Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | CAUÇÃO ESPONTÂNEA SEUS REQUISITOS REFORÇO DA CAUÇÃO PLURALIDADE DE EXECUTADOS | ||
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Data do Acordão: | 11/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 733º, Nº 1, AL. A), 909º E 913º DO NCPC. | ||
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Sumário: | I - A caução espontânea, pretendida prestar pelo executado para suspender a execução, tem de ser qualitativamente adequada e idónea, e, quantitativamente, suficiente, pois só assim pode, se necessário, satisfazer a quantia exequenda e legais acréscimos – artºs 733º, nº1, a) e 909º do CPC. II – Não é suficiente a caução pretendida prestar pela constituição de hipoteca sobre bens imóveis cujo valor realizável ascende a €.72.541,99 e aquela quantia e acréscimos se alcandoram a mais de 105 mil euros. III - O reforço da caução apenas é admissível após a prestação inicial de caução suficiente, a qual, por força de circunstancias supervenientes – vg. aumento do crédito exequendo – se tornou insuficiente. IV - Havendo pluralidade de executados, a prestação espontânea de caução por um deles - artº 913º do CPC – para suspender a execução, apenas a si vincula, devendo ele, que não obrigatoriamente os demais, satisfazer, por reporte à totalidade da quantia exequenda, os respetivos requisitos de idoneidade e suficiência. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1. A Executada S... deduziu incidente de prestação espontânea de caução com vista à suspensão da Ação Executiva que lhe foi instaurada por C... O modo de prestação da caução será através de constituição de hipoteca voluntária sobre imóveis de sua propriedade. A exequente impugnou o valor dos bens a hipotecar. Foi proferida decisão na qual se concluiu que apenas poderão ser considerados para efeito de apuramento da idoneidade da caução os imóveis que possam ser localizados e avaliados e que se encontrem descritos na Conservatória do Registo Predial. Face ao dissenso entre as partes, foi ordenada uma avaliação pericial que atribuiu aos imóveis dados à hipoteca o valor total de 99.471,00 euros. A executada veio comprovar que em relação à fração autónoma, na data de 14-04-2021, o capital em dívida no mútuo bancário garantido por hipoteca voluntária por tal fração ascendia a €26.929,01. A Sr.ª Agente de Execução informou que a 27-03-2021 a dívida exequenda e custas da ação executiva ascendem a €104.352,19. A Secretaria informou que os encargos do presente incidente declarativo, até ao momento, ascendem a €1.274,74. 2. Seguidamente foi proferida a seguinte decisão, em súmula transcrita: «A particular função da caução prevista no nº 1 do art. 818º do CPC é a de garantir o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando ou prevenindo os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo» «São, deste modo, seus requisitos essenciais tanto a sua idoneidade, isto é, que seja prestada por meio adequado, como a sua suficiência, isto é, que seja suficiente para assegurar a satisfação daquela obrigação». «É, desde logo, indubitável que o seu valor há-de corresponder ao do pedido a que os embargos respeitam, ou melhor, à importância pela qual a penhora há-de ser feita - v., a este respeito, arts. 933º a 935º.» «A caução prestada ao abrigo do art. 818º do CPC tem como finalidade garantir os riscos de dissipação ou extravio do património do executado enquanto perdurar a suspensão da execução motivada pela pendência dos embargos» Por isso, «a [referida] caução deve garantir não apenas o capital mas ainda os juros vencidos e vincendos, podendo ser requerido o seu reforço se a inicialmente prestada se tornar insuficiente para cobrir os juros entretanto vencidos» No caso concreto: Por aplicação dos princípios “supra” expostos, a nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, a caução cumprirá o requisito da suficiência, quanto à garantia de cumprimento das obrigações exequendas, se cobrir o valor da dívida exequenda e custas da Ação Executiva (€.104.352,19) e os encargos do presente incidente declarativo (€.1.274,74), num total de €105.626,93. O valor disponível dos imóveis ascende a €72.541,99 [€.99.471,00 - €.26.929,01]. Assim, para além da hipoteca voluntária dos imóveis, a caução apenas cumprirá o critério da suficiência se for prestada outra forma de caução para a diferença, isto é, €33.084,94.» Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos nos art.os 913.º/3 e 909.