, de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.
X
                Decisão:
                Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus exactos e precisos termos.
                Custas pela Recorrente.
                                                              
Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Teles Pereira