Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
651/09.8TBCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHORA
Data do Acordão: 05/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – C. BRANCO – JL CÍVEL – J 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 786º, 788º E 794º, Nº 2, DO NCPC.
Sumário: I – O credor que tenha deixado caducar a garantia hipotecária por não haver reclamado o crédito na ação executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência de instauração de ação executiva contra o devedor, a qual foi sustada nos termos do n.º 1 do art.º 794.º do CPC, reclamar o crédito com base na garantia referida na ação executiva em que omitiu a reclamação.

II. Pode contudo fazê-lo mediante invocação da segunda penhora, em situação de paridade com qualquer outro credor comum que goze de idêntica garantia.

Decisão Texto Integral:


I. Relatório

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que o Banco A..., S. A. instaurou contra P..., Ld.ª, ..., estes últimos na qualidade de herdeiros habilitados de M..., foi reclamado pelo Banco A..., SA um crédito no valor de €21.083,13 (vinte e um mil e oitenta e três euros e treze cêntimos), sendo €20.074,16 (vinte mil e setenta e quatro euros e dezasseis cêntimos) de capital e €1.008,97 (mil e oito euros e noventa e sete cêntimos) de juros vencidos sobre o capital em dívida e respectivo imposto sobre os juros.

Tal crédito, garantido por penhora sobre os imóveis penhorados nos autos principais, não foi objecto de impugnação, vindo a ser reconhecido por sentença que o graduou, no concurso com o crédito exequendo, em segundo lugar.

Após prolação da sentença veio a C... reclamar um crédito no valor de €13.193,01 (treze mil, cento e noventa e três euros e um cêntimo), sendo €12.567,13 a dívida de capital, juros vincendos contados desde 02 de Novembro de 2016 à taxa de 2,2274213%, cláusula penal, despesas, impostos e demais encargos, até integral pagamento.

O crédito reclamado, segundo alegou a reclamante, provém da concessão de empréstimo no valor de 12.000,000$00 mediante contrato celebrado com os executados, titulado por escritura pública celebrada em 8/11/2000. Para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas, os mutuários constituíram a favor da reclamante hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras ..., imóvel que se encontra penhorado nos autos principais.

Os mutuários não procederam ao pagamento das prestações vencidas desde 8/9/2013, tendo a reclamante considerado vencida a totalidade do empréstimo e instaurado acção executiva para cobrança dos montantes em dívida, a qual se encontra a correr termos na comarca de Castelo Branco. No âmbito desta acção foi penhorado o referido imóvel, penhora registada sob a Ap. ... de 2016/11/21, aguardando a reclamante e prolação do despacho de sustação.

Porque o crédito de que é titular tem por base título exequível e goza de garantia real sobre o imóvel penhorado, concluiu pedindo fosse o mesmo crédito reconhecido e pago pelo produto da venda segundo a preferência resultante da garantia que lhe assiste.

Notificado, veio o credor reclamante Banco A..., SA defender a intempestividade da reclamação, invocando para tanto que a reclamante, na qualidade de credor hipotecário, fora já citada pelo Sr. Agente de execução na sequência da penhora efectuada nos autos principais sem que tenha reclamado o crédito de que é titular no prazo de que então dispunha, citação que obsta à sua posterior intervenção espontânea.

A reclamante respondeu e, reconhecendo ter efectivamente perdido o direito de invocar a garantia hipotecária, defendeu que lhe assiste, ainda assim, o direito de reclamar o crédito de que é titular, o qual se encontra agora garantido por penhora posterior.

Foi então proferida decisão que, na procedência da impugnação, decidiu não reconhecer o crédito reclamado pela C...

