Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
282/16.6GAMIR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PENA DE MULTA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CANTANHEDE)
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DECLARADA A PRESCRIÇÃO
Legislação Nacional: ARTS. 48º, N.º 1, 122º, N.º 1, AL. D), E 125º, N.º 1, AL. A), DO CÓDIGO PENAL; 489º, N.º 2, 490ºDO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; AUJ N.º 11/2023
Sumário: Após junção de requerimento com vista à substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, não é aplicável a causa de suspensão do prazo de prescrição da pena prevista no art. 125º, n.º 1, al. aI, do C.P..
Decisão Texto Integral: Relator: Cândida Martinho
Adjuntas: Rosa Pinto
Helena Lamas

*

Acordam em conferência os juízes da 4ªsecção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.Relatório

 1.

No processo comum singular nº282/16...., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Cantanhede, por despacho proferido em 10/7/2023, foi decidido revogar a substituição da pena de multa por dias de trabalho a favor da comunidade.

(…)

            2.                                              

            Não se conformando com o decidido, veio o condenado interpor o presente recurso, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

“1. Recorre-se da decisão de 10-07-2023 que revogou a substituição da pena de multa por dias de trabalho e, em consequência, ordenou o pagamento da pena de multa em que o arguido foi condenado.

2. Tal decisão entendeu, erradamente, ano são ver, que o arguido nos anos de 2020, 2021 e 2022, poderia ter cumprido o trabalho em substituição da pena de multa que lhe foi aplicada e não se apresentou a cumprir as horas de trabalho que lhe foram determinadas.

3.O Tribunal baseou a sua decisão em vários fundamentos, sendo que o determinante foi o oficio dos CHUC, remetido aos autos em 07-04-2022, do qual o Tribunal infere que o arguido poderia ter desempenhado as tarefas de limpeza e manutenção da Barrinha da Praia de Mira.

4. Não resulta desse ofício, nem de nenhum outro elemento de prova que conste dos autos, que o arguido pudesse ter desempenhado essas tarefas.

5. Antes pelo contrário, todos os elementos constantes do processo, vão no sentido de que o arguido se encontra gravemente doente, já desde a data da condenação, e que a doença de que padece o tem impedido de cumprir, até ao momento presente, as horas de trabalho que lhe foram determinadas.

6. A decisão agora tomada (de revogação da substituição da pena de multa por dias de trabalho e a ordenação para o pagamento da multa) abre caminho para que o arguido venha a ser preso por conversão da multa não paga em prisão subsidiária (nos termos do artigo 49º CP) pois que, como já amplamente se encontra demonstrado nos autos, o arguido não tem capacidade económica para pagar a multa, o que levará à prisão de uma pessoa gravemente doente, o que além de tudo o mais, a ser assim, é um ato de falta de humanismo e em nada contribuirá para fazer cumprir os fins das penas (ressocialização, prevenção e punição)

7. Da informação clínica e outra que se encontra nos autos (que aqui se dá por reproduzida), e da qual, na motivação se fez um resumo, resulta inequivocamente, que o arguido se encontra gravemente doente, à espera de ser transplantado e incapaz, até este momento, de prestar trabalho.

8. Desta informação que consta dos autos desde finais do ano de 2019 até ao presente, terá se de concluir, necessariamente, que não houve um comportamento do arguido que inviabilizasse a prestação do trabalho, nem muito menos, como acaba por se concluir, que o arguido se desinteressou do processo e das consequências do incumprimento.

9. Daí resulta, pelo contrário, que o arguido está gravemente doente, à espera de transplante hepático, e só após a realização do mesmo poderá fazer a sua vida normal, e, aí sim, estar em condições para prestar o trabalho.

10. E aliás, quer o MP quer o Tribunal, até à data da revogação compreenderam essa situação de fragilidade de arguido, e, compreensivamente não enveredaram pelo caminho da revogação da prestação do trabalho.

11. A decisão, agora tomada, que revogou a pena de prestação de trabalho, mostra-se assim errada, com falta de fundamento que a suporte, e, como se referiu, “abre caminho” para uma eventual e futura prisão de uma pessoa que se encontra completamente indefesa porque doente e com falta de recursos para pagar a multa.

12. Tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a pena de prestação de trabalho, ou, quando muito, que acolha a sugestão da DGRSP, de aí comparecer, com regularidade mensal, colaborando com a técnica responsável em entrevistas direcionadas para a interiorização da ilicitude dos factos praticados e da necessidade de manter comportamentos normalizados, adotando estratégias preventivas dos comportamentos desviantes.

Fazendo-se assim a habitual justiça.

(…)”.

3.

O Ministério Público na primeira instância veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:

“1. O Recorrente vem interpor recurso do despacho proferido a 10.07.2023 que revogou a substituição da pena de multa por dias de trabalho e, em consequência, ordenou o pagamento da pena de multa em que o arguido foi condenado.

2. Alega o Recorrente que todos os elementos constantes do processo vão no sentido de que o arguido se encontrar gravemente doente, já desde a data da condenação, e que a doença de que padece o tem impedido de cumprir, até ao momento presente, as horas de trabalho que lhe foram determinadas.

3. Os autos aguardam desde o ano de 2018 que o arguido preste 120 horas de trabalho e, não obstante os problemas de saúde elencados nos autos, o arguido, pelo menos nos anos de 2019 a 2022 teve condições para realizar as horas de trabalho determinadas, face às informações clínicas prestadas, considerando que foi efectuado um plano de trabalho adaptado à sua condição de saúde, que não implicava esforços violentos, no entanto o arguido AA recusou iniciar a prestação de trabalho alegando que a sua condição de saúde não o permitia.

4. Ora, consideramos que, como decidiu o Tribunal A Quo o arguido “não cumpriu as horas do trabalho, nem justificou, de forma adequada e suficiente, a sua actuação, desinteressando-se do processo e das consequências do incumprimento da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada a seu requerimento”.

5. Assim sendo, uma vez que o arguido não cumpriu as horas de trabalho fixadas em substituição da pena de multa em que tinha sido condenado, tal substituição terá que ser revogada, devendo aquele proceder ao pagamento da multa em que foi condenado nos autos.

6. Pelo que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, por não existir qualquer vício ou violação de qualquer norma”.


4.
Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


5.
Cumprido o artigo 417º, nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

     
6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. b), do diploma citado.

II. Fundamentação

Constituindo jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso afere-se nos termos do artigo 412º, nº1, do C.P.P, pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo arguido/recorrente, a única questão a decidir passa apenas por saber se o não cumprimento da prestação de trabalho a pedido do recorrente, como forma de pagamento da multa em que foi condenado, lhe é ou não imputável.

Porém, impõe-se o conhecimento oficioso de uma outra que obsta ao conhecimento da questão colocada pelo recorrente e que se prende com a prescrição da pena de multa.

Ora, resulta dos autos que o ora recorrente, por sentença datada de 03/10/2017, transitada em julgado, foi condenado pela prática, em concurso efetivo, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.ºs 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo disposto no artigo 86.º, n.º1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação introduzida pela Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), correspondente, subsidiariamente, a 166 dias de prisão.

Mais deles resulta que aberta vista ao Ministério Público em 5/1/2018, o mesmo veio promover  a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º,nº1, do Código Penal e que o arguido fosse posteriormente notificado  nos termos do artigo 49º,nº3, para, querendo, se pronunciar quanto à promovida conversão da pena não paga em prisão subsidiária.

Tal promoção resultou do facto de o arguido não se ter apresentado voluntariamente para pagar a multa em que foi condenado, nem ter requerido a substituição daquela pena pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nem lhe serem conhecidos quaisquer bens suscetíveis de penhora, livres de ónus ou encargos, com valor suficiente pra satisfazer o montante da multa em dívida.

Na sequência de tal promoção, em 9/1/2018, foi determinada a notificação do arguido para os efeitos do artigo 49º, nº3, do Código Penal.

A coberto de tal notificação, para, querendo, demonstrar que o não pagamento da multa lhe não era imputável (hipótese em que a execução da prisão subsidiária é ainda suscetível de poder ser suspensa), o arguido, por requerimento datado de 22/01/2018,  informando não possuir bens nem rendimentos para proceder ao pagamento, nem se encontrar a receber qualquer prestação social, veio requer o pagamento da multa através de trabalho comunitário.

Pese embora tal requerimento tivesse sido apresentado para além do prazo previsto no artigo 490º,nº1, do Código de Processo Penal, por despacho datado de 07/03/2018, transitado em julgado, após solicitação à DGRSP da elaboração do respetivo relatório, a Mma Juiz  veio ainda a deferir a requerida substituição da pena de multa em que o arguido foi condenado por cento e vinte horas de trabalho, homologando o plano de prestação do trabalho a favor da comunidade.

Por conseguinte, estamos perante uma forma de cumprimento da pena de multa - através da prestação de trabalho a favor da comunidade - regime a que alude o artigo 48º do Código Penal - figura distinta da pena substitutiva prevista no artigo 58º do Código Penal.

Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série - n.º 201 - 17 de outubro de 2013, “(…) A prestação de trabalho não constitui, porém, no nosso sistema penal, uma pena principal. Ela não recebeu, sequer, um tratamento unitário no Código Penal. Na verdade, ela funciona em duas vertentes diferentes: umas vezes como pena autónoma, outras como forma de execução de outra pena, concretamente a de multa.

Enquanto pena autónoma, constitui pena substitutiva da pena de prisão, com o regime descrito nos arts. 58.º e 59.º do CP, cominada na própria sentença condenatória.

Mas também funciona como forma de execução da pena (principal) de multa, nos termos do artigo 48.º do CP, a utilizar se não houver pagamento voluntário da multa e for requerida pelo condenado, sendo então objeto de decisão em sede de execução da pena (artigo 490.º, nºs 1 e 3, do CPP).

(…)”.

Estando em causa nos presentes autos uma prestação de trabalho como forma de execução da pena de multa, a verdade é que decorridos mais de cinco anos desde que foi determinada (7/3/2018), o arguido não cumpriu a prestação de trabalho por si solicitada com vista ao cumprimento da pena de multa em que foi condenado.

Aliás, tal prestação de trabalho nunca chegou a ser iniciada.

Defende o recorrente que todos os elementos constantes do processo, vão no sentido de que se encontra gravemente doente, à espera de ser transplantado e que só por isso não prestou o trabalho e que das informações constantes dos autos terá de concluir-se, necessariamente, que não houve da sua parte um comportamento que inviabilizasse a prestação do trabalho, nem muito menos que se desinteressou do processo e das consequências do incumprimento, sendo que, tanto o Ministério Público, como o Tribunal, até à data da revogação compreenderam essa situação de fragilidade de arguido, e, compreensivamente não enveredaram pelo caminho da revogação da prestação do trabalho.

Entendeu-se na decisão recorrida, proferida no passado dia 10 de julho, que o condenado “nos anos de 2020, 2021 e 2022, podendo cumprir o trabalho em substituição da pena de multa que lhe foi aplicada, não se apresentou a cumprir as horas de trabalho que foram determinadas”.

Ora, neste momento, carece de qualquer sentido aferir se o incumprimento da prestação de trabalho por parte do condenado lhe foi ou não imputável, porquanto, a pena de multa se mostra prescrita.

Vejamos.

O Instituto da prescrição das penas encontra-se previsto nos artigos 122.º a 126º, do Código Penal.

“O legislador entendeu que decorrido um determinado lapso de tempo após o trânsito em julgado da decisão que determinou a aplicação de uma pena (…), sem que se tenha iniciado o seu cumprimento, as finalidades visadas com a sua imposição esfumam-se, perdendo sentido o seu cumprimento” (Ac. do Tribunal Constitucional nº625/2013, in www.tribunal constitucional.pt/tc/acórdãos).

Como salientou Figueiredo Dias, a respeito da essência da prescrição, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág.699:

“A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.

Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade”.

E a fls. 702 acrescenta, a propósito da pena:

“…a prescrição da pena cria um obstáculo à sua execução apesar do trânsito em julgado da sentença condenatória e ganha, nesta medida, o carácter de um autêntico pressuposto negativo ou de um obstáculo de realização (execução) processual. Já no que toca à vertente substantiva, pode dizer-se que o problema se põe em termos análogos aos que ocorrem quanto à prescrição do procedimento: ainda aqui a prescrição se funda, na verdade, em que o decurso do tempo tornou a execução da pena sem sentido e, por aí, o facto deixou de carecer de punição”.

O tempo, para o instituto da prescrição, é, assim, fator determinante, assumindo influência sobre o exercício do poder punitivo do Estado. E daí que, à medida que vai decorrendo, sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória sem que a pena tenha sido cumprida, vão-se esbatendo as finalidades que legitimaram a aplicação da pena, reduzindo-se as necessidades da sua execução.

Ou seja, aplicada uma pena, o seu cumprimento só se justifica se o mesmo ocorrer dentro de um determinado período temporal (o definido pelo legislador), decorrido o qual se torna injustificado, carecido de fundamento, comunitariamente não exigido.

Como se salientou no Ac. da R.Lisboa de 14/12/2011, proferido no âmbito do processo 712/00.9JFSB-Q.L1, in dgsi.pt:

“(…) O instituto da prescrição funda-se no princípio da segurança jurídica e traduz instrumento jurídico destinado a reforçar o aspecto preventivo da pena e a evitar a eternização do clamor social em relação à prática delituosa, é a prescrição imprescindível ao Direito Penal de todos os Estados Democráticos de Direito, sendo admitida desde o berço das instituições jurídicas e assim exercida pelos povos antigos, com relevo especial entre os romanos, que conheciam as duas espécies de prescrição (da acção penal e da pena).

(…) A prescrição penal é um instituto que se vincula directamente ao direito fundamental ao prazo razoável do processo constitucionalmente reconhecido no nosso sistema.

(…) A prescrição é matéria de ordem pública e interesse social, portanto, a qualquer tempo e grau de jurisdição, deve ser declarada, inclusive ex officio,…
(…) Não pode pairar sobre o arguido a ameaça ad perpetuam do poder repressivo estatal.

 (…)É inegável a importância da prescrição como instrumento de política criminal destinada a reforçar o aspecto preventivo da pena e impedir a eternização do clamor social em relação à prática delituosa. O tempo parece apagar todas as feridas, individuais ou sociais.

(…)”.

Ora, resulta do artº 122º nº 1 al. d) e nº 2 do Cód. Penal, que a pena de multa prescreve no prazo de quatro anos, começando o prazo de prescrição a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

Contudo, nem sempre assim é, ou seja, nem sempre o mero decurso do tempo conduz à prescrição da pena ou da medida de segurança judicialmente decretada em decisão condenatória transitada em julgado.

E isto porque existem ocorrências a que o legislador atribuiu o efeito de impedir que o prazo prescricional se inicie ou continue a correr, paralisando-o. Nestes casos, a prescrição fica suspensa, apenas se iniciando o prazo ou retomando o seu decurso quando o acontecimento cessa. De modo diferente, no instituto da interrupção da prescrição, o ato interruptivo elimina o prazo que já tiver decorrido e começa a correr, a partir desse momento, novo prazo prescricional.

Relativamente à suspensão da prescrição da pena, dispõe o artº 125º do Código Penal:

1. A prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;

b) Vigorar a declaração de contumácia;

c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade;

d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

No que concerne à interrupção da prescrição da pena, estatui o artº 126º do Código Penal:

1. A prescrição da pena (…) interrompe-se:

a) Com a sua execução; ou

b) Com a declaração de contumácia.

2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

3. A prescrição da pena (…) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade.

Ora, quando aplicada uma pena de multa, compete ao condenado pagá-la no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito - artigo 489º, nº 2, do CPP.

Só não será assim, se, entretanto, o pagamento for deferido ou autorizado em prestações – nº 3, daquele preceito – ou for requerida e deferida a sua substituição, total ou parcial, por dias de trabalho – artigos 490º, do CPP e 48º, nº1, do CP.

É esta a situação que, como já referimos, está em causa nos presentes autos.

E, no seguimento de tal deferimento, e uma vez definida a prestação do trabalho, seguiu-se um período de várias vicissitudes em que o condenado nunca iniciou a prestação do trabalho a favor da comunidade, vindo o despacho recorrido, na sequência de promoção do Ministério Público, a revogar tal substituição.

Pese embora tenha sido objeto de controvérsia na jurisprudência a questão de saber se se suspende (ou não) o decurso do prazo de prescrição da pena de multa com o requerimento apresentado pelo condenado ao abrigo do artº 48º do Cód. Penal, peticionando a substituição da pena de multa por dias de trabalho, enquanto suscetível de integrar a causa suspensiva do prazo de prescrição da pena nos termos do artigo 125º, nº 1, al. a), do Cód. Penal - a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar -  a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência do Pleno das secções criminais, por  Acórdão do pleno (nº11/2023), de 10/11/2023, proferido no proc 698/11.4TAFAR.E1-A-S1, fixou jurisprudência no sentido de que:

 «O requerimento apresentado pelo condenado, peticionando a substituição da multa por dias de trabalho, nos termos do artigo 48.º, n.º 1 do Código Penal, não integra a causa suspensiva da prescrição prevista no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.»

Como aí se salientou

Sendo a prestação de trabalho uma forma de cumprimento da multa, não pode afirmar-se que enquanto ocorre a prestação, a execução da pena de multa não é exigível. Ao invés, ela encontra-se em execução nesta modalidade legalmente prevista. O que realmente não pode é instaurar-se execução patrimonial, "mas [esta] não é a única forma legal de cumprimento da pena de multa". (28) Nem pode converter-se a multa em prisão subsidiária(29).

Consequentemente, o requerimento do arguido a peticionar o substituição da pena de multa por dias de trabalho, não é acto ou facto que não permita o início ou continuação da execução da pena, antes consubstanciando diligências processuais prévias que o tribunal tem de levar a cabo, com vista a autorizar (ou não) que a pena de multa seja cumprida nessa modalidade, diligências que não assumem eficácia suspensiva da prescrição, fazendo parte da normal tramitação do processo, identicamente a todos os actos que são adoptados com o objectivo de executar as penas(30). Se assim não fosse, em todos esses momentos se poderia afirmar que, por não ser possível executar a pena, em sentido estrito, a prescrição sempre estaria suspensa, à mercê das contingências e atrasos dos vários tribunais, sem qualquer limite temporal definido, o que contraria em absoluto os princípios subjacentes ao instituto da prescrição.

"A reforçar este entendimento há que ter presente, ainda, o que sucede relativamente à suspensão e à interrupção do procedimento criminal, previstas nos artigos 120.º e 121.º, do Código Penal, preceitos em que o legislador pretendendo que o procedimento criminal se suspenda ou interrompa perante determinados actos ou situações processuais, indica-os especificadamente [...]"(31).

É por tais actos processuais não integrarem a causa de suspensão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal que, quanto à dilação no pagamento da pena multa, o legislador teve a necessidade de prever expressamente tal circunstância como suspensiva do prazo prescricional (alínea d) do referido normativo).

Nesta medida, seria necessário existir previsão legal expressa no sentido de atribuir ao requerimento apresentado pelo arguido a peticionar a substituição da multa por dias de trabalho, o valor de causa suspensiva da prescrição da pena, o que, manifestamente, não sucede.

Como tal e visando esse requerimento desencadear o procedimento judicial destinado a autorizar o cumprimento da pena de multa através da prestação de dias de trabalho, é imperativo concluir que o mesmo não suspende a execução da multa, antes conduz (sendo deferido) à sua concretização (naquela modalidade). Assim, encontrando-se a pena de multa em vias de ser cumprida, não se verifica a suspensão da prescrição pena, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

(…)”.

Por conseguinte, sendo o prazo de prescrição da pena de multa de 4 anos e não se tendo verificado qualquer ato suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional da pena, claro está que já há muito que se encontra decorrido o prazo de prescrição da pena de multa.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, impõe-se revogar o despacho recorrido, declarando-se prescrita a pena de multa aplicada ao condenado, ora recorrente.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Coimbra em declarar prescrita a pena de multa em que o ora recorrente foi condenado, ficando prejudicada a apreciação da questão levantada no presente recurso.

Sem tributação.