º/3 CPC, o Tribunal decide: 1) Fixar o valor da caução a prestar pela Executada para que seja decretada a suspensão do prosseguimento da Ação Executiva até à decisão final dos Embargos de Executado no valor de €105.626,93. 2) A caução será prestada, no prazo de 30(trinta) dias, mediante hipoteca voluntária sobre os imóveis “supra” identificados até ao valor da caução. 3) A caução será prestada, cumulativamente, no prazo de 30(trinta) dias, mediante garantia bancária, autónoma, automática (“à primeira solicitação”), de boa execução, no montante de €.33.084,94; ou mediante a entrega para penhora dessa quantia à Sr.ª Agente de Execução.» 3. Inconformada recorreu a executada. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: ... 4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º, nº 4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Idoneidade e suficiência da caução. 2ª - Reforço da caução. 3ª - Desproporcionalidade da exigência decisória por existência de outros executados. Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra. 5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. Os embargos de executado apenas podem acarretar a suspensão da execução se, vg., o executado prestar caução – artº 733º, nº1, al. a) do CPC. Naturalmente que, como se diz na decisão, a caução tem de satisfazer os seus legais requisitos. Pois que só assim pode cumprir o legal desiderato e sua finalidade precípua, quais sejam, acautelar a efetiva satisfação do pagamento da quantia exequenda, se, no lapso de tempo em que se mantiver a suspensão da execução, existir perecimento, dissipação ou diminuição do valor do património dos executados. Temos assim que a caução tem de ser, qualitativamente, adequada ou idónea, ou seja, o modo da sua prestação tem de integrar a virtualidade de consecutir a realização ou salvaguarda da finalidade prática a que se destina. E quantitativamente tem de ser suficiente, ie., tem de ser numericamente a bastante para, em caso de necessidade, satisfazer a quantia exequenda e legais acréscimos. No atinente à questão da idoneidade - lato sensu, atento o modo como está formulado o preceito, ie. abrangendo outrossim a vertente da suficiência - urge ainda ter presente o estatuído no artº 909º, nº 2 do CPC, a saber: «2 - Na apreciação da idoneidade da garantia tem-se em conta a depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar.» No caso sub judice. A caução é, em princípio, idónea pois que os bens dados em garantia pertencem à executada e têm um determinado valor pecuniário e venal de mercado. Resta saber se é suficiente. E, obviamente, não é. Considerando os factos apurados, que a recorrente não coloca em crise, as contas feitas na decisão estão certas, ou seja, atendendo a que o bem de maior valor, o urbano, está também hipotecado para garantir uma dívida de, pelo menos, €26.929,01, é evidente, pois as contas são fáceis de fazer e a matemática não engana, que o valor total de todos os bens dados em caução ascende a €72.541,99 [€.99.471,00 - €.26.929,01]. Ora sendo a dívida exequenda atual, de mais de 105 mil euros, e devendo crescer com o decurso do tempo, quanto mais não seja em função dos juros vincendos, é evidente a insuficiência dos bens. Esta insuficiência alcança-se ainda mais gritante, pois que, como dimana do segmento normativo supra mencionado, urge ainda ter em conta a possível depreciação dos bens pelo decurso do tempo e a possibilidade, muito comum aliás, de, em caso de necessidade da sua venda judicial, nesta eles nem sequer atingirem os valores pelos quais foram avaliados. Diz a recorrente que: 6. No caso concreto, a finalidade da caução está assegurada, pois a Executada/Recorrente entrega, como caução, todo o seu património suscetível de penhora e que podia ser objeto de alienação/oneração. » Mas, meridianamente, este argumento alcança-se como perfeitamente peregrino e insubsistente. Até pode ser assim. Mas ainda que o seja, tal não condiciona ou invalida o facto de, mesmo dando em caução todos os seus bens, o valor dos mesmos não ser suficiente, nos termos supra explanados, para pagar a quantia exequenda e legais acréscimos. E, assim, havendo necessidade de complementar tal valor para se atingir a suficiência da caução. 5.2. Segunda questão. Depois clama a recorrente que mesmo que a caução fosse considerada insuficiente deveria ela ser notificada para a «reforçar». Em primeiro lugar a recorrente confunde conceitos. O reforço da caução emerge apenas no casos em que, liminarmente e em principio, uma caução prestada se assume suficiente no momento em que é prestada, mas, posteriormente, por circunstância várias – vg. diminuição do valor da mesma ou acréscimo da quantia exequenda ou valorização do direito que se pretende acautelar - , o seu valor inicial se alcança como escasso para assegurar a satisfação de tal quantia ou deste direito. Efetivamente: «Só justifica o pedido de reforço de caução a insuficiência por causa não imputável ao credor e a insuficiência superveniente, isto é, a insuficiência que ocorrer posteriormente à constituição da garantia.» - Ac. RG de 29.01.2003, p. 1579/02-1 in dgsi.pt. Ora não é isto que aqui está em causa e a ser dilucidado. Pois que, ab initio, se concluiu que o valor da caução é insuficiente para a consecução do desiderato pretendido, no caso de, eventualmente, haver necessidade de efetivar o cumprimento/realização da mesma. Destarte, não é caso de reforço, mas, desde logo, caso de mera e inicial (in)suficiência. Em segundo lugar a insurgente não explica como e de que modo ela efetivaria tal reforço. Uma coisa é certa. Sendo ela própria a admitir que deu para a caução todos os seus bens, não se vislumbra com que outro património imobiliário pudesse concretizar o «reforço». E, bem vistas as coisas, este «reforço», lato sensu, na sua terminologia, ou summo rigore, na economia do decidido, este atingir da «suficiência» da caução, foi determinado na decisão, a concretizar – inclusive, reitera-se, ex vi da própria posição da recorrente ao afirmar que com a indicação para a caução do seu património imobiliário, o exauriu - pelos modos mais possíveis e plausíveis, quais sejam, a garantia bancária ou a entrega em numerário. 5.3. Terceira questão. Finalmente argui a recorrente que havendo outros executados os valores da caução são suficientes sendo desproporcionado estar-se-lhe a exigir o seu reforço. Mas também não é assim. A prestação de caução não foi exigida mas antes é espontânea por banda sua – artº 913º do CPC. Por conseguinte, e ao menos diretamente, sem se atender às possíveis e eventuais consequências reflexas ou indiretas para os estantes executados, apenas a si respeita e apenas a si vincula. Logo, e sendo inexigível aos demais executados a prestação de caução, pois que eles estão no seu direito de se conformarem com a continuação da tramitação da execução, apenas à recorrente é exigível o cumprimento os seus legais requisitos. Certo é que se a execução for suspensa, tal também, eventualmente, e de qualquer modo ou maneira, poderá aproveitar aos co-executados. Mas tal é uma mera e inelutável consequência da prestação da caução, a qual, porém, não pode servir para os vincular a uma atuação e ónus que não quiseram despoletar e a que não aderiram, antes aceitando a continuação da execução. Em princípio a responsabilidade dos executados será solidária, podendo o exequente obter de cada um deles a totalidade do crédito. Assim, para que a suspensão possa ser decretada, a caução tem de assegurar esta totalidade. A lei não prevê a suspensão parcial, objetiva – abrangendo apenas parte do crédito -, ou subjetiva – abarcando apenas alguns dos executados. Decorrentemente, há sempre que perspetivar a defesa dos direitos e interesses do exequente, o qual, aliás, não tem qualquer meio para obrigar os restantes executados a prestarem caução ou para contribuírem para a suficiência da caução pretendida pela recorrente. Destarte, esta suficiência tem de ser assegurada por quem despoletou o incidente. Improcede o recurso. 6. Sumariando – artº 663º, nº7 do CPC. I - A caução espontânea, pretendida prestar pelo executado para suspender a execução, tem de ser qualitativamente adequada e idónea, e, quantitativamente, suficiente, pois só assim pode, se necessário, satisfazer a quantia exequenda e legais acréscimos – artºs 733º nº1 a) e 909º do CPC. II – Não é suficiente a caução pretendida prestar pela constituição de hipoteca sobre bens imóveis cujo valor realizável ascende a €.72.541,99 e aquela quantia e acréscimos se alcandoram a mais de 105 mil euros. III - O reforço da caução apenas é admissível após a prestação inicial de caução suficiente, a qual, por força de circunstancias supervenientes – vg. aumento do crédito exequendo – se tornou insuficiente. IV - Havendo pluralidade de executados, a prestação espontânea de caução por um deles - artº 913º do CPC – para suspender a execução, apenas a si vincula, devendo ele, que não obrigatoriamente os demais, satisfazer, por reporte à totalidade da quantia exequenda, os respetivos requisitos de idoneidade e suficiência. 7. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença. Custas pela recorrente. Coimbra, em 09/11/2021 Carlos Moreira João Moreira do Carmo Fonte Ramos |