Irresignada, apelou a reclamante e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:

“1. O credor que seja titular de um direito real de garantia pode intervir no processo executivo à ordem do qual o bem executado seja penhorado, contando que o faça: ou na sequência de citação para o efeito [art.º 786.º n.º 1 al. b) do CPC]; ou, quando não tenha sido citado, nas circunstâncias a que alude o disposto nos artigos 788º n.º 3 e 794º n.º 2 do CPC;

2. A ora Apelante foi efectivamente citada - nos termos do art.º 786º n.º 1 al. b) do CPC – em 13-11-2012, em virtude da evidência, à data, da existência de uma hipoteca voluntária (registada em 16-10-2000) constituída para garantia de um empréstimo concedido aos executados e ainda de uma penhora (registada em 24-02-2012), referente à execução de um título de crédito avalizado pelos Executados, ambas registadas a favor da C...;

3. Nessa altura, a C... não tomou posição no processo, circunstância que obsta a que se possa fazer valer do privilégio creditório imobiliário derivado do registo da hipoteca voluntária;

4. Por motivo de incumprimento no pagamento das prestações referentes ao contrato de mútuo garantido pela aludida hipoteca, a C... intentou a competente acção executiva para cobrança dos montantes em dívida, onde peticiona o pagamento da quantia de €12.567,13, acrescido de juros vincendos a partir de 02-11-2016, à taxa de 2,2274213%, cláusula penal, despesas, impostos e todos os demais encargos;

5. No âmbito da referida acção executiva, a ora Apelante logrou penhorar a seu favor o imóvel em questão (Ap. 2973 de 2016/11/21), tendo sido proferido despacho de sustação ao abrigo do disposto no art.º 794º n.º 1 do CPC, conforme notificação oportunamente junta nos presentes autos, circunstância que motivou a reclamação de créditos em apreço;

6. O Tribunal a quo mal andou ao não reconhecer o crédito nos termos reclamados pela CEMG, baseando a sua decisão em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005 (Proc. 05B1215), porquanto ali se trata de um caso com contornos diversos, onde, à data da citação do credor para reclamar os seus créditos, já se mostrava registada a penhora que veio a motivar a reclamação de créditos já decorrido o prazo concedido pela lei por via da citação que recebeu;

7. Circunstância diversa do presente processo em que, à data da citação, apenas se mostrava registada a hipoteca e já não a penhora (decorrente da execução do contrato garantido pela hipoteca), que só veio a ocorrer em 21-11-2016;

8. Conforme decidido no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 03-10-1995 (Proc. 086996), o credor que, citado para reclamar os seus créditos por via de hipoteca registada a seu favor, não o fizer no prazo legal, vê caducar essa garantia real de hipoteca. E, naturalmente, não pode tornear essa situação ao vir instaurar mais tarde processo executivo onde obtenha penhora posterior, que conduza à sustação da execução, e o leve a apresentar-se a reclamar ao primeiro processo, pretendendo aproveitar-se da garantia (de hipoteca) já caducada;

9. No entanto, sublinha-se, nada obsta a que beneficie da penhora que alcançou e que justificou a sustação da sua execução;

10. Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-12-2006 (Processo 7427/2006-8), se defende que: “o credor que tenha deixado caducar o direito real de garantia por não haver reclamado o crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência da sustação da execução que instaurou contra o devedor, reclamar o crédito, com base na referida garantia, na acção executiva em que omitiu a reclamação, apenas o podendo fazer com base em segunda penhora (cfr. Salvador da Costa, em O Concurso de Credores, 1998, pág. 265 e citado acórdão do STJ de 3/10/95).”;

11. E, do mesmo modo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-11-2003 (Processo 0322807), diz-se que: “O Prof. Alberto dos Reis, debruçando-se sobre esta situação perante o direito anterior, nesta parte com regime idêntico ao actual, já ensinava que os credores com direitos reais de garantia que não se apresentassem a reclamar os seus créditos no processo executivo, tendo sido citados nos termos do art.º 864º, sofriam a consequência de “ver desaparecer o seu direito de garantia”, o qual caduca, subsistindo embora o crédito, visto que nenhuma causa legítima o fez extinguir. Neste caso, a caducidade do direito real de garantia opera-se sem qualquer contrapartida, podendo o credor fazer valer o seu crédito contra o devedor, na qualidade de credor comum (Ob. cit., pág. 409).” (sublinhado nosso);

12. O que se verifica é que “o credor passa a dispor de duas garantias reais. A garantia real que lhe permitia reclamar o crédito de acordo com o estabelecido no artigo 865º e aquela que lhe adveio da penhora realizada em execução por si movida contra o mesmo executado, que, por ser mais recente face ao registo, lhe permite a reclamação do mesmo crédito ao abrigo do artigo 871º nº 1.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-11-2005);

13. Em face do exposto, forçoso é concluir que a ora Apelante tem direito a reclamar o seu crédito com base apenas na penhora, registada em data posterior à citação, como efectivamente fez (tendo apenas caducado o seu direito de fazer valer a hipoteca), pelo que, e salvo o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo ao não reconhecer o crédito reclamado pela CEMG, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que, admitindo a sua reclamação, gradue o crédito reclamado pela C... no lugar que lhe compete, em virtude da penhora de que é titular, e que lhe confere o direito a reclamar ao abrigo do disposto no art.º. 794º do CPC”..

Conclui pedindo que na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida “com as legais consequências”.

Tanto quanto resulta dos autos, não foram apresentadas contra alegações.

Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, conforme foi correctamente enunciada pela apelante, a única questão suscitada no recurso vincula a decidir sobre a admissibilidade e tempestividade da reclamação de créditos em execução pendente, deduzida ao abrigo do art.º 794.º do CPC, quando o reclamante, citado na qualidade de credor hipotecário nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 786.º, n.º 1, al. b), não reclamou o seu crédito no prazo a que alude o art.º 788º n.º 2 do mesmo diploma, tendo-se a garantia da penhora constituído em data posterior a tal citação.

II. Fundamentação

São os seguintes os factos a considerar, os quais resultam comprovados pelos documentos juntos aos autos:

1. Na execução comum para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, foi penhorada, em 29 de Março de 2011 (Ap. 3430), para garantia da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução, a fracção autónoma sita na freguesia e concelho de Castelo Branco, descrita na Conservatória do Registo Predial de ...

2. A aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel id. em 1. a favor do Executado/Reclamado, A..., encontra-se registada sob a Ap. ..., de 16 de Outubro de 2000.

3. Através da Ap. ..., de 16 de Outubro de 2000, foi registada sobre o imóvel descrito em 1. hipoteca voluntária a favor da C..., para garantia do capital de 12000 000$00, assegurando o montante máximo de 15.824.244$00, proveniente de empréstimo concedido com uma taxa de juro anual de 6,622%, acrescida de uma sobretaxa de 4% em caso de mora.

4. Através da Ap. ..., de 24 de Fevereiro de 2012, foi registada sobre o imóvel descrito em 1. penhora a favor da C... para satisfação da quantia exequenda de €2.949,49, a qual foi ordenada e efectuada no âmbito do processo executivo que correu termos sob o n.º ...

5. Através da Ap. ..., de 30 de Março de 2015, foi registada sobre o imóvel descrito em 1. penhora a favor do Reclamante Banco A..., S. A., efectuada no âmbito do processo executivo n.º ...

6. Através da Ap. ..., de 21 de Novembro de 2016, foi registada sobre o imóvel descrito em 1. penhora a favor da reclamante C..., no âmbito do processo executivo que corre termos sob o n.º ... para cobrança da quantia de €13.823,84, sendo a quantia exequenda de €12.567,13 e as despesas prováveis de €1.256,71, dívida proveniente do incumprimento do empréstimo hipotecário referido em 3.

7. Na execução comum para pagamento de quantia certa da qual os presentes autos constituem apenso, foi penhorado, em 22 de Abril de 2014 (Ap. 2229), para garantia da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução, o prédio rústico sito na freguesia de ...

8. A aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel id. em 7. a favor do Executado/Reclamado, A... encontra-se registada sob a Ap. ..., de 29 de Março de 2010.

9. Através da Ap. ..., de 17 de Março de 2015, foi registada sobre o imóvel descrito em 7. penhora a favor do Reclamante, Banco A..., S. A., no âmbito do processo executivo n.º...

10. Na execução comum, para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, foi efectuada penhora em 22 de Abril de 2014 (Ap. 2229), para garantia da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução, do prédio rústico sito na freguesia de ...

11. A aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel id. em 10. a favor do Executado/Reclamado, A... encontra-se registada sob a Ap. ..., de 29 de Março de 2010.

12. Através da Ap. ..., de 17 de Março de 2015, encontra-se registada sobre o imóvel descrito em 10., penhora a favor do Reclamante, Banco A..., S. A., no âmbito do processo executivo n.º ...

13. Foram reconhecidos os créditos reclamados pelo Banco ..., S. A., por sentença proferida nos autos em 26 de Janeiro de 2016.

14. A Reclamante C... foi citada no âmbito dos autos principais de execução com o n.º ..., em 13 de Novembro de 2012, nos termos e para os efeitos então previstos no art.º 864.º do CPC.

15. Por decisão proferida pelo Sr. AE em 14/12/2016 no âmbito do referido processo ..., que a reclamante move aos executados, foi decretada a sustação da execução quanto ao imóvel identificado em 1., tendo a exequente C... sido notificada mediante carta enviada nessa mesma data.

De Direito

Da tempestividade da reclamação

Dispunha o art.º 864.º do CPC ao tempo do seu cumprimento nos autos principais (disposição que o art.º 786.º do CPC agora em vigor reproduziu sem modificação relevante no que importa à presente decisão), que no prazo de 5 dias contados da realização da última penhora o agente de execução citava “O credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, para reclamarem o pagamento dos seus créditos” (al. b) do n.º 3), citação que, nos termos do n.º 9, deveria ser efectuada no domicílio constante do registo, salvo se outro domicílio fosse conhecido.

Na sequência de tal citação tinha o citado o prazo de 15 dias para reclamar, pelo produto dos bens penhorados, o pagamento do seu crédito (vide n.ºs 1 e 2 do art.º 865.º então em vigor, a que corresponde o art.º 788.º do CPC vigente), prevendo o n.º 3 a intervenção espontânea do credor titular de garantia real não citado até à transmissão dos bens penhorados. Neste último caso, quando o reclamante tivesse obtido a penhora dos mesmos bens em outra execução, esta seria sustada quanto a tais bens, salvo se já tivesse tido lugar a sustação nos termos do artigo 871.º (vide n.º 5 do preceito em análise).

No caso em apreço, conforme resulta da factualidade assente, a ora apelante, na qualidade de credora hipotecária -irreleva a penhora também registada a seu favor levada a cabo no processo identificado no ponto 4. da matéria de facto, uma vez que tal crédito, com diferente origem, não foi então, nem posteriormente, reclamado nestes autos- foi citada para reclamar o seu crédito, conforme então impunha o n.º 3 do art.º 864.º, nada tendo feito. Não obstante, decorridos anos, e com fundamento no incumprimento do mútuo celebrado com os executados, crédito para cuja garantia fora constituída a hipoteca registada sobre a fracção autónoma identificada no ponto 1., instaurou acção executiva, processo que corre termos sob o n.º ..., no âmbito do qual foi aquele imóvel penhorado, vindo a execução quanto a tal bem a ser sustada nos termos do art.º 794.º, n.º 1 do CPC em vigor. Pretendendo fazer valer tal garantia, reclamou a agora apelante o seu crédito, o qual não veio a ser reconhecido pela Mm.ª juíza, que fundamentou a decisão do seguinte modo:

“Nos termos do artigo 788.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados (sublinhado nosso).

Por seu turno, o artigo 794.º, n.º 2 do Código de Processo Civil prescreve que se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação (sublinhado nosso).

Da concatenação dos dois citados preceitos legais resulta, em primeiro lugar, que a lei admite que o titular de direito de crédito sobre o executado que não seja parte na execução, possa nela intervir para reclamar os seus créditos em duas circunstâncias – a primeira, quando seja titular de direito real de garantia e não tenha sido citado (na medida em que pode ter-se dado o caso em que, sendo titular de direito real de garantia, tenha sido já citado para o efeito – cf. resulta do artigo 786.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil); ou quando não tenha sido citado naquelas circunstâncias, venha a penhora efectuada à ordem de processo em que seja exequente ser sustada em virtude do registo de penhora mais antiga.

Verifica-se, por conseguinte, que o credor tem sempre possibilidade de intervir no processo executivo à ordem do qual o bem do executado seja penhora, contando que o faça ou na sequência de citação para o efeito, ou quando, não tendo sido citado, nas circunstâncias a que alude o disposto nos artigos 788.º, n.º 3 e 794.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.

Sucede, porém, que, no caso dos autos, cf. se aferiu supra, o credor reclamante foi, de facto, citado no âmbito dos autos principais de execução, na sequência da penhora do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º ...

Contudo, o mesmo apenas agora, no âmbito dos presentes autos, veio reclamar os créditos de que se arroga titular sobre o executado.

Na medida em que o credor reclamante havia já sido citado para efeitos de reclamação de crédito, sem que tenha tomado qualquer posição nesse sentido, não pode agora o mesmo pretender ver reconhecido o seu crédito, ainda que prescindindo da garantia real assegurada pelo registo da hipoteca voluntária.

Anote-se, uma vez mais, que o disposto no artigo 794.º, n.º 2 do Código de Processo Civil depende da circunstância do credor reclamante não ter sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, o que, como se aferiu, não se verifica nos presentes, tendo o credor reclamante sido citado, cf. já referido, em 13 de Novembro de 2012.

Por seu turno, também não se pode reconduzir a actuação do credor reclamante ao disposto no artigo 788.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, na medida em que também não se está perante situação em que o aquele venha reclamar espontaneamente os seus créditos – aliás, o facto de ter já sido citado no âmbito dos autos principais afasta, desde logo, o preenchimento dos requisitos plasmados naquele preceito legal.

Donde forçoso se torna concluir que a possibilidade concedida pelos citados preceitos legais, do ora Requerente vir reclamar os seus créditos se exauriu ao não ter tomado posição na sequência da citação efectuada ao abrigo do disposto no artigo 786.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.

(…)

Donde, pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, não reconheço o crédito reclamado pela C...”.

A Mm.ª juíza invocou ainda, em abono do entendimento perfilhado, o acórdão do STJ de 12 de Maio de 2005 (proferido no processo 05B1215 oriundo do TRC, aqui com o n.º 1865/04, sendo Relator o Ex.mº Sr. Cº Custódio Montes). Todavia, e conforme bem assinala a apelante nas suas alegações, o enquadramento fáctico do aresto em causa difere do quadro factual aqui fixado num aspecto essencial, a saber, a penhora ali considerada e de que o reclamante -que era credor hipotecário- quis (também) prevalecer-se na reclamação, existia já à data em que fora citado para os termos então previstos no art.º 864.º do CPC, donde não poder tal entendimento ser, sem mais, transposto para os presentes autos. E (boas) razões militam, a nosso ver, no sentido de que será de admitir e reconhecer o crédito reclamado pela apelante. Vejamos, pois.

Conforme assinala Salvador da Costa, in “O Concurso de Credores”, Almedina 1998, pág. 7, “O fundamento último do concurso de credores circunscreve-se ao facto de, nos termos do art.º 601.º do CC, o património do devedor constituir a garantia geral de todos os credores” e “Visa expurgar os bens objecto de execução dos direitos reais de garantia que os onerem, para evitar a sua desvalorização, sobretudo no interesse do exequente, do executado e dos respectivos adquirentes (…)”.

Com efeito, e conforme estabelece o n.º 2 do art.º 824.º do mesmo CC, por efeito da venda executiva caducam todos os direitos reais de garantia, sejam eles de constituição anterior ou posterior à penhora, tenha ou não havido reclamação na execução dos créditos que garantem. Daqui decorre que a ausência de reclamação, por banda do credor citado nos termos do art.º 864.º do CPC (a que corresponde o agora vigente 786.º), do seu crédito provido com garantia real, conduz à caducidade dessa garantia, pois só assim se garante a transmissão dos bens penhorados nos termos impostos pela lei.

Nestes termos, tendo a reclamante sido citada para reclamar o seu crédito, o qual se encontrava garantido por hipoteca -garantia real que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, cf. n.º 1 do art.º 686.º do CC- e não o tendo feito, caducou aquela garantia, o que a apelante não questiona.

Todavia, conforme sustenta com razão, o seu crédito não se extinguiu, nada obstando portanto à instauração de posterior acção executiva tendo em vista a cobrança coerciva do mesmo, aí fazendo penhorar o mesmo (ou qualquer outro) bem dos devedores, havendo agora que decidir se pode ou não fazer valer esta nova garantia no processo onde foi efectuada a penhora prioritária, nos termos do art.º 794.º do CPC.

Nos termos do preceito vindo de citar, “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”. Dispõe, por seu turno, o n.º 2 que “se o exequente não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação da sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante”.

Numa interpretação literal deste n.º 2, entendeu-se na decisão apelada que tendo a apelante sido citada nestes autos -processo da penhora mais antiga- para reclamar o seu crédito, estava precludido o direito de o fazer posteriormente, na sequência da sustação da execução, ou mediante intervenção espontânea, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 788.º.

É certo que a reclamante foi oportunamente citada, conforme resultou apurado e de pronto reconheceu. Todavia, e como se assinalou, tal citação teve lugar face à evidência de que o crédito de que era (é) titular se encontrava garantido por hipoteca voluntária registada a seu favor, não fazendo portanto sentido que, não tendo oportunamente feito valer tal garantia mediante a reclamação do seu crédito, pudesse vir a fazê-lo mais tarde nos termos e prazos prescritos no art.º 794.º, possibilidade que o n.º 2 visou efectivamente excluir. Todavia, nada impede, em nosso entender, que sustada a execução por si promovida para cobrança do crédito -o qual, repete-se, não se extinguiu com a caducidade da garantia real hipotecária- venha a reclamá-lo no processo onde teve lugar a penhora prioritária, agora provido da garantia real conferida pela penhora efectuada naqueles autos, visando fazer-se pagar pelo produto da venda do bem penhorado e segundo a preferência que resultar da aplicação da regra estabelecida no art.º 822.º do Código Civil, em situação de paridade com outros eventuais credores comuns.

Deverá assim entender-se que “O credor que tenha deixado caducar o direito real de garantia por não haver reclamado o crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incida aquele direito, não pode, na sequência de instauração de acção executiva contra o devedor, em relação à qual obteve a suspensão da instância, reclamar o crédito com base na garantia referida, na acção executiva em que omitiu a reclamação, porque só o pode fazer com base em segunda penhora” (Salvador da Costa, obra citada, pág. 265, sendo nosso o destaque, citando em sentido concordante o aresto do STJ de 3/10/95, na CJ ano III, tomo 3.º, pág. 41, cujo sumário se encontra acessível em www.dgs.pt, entendimento depois reiterado nos arestos do TRL de 14-12-2006, proferido no processo 7427/2006-8[2] e do TRP de 11-11-2003, no processo 0322807[3], todos citados pela recorrente nas suas alegações).

Em face do exposto impõe-se concluir que, ao invés do decidido, tem a apelante o direito de reclamar o seu crédito no contexto do art.º 794.º, n.º 2 do CPC, crédito que, destituído da hipoteca que o garantia por força da verificada caducidade, se apresenta agora garantido pela penhora efectuada na execução sustada, garantia real que lhe confere o direito a ser pago pelo produto da fracção penhorada com preferência a credor que não disponha de garantia real anterior.

Assim tendo concluído pela admissibilidade/tempestividade da reclamação, não pode a decisão proferida subsistir, cumprindo reconhecer o crédito, se disso for caso, e graduá-lo no lugar que lhe competir.

*

Nos termos do disposto no artigo 788.º, n.ºs 1 e 8, do Código de Processo Civil, o credor titular de título exequível que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, por apenso à execução na qual tenha sido efectuada a penhora, o pagamento do seu crédito.

Resulta do preceituado no n.º 4 do artigo 791.º do mesmo diploma que serão havidos como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados, sem prejuízo das excepções ao efeito cominatório da revelia, vigentes em processo declarativo, ou do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação.

No caso vertente, tendo sido impugnada pelo exequente Banco ..., S. A. a admissibilidade da reclamação, não questionou, em bom rigor, nem a existência do crédito nem a garantia real constituída pela penhora posterior que, de resto, se mostram comprovados nos autos, pelo que o crédito da reclamante há-de ser havido como reconhecido.

Reconhecido o crédito, cumpre agora graduá-lo no lugar que lhe competir.

Epigrafado de “Concurso de credores”, dispõe o art.º 604.º do CC que

“1. Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos.

2. São causas de preferência, além de outras referidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção”.

Quer o crédito exequendo, quer ambos os créditos reclamados se encontram garantidos por penhoras registadas. A penhora, nos termos do antes citado art.º 822.º do CC, confere ao exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, sendo portanto uma causa legal de preferência.

A anterioridade, tratando-se de penhoras registadas, será determinada pela data do respectivo registo (cf. artigo 6.º, n.º 1 do Código do Registo Predial), termos em que, pelo produto da venda da fracção identificada em 1., serão pagos os créditos reconhecidos nos autos pela ordem seguinte:

1.º- o crédito exequendo;

2.º- o crédito titulado pelo reclamante Banco A..., SA;

3.º- o crédito titulado pela reclamante C...

Decisão

Acordam os juízes da 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência:

- julgam reconhecido o crédito reclamado pela apelante C... no montante de €13.193,01, respeitando €12.567,13 à dívida de capital, acrescido dos juros entretanto vencidos e nos vincendos nos termos reclamados;

- graduam os créditos em concurso para serem pagos pelo produto da venda da fracção autónoma identificada em 1. pela ordem seguinte:

1.º- o crédito exequendo;

2.º- o crédito titulado pelo reclamante Banco A..., SA;

3.º- o crédito titulado pela reclamante C...

As custas ficam a cargo dos reclamados, saindo precípuas do produto da venda do bem penhorado (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2 e 541.º do Código de Processo Civil).

As custas do recurso ficam a cargo do Banco exequente.

Relator:

Maria Domingas Simões

Adjuntos:

1º - Jaime Ferreira

2º - Jorge Arcanjo

Sumário

I. O credor que tenha deixado caducar a garantia hipotecária por não haver reclamado o crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência de instauração de acção executiva contra o devedor, a qual foi sustada nos termos do n.º 1 do art.º 794.º do CPC, reclamar o crédito com base na garantia referida na acção executiva em que omitiu a reclamação.

II. Pode contudo fazê-lo mediante invocação da segunda penhora, em situação de paridade com qualquer outro credor comum que goze de idêntica garantia.

[1] Sumário com o seguinte teor:

 “I - A preferência concedida pelas garantias da hipoteca e da penhora (artigos 686 n. 1 e 822 n. 1 do Código Civil) acompanha as datas dos seus registos prediais.

II - A falta de reclamação pelo credor, que tenha sido citado para a execução, do seu crédito com garantia real, leva à caducidade dessa garantia, pois só assim os bens serão transmitidos livres de direitos reais de garantia (artigo 824 do Código Civil).

III - Aquela caducidade da garantia real de hipoteca não pode ser torneada pela circunstância de o credor, que se não aproveitou dessa garantia hipotecária, vir instaurar mais tarde processo executivo onde obtenha penhora posterior, que conduza à sustação da execução e o leve a apresentar-se a reclamar no primeiro processo, pretendendo aproveitar-se daquela garantia já caducada, sem prejuízo de poder beneficiar da penhora que alcançou e que justificou a sustação da sua execução.”

[2] Assim sumariado:

“O credor hipotecário que não reclamou o seu crédito uma vez citado nos termos do artigo 864.º do Código de Processo Civil, não pode, na sequência de sustação de execução nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil, reclamar o crédito com base na referida garantia real, apenas o podendo fazer com base na segunda penhora.”
[3] No qual se destaca “Deste modo, o credor que tenha deixado caducar o direito real de garantia por não haver reclamado o crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência da sustação da execução que instaurou contra o devedor, reclamar o crédito, com base na referida garantia, na acção executiva em que omitiu a reclamação, apenas o podendo fazer com base em segunda penhora